Para António Sérgio “o problema da cultura é uma questão de mentalidade”. Esta é comum e adquire-se muito gradualmente. A mentalidade é uma coisa que não se pode ensinar, pois é o resultado das convicções mais profundas de cada um, faz parte da vida de todos nós.

Por outro lado, Protágoras afirma “o homem é a medida de todas as coisas” e, contrariamente, Platão afirma que “Deus é que deve ser a medida de todas as coisas” e, finalmente, Jorge Dias pretende que “o coração é que se torna a medida de todas as coisas”, mas, Ortega defende que “na cultura não há caminho, este faz-se no andar, porque a cultura é ativa, exige sonho, mesmo acordado, reivindica invenção, aponta para o futuro e pressupõe esperança”.

A Cultura manifesta-se nas formas de agir, sentir e pensar que vão sendo apreendidas, isto é, traduz a totalidade do modo de vida de um povo, transmite-se pela tradição oral ou escrita, ritual ou monumental.

a) Características da Cultura – É uma atividade que diz respeito ao homem individual (domínio do subjetivo) e que contém, intimamente, a ideia de transformação no sentido do melhor. É um processo de valorização do homem, um produto do espírito humano, uma sobreformação do carácter, uma “aristocracia do espírito”, segundo o conceito dos gregos.

Uma cultura é sempre uma relação histórica com o passado, uma relação atual com o presente e uma direção para o futuro, porque como produtores e portadores de cultura, pertencemos, efetivamente, ao passado e quando ignoramos este pressuposto estamos a gerar uma grave crise cultural.

Não se trata de saudosismo, não se pretende um seguidismo dos actos praticados por homens valorosos, mas tão só assumir esse passado, sem preconceitos nem complexos, numa perspectiva de preparar condignamente o futuro. Aqui reside a grande virtualidade da cultura, é nesse contexto que se tem de compreender o homem no seu mundo.

A cultura é memória e desejo, uma recapitulação do mundo antigo em projeção para o futuro. A cultura é mais uma formação de carácter do que transmissão de saber, uma valorização total do homem, no sentido da sua otimização humana, pelo que não há cultura sem um certo conceito de humanismo, que lhe sirva de suporte e de orientação permanentes.

 

b) Humanismo como Envolvente da Cultura – Uma cultura que não possua uma ideia de humanismo a propor, é uma cultura sem fundamento e, como tal, indigna de se lhe chamar cultura. É imperioso mostrar e desenvolver o que no homem há de puramente humano e aqui se revela a função inigualável da Arte, da Literatura e da Filosofia, esta como a última forma de cultura que o homem criou

Em nossos dias parece começar a compreender-se, no sentido lato, que mais do que os produtos criados pelo progresso (ciência e técnica) e alcançados pelo homem, este vale incomparavelmente muito mais.

No entanto, com as alterações profundas da educação e das inter-relações sociais, o sistema de valores vai-se modificando. O homem transforma-se, paulatinamente, ao longo da história e, ao fim de séculos vividos de várias formas, sob diversos sistemas, enfrenta hoje um mundo que se evoluciona vertiginosamente, e a cuja influência não pode escapar.

O predomínio de alguns países é cada vez maior, e o inter-relacionamento universal é um facto irrecusável, porque ele assenta na interdependência dos povos. Hoje e em toda a parte o dinheiro é “a medida de todas as coisas” e passa a substituir o coração, a razão, os valores universais, a religião e a cultura.

Os valores verdadeiramente humanos estão, de facto, em crise, e por isso se vislumbram já alguns “ventos de mudança”, no sentido de um moderno renascimento humanista, num agarrar toda uma cultura que, afinal, é património universal. Os valores do homem, enquanto pessoa de direitos e deveres, não estão completamente perdidos, mas antes, dir-se-ia, estão, preconceituosamente esquecidos.

A positividade da História Humana mostra que nunca houve motivos para desespero, o bom senso e a esperança sempre reinaram, de resto, a Esperança sempre foi e será uma boa saída para a crise e para a projeção de um futuro mais promissor.

Um projecto de futuro, que leve consigo a ousadia da Esperança, o atrevimento da Utopia, mas que assente sobre a racionalidade e a tradição dos valores fundamentais do homem, nomeadamente nas ideias de Amizade, de Justiça, de Lealdade, de Fraternidade, de Solidariedade, de Bondade e de Verdade, entre tantas outras que se mantêm atuais.

c) Compreender a Revolução Cultural – A capacidade de reflexão pode desenvolver-se em nostalgia ou projecto, não coincidindo com o momento, reenchendo a insatisfação pela colocação noutro tempo das hipóteses ou decisões, porque toda a reflexão é metafórica de uma ação, campo substituto de uma implantação radical que vai crescendo.

O pensamento só vale na medida em que a aplicação material o prossegue, o que significa que algumas questões, desde logo, se colocam, nomeadamente: em que medida reflexão e ação se perseguem, se condicionam, se corrigem e se inter-dizem; ou, ainda, em que medida revolução e cultura se podem articular, isto é, haverá a revolução da cultura ou a cultura da revolução?

