A Cultura Evangélica Brasileira e a Elite Cultural.

O tapa que a cultura pop deu na cara da conservadora elite cultural brasileira nos anos 90, dói até hoje. Expressões como “neoliberalismo”, “sustentabilidade” e (a mais queridinha de todas) “globalização”, eram como biscoito de polvilho na boca de estadistas, intelectuais, jornalistas e outros. Já para alguns da dita “classe popular”, eram como água de piscina que entrou no ouvido. Enquanto a Europa ainda se esforçava para despachar os resquícios dos entulhos do Muro Berlim, e o Brasil vivia aquela aflição de noiva em dia de esponsais às vésperas da ECO 92, simultaneamente explodiam três bombas no território guarani: o axé, o funk e a música evangélica.  

        Embora os dois primeiros sejam considerados fenômenos culturais de grandes proporções e, no entanto, de baixa qualidade artística e de pouca relevância, a música evangélica não mereceu nem isso. Foi relegada ao mais sutil dos silêncios: o desprezo.

        Enquanto os elitistas caiam de joelhos ante a invasão de toda sorte de lixo cultural norte-americano, músicos, técnicos, cantores e instrumentistas se especializavam buscando o aperfeiçoamento e, em consequência, a profissionalização da música gospel. E isso se dava numa conjuntura cultural totalmente desfavorável: nessa época, qualquer um virava cantor no Brasil, qualquer coisa apoiada numa simples nota era chamada de “música”, tanto que a música eletrônica sem letra passou a ser o hino de muitos jovens nas festas RAVE. Enquanto que para ser um simples cantor evangélico, mesmo um dessas igrejinhas de bairros pobres, exigiam-se mais e mais habilidades e técnicas – não bastava ter voz bonita ou ser o filho ou a filha do pastor.

        A década acabou. Mas o silêncio da elite cultural não. Foi necessário que o reconhecimento viesse do estrangeiro: o Grammy latino com Aline Barros. Ainda assim não foi bastante para que a elite enxergasse aquilo que está a um palmo de seu nariz: as múltiplas qualidades da música cristã. É claro que o objetivo de tal gênero não é o reconhecimento, é louvar ao Senhor e com um só propósito: honrá-lo glorificando-o. Mas a falácia do discurso que a elite cultural apregoa aos quatro ventos de “valorização da diversidade cultural brasileira” é de fazer doer! De doer em sua própria pele.

        E não é só isso. A rica contribuição linguística ao idioma de Camões atingiu a todas as classes sociais. Jargões como “irmão”, “abençoado”, “varão”, “A paz de Cristo”, “vigia” entre outras, são conhecidos até por aqueles que não creem em Deus.

        Dos retiros espirituais que são perfeitas expressões de festividade e harmonia entre os participantes, às encenações de peças teatrais e à dança profética, os evangélicos dão vários exemplos de verdadeira cultura. E não é preciso citar as produções cinematográficas que, embora incipientes, com pouco público e com divulgação precária, vão pouco a pouco ganhando espaço e a admiração de muitos. A saber: meu objetivo aqui não é classificar tal cultura como boa, melhor, superior a esta ou aquela, e sim provar, baseando-me em fatos verificáveis, que é cultura também e merece ser respeitada como tal.

        Não obstante, o reconhecimento seja mesmo difícil por sua inerência intrinsicamente lógica. Sim, lógica: a cultura evangélica brasileira cresce como semente plantada na rocha pura. Então, estupefata, a elite cultural brasileira questiona:

        “Como pode uma semente ter germinado na rocha pura?!”

Não encontram outra resposta senão o silêncio. Eis sua postura.