INTRODUÇÃO

 

A dignidade da pessoa humana é um princípio supremo, inerente às personalidades humanas e que concede unidade aos direitos e garantias fundamentais. Com a aplicação desse fundamento fica afastado o poder Estatal, predominante sobre as vontades individuais. A dignidade é uma premissa que acompanha a própria vida, trazendo consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais homens, além de representar um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. 

Para cumprir este fim, a nossa Constituição Federal, em seu art. 1o, III – situado no Título I, referente aos Princípios Fundamentais –, assim dispõe:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III - a dignidade da pessoa humana;”

Podemos perceber, ainda, que o legislador, no intuito de deixar clara a amplitude do princípio da dignidade da pessoa humana, o insere em diversas partes da Constituição, principalmente no trecho reservado aos direitos e garantias fundamentais, mais precisamente no art. 5o e em alguns de seus incisos, como segue: 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

...

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

...

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

...

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”

 

Dessa maneira, ao visualizarmos o dispostoem nossa ConstituiçãoFederal, ficamos ainda mais perplexos com a situação em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro. Fazem parte do dia-a-dia do nacional as notícias sobre a violência, fugas, rebeliões e demais tragédias ocorridas nas prisões.

É com essa visão que o presente trabalho monográfico foi elaborado, procurando-se sempre entender o que leva um país possuidor de um princípio tão “forte”em sua ConstituiçãoFederala possuir tal lastimável situação carcerária.

Será demonstrada, em um primeiro momento, por meio de uma evolução histórica e de demonstrações atuais, a inegável importância do Princípio da dignidade da pessoa humana. Após, será feito um minucioso estudo histórico acerca do Sistema Prisional, com posterior análise da atual situação em nosso país. Por fim, serão apresentadas medidas que podem ser muito eficazes para a humanização do sistema prisional brasileiro.      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO E VALOR

 

Para que possamos ter uma melhor compreensão acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, necessário se faz entendermos os princípios como um todo, para após fazermos um estudo mais específico.

Inicialmente, é preciso deixar clara uma distinção entre princípio e valor, para buscar eliminar a confusão que se fez entre os conceitos na atual linguagem jurídica.

Dessa maneira, corriqueiramente se tem usado os dois termos indistintamente, como se tivessem o mesmo conteúdo semântico.

No entanto, enquanto o valor é sempre um relativo, na medida em que “vale”, ou seja, aponta para uma relação, o princípio se impõe como um absoluto, como algo que não comporta qualquer espécie de relativização.

O princípio é, portanto, um axioma inexorável e que, do ponto de vista do Direito, faz parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento. Impossível afastá-lo, então.

O valor sofre toda a influência de componente histórico, geográfico, pessoal, social, local, etc. e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras de interpretação – jurídicas ou não. Por isso, há muitos valores, bem como são indeterminadas as possibilidades de a respeito deles conjecturar. Eles variarão na proporção da variação do tempo e do espaço, na relação com a própria história corriqueira dos indivíduos.

O princípio não é assim. Uma vez constatado, impõe-se sem alternativa de variação, e, como veremos, é nessa constatação que reside nosso problema. Por isso, temos que buscar um caminho para elucidá-lo.

 

 

2.2 OS PRINCÍPIOS COMO “COMANDO MAIOR”

Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo o sistema ético-jurídico, os mais importantes a serem considerados, não só pelo aplicador do Direito, mas por todos aqueles que, de alguma forma, se dirijam ao sistema jurídico. Dessa forma, estudantes, professores, cientistas, operadores do Direito, todos têm de, em primeiro lugar, levar em consideração os princípios norteadores de todas as demais normas jurídicas existentes.

Nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como ponto máximo do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas.

Tal influência tem uma eficácia afetiva, real, concreta. Não faz parte apenas do plano abstrato do sistema. Deve ser levada em conta na determinação do sentido de qualquer norma, como exigência de influência plena e direta. Vale dizer: o princípio, em qualquer caso concreto de aplicação das normas jurídicas, da mais simples à mais complexa, desce das altas esferas do sistema ético-jurídico em que se encontra para imediata e concretamente ser implementado no caso real que se está a analisar.

Não é preciso, pois, nada aguardar, nada postergar, nem imaginar que o princípio fique apenas como uma decoração do universo ético. Ao contrário, ele é real, palpável, substancial e, por isso, está presente em todas as normas do sistema jurídico, não podendo, por conseqüência, ser desprezado.

Ademais, é necessário fazer a distinção entre princípios e normas para explicitar claramente a atuação de ambos no interior do sistema jurídico.

Nesse sentido, Willis Santiago Guerra Filho ensina “que a teoria do direito contemporâneo, ao expandir o seu objeto de estudo da norma para o ordenamento jurídico, terminou por incluir nele espécie de norma que antes sequer era considerada também no conceito de norma até então corrente. E é  precisamente nessa ‘nova espécie’ de norma que se irá incluir aquela de direitos fundamentais, bem como, juntamente, outras, dotadas da mesma ‘fundamentalidade’, mas que não conferem direitos, nem configuram qualquer outra situação subjetiva”[1].

Trata-se dos princípios, que, no arcabouço constitucional brasileiro, abarcam os direitos fundamentais.

Normas jurídicas funcionam como regras, e estas estão fundamentadas nos princípios. Estes, portanto, “têm um grau incomparavelmente mais alto de generalidade (referente à classe de indivíduos a que a norma se aplica) e abstração (referente à espécie de fato a que a norma se aplica) do que a mais geral e abstrata das regras”[2].

Agora, diga-se que os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata, mas essa abstração não significa incidência no plano da realidade. É que, como as normas jurídicas incidem no real e como devem respeitar os princípios, acabam por levá-los à concretude.

É nesse aspecto que reside a eficácia dos princípios: como toda e qualquer norma jurídica deve a eles respeitar, sua eficácia é – deve ser – plena.

2.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA DIGNIDADE HUMANA

Na antiguidade não existia o conceito de homem como pessoa nos moldes vislumbrados nos dias de hoje, ou seja, uma pessoa que por si só é possuidora de direitos e deveres. A escravidão, prática muito comum nos povos da Antiguidade Clássica, tais como romanos e gregos, é uma das maiores demonstrações de que o homem poderia facilmente ser tratado como um objeto, já que consistia na total privação do seu estado de liberdade.

A filosofia clássica, representada por Aristóteles, via o homem como um animal político ou social, sendo a sua personalidade fundada na cidadania, estando esta ligada ao Estado, o qual estava em íntima conexão com o “Cosmos”, com a natureza.

Foi o Cristianismo o grande responsável pela mudança no pensamento a respeito do homem, desatrelando-o da figura do Estado, uma vez que pregando a fraternidade implantava uma noção de igualdade entre os seres humanos. Dessa maneira, começa a haver um "deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade” [3].

Dentre os expoentes que defenderam a idéia de que o homem é um ser absoluto, distinguindo-o das coisas e dos animais, destacam-se Santo Agostinho e, posteriormente, São Tomás de Aquino.

Immanuel Kant, por meio de sua filosofia, foi quem melhor expôs, à época, o conceito lógico-filosófico de dignidade humana[4]. Segundo ele, era necessária uma mudança no processo de conhecimento do ser humano, denominada “revolução copernicana”, onde os objetos girariam em torno do sujeito cognoscente, e não mais este giraria em torno daqueles. Assim, não mais haveria aquela visão de que o nosso conhecimento deveria amoldar-se aos objetos, porém estes é que deveriam ajustar-se ao nosso conhecimento. Percebia-se, portanto, a substituição de uma hipótese idealista à hipótese realista na teoria do conhecimento[5].

O sujeito kantiniano, também conhecido como transcendental, nada mais é do que “uma estrutura vazia”, a qual nada pode conhecer senão através da sensibilidade, o que mostra a grande dependência do pensamento humano em estar sensível, em estar em contato com as coisas ao seu redor. Oliveira[6] comenta: “pode-se dizer que a teoria é, para Kant, a dimensão da auto-alienação da razão”.

O que se percebe no pensamento kantiniano é que o único caminho que levaria a razão a se libertar da auto-alienação na teoria seria a “práxis”, pois, no domínio da prática, a razão está a serviço de si mesma. Isso não quer dizer que através da experiência devam se estabelecer normas do agir humano, uma vez que, dessa forma, haveria uma submissão do homem a outro homem. Deveria haver sim uma fluição da razão através das experiências vividas pelo homem, já que a principal característica do ser humano, que o faz dotado de dignidade especial, é que ele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo.

Portanto, Kant pregava que a razão prática é superior à razão teórica, o que faz o homem pertencente, pela “práxis”, ao reino dos fins, sendo possuidor de dignidade própria, tendo o restante significado relativa. É por isso que “só o homem não existe em função de outro e por isso pode levantar a pretensão de ser respeitado como algo que tem sentido em si mesmo" [7].

A conclusão de Kant encaixa-se perfeitamente no princípio em estudo, visto que, para ele, o homem é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo, por conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente por isso tem dignidade, é pessoa.

Em um passado mais recente alguns pontos merecem destaque, os quais contribuíram para a fixação desse princípio em diversas soberanias.

Em 27 de dezembro de 1947 aConstituição da República italiana demonstrava os primeiros passos em direção à normatização da dignidade humana quando, em seu art. 3o, no capítulo destinado aos Princípios Fundamentais, estabelecia que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.

No entanto, somente em 23 de maio de 1949 com a Lei Fundamental de Bonn é que surge um ordenamento específico a esse respeito, já que, em seu art. 1.1, declarava claramente que, in verbis:

 “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”.

Tal preceito é claramente baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948. Destacando-se, também, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, desenvolvida pelos revolucionários franceses em 26 de agosto de 1789, que pregava o respeito aos direitos naturais, os quais seriam inalienáveis e sagrados do homem.

Em 1976 aConstituição da República Portuguesa já fixava em seu art. 1o o seguinte preceito:

“Portugal é uma República soberana, baseada, entre outros valores na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

Nessa mesma linha a Constituição espanhola apresentava a seguinte redação, in verbis:

“A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito pela lei e pelos direitos dos outros são fundamentos da ordem política e da paz social”.

Na França, apesar de sua grande história de defesa dos direitos individuais, não se identifica,em sua Constituiçãode 1958, o princípio exposto de forma clara.

As recentes constituições dos países do leste europeu, após a queda do comunismo, também passaram a adotar a dignidade humana como preceito fundamental, merecendo destaque: a Constituição da República da Croácia, de 22 de dezembro de 1990 (art. 25); Preâmbulo da Constituição da Bulgária, de 12 de julho de 1991; Constituição da Romênia, de 08 de dezembro de 1991 (art. 1º); Lei Constitucional da República da Letônia, de 10 de dezembro de 1991 (art. 1º); Constituição da República eslovena, de 23 de dezembro de 1991 (art. 21); Constituição da República da Estônia, de 28 de junho de 1992 (art. 10º); Constituição da República da Lituânia, de 25 de outubro de 1992 (art. 21); Constituição da República eslovaca, de 1º de setembro de 1992 (art. 12); Preâmbulo da Constituição da República tcheca, de 16 de dezembro de 1992; Constituição da Federação da Rússia, de 12 de dezembro de 1993 (art. 21).

No nosso país, conforme veremos mais adiante, o constitucionalismo vem sofrendo, desde 1934, grande influência germânica, por isso nunca ficou alheio ao tema. Dessa maneira, a Constituição de 1988 é clara ao estabelecer, em seu art. 1o, III, que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

2.4 CONCEPÇÕES ACERCA DO CONTEÚDO DO PRINCÍPIO

Segundo Miguel Reale, existem, historicamente, três concepções acerca da dignidade humana[8]:

a) O individualismo, que adota o entendimento de que o homem, na proteção de seus interesses individuais, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos, partindo, por óbvio, do indivíduo.

  Essa concepção da dignidade humana demonstra ser um modo de se entender os direitos fundamentais, os quais, antes de tudo, são inatos e anteriores ao Estado, atuando como limite da sua atividade, por isso mesmo podem ser denominados como direitos de autonomia e direitos de defesa[9].

Além disso, tal entendimento leva a um balizamento da compreensão do Direito e da Constituição, assim a lei deverá sempre ser interpretada em prol da autonomia do indivíduo, ficando as interferências do Poder Público para casos excepcionais[10].

b) O transpersonalismo, que se apresenta de modo contrário ao individualismo, ou seja, é por meio da realização do bem coletivo que se protegem os interesses individuais. Em caso de conflito entre ambos os interesses, prevalecem, sempre, os valores coletivos. Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana é alcançada através do coletivo.

Necessário se faz citar a teoria marxista, a qual complementa muito bem tal concepção, já que para Marx:

“Os direitos do homem apregoados pelo liberalismo não ultrapassam o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade" [11].

Nesse caso, o que se deve ter em mente é que os direitos dos homens são diferentes dos direitos do cidadão, uma vez que aqueles nada mais são que os direitos do homem quando separado do homem e da comunidade.

Essa concepção nos leva a crer que a interpretação do Direito limita a liberdade do indivíduo em favor da igualdade[12], sendo os interesses coletivos privilegiados em detrimento dos individuais.

c) O Personalismo, que se contrapõe às concepções anteriores, busca a compatibilização e a inter-relação entre valores individuais e valores coletivos, distinguindo indivíduo e pessoa.

Como indivíduo, exalta-se, obviamente, o individualismo do ser humano, o homem abstrato, tão defendido pelo liberalismo burguês.

Como pessoa, explicita Nicolai Hartimann[13]:

"O homem não é apenas uma parte. Como uma pedra de edifício no todo, ele é, não obstante, uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo - o que uma unidade coletiva jamais pode ser".

Portanto, tal concepção busca a resolução dos conflitos, interesses, caso a caso, por meio da compatibilização entre os supracitados valores, havendo uma ponderação para se avaliar o que é do indivíduo ou do todo, e vice-versa. Não obstante, pode haver a preeminência de um ou de outro valor.        

Deve-se lembrar que a pessoa humana, enquanto valor, e o princípio correspondente, de que aqui se trata, é absoluto e há de prevalecer sempre sobre qualquer outro valor ou princípio.

2.5 O CONCEITO DO PRINCÍPIO

O princípio da dignidade da pessoa humana, pela forte carga de abstração que possui, nunca teve uma definição pacífica dentre os diversos autores, porém cada conceito desenvolvido sempre serviu como complemento para os demais.

Para Larenz[14] a dignidade da pessoa humana constitui a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio, opinião esta emanada quando de sua manifestação acerca do personalismo ético da pessoa no Direito Privado.

Benda[15], ensinando sobre a Constituição espanhola, diz que a dignidade humana como parâmetro valorativo, evoca, inicialmente, o condão de impedir a degradação do homem, em decorrência de sua transformação em objeto de Estado. Além do mais, aduz que cabe ao Estado assegurar ao indivíduo a garantia de sua existência material mínima.

Em uma definição bem mais completa, Valdés[16] indica quatro conseqüências vinculadas à dignidade humana:

“a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; b) garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação que implique na sua degradação; c) observância e proteção dos direitos inalienáveis do homem; d) não admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou a imposição de condições subumanas de vida. Adverte, com acerto, que a tutela constitucional se volta em detrimento de violações não somente levadas a cabo pelo Estado, mas também pelos particulares.”

Do exposto, podemos perceber que o último dos autores nos traz a união dos demais, além disso, com sua visão, amplia o raio de ação demarcado à dignidade humana. Dessa forma, podemos, mediante adaptações necessárias, revelar o substrato material da dignidade da pessoa humana em nossa ordem jurídica.

Assim, pode-se dizer que o conceito do princípio, em nosso ordenamento, leva em consideração três importantes pontos::

a)      Reverência à igualdade entre os homens (art. 5º, I, CF);

b)      Impedimento à consideração do ser humano como objeto, degradando-se a sua condição de pessoa, a implicar na observância de prerrogativas de direito e processo penal, na limitação da autonomia da vontade e no respeito aos direitos da personalidade, entre os quais estão inseridas as restrições à manipulação genética do homem;

c)      Garantia de um patamar existencial mínimo.

2.6 ACONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO

Como visto anteriormente, no capítulo referente à história do princípio, a valorização da noção da dignidade humana está intimamente ligada aos movimentos constitucionalistas modernos, principalmente ao francês e ao americano[17].

 A constituição moderna, de caráter nitidamente liberal, surgiu com a finalidade de declarar direitos, de fundamentar a organização do governo e de limitar o poder político, limitação essa que era o maior anseio dos mentores burgueses setecentistas.

A Declaração de Direitos da Virgínia, que foi a antecessora da Constituição americana de 1787, bem como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, aqual resultou da Revolução Francesa, foram os primeiros documentos a consagrarem o valor moral da dignidade da pessoa humana como valor constitucional. Essas Cartas sofreram grande influência da noção humanista de reserva da integridade e da potencialidade do indivíduo das doutrinas de Locke, Montesquieu e Rousseau[18].

  Com o tempo as principais Constituições continuaram a proteger a dignidade humana e, além disso, foram gradativamente agregando novos valores e outras aspirações mais amplas, tais como, a garantia dos interesses sociais e delimitação do poder econômico, até que, atualmente, adquiriram um caráter programático e democrático voltado para a concretização dos valores nelas enunciados.

Pode-se dizer que a “expressa” positivação do ideal da dignidade da pessoa humana é bastante recente, pois somente após a sua consagração na Declaração Universal da ONU de 1948 é que o princípio passou a ser reconhecido.

Em se tratando de normas jurídicas frise-se que, quanto à sua natureza, estas possuem a característica de coercitividade e de imperatividade, por isso mesmo são diferentes das normas não-jurídicas[19], tais como as normas de ordem moral que possuem caráter meramente sugestivo.

Portanto, os princípios de direito e, principalmente, os constitucionais são equivalentes a normas jurídicas no tocante às características de coercitividade e de imperatividade[20], sendo assim, não podem ser considerados meros ditames de obediência contingente ou facultativa, mas normas jurídicas de aspecto pricipiológico e dotadas de poder vinculante.

As normas constitucionais (regras e princípios) compartilham desse poder vinculante e dessa característica de imperatividade de que são dotadas as normas jurídicas "latu sensu" [21].

Na Constituição de uma República, a característica da coercitivaidade se apresenta em um grau extremamente elevado, a qual submete todo o conjunto normativo inferior às suas disposições expressas e aos propósitos dos valores consagrados em seu bojo, mesmo que implícitos.

Além do mais, não são somente as normas inferiores que ficam vinculadas, mas, principalmente, todos os seus efeitos práticos[22], na medida do alcance dos efeitos do Direito na realidade, e, dessa maneira, os efeitos das normas constitucionais tornam-se bastante amplos.

Tal discernimento é importante porque é nos casos práticos que a afirmação do caráter da Constituição revela sua importância e seu significado, pois todo o desenvolvimento da sociedade passa a ser submetido aos valores de ordem constitucional.        

Assim, uma das conseqüências práticas desse reconhecimento é que diretrizes, como, por exemplo, a proteção da dignidade humana, deixam de ser meras sugestões filosófico-axiológicas para se tornarem imperativos fáticos[23] em toda amplitude do Direito projetado na sociedade.

2.6.1 O princípio na Constituição Federal do Brasil 

No Brasil, país cuja trajetória constitucional foi bastante conturbada e cuja realidade política esteve sempre sob o jugo de períodos ditatoriais poucas vezes atenuados [24], o ideal de proteção da dignidade da pessoa humana somente foi reconhecido formalmente na ordem positiva com a promulgação da Constituição de 1988.

A Carta Magna consagrou o valor da dignidade da pessoa humana como princípio máximo e o elevou, indiscutivelmente, a uma categoria superior em nosso ordenamento, como uma norma jurídica fundamental.

Destaque-se que a noção de dignidade da pessoa humana confunde-se com a própria definição material de Constituição, uma vez que a preocupação com o ser humano passou a ser uma das finalidades constitucionais[25]. Portanto, uma Constituição que não consagre a proteção e, principalmente, a promoção da dignidade do homem não pode ser uma verdadeira Constituição.

A Constituição Federal brasileira, em sua grande abertura democrática, consagrou diversos princípios que representaram a tendência susomencionada. Por isso mesmo reafirmou os dispositivos de organizações e limitação do poder político, além de estabelecer a garantia da Democracia e da Cidadania, através da firmação dos direitos fundamentais, da promoção da justiça social, do controle do poder econômico e, não menos importante, pela preservação da dignidade da pessoa humana.

O legislador constituinte brasileiro fez questão de afirmar a dignidade da pessoa humana como fundamento da nossa República Federativa, o que nos leva a crer que o Estado existe em função de todas as pessoas, e não o contrário. Não por coincidência, como uma forma de reforçar tal idéia, o capítulo dos direitos fundamentais encontra-se,em nossa Constituição, topograficamente à frente da organização do Estado.

Dessa maneira, toda e qualquer atividade do ente estatal deve, necessariamente, ser concretizada à luz do princípio, sob pena de inconstitucionalidade e de violação da dignidade humana, pois esta é paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público, bem como “um dos elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro”[26].

Não há que se falar, nesse caso, de uma concepção individualista da dignidade da pessoa humana, visto que o homem deve ser tomado como um fim em si mesmo e que o Estado existe em função dele. Há que se falar sim que, em um conflito indivíduo x Estado, deve-se privilegiar sempre a pessoa, o que, portanto, compreende uma concepção personalista, a qual busca a compatibilização ou a inter-relação entre os valores individuais e coletivos. Sendo assim, não existe predomínio de um sobre o outro, mas busca-se a solução em cada caso, conforme as circunstâncias, através da compatibilização ou da prevalência de um ou de outro valor.

Tal compreensão é importante para entendermos que a pessoa é o valor supremo da democracia, fazendo com que esta se dimensione e humanize. Ademais, a pessoa é a raiz antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de Direito[27].

A pessoa consubstancia-se em um minimun invulnerável que todo e qualquer estatuto jurídico deve assegurar, por isso mesmo é a dignidade da pessoa humana um princípio absoluto, nunca podendo ser sacrificado.             

A dignidade da pessoa humana, em sua constituição, possui duas dimensões, sendo uma negativa e a outra positiva[28]. A negativa estabelece que a pessoa não pode ser objeto de ofensas ou humilhações, o que está, coerentemente, disposto em nosso texto constitucional no artigo 5o, III:

“Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.”

Dessa forma, a afirmação da integridade física e espiritual do homem como parte irrenunciável da sua individualidade, a garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade, a libertação da “angústia da existência” da pessoa mediante mecanismos para a sua socialização, tais como a possibilidade de trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas são deveres do Estado[29].

Já a dimensão positiva presume o total desenvolvimento de cada pessoa, através, de um lado, do reconhecimento de sua autodisponibilidadae, sem interferências ou impedimentos externos, com as possibilidades de atuação de cada um. De outro lado, deve-se considerar a autodeterminação histórica da razão humana, antes de qualquer influência da natureza[30].

A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, é a “fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais” [31]. Daí falar-se na centralidade dos direitos fundamentais dentro do sistema constitucional, sendo, por isso, “conditio sine qua non” do Estado constitucional democrático.

Por conseguinte, as normas de direito fundamental ocupam o grau superior da ordem jurídica, estando submetidas a processos dificultosos de revisão e, por sua natureza, constituem limites materiais da própria revisão, vinculando imediatamente os poderes públicos.

Dessa forma, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais encontra-se vinculada às normas de direito fundamental. Com maestria Canotilho[32] ensina que “a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais”.        

Ante o exposto, percebemos que dentre os escopos da Constituição brasileira de 1988 apreservação da dignidade da pessoa humana foi eleita como um princípio estruturante do atual Estado brasileiro (art. 1o, III, CF). Assim, à luz desse princípio é que se deve edificar materialmente esse Estado constitucional de aspiração social e democrática. Além disso, a proteção da dignidade da pessoa humana transcende as generalidades teórico-políticas e projeta-se para o campo jurídico-político-pragmático de realização, assumindo tanto (nesse plano geral) seu papel de conformação política “lato sensu”, quanto (num plano específico) seu papel casuístico na promoção de justiça e na defesa do homem.

2.7 IGUALDADE ENTRE OS HOMENS

 

Tendo em vista o que já foi exposto, podemos facilmente chegar à conclusão de que a consagração da dignidade da pessoa implica em considerar-se o homem como o centro do universo jurídico. Tal reconhecimento abrange todos os seres humanos e cada um destes individualmente considerados, sendo assim a projeção dos efeitos irradiados da ordem jurídica jamais poderá, a princípio, atingir duas pessoas de modo diverso.

Temos, então, duas linhas de raciocínio partindo da idéia de que a igualdade entre os homens é uma obrigação imposta aos poderes públicos. Uma em que deve haver “igualdade na lei”, ou seja, a elaboração das regras de direito devem obedecer a esse preceito, e a outra em que deve haver “igualdade perante a lei”, ou seja, quanto a sua aplicação de fato. No entanto, é importante salientar que este tratamento isonômico entre os homens não exclui a possibilidade de discriminação, porém estabelece que esta não seja feita de maneira injustificada e desarrazoada[33].

Há, ainda, o conceito de universalidade inerente a toda e qualquer pessoa humana, o que impede que haja qualquer distinção de direitos entre nacionais e estrangeiros, exceto, obviamente, quanto aos vinculados ao exercício da cidadania.

Por isso é que o art. 5o, caput, da nossa Constituição Federal, em seus direitos enunciados, deve ser interpretado em benefício de todos aqueles que se encontrem vinculados à ordem jurídica brasileira, estando inclusos os estrangeiros que aqui se encontrem.   

Não encontra guarita, portanto, o pensamento de Silva[34] quando propõe ao Constituinte de 1988 a limitação dos destinatários dos direitos individuais. Mais razoável a postura assumida por Miranda[35] quando da vigência do art. 153, caput, da Constituição de 1969, e, além deste, mais atualmente destacam-se os posicionamentos de Bastos[36] e Filho[37].

Portanto, os direitos pertencentes à pessoa são inerentes a todo e qualquer ser humano, sendo, por isso, imprescindíveis à garantia da dignidade da pessoa humana.

 

 

2.8 SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

 

A dignidade da pessoa humana está intimamente ligada à teoria dos direitos fundamentais[38], podendo ser destacados cinco aspectos fundamentais que determinam tal ligação.

Como primeiro aspecto[39], destaca-se que a dignidade da pessoa humana representa uma unidade de valor de uma ordem constitucional e, principalmente, como unidade de valor para os direitos fundamentais. Dessa forma, o princípio assumiria seu aspecto axiológico-constitucional, estabelecendo um exemplo aos direitos fundamentais e às liberdades constitucionais, além de funcionar como elemento de integração e hierarquização hermenêutico – sistemática de todo o ordenamento jurídico.

Num segundo aspecto, como elementos de habilitação de um sistema positivo dos direitos fundamentais, a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana funcionam como sustentação e conferem legitimidade a um Estado e a uma sociedade que se baseiem no ser humano como fim e fundamentos máximos[40]. Nesse prisma, a dignidade assumiria o papel de critério para a verificação dos rumos de uma ordem estabelecida, sendo que tal sentido deve ser baseado na supracitada unidade de valor.  

À luz do terceiro aspecto, o qual se chamaria de aspecto pragmático-constitucional, a relação entre direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana seria “práxis” (prática) no teor da ordem constitucional. Os direitos fundamentais, portanto, seriam a concretização dos mandamentos da dignidade da pessoa humana em substância constitucional, mandamentos estes norteadores de toda a ordem constitucional. Na verdade, estamos falando de um processo de derivação, onde todos os direitos constitucionais se originam do princípio da dignidade da pessoa humana[41].

Os outros dois aspectos são decorrentes dos que já foram citados, sendo que um deles, o quarto, tem como fundamento o fato de se considerar a dignidade da pessoa humana como um parâmetro para a dedução de direitos fundamentais implícitos, acompanhando o raciocínio de que a dignidade, em sua manifestação “stricto sensu”, seria um direito fundamental.

Já o quinto aspecto diz respeito ao entendimento de que a dignidade da pessoa humana seria vista como limite e função do Estado e da sociedade, sendo que tanto um quanto o outro devem respeitar a dignidade (limite, ou função negativa) e promovê-la (função positiva, ou prestacional), deveres estes caracterizados pelo respeito e promoção de todos os direitos constitucionais da pessoa e do cidadão[42].

Do exposto, percebe-se que a dignidade da pessoa humana, com o seu caráter universal, é o fundamento e o fim dos direitos humanos fundamentais, uma vez que lhes serve como parâmetro e também como meio de aplicação no caso concreto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 SISTEMA PENITENCIÁRIO

3.1 HISTÓRICO DAS PRISÕES

Podemos traçar um estudo histórico das prisões a partir da Antiguidade, mais precisamente na Roma Antiga, onde prevaleciam as penas corporais e de morte, enquanto que a prisão era apenas um meio para manter os acusados encarcerados até o julgamento ou execução.

Em termos de arquitetura prisional, ressalte-se que naquela época não existia um local certo ou uma estrutura definida para se manter os encarcerados, o que ocorria era que eles normalmente ficavam em fortalezas reais, calabouços, torres ou edifícios diversos.

Alguns autores relatam que existiam em Jerusalém, quando da invasão dos caldeus, três prisões, as quais localizavam-se no Portal de Benjamin, no Palácio do rei e na residência de um funcionário público[43].

Foi a Igreja da Idade Média que apresentou os primeiros moldes de prisão propriamente dita, quando, ao castigar os monges rebeldes ou infratores, punia-os com o recolhimento em celas localizadas em uma ala própria do mosteiro, para que ficassem em oração constante[44].

É também na Idade Média que temos a caracterização do aspecto meramente punitivo da pena, através do sofrimento físico corporal dispensado aos acusados como forma de libertação da alma, por meio dos suplícios, da forca e da roda.

A crise do sistema feudal e a conseqüente migração da população dos campos para as cidades, levando à Europa um cenário de pobreza e miséria, no século XXI, fizeram com que a criminalidade tivesse um aumento considerável, o que forçou a construção de diversas prisões com o intuito de isolar mendigos, prostitutas e vagabundos, para que fossem disciplinados e corrigidos através do trabalho, principalmente no que diz respeito aos crimes cometidos contra o patrimônio, os quais em nada seriam solucionados através da pena de morte, trazendo somente o extermínio de milhares de delinqüentes acometidos pela fome.

“A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classifica-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência.”[45]

A prisão mais antiga que se tem registro daquela época era a House of Correction, fundada em 1522 na cidade de Bridewell, na Inglaterra. Essa casa de detenção caracterizava-se pela disciplina extremamente rígida usada na correção dos delinqüentes[46].

Outro modelo famoso da época foi o de Rasphuis de Amsterdam, de 1596. Nele, o trabalho obrigatório era característico, sendo que a cela individual era usada apenas como forma de punição, através de vigilância contínua e leituras espirituais.

Portanto, a prisão detinha o intuito principal de segregação de mendigos, prostitutas e vagabundos, fator sociológico este que demonstra ser um grave problema inclusive da atual população carcerária. Além disso, percebemos que a sua finalidade era a correção através do trabalho.

Tais finalidades fizeram surgir vários estudos sobre o sistema penitenciário, especialmente a respeito da questão humanitária da pena, destacando-se as seguintes obras: “Reflexões sobre as prisões monásticas”, de Jean Mabillon (1695); “Dos delitos e das penas”, de Cesare Beccaria (1764); “Teoria das penas e das recompensas”, de Jeremias Bentham (1818); e “O estado das prisões na Inglaterra e no País de Gales”, de John Howard (1776).

O que Howard propunha era um tratamento mais humano da pessoa do preso, através da assistência religiosa, trabalho, separação individual diurna e noturna, alimentação sadia, condições higiênicas, e etc. Seus esforços serviram de grande contribuição para o sistema penitenciário.

Dessa maneira, dois presídios, nos moldes estabelecidos por John Howard, foram construídos nos anos 1775 e 1781 e, posteriormente, um outro foi erguido na Inglaterra. Por isso tudo Howard é considerado, para muitos, o pai da Ciência Penitenciária.

Segundo Mirabete (2003), os sistemas penitenciários, quanto à execução das penas privativas de liberdades, são vistos de três formas: o sistema filadélfico (pensilvânico, belga ou celular), o de Alburn e o sistema progressivo (inglês ou irlandês).

3.1.1        Sistema Filadélfico

Tomando por base o que bem ocorreu na Europa, os Estados Unidos resolvem adotar o sistema celular, iniciando-o na Filadélfia, por isso mesmo recebe tal denominação. Nesse sistema era imposto ao condenado que ficasse isolado na cela 24 horas por dia, em um pátio circular, sem receber visitas, havendo o incentivo da leitura da Bíblia.

Walnut Street Jail foi a prisão inicialmente usada como protótipo do Sistema, sendo, após, levada para dois novos estabelecimentos, a Western Penitentiary, em Pittsburgh no ano de 1818, e a Eastern Penitentiary,em Cherry Hillno ano de 1829.

No Sistema Filadélfico somente os condenados por crimes leves eram autorizados a trabalhar, no entanto não existiam exceções à regra do silêncio, a não ser, mediante autorização, quando era extremamente necessário que o recluso falasse com funcionários do presídio.

Por tudo isso, esse sistema sofreu pesadas críticas, principalmente pela falta de readaptação social do condenado, já que seu isolamento era total.      

3.1.2        Sistema Auburniano

Esse sistema funcionava através do isolamento noturno, com o trabalho dos presos que era realizado, primeiramente, em suas celas e, em um momento posterior,em comum. Aprincipal característica, porém, era a exigência do silêncio absoluto entre os presos, mesmo quando em grupos, característica essa que o levou a ser conhecido como silent system.

Não por coincidência, recebe o nome da cidade de Auburn, local em que foi construído o presídio em que vigorava o sistema, no ano de 1818, o qual tinha como diretor Elam Lynds.

Apesar de rigorosa, a regra do silêncio absoluto demonstrava ser o ponto fraco desse sistema, já que possibilitava aos presos estabelecerem um alfabeto próprio através do uso das mãos, o que é utilizado até os dias atuais nas prisões de segurança máxima onde a disciplina é bem mais drástica.

Não obstante, o Sistema de Auburn demonstrou ser mais eficaz do que o Sistema da Filadélfia, uma vez que preparava o condenado para a rotina industrial, por meio do trabalho em oficinas em períodos de oito a dez horas diárias, o que compensou o investimento e trouxe uma finalidade ao presídio. Enquanto que na Filadélfia o trabalho era realizado de maneira artesanal e não remunerado, em Alburn o trabalho era regido por empresas.

Dessa maneira, o Sistema Alburniano prevaleceu nos E.U.A, fazendo com que o isolamento total fosse visto como modalidade de punição desumana e cruel.

 

 

3.1.3 Sistema Progressivo

Ao contrário do que se poderia imaginar, o pai desse sistema é um capitão da Armada Inglesa, Alexander Maconochie. Ele, que ao procurar melhorar a maneira de lidar com os presos, introduziu, no presídio da Ilha de Norfork, o Mark System, ou Sistema de Marcas, o qual estabelecia o lançamento de marcas, positivas ou negativas, nos prontuários dos condenados, em conformidade com seu comportamento, considerado através do trabalho ou da conduta disciplinar.

O que acontecia era que não havia atribuição de pena mínima na sentença, ela poderia ser extinguida antecipadamente, dependendo da quantidade de marcas positivas que o preso conseguisse.

O Sistema Progressivo era dividido em quatro etapas: a) recolhimento celular contínuo; b) isolamento noturno, com trabalho e ensino durante o dia; c) o condenado trabalha fora do presídio e se recolhe à noite, é a semi-liberdade; e d) livramento condicional.

Ante o exposto, percebe-se que tal sistema é o adotado na maioria dos países, inclusive no Brasil.

3.2 ARQUITETURA PENITENCIÁRIA

A maioria dos grandes estabelecimentos penais, em meados do século XIX, passou por adaptações que dependiam do momento histórico de encarceramento da época. O principal modelo, maior responsável pelo desenvolvimento da arquitetura prisional, foi o Panóptico de Jeremias Bentham.

3.2.1 O Modelo Panóptico

 

No século XIX nasce a idéia da técnica de quadriculamento (trancar em celas) do indivíduo, pois, segundo Foucalt[47], o surgimento da peste e o controle sobre a população levaram à processos de individualização para os excluídos, tais como: asilo psiquiátrico, penitenciária, casa de correção, estabelecimento de educação vigiada, sempre com o emprego de técnicas medir, controlar e corrigir os anormais.

É assim que surge o modelo Panóptico de Bentham, considerada forma universal para todos os estabelecimentos prisionais supracitados, seguindo os seguintes moldes: a periferia era composta por uma construção em anel com várias celas, as quais possuíam duas janelas que se abriam, uma para o interior e outra para o exterior. No centro havia uma torre com várias janelas que abriam para o interior do anel, onde o vigia possuía visibilidade sobre todos os detentos, sem que estes o enxergassem.

 

Fig. 1. O Panóptico

A arquitetura do modelo panóptico tem o intuito de manter os detentos sempre à vista, e eles devem saber que estão sendo vigiados o tempo todo sem que estejam vendo, uma vez que haveria persianas na sala central e separações formadas por biombos, constituindo um método inverificável. Dessa forma, o detento nunca saberia se está sendo vigiado, mas teria certeza de que poderia estar.

O panóptico demonstrava ser um modelo muito prático, sem todo o peso das velhas casas de segurança, já que toda a arquitetura de fortaleza é substituída pela geometria simples e econômica de uma vigilância certa.

Existem rumores de que o panóptico teria sido inspirado no projeto do primeiro zoológico do mundo, o de Versalhes, uma vez que proporcionava a organização analítica da espécie e, como visto, o panóptico tem como fundamento principal o poder de observação e vigilância sobre os detentos, o que propiciava até mesmo experimentos humanos diversos.

Para Foucalt[48], o modelo panóptico seria uma jaula cruel e sábia, pois deixa de lado os castigos, adotando o poder da observação. Seria, também, um sistema arquitetural e óptico, polivalente em suas aplicações, servindo para corrigir o prisioneiro, bem como para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos, ou seja, seria um tipo de implantação de corpos no espaço.

Fig. 2. Projeto de Penitenciária de N. Harou-Romain, 1840. Sistema panóptico: detento reza em sua cela, diante da torre de vigilância central. Fonte: FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1987

 

Tal modelo agrega o poder disciplinar através de uma arquitetura simples e bem feita. Dessa feita, a disciplina prevalece sobre a soberania da subordinação dos corpos.

Percebemos que John Bentham se baseou na fórmula de que deve ser usada a disciplina como forma de economia, pois naquele tempo havia a crescente necessidade de se fabricar indivíduos úteis para a produção manufatureira.

A explosão demográfica do séc. XVIII fez, consequentemente, nascer a necessidade de aumento da produção, cabendo ao modelo de Bentham instituir a disciplina. Nesse momento histórico há uma mudança na forma de punição, já que o que antes era castigo, agora é o poder direto e físico de vigiar de um homem sobre outro. Por isso mesmo, o panóptico marcou época, generalizando o estilo de punir no séc. XVIII e estendendo sua influência até os dias atuais.

Foi assim que, nos anos de1830 a1840, o programa arquitetural da maior parte dos projetos de prisão seguia tal modelo.

Com a chegada do séc. XIX temos a concretização da prisão como peça essencial da punição, tendo como objetivo a transformação dos apenados através do poder disciplinar e do trabalho, ou seja, a prisão generalizou-se como castigo legal.

Fig. 3. Interior da Penitenciária de Stateville, Estados Unidos, século XX. Fonte: FOUCALT, Michel. Op. cit.

 

No ano de 1844 surge na França a arquitetura de Petite Roquette, havendo, pela primeira vez, o encarceramento celular por intermédio do isolamento individual em cela, previsto no ordenamento daquele país.

Fig. 4. Prisão de Petite Roquette (sistema panóptico). Fonte: FOUCALT, Michel. Op. cit.

 

 

 

3.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

 

No Brasil, como visto anteriormente, a prisão sempre foi local de exclusão social e considerada segundo plano pelas políticas públicas, o que levou à falta de construções ou à edificação inadequada dos estabelecimentos penitenciários.

No período colonial, o Livro V das Ordenações Filipinas (Código de Leis portuguesas) determinava o Brasil como presídio de degredados. Tal pena era imposta aos alcoviteiros, culpados de ferimento por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos, contrabando de metais e pedras preciosas.

A Carta Régia de 1769 menciona a instalação da primeira prisão brasileira, estabelecendo uma Casa de Correção no Rio de Janeiro. É registrada também a Cadeia construída na cidade de São Paulo, entre os anos de 1784 e 1788, que ficou conhecida apenas como “Cadeia” e se localizava no então Largo de São Gonçalo, atual Praça João Mendes. Esse casarão abrigava, ainda, a Câmara Municipal e era para lá que se enviavam os indivíduos que cometiam infrações, para ficarem no aguardo da pena de açoite, multa e degredo, já que não havia a pena de prisão.

A Constituição de 1824 estabelecia, no art. 179, que as prisões deveriam ser seguras, limpas, arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza de seus crimes.

Em 1830, o Código Criminal vigente estabeleceu a pena de prisão com trabalho para diversos crimes, o que levou à construção de Casas de Correção com celas individuais e oficinas de trabalho, além de uma arquitetura própria voltada para a pena de prisão.

No séc. XIX, as casas de recolhimentos de presos apresentavam condições deprimentes para o cumprimento da pena, agregando, inclusive, local para escravos, menores e loucos.

O Código Penal de 1890 estabeleceu novas modalidades de penas: prisão celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspeição e perda do emprego público e multa. O artigo 44 do Código considerava que não haveria penas perpétuas e coletivas. As penas restritivas de liberdade individual eram temporárias e não deveriam exceder trinta anos, eram elas: prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar.

Os modelos europeus históricos foram grandes inspiradores para as prisões brasileiras, o que não serviu para minimizar os graves problemas enfrentados com o crescente número da população carcerária.

O Brasil somente passou a ter uma arquitetura prisional própria a partir da década de 60. Até então, os modelos arquitetônicos eram todos copiados dos europeus e dos americanos, mas nunca haviam sido adequados à realidade nacional.

Espinha de Peixe ou Poste telegráfico, assim foi denominado o primeiro projeto arquitetônico brasileiro. Ele foi desenhado com um espaço central para a circulação, havendo, integrados a este espaço, módulos separados entre si. Porém, o passar do tempo mostrou que tal arquitetura não era a mais adequada, uma vez que, facilmente, os motins que se iniciavam em um dos módulos tomavam conta dos demais.