Logicamente que não se pode compreender uma revolução cultural quando em ações de campanha e dinamização cultural se vê uma maciça lavagem aos cérebros, a coberto de uma ação pretensamente cultural que apenas serve fins ideológicos e de propaganda político-partidária, com recurso a uma linguagem profundamente ideológica.

Ora, a análise do discurso dos outros é feita pelo discurso do intelectual, o qual procura pela ação cultural vincular-se, dialeticamente, no confronto das classes sociais.

Assim, verifica-se que se a revolução política for exatamente aquilo que deve ser, ou seja, uma revolução feita pela cultura, e que novas formas de cultura, inevitavelmente, determinará, então é evidente que haverá um primeiro estádio cultural, formado pelas aquisições do conhecimento e pelas projeções do desejo, que vive, fundamentalmente, dos processos estabelecidos pela sociedade; enquanto que, num segundo estádio da cultura, que consiste numa aquisição da revolução e que corresponde a uma satisfação das necessidades e desejos.

Pode-se, portanto, compreender a Revolução Cultural como um processo de valorização do homem, integrado numa cultura, numa história, sem relações de exclusão de valores humanistas e de princípios universais, e que jamais se deverá enveredar por qualquer tipo de cultura da revolução, porquanto se cairá, indubitavelmente, em fanatismos ideológicos, religiosos e partidários.

Acção, História e Texto, estarão sempre integrados numa Revolução Cultural, é nessa perspectiva que se torna importante compreender qualquer mensagem cultural, porque esta denota, de alguma forma: «O conjunto das crenças, dos conhecimentos, dos ritos e dos comportamentos tradicionais de uma sociedade (…) não passando, porém, de uma ilusão, se não for tolerante porque aberta à variedade das culturas». (Dicionário Filosofia, Gérard Legrand, s.d.: 104)

 

d) Compreensão e Explicação, Resultam na Interpretação – Sendo a cultura uma condição fundamental para a compreensão, é bem sabido que esta depende num outro aspecto da melhor explicação possível, o que remete para uma dialética que não pode seguir por uma relação de exclusão mas, bem pelo contrário, deve manter uma tensão entre polos de momentos relativos, num processo complexo que conduz à interpretação, que é o apogeu deste mesmo processo, o qual apresenta uma dissensão epistemológica e ontológica.

Assim, entre explicação e compreensão há uma relação recíproca, considerando que esta só se concretiza desde que aquela coloque, claramente, o objecto da sua explicitação, ou seja, a compreensão apela à explicitação através de uma situação de diálogo, onde se verifique o jogo de perguntas e respostas.

 Inversamente, não existe explicação que não se conclua pela compreensão, há como que um laço dialético entre explicar e compreender, que tem por consequência uma relação muito complexa entre ciências humanas e ciências da natureza. Explicar e compreender são, portanto, dois momentos relativos de um único e mesmo processo – a interpretação -, a compreensão envolve a explicação sendo desenvolvida analiticamente por ela.

e) Teoria da História no Processo Interpretativo – Sendo uma das características da cultura o modo de sentir e agir de um povo, a este modo de agir não lhe é alheia toda uma ação humana, que no passado se teria desenvolvido e que hoje é parte integrante de uma certa tradição e cultura.

É neste processo de transmissão dos factos passados às gerações do presente, que tem especial relevância a Teoria da História, que desde já vem reforçar a dialética da explicação/compreensão, assente nos três vetores fundamentais: Teoria do Texto, Teoria da Acção e Teoria da História.

A História, numa perspectiva da historiografia, é uma espécie de narrativa verdadeira, porque se refere às ações dos homens do passado, consistindo no presente em reativar ou repensar o pensamento passado no pensamento presente do historiador.

Uma história, de facto, é compreender uma sucessão de ações, de pensamentos, de sentimentos, apresentando, ao mesmo tempo, uma determinada direção, e assim a História não pode ser dedutível e, muito menos, previsível, embora exista uma ligação de continuidade lógica, visto que a saída deve ser, simultaneamente, contingente e aceitável.

Compreender a História é seguir a História, sem deduções, corrigindo antecipações até que elas coincidam com a saída real e, se tal for conseguido, então pode-se dizer que a História é compreendida como uma narrativa verdadeira.

Por outro lado, a explicação permite avançar na História quando a compreensão espontânea é posta em causa. Este jogo alternativo de compreensão/explicação não constitui dois métodos opostos, senão, diferentes, porquanto se pode afirmar que a compreensão não é um método, mas um momento que, nas ciências da interpretação, se compõe com o momento metódico da explicação. Este momento antecede, acompanha, encerra e assim envolve a explicação que desenvolve, analiticamente, a compreensão.

 

Bibliografia

 

DIAS, Jorge, (1971). Estudo do Carácter Nacional Português. Lisboa: Centro de Estudos de Antropologia Cultural, Tomo 7.

SÉRGIO, António, (1974). Obras Completas: Ensaios, 1ª edição, Tomo VII, Lisboa: Sá da Costa.

SÉRGIO, António, (1976). Obras Completas: Ensaios, 2ª edição, Tomo I, Lisboa: Sá da Costa.

SÉRGIO, António, (1984). Educação Cívica. Lisboa: ICLP/ME.

 

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

 

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