Sendo assim, o Espinha de Peixe foi readaptado através da retirada da parte da administração do interior do presídio, passando-a para o exterior da fortaleza. Dessa maneira, foram preservados documentos e registros do estabelecimento, impedindo que fossem perdidos ou destruídos em rebeliões, além disso, preservou-se a integridade dos diretores, já que não mais estavam em contato direto com os detentos.

O modelo Pavilhonar de presídio é outro que merece destaque na evolução da arquitetura penitenciário no Brasil. Seu desenho consistia em vários pavilhões isolados uns dos outros para o abrigo dos presos, assim evitava-se que as rebeliões se alastrassem.

O modelo Panóptico foi a grande inspiração para os projetos prisionais brasileiros, visto que permitia uma visualização geral das unidades por um local de controle central.

No ano de 2005, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, procurando uniformizar os projetos arquitetônicos dos presídios brasileiros, editou uma resolução estabelecendo diretrizes para a construção de unidades prisionais.  Tais diretrizes, denominadas Resolução n. 03, foram impostas como projeto-padrão pelo Ministério da Justiça e Departamento Penitenciário Nacional, tendo sido aplicadas aos Estados para a construção de presídios.

Esse padrão, totalmente adaptado à realidade prisional brasileira, é estabelecido da seguinte forma: uma muralha externa de no mínimo06 metrosde altura acima do nível do solo com guaritas de vigilância, equipadas com iluminação e alarme; na área interna utiliza-se alambrados para a delimitação de áreas, facilitando a fiscalização por parte dos agentes penitenciários; os pátios devem ser todos cercados por muros, os quais não podem ter qualquer saliência na parte interna; a distância mínima entre a muralha e qualquer tipo de edificação não pode ser inferior a10 metros; os corredores internos não podem ter largura inferior a1,5 metro, para que não se formem aglomerações; todas as tubulações devem ter diâmetro de no máximo200 milímetros; todos os beirais dos edifícios devem conter proteção, evitando o acesso do preso ao telhado; dentro das celas não devem ser instalados registros, torneiras, válvulas de descarga de latão ou metálicas, e as portas devem conter visor para a total visualização do seu interior.

Cabe ressaltar, ainda, que nesse projeto fica imposto que o imóvel destinado à construção de presídios deve compreender a área total de terreno entre os limites de20 a100 metrosquadradosde área de terreno por pessoa presa, com a maior quantidade possível de áreas verdes. Essa última determinação configura-se em uma tentativa de se humanizar o ambiente.

O Ministério da Justiça do Brasil tratou também da capacidade de presos por estabelecimento prisional, numa tentativa de se enquadrar o menor número possível de detentos em um único estabelecimento. Dessa forma, em um presídio de segurança máxima recomenda-se a capacidade mínima de 60 e a máxima de 300 presos, enquanto que em um presídio de segurança média recomenda-se a quantidade mínima de 300 e a máxima de 800 apenados.

No Brasil, temos um estabelecimento prisional que é considerado modelo, trata-se do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes que foi inaugurado no ano de 2002, no Estado de São Paulo. Ele foi construído para receber os líderes de facções criminosas, com uma capacidade para 160 apenados, dispondo de mecanismos de segurança de alta tecnologia, tais como placas de aço no piso para evitar escavações, bloqueadores de celular, cabos de aço circundando a edificação e telas de aço n os pátios de sol, com o fim de evitar tentativas de fugas por via aérea. Ademais, os parlatórios são separados por vidros temperados, sendo a comunicação realizada através de interfones, e, para evitar o deslocamento de detentos, possui equipamento de tele-audiência.

Esse modelo de presídio foi inspirado nas chamadas Supermax, que são as cadeias norte-americanas de segurança máxima destinadas a presos considerados problemáticos. As Supermax foram criadas no ano de 1983, em Mirion, Illinois, e logo obtiveram grande sucesso, sendo implantadas em outros 35 Estados dos E.U.A., abrigando um total de 20 mil detentos.

3.4 UMA VISÃO ATUAL DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Atualmente o condenado tem a certeza de que não cumprirá corretamente e integralmente a pena lhe imposta. Diante dessa realidade, as penas estão perdendo seu caráter intimidativo. Assim, o sistema prisional fomenta a criminalidade, face à certeza que o sentenciado tem de que não irá cumprir integralmente a pena aplicada.

O sistema prisional é desprovido de pessoas habilitadas e equipamentos adequados, para classificar, orientar e acompanhar o sentenciado durante o cumprimento da pena.

A Lei de Execução Penal em seu artigo 6º dispõe que:

 

“A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador e acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, devendo propor à autoridade competente, as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões”.

A individualização da pena sobre a personalidade, requisito inafastável para a eficiência do tratamento penal, é obstacularizada na quase-totalidade no sistema penitenciário brasileiro pela superlotação carcerária, que impede a classificação dos prisioneiros em grupo e sua conseqüente distribuição por estabelecimentos distintos, onde se concretize o tratamento adequado.

A Lei de Execução Penal determina, ainda, diversas outras regras que têm como fim individualizar os presos de modo que seja possível separá-los em diferentes categorias. O seu art. 8º estabelece a realização do exame criminológico ao condenado à pena privativa de liberdade em regime fechado. Conforme a exposição de motivos da referida lei, a gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinantes da execução em regime fechado, é indicado o exame criminológico, que visará conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena. Ainda nesse sentido, o art. 84, § 1º, da LEP, determina o cumprimento da pena pelo preso primário em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.

A despeito dessas regras e inúmeras orientações internacionais, nas instituições penais do país, ante a falta de estrutura física, agravada pelo problema da superlotação, pouco se tem feito no sentido de separar os presos. A realidade demonstra o convívio de presos potencialmente perigosos com outros mais vulneráveis, mantendo-se, inclusive, presos condenados junto com outros que ainda aguardam julgamento, o que não é permitido por lei (art. 84, caput, da LEP).

A situação torna-se ainda mais grave diante do insuficiente número de Agentes Penitenciários na supervisão da população carcerária, como veremos adiante.

Todas essas circunstâncias contribuem para a formação de um sistema de normas de sobrevivência, não escritas, instituídas pelos próprios presos, cujo não cumprimento é punido com rigor, inclusive com morte. O médico Dráuzio Varella, que desde 1989 trabalha na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), com mais de 7200 presos, em sua obra Estação Carandiru[49], comenta sobre o assunto:

"... Em cativeiro, os homens, como os demais grandes primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos), criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. Esse processo adaptativo é regido por um código penal não escrito, como na tradição anglo-saxônica, cujas leis são aplicadas com extremo rigor... Pagar a dívida assumida, nunca delatar o companheiro, respeitar a visita alheia, não cobiçar a mulher do próximo, exercer a solidariedade e o altruísmo recíproco, conferem dignidade ao homem preso. O desrespeito é punido com desprezo social, castigo físico ou pena de morte...".

Como exemplo da cruel realidade, vejamos algumas “normas” estabelecidas pelos presos da Casa de Detenção de São Paulo[50]:

Travestis: Não é permitido que bebam do mesmo copo que os demais presos nem que morem com eles. Vivem no Pavilhão 5 e são tratados como mulheres. Em dia de visita, no entanto, só podem descer ao pátio "vestidos de homem", para não "chocar" os familiares.

Informantes: Descobertos, são quase sempre punidos com a morte. A desconfiança em relação a eventuais delatores é tanta que a simples aproximação de um preso com a direção da cadeia basta para torná-lo malvisto. Os detentos que prestam serviços administrativos, por exemplo, são chamados pelos demais de KGB, numa referência à polícia secreta da antiga União Soviética.

Dívidas: O calote não é admitido na cadeia. Devedores insolventes são obrigados a pedir abrigo em ala especial do Pavilhão 5. O acerto de dívidas ocorre, em geral, às segundas-feiras, dia seguinte ao comparecimento das visitas e da entrada maciça de cigarros, a moeda da cadeia. Nessa data, os funcionários ficam em alerta máximo.

Etiqueta: São consideradas ofensas de máxima gravidade: bater no rosto de um companheiro, ofender sua mãe ou chamá-lo de pilantra (que significa "sem-vergonha" ou "sem-caráter"). Também recebe punição severa dos parceiros o preso que, durante as refeições, passa diante dos carrinhos de marmitex de camisa aberta e o que não pede licença antes de entrar na cela do outro. Ainda é proibido usar o banheiro enquanto outro preso está fazendo uma refeição.

Punição: O descumprimento de qualquer das normas é punido com surra, morte ou exílio em galeria isolada. Dívidas graves e delação merecem o castigo máximo: a pena de morte. Se o caso envolver um detento excepcionalmente respeitado, no entanto, seus companheiros podem decidir por pena menos comum: a transferência do faltoso para a ala dos evangélicos.

A observância dessas normas é fiscalizada por preso eleito entre eles, chamado de "encarregado geral da faxina", cuja função é verificar o cumprimento das regras, definindo a punição a ser aplicada.”

3.4.1 As organizações criminosas

A estrutura dos estabelecimentos penais do país, agravado pelo descaso das autoridades, traz alguns outros fatores, tais como a existência de grupos organizados, criminosos, dentro dos presídios, disputando poder e controle.

Em São Paulo, cinco organizações se destacam: Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), Comissão Democrática de Liberdade (CDL), Seita Satânica (SS) e Comando Jovem Vermelho da Criminalidade (CJVC). Entre estas, o PCC, que atua desde 1983, com 1,5 mil integrantes, é a organização criminosa mais forte do Estado, com ligações com o Comando Vermelho do Rio de Janeiro, e representantes em vários presídios.

A organização criminosa PCC, conhecida entre os presos como 15-3-3, referência à ordem no alfabeto das letras da sigla, gerada no seio da Casa de Detenção de São Paulo, foi patrocinadora e líder da maior rebelião da história do país, deflagrada simultaneamente em 29 (vinte e nove) presídios espalhados em todo o Estado de São Paulo, com a participação de quase 29 mil detentos. A sublevação durou 27 horas e foi abortada pela Polícia Militar, com a mobilização de mais de 2.000 (dois mil) soldados[51].

O Comando Vermelho – CV, criado em 1979, no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, é a mais famosa organização criminosa do sistema carcerário brasileiro e controla todo o sistema penitenciário fluminense desde o início da década de 80. E, apesar dos 22 (vinte e dois) líderes da organização estarem atualmente presos, estima-se que o CV detenha o controle de 80% do tráfico de cocaína no Estado.

Ante a omissão do Estado, de dentro da cadeia, esses grupos criminosos prestam auxílio às famílias dos condenados, acertam o financiamento de fugas, controlam o tráfico de drogas, planejam assaltos a bancos, carros-fortes e seqüestro. Estima-se que a organização criminosa PCC detenha R$ 50 milhões no caixa para financiamento de ações. O dinheiro arrecadado é utilizado para pagar funcionários e policiais corruptos, financiar novas fugas e crimes, comprar transferências para outros presídios e pagar despesas com advogados. O comércio dentro da cadeia inclui a venda de telefones celulares pelo preço de R$ 300,00 (trezentos reais) a R$ 400,00 (quatrocentos reais), alimentos proibidos por R$ 50,00 (cinqüenta reais), permissão para fazer exame médico por R$ 1000,00 (um mil reais), ligação de um celular emprestado pelo valor de R$ 10,00 (dez reais) por minuto.

As organizações criminosas acabam por prestar um auxílio às famílias dos presos que seria de responsabilidade do Estado. O art. 201, IV da CF prevê o auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda, estando também previsto nos arts. 26, I, e 80 da Lei nº 8.213/91 (Planos de Benefícios da Previdência Social). Assim como adverte o jurista Sérgio Pinto Martins, “na maioria das vezes esse benefício acaba não sendo pago à família do preso por falta de informação desta ou então pelo fato de o segurado nunca ter contribuído para o sistema.”[52]

Conforme afirmação do Desembargador Celso Luiz Limongi, do Tribunal de Justiça de São Paulo e membro de uma comissão especial de estudo sobre a questão carcerária, "a maioria dos presos quer apenas cumprir sua pena, mas é coagida a aderir a essas máfias sob ameaça de morte"[53]. Os grupos criminosos não isentam de punições nem mesmo os seus próprios integrantes.

Ainda sobre esse tema completa o juiz Walter Mqierovith, ex-presidente do Conselho Nacional de Entorpecentes: "As entidades criminosas prestam algum socorro, mas o preço disso é a eterna dependência (...) Quando sair da cadeia, esse sujeito terá que praticar todos os crimes planejados pelo bando."[54]

3.4.2 A violência

A violência é uma constante na realidade prisional, muitas vezes ligada às supracitadas organizações criminosas. Cenário de crueldade ocorreu no primeiro dia do ano de 2001, em que líderes do PCC na Penitenciária de Iaras, Estado de São Paulo, executaram quatro presos, sendo que um deles foi decapitado, teve o coração arrancado e os dedos das mãos cortados, colocando sua cabeça em cima da cama, com o coração sangrando sobre a testa.

Não há dados recentes quanto ao número de homicídios cometidos nos sistemas prisionais. O último censo penitenciário que colheu informações estatísticas sobre violência nas prisões foi o de 1994 que reportava um total de 131 homicídios entre os presos e 45 suicídios. Todavia, segundo pesquisa da Human Rights Watch[55], estima-se que este número seja substancialmente maior, chegando a contabilizar mais de 500 (quinhentos) homicídios a cada ano.

No ano de 2000 foram registradas duas rebeliões por mês e uma fuga por dia nas cadeias paulistas. Apesar de o Rio de Janeiro ter a segunda maior população carcerária do país, enfrentou apenas uma rebelião de meia hora no mesmo ano, enquanto São Paulo assistiu a mais de vinte.

Erroneamente se imagina que os motins ocorrem por simples indisciplina dos detentos. Por trás das rebeliões, normalmente, há uma série de reivindicações com o fim de se buscar melhorias no sistema carcerário como, por exemplo, pedidos de transferência para celas onde haja um espaço maior e assistência jurídica por meio de advogados para analisar seus processos.

Quanto ao problema das fugas, segundo o advogado criminalista Luís Flávio Borges D'Urso[56], membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao contrário do que parece, são percentualmente reduzidas no regime fechado – penitenciárias, casas de detenção, etc. – encerrando 12,3%, diversamente no regime semi-aberto – colônia penal agrícola ou industrial, que até pela facilidade apresenta percentual de 80,3% das fugas, contra o regime aberto – casa de albergado, com apenas 7,4% das fugas.

Outra realidade cruel que aflige as penitenciárias brasileiras é a violência sexual entre os presos. A exposição de motivos da Lei de Execução Penal alerta sobre o problema:

"Na CPI do Sistema Penitenciário salientamos que o 'dramático problema da vida sexual nas prisões não se resume na prática do homossexualismo, posto que comum. Seu aspecto mais grave está no assalto sexual, vitimador dos presos vencidos pela força de um ou mais agressores em celas superpovoadas. Trata-se de conseqüência inelutável da superlotação carcerária, já que o problema praticamente desaparece nos estabelecimentos de semiliberdade, em que se faculta aos presos saídas periódicas. Sua existência torna imperiosa a adoção de cela individual' (Diário do Congresso Nacional, Suplemento ao n. 61, de 04.06.1976, p. 9)."

Destarte, a Lei de Execução Penal prevê, em seu art. 88, que o condenado deverá ser alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Todavia, não é o que se verifica nos presídios. Drauzio Varella, em sua obra, descreve:

"... Tarde da noite, andando por esses corredores mal-assombrados, com o silêncio quebrado por uma tosse anônima, o miado de um gado, a porta que bate ao longe, entendi por que os suicídios acontecem de manhã, depois de noites de depressão ou pânico claustrofóbico, espremidos entre os outros, sem poder chorar... Seu Lupércio... diz que perdeu a conta de quantos se enforcaram nas grades das janelas, e acha que as noites ficaram mais calmas depois que permitiram as visitas íntimas. 'Antigamente era pior. O calado da noite era quebrado por gritos que ecoavam pela cadeia inteira. Em seguida, o pessoal começava a bater caneca na grade. Já era: podia o funça vim buscar que alguém tinha sido estuprado’(sic)"[57]

A despeito do depoimento acima, alguns estudiosos, entendem, que as visitas íntimas não são suficientes para reduzir ou eliminar o problema do abuso sexual, pois acreditam que o estupro nas prisões está mais relacionado com poder e dominação do que com privações sexuais:

"O estupro nas prisões é raramente um ato sexual, mas sim um ato político e de

violência e uma forma de expressar posições de poder."[58]

A violência nas prisões é uma realidade que se pode constatar não só em relação a abusos entre os presos, como, também, aqueles cometidos por policiais carcerários.

Muitas vezes o funcionário encarregado pela segurança do presídio e, portanto, em contato direto com o preso, demonstra-se insuficientemente preparado para relacionar-se adequadamente com os internos.

A falta de treinamento adequado, a má remuneração dos Agentes Penitenciários, o ambiente de permanente tensão, somam-se, ainda, a uma condição de marginalização, conforme bem explica Manoel Pedro Pimentel[59]:

"... o guarda de presídio faz parte de um grupo profissional marginalizado, porque não consegue granjear inteiramente a confiança da Administração e também não atinge a confiança do preso, embora esteja, pelas suas condições, muito mais próximo destes do que daquela."

Todas essas circunstâncias concorrem para a prática de uma série de punições não previstas em lei, incluindo, entre estas, a execução sumária de presos, não só por parte de Agentes Penitenciários, como por policiais civis e militares. Não se pode deixar de citar a chacina ocorrida em 02 de outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo – Carandiru, uma das piores tragédias ocorridas no sistema prisional brasileiro, em que 111 (cento e onze) presos foram mortos por membros da Polícia Militar. Infelizmente, o massacre no Carandiru não constitui fato isolado.

No livro "Estação Carandiru" o presidiário Dadá descreve um momento de intervenção com o fim de conter um tumulto originado por uma briga entre duas facções rivais[60]:

"Um polícia abriu o guichezinho da porta, enfiou a metralhadora e gritou: Surpresa, chegou o diabo para carregar vocês para o inferno! Deu duas rajadas para lá e para cá. Encheu o barraco de fumaça, maior cheirão de pólvora. Só fui perceber que estava vivo quando senti um quente pingando nas costas. Era sangue, na hora até pensei que fosse meu. Olhei para os parceiros, tudo esfumaçado, furado de bala, pondo sangue pela boca. Morreram onze, escapei só eu, com um tiro de raspão no pescoço, e um companheiro do Cohab de Itaquera, ó, ileso, maior sorte." (sic)

 

3.4.3 A Superlotação

 

Um problema dos mais graves diz respeito à superlotação dos presídios. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)[61] há, no Brasil, um déficit de mais de 135.000 vagas. São 366.359 presos em todo o país, desses, 262.710 cumprem pena em penitenciárias sob condições precárias, ocorrendo, em média, duas rebeliões e três fugas por dia.

São 345.000 mandados de prisão expedidos e não cumpridos, em um país onde são praticados mais de um milhão de crimes por ano.

No ano de 2005, o DEPEN informou, também, que o Brasil possui 175 estabelecimentos prisionais em situação precária, havendo a necessidade de se construir mais, no mínimo, 130 prisões, com o fim de se resolver a problemática da superlotação. O grande óbice reside no fato de que cada um desses estabelecimentos custariaem média US$ 15 milhões.

O Brasil é o país da América Latina com a maior população carcerária e com o maior déficit de vagas no sistema penitenciário. Atrás do nosso país está o México com 151.724 presos e um déficit de “somente” 38.214 vagas, números estes bem mais animadores do que os do Brasil. Em terceiro lugar desse ranking estão Colômbia e Chile, com um déficit de 8.074 vagas para um total de 39.985 presos. (Dados colhidos junto à Fundação Internacional Penal e Penitenciária[62])

Conforme a Lei de Execução Penal brasileira, um espaço de seis metros quadrados deve ser reservado a cada detento do sistema prisional. Porém, a realidade não é bem essa, como exemplo podemos citar a situação em presídios de Belo Horizonte (MG), onde, de acordo com a Fundação Joaquim Nabuco[63], condenados cumprem pena em espaços de 30 (trinta) centímetros quadrados. É comum, em estabelecimentos penitenciários pelo Brasil, presos se revezarem para dormir, ou, até mesmo, amarrarem seus corpos às grades da cela, uma vez que o espaço interno da cela não permite que todos se deitem no chão ao mesmo tempo.

Portanto, a superlotação é o mais grave e crônico problema que aflige o sistema prisional brasileiro, haja vista destruir qualquer técnica de ressocialização que se tente implementar, além de causar a morte de detentos por meio da propagação de doenças contagiosas, tal como a tuberculose.

3.4.4 O Agente Penitenciário

 

Talvez, a mais importante das funções no interior de um presídio seja a do Agente Penitenciário, haja vista ser ele que detém as funções de atendimento, vigilância, custódia, guarda, assistência e orientação do apenado.

Este cargo tão essencial tem, ainda, a competência de zelar pela disciplina dentro dos estabelecimentos prisionais, por meio da elaboração de relatórios direcionados aos superiores sobre as ocorrências no presídio, além do registro e revista de entrada e saída de pessoas e viaturas dos estabelecimentos, realização da contagem diária de detentos, vigilância dos internos dentro e fora de suas celas, dentre outras.

Tal poder disciplinar objetiva a manutenção da ordem dentro dos presídios. Para isso, os Agentes tem o poder de aplicar, dentro da esfera administrativa, castigos disciplinares. Esses castigos têm a função de corrigir os desvios, devendo, portanto, serem essencialmente corretivos. Desse modo, o Estado, a rigor, deveria funcionar através dos Agentes Penitenciários, os quais seriam vistos como parâmetro de comportamento. No entanto, é nesse ponto que se encontra a origem do problema.

A inobservância das regras é o que permite ao Estado aplicar a penalidade disciplinar. Mas, quando o próprio representante do Estado foge à regra, não dando o exemplo correto, abre o parâmetro para que outros assim também o façam.

A corrupção envolvendo os Agentes Penitenciários é coisa das mais comuns. São eles, responsáveis pela fiscalização dentro dos estabelecimentos prisionais, os apontados como grandes responsáveis pelo ingresso de aparelhos celulares, drogas e armas dentro das prisões.

O sucesso do poder disciplinar exercido pelo Estado pressupõe o cumprimento das regras por ele estabelecidas. A decomposição destas normas, por parte de agentes penitenciários, toma os detentos ao mesmo processo.   

 

 

 

 

 

3.4.5 A saúde pública no sistema prisional brasileiro

 

Cerca de 1/3 da população carcerária nacional é portadora do vírus HIV, é o que apontou o último Censo Penitenciário Nacional, realizado no ano de 1994.

Tal estatística está vinculada ao crescente aumento e à freqüência das práticas de risco no interior dos presídios, mais comumente ligadas ao uso de drogas e à prática de múltiplas relações sexuais não protegidas.

O agravante está no descaso das autoridades, uma vez que a grande maioria dos presídios brasileiros não dispõe de serviços de saúde adequados[64]. As atividades de prevenção e assistência não têm continuidade, têm baixa cobertura e contam com um número ínfimo de profissionais para exercê-las. Não é somente a falta de recursos, mas a instabilidade dos quadros, a ausência de estruturas sustentáveis de educação para a saúde, além da pouca articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS) e outras instituições que conduzem a essa realidade.

Enquanto que o uso de drogas injetáveis é responsável por aproximadamente 1/4 da epidemia da AIDS no país, no sistema penitenciário este número é bem maio. São cerca de 52% os usuários de drogas injetáveis portadores de HIV, sendo que o número de usuários de agulhas e seringas compartilhadas é algo em torno de 60%.

Porém, não é só a AIDS que assola o sistema carcerário, a superlotação tem causado a propagação de microbactérias altamente resistentes na população de presidiários, o que tem causado o aumento dos casos de tuberculose pulmonar, levando, até mesmo, à características de epidemia. À par dessa situação, o Programa de Prevenção da AIDS das Nações Unidas (UNAIDS), que trata dos presídios como locais ideais para a propagação do vírus HIV e da tuberculose pulmonar, vem alertando ano a ano as autoridades brasileiras para que tomem medidas preventivas, evitando-se, assim, maiores índices de contaminação.

O HIV, além de todo o mal que pode causar, é o principal fator de risco para a progressão da infecção por tuberculose. Esta doença representa uma grande ameaça, pois o seu controle nas prisões é essencial para que seja controlada no ambiente externo, já que os detentos se relacionam com a comunidade de fora, por isso as penitenciárias são importantes na origem e transmissão da tuberculose.

Muito embora a tuberculose seja considerada uma doença controlável, tal moléstia é responsável pela ocorrência de 5.000 (cinco mil) mortes por ano no Brasil. Mais da metade dos casos de incidência da tuberculose estão relacionados com o sistema prisional. 

3.4.6 As rebeliões

 

Há um fenômeno que se coloca hoje como um grande denunciador do embaraçoso sistema carcerário brasileiro: as rebeliões. Estas acontecem, atualmente, como denunciadoras de uma organização social insustentável e revelam, ainda, a fragilidade das políticas públicas relativas à administração carcerária.

Como ilustração comparativa, mencionamos o registro de Eitzen e Timmer[65] de que rebeliões violentas de prisioneiros contra as autoridades penitenciárias foram numerosas no decorrer da história norte-americana. Sabe-se que ocorreram, no mínimo, 400 levantes em prisões, entre 1855 e 1955. Tais levantes foram espontâneos, em alguns casos, e organizados, em outros, e suas causas foram variadas. Quase sempre, os motins aconteceram visando a dramatizar as demandas dos prisioneiros por transformações nas condições em que estavam: melhores alimentação e assistência médica, melhores condições de recreação/lazer, trabalho produtivo, redução da superlotação, melhoria nas condições sanitárias, oportunidades educacionais mais acessíveis, restabelecimento de direitos humanos básicos e tratamento mais humano por parte dos guardas. Os autores destacam, ainda, que, nos anos 60 e 70, como reflexo da aumentada atividade política de grupos socialmente discriminados na sociedade norte-americana, muitos dos incidentes prisionais passaram a ocorrer também com a característica de contestação política às evidências de super-representação de algumas minorias entre os detentos (com destaque especial para a questão racial).

Rebeliões transformadas em novos motins, por motivos aparentemente fúteis, no sentido de que uma negociação se poderia estabelecer e o Estado deveria estar sendo capaz de atender a essas reivindicações, sem uso da força armada. Essas polícias militares atuam na função de castigo extra, como uma condenação suplementar à condenação que já grava sobre os detentos[66].

Em pesquisa realizada com noticiário jornalístico sobre rebeliões, no Brasil, Tavares[67] observou, através da análise de 195 ocorrências, que as rebeliões caracterizam-se por tentativas (desesperadas, e, às vezes, contraproducentes) de modificações das condições insuportáveis de:

• superlotação carcerária;

• alimentação precária e de má qualidade;

• maus tratos, torturas (envolvendo tanto funcionários quanto “detentos chefões”) e isolamentos;

• riscos à saúde;

• aumento do “custo” pessoal das exigências impostas pela corrupção no sistema carcerário;

• desmandos da direção;

• descontrole quanto ao andamento do cumprimento das penas;

• inexistência ou insuficiência de programas de recuperação para novas oportunidades de convivência e adaptação social;

• abusos e manipulações em torno do controle das visitas de parentes e amigos.

Os dados mostraram, com clareza, que as rebeliões não têm acarretado mudanças estruturais objetivas no sistema carcerário. Grande parte das rebeliões ou têm como reivindicação a transferência de presos para outros estabelecimentos prisionais ou acabamem transferências. Estaspromovem um rodízio de presos pelo sistema carcerário que modifica apenas circunstancialmente a organização social da prisão. A forma como está firmada e disposta a instituição carcerária brasileira continua a mesma após as rebeliões, na medida em que está sempre pronta para novas rebeliões, promovidas por outros presos da unidade ou por presos provenientes (por transferências) de outros estabelecimentos.

A rebelião das massas carcerárias, como fenômeno de contagiante insegurança urbana e manchetes internacionais, está se transformando em rotina desesperante e compõe uma intolerável sucessão de presentes, para usar da imagem sartreana. Já foi dito com inegável lucidez que as prisões de feição clássica constituem “erros monumentais talhados em pedra”.

As rebeliões carcerárias desde há muito tempo deixaram de ser um problema localizado, no interior dos muros, para assumirem proporção de terror comunitário quando se multiplicam as vítimas dos seqüestros impostos como condição para se efetivar garantias constitucionais e legais. Há uma nova legião de reféns nesses conflitos fabricados pela anomia e pela desesperança. Além dos guardas de presídios – os involuntários parceiros dessas rotas de fuga – a vitimidade de massa envolve outros atores: os dirigentes e técnicos dos estabelecimentos penais e os familiares dos presos. Até mesmo crianças, levadas pelas mãos calejadas das mulheres para a visita semanal, fazem parte dessa cadeia de novos flagelados da violência institucional e privada.

3.4.7 A falência das estruturas de apoio

 

Como estruturas de apoio do sistema penal e penitenciário compreendem-se os recursos e serviços para administrar os problemas relativos ao delito, ao delinqüente e às reações penais. A improbidade administrativa, a insensibilidade gerencial, a indiferença humana e a hostilidade burocrática são as coordenadas do abandono a que foram reduzidas as estruturas das Delegacias de Polícia, dos Juízos e Tribunais criminais, dos estabelecimentos e das instituições penais. E a responsabilidade por tais vícios é exclusivamente do poder político que domina a Administração Pública, diuturnamente omissa quanto à gravidade e a proliferação dos problemas e incapaz de estimular o espírito missionário de uma grande legião de operadores do Direito e da Justiça, obstinados em cumprir os seus deveres com dedicação e honestidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO    

4.1 PUNIÇÃO E VINGANÇA

 

É preciso entender, nesse ponto em estudo, que o Estado não pode se deixar levar pelo prazer de punir e pela sede de vingança. Obviamente, existe o direito de punir, que deve ser exercido nos termos da lei, sem que haja confusão com a vingança. Foucalt[68] já ensinava que “é preciso eliminar a confrontação física entre o Estado e o condenado”.

A grande problemática brasileira a esse respeito está nos costumes, uma vez que temos uma vasta história ligada à vingança do soberano e não à defesa da sociedade.

A vingança privada vem desde a época de Portugal, quando era denominada como lei da “revindicta” e transmitida aos herdeiros, permitindo que o mal causado fosse retribuído em maior proporção. Essa tradição somente teve fim no ano de 1340 quando D. Afonso IV promoveu profundas modificações na legislação portuguesa, banindo a vingança privada.

Na a época do descobrimento do Brasil, os portugueses encontraram povos indígenas sem qualquer noção de direito escrito, onde prevaleciam os costumes e as tradições. Há estudos que indicam que somente os crimes de homicídio, lesões corporais, furto, rapto, adultério da mulher e deserção eram punidos exemplarmente, o que, em muitos casos, resultava na pena de morte ao condenado[69].

A vingança extrema e aos atos desumanos podem ser demonstrados naqueles povos por meio da inexistência do instituto da prescrição, uma vez que o passar do tempo não fazia com que a punição pudesse deixar de ser aplicada.

A morte era punição comum, sendo aplicada até mesmo às crianças, quando fruto da infidelidade da mulher, onde que matava era o homem traído. O aborto também era permitido, já que era forma de vingança da mulher grávida para com o marido que a maltratava[70]. 

No entanto, os costumes indígenas não exerceram qualquer influência sobre o direito brasileiro, o qual se baseou na forma de justiça de D. Pedro I, conhecido como o Justiceiro, o que em nada se assemelhava à reforma contra a justiça privada realizada em Portugal por D. Afonso IV.

São as ordenações Filipinas, promulgadas no reinado de Felipe II, em janeiro de 1603, e que vigoraram no Brasil quanto à parte criminal por mais de dois séculos, que trouxeram com maior nitidez a luta contra a justiça privada e a vingança. Ainda assim, tais ordenações permitam a vingança em dois casos específicos: adultério, punido com a pena de morte, e perda da paz, que consistia no direito de matar o inimigo no período de tréguas, estando ele onde estivesse.

O excesso na forma de punir, ligado ao poder do soberano, só foi alterado em nosso ordenamento jurídico com o surgimento do sistema carcerário, pois nos permitiu legitimar o poder disciplinar, de forma a banir, ainda que através de método falho, a forma de punição ligada à vingança, aplicada aos corpos dos condenados.

O próprio Foucault[71] já dizia que o processo punitivo ligado à idéia de castigo, altera-se, com o sistema carcerário, em técnica penitenciária, agora ligado à idéia de adestramento.

Muitas prisões foram construídas ao redor do mundo com o intuito apontado por Foucault, onde se procura reeducar o apenado através do trabalho, instrução primária e religiosa.

No Brasil, a idéia de ressocialização e reeducação do detento surge somente no ano de 1890, com a criação do regime penitenciário de caráter correcional. Como visto, até então as penas destinavam-se somente à punição do agente, geralmente aplicada de forma cruel, voltadas ao sofrimento máximo dos sentenciados, sem qualquer preocupação com critérios de humanidade, os quais devem nortear o direito de punir.  

4.2 MEDIDA E HUMANIDADE

 

Medida e humanidade são elementos essenciais e necessários sempre que se é abordada a problemática do poder de punir. Desde o séc. XVIII já se falava em tais elementos, já que são derivados, segundo Foucault[72], de uma “economia de castigos” onde a disfunção do poder provinha de um excesso central, resultante do demasiado poder monárquico.

Quando falamos em melhorias dentro do direito criminal há, necessariamente, que se ter em mente a reforma no poder de punir, otimizando sua aplicabilidade e tornando-o mais eficaz em relação aos seus efeitos.

A história mundial é marcada pela barbaridade e atrocidades dispensadas àqueles que infringiam as regras, visto que nunca houve um instrumento que freasse a vontade geral de punir os mal-feitores. Nesse sentido Beccaria[73], em 1764, já questionava “qual o direito que os homens se reservam de trucidar seus semelhantes”. A resposta aponta para “a vontade geral, proveniente do conjunto das vontades particulares”.

Dessa maneira, a nova legislação criminal se apresenta muito mais branda no que diz respeito ao direito de punir, marcada pelo desaparecimento dos suplícios e o surgimento de uma punição velada na arte de fazer sofrer, não menos severa, porém sem a ostentação de épocas passadas.        

imizando sua aplicabilidadeem mente reito criminae do demasiado poder mon

 

4.3 PRINCÍPIO DA MODERAÇÃO DAS PENAS

 

Com os avanços da humanidade, o direito de punir transfere-se da vingança do soberano para a defesa da sociedade, o que, talvez, traz mais insegurança. Por isso mesmo, o princípio da moderação demonstra ser extremamente essencial.

Esse princípio, inicialmente conhecido como princípio da proibição do excesso, baseia-se na sensibilidade do homem razoável e não rigor da lei ou no grau de perigo do infrator. Origina-se do princípio da legalidade, existente nas doutrinas alemã e norte-americana, a partir do séc. XVIII, porém firmando-se constitucionalmente somente no séc. XIX.

Foucault, em visão originária acerca desse princípio, dizia que, in verbis:

“Para ser útil, a pena deve ser calculada não em função do delito, mas de possível reincidência. Visar não à ofensa passada, mas a desordem futura. Fazer de tal modo que o criminoso não possa ter vontade de recomeçar” [74].  

 

Já Beccaria[75] adotava como ponto de vista a tese de que se uma pena igual é aplicada a dois delitos que afetam de maneira diferente a sociedade, então não haveriam obstáculos que pudessem impedir a prática de delitos mais graves.

Por isso, não se pode dizer que a proporcionalidade das penas se destina à distribuição igual de castigo, baseada na idéia de suavização. Deve-se ter noção de que a proporcionalidade está tanto na regra da quantidade mínima como no limite da penalidade estrita. Daí dizer-se que o princípio da moderação das penas estabelece, caso a caso, a medida necessária do castigo, dando, assim, eficácia ao sistema punitivo.

A individualização das penas deve levar em consideração as características de cada fato e de cada criminoso, adotando-se uma punição ajustada, sem excessos e nem carências. Além disso, saliente-se que a aplicação de pena à menor do mínimo que se esperaria para determinado crime é tão maléfica quanto a própria não aplicação de pena, não se confundindo, portanto, com a economia calculada do poder de punir, que se destina à eficácia e não só à suavização.

Podemos perceber que o princípio da moderação das penas tem como principal característica o impedimento de abuso e arbítrio, através da aplicação de uma punição que obedeça a critérios estabelecidos pela própria sociedade, pautada na razão do homem comum.

Assim, infere-se que ao se punir na proporção exata destinada a determinado crime, haverá medida suficiente à inibição para a prática de novos crimes.

4.4 DIREITOS HUMANOS DOS PRESOS

 

Obedecendo a uma profunda lei de adequação às exigências modernas da execução penal, fundada em um processo de unificação orgânica, há, no século XX, uma profunda preocupação quanto à visão unitária dos problemas da Execução Penal. A Ciência Criminológica no passado limitava-se ao estudo científico das penas privativas de liberdade e sua execução, atualmente, compreende, também, o estudo de medidas alternativas à prisão, medidas de segurança, tratamento reeducativo e organização penitenciária[76].

A criação da Comissão Penitenciária Internacional, que se transforma na Comissão Penal e Penitenciária (1929), dá origem à elaboração das Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotadas pelo 1o Congresso da Organização das Nações Unidas – ONU, sobre a prevenção do crime e tratamento de delinqüentes, realizado em Genebra no ano de 1955, e aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU por meio da Resolução n. 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977.

Em 25 de maio de 1984, através da Resolução n. 1984 de 1947, o Conselho Econômico e Social da ONU aprova treze procedimentos para a aplicação efetivas das supracitadas Regras. A mudança de foco sobre o condenado, que durante muito tempo é objeto da Execução Penal, ocorre através do estabelecimento dos Direitos da Pessoa Humana.

Os objetivos de reformar o delinqüente e desestimular a prática de novos delitos são, portanto, objetivos que a ONU tenta atingir, e que podem se apresentar, ou não, capazes de criar a visão desejada.        

 

 

4.5 DIREITOS DO PRESIDIÁRIO NO BRASIL

 

Por sua característica de Estado Democrático de Direito, prevista na Carta Magna, o Brasil tem o dever de concretizar os direitos e deveres do preso.

Nessa esteira, conforme ensina Marcio Sotelo Felippe:

“A Lei de Execução Penal – LEP (7.210, de 11/7/84), no seu artigo 3o, garante aos encarcerados todos os direitos não atingidos pela sentença. Em outro dispositivo (artigo 46), impõe que o condenado, no início da execução da pena, seja cientificado das normas disciplinares. Em suma, essa Lei assegura ao preso o conhecimento de suas potencialidades (direitos) e limitações (deveres). Isso porque só se pode exigir uma conduta, e punir a sua negação, daqueles que tenham conhecimento prévio do dever-ser.”[77]     

O artigo 41 da Lei de Execução Penal estabelece quais são os direitos do preso, na forma que segue:

“Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei n. 10.713, de 13.8.2003)

  Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.”

Trata-se de relação de direitos específicos que se somam àqueles dos quais os sentenciados são titulares na sua própria condição de cidadãos, como o direito à vida (art. 5o, caput, CF), o direito à integridade física e moral (art. 5o, III, V, X e XLIII, CF), o direito de consciência e de convicção religiosa (art. 5o, VI, VII, VIII, CF), o direito ao sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (art. 5o, XII, CF), o direito à assistência judiciária (art. 5o, XXXIV, CF) e o direito à indenização por erro judiciário ou por prisão além do tempo fixado na sentença (art. 5o, LXXV, CF).

Além destes direitos previstos em nosso ordenamento jurídico, os sentenciados no Brasil “adquiriram” outros benefícios ao longo dos anos, que não se encontram regulamentados em lei, mas que são cumpridos na grande maioria dos estabelecimentos prisionais como se assim fossem.

A visita íntima não está regulamentada, mas, ainda assim, tem sido permitida em parte dos estabelecimentos prisionais brasileiros. A visita íntima de marido, mulher, companheiro ou companheira tem sido condicionada ao comportamento do preso, à segurança do presídio e às condições da unidade prisional sem perder der vista a preservação da saúde das pessoas envolvidas e a defesa da família. Tratada como um direito incontestável, a visita íntima tem sido apontada como elemento de grande influência na manutenção dos laços afetivos e na ressocialização do preso.

A entrega de gêneros alimentícios aos sentenciados, denominada “jumbo”, é  outro benefício que não se encontra regulamentado em nosso ordenamento jurídico mas tem sido tratado como um direito incontestável dos presos, permitida em quase toda a totalidade dos estabelecimentos prisionais brasileiros. Da parte do Estado, os sentenciados recebem quatro refeições ao dia, consistentes em café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. Ainda assim, se permite que recebam gêneros alimentícios trazidos pelas visitas, o que não só coloca em risco a segurança dos presídios – já que a grande maioria das armas e aparelhos celulares que ingressam no sistema prisional são trazidos enrustidos nestes alimentos –, mas também coloca em risco a higiene dos presídios, já que as celas não possuem dispositivos adequados para o armazenamento de alimentos perecíveis.

Em relação às mulheres, a lei assegura o direito de permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação, que atualmente é de 120 (cento e vinte) dias. As presas devem cumprir pena em presídios separados, com direito a trabalho técnico adequado à sua condição.

Já o preso estrangeiro tem os mesmos direitos que o preso brasileiro, posto que a Constituição determina que todos são iguais perante a lei. Na prática, a maior dificuldade do sentenciado estrangeiro é conseguir adquirir os benefícios do livramento condicional e indulto, porque o estrangeiro que é condenado no Brasil não pode permanecer morando no país.

Conforme já mencionado, a Lei brasileira define que deve ser reservado a cada preso do sistema penitenciário um espaço de seis metros quadrados. Condenados cumprem pena em espaços de trinta centímetros quadrados. É comum, nos estabelecimentos penitenciários brasileiros, presos se revezarem para dormir, ou amarrarem seus corpos a grades, já que o espaço interno da cela não permite que todos se deitem ao chão ao mesmo tempo.

4.6 O TRABALHO NOS PRESÍDIOS

 

O trabalho nos presídios seguiu historicamente a evolução vislumbrada na conceituação da pena privativa de liberdade e apresenta três grandes estágios. No primeiro, o trabalho era entendido como um elemento fundamental para a regeneração moral e normatização social do apenado, como uma política virtuosa e socialmente positiva.

No segundo estágio, o trabalho era entendido como elemento agravante da própria punição, justificando-se, assim, a concepção de pena de prisão com trabalhos forçados. No terceiro estágio, o trabalho prisional visa dotar o recluso de competências para que, em liberdade, ele possa desenvolver uma atividade produtiva que lhe possibilite uma vida economicamente independente e que facilite a sua reinserção social, podendo ser entendido, quer como dever, quer como um direito do recluso[78].

O trabalho prisional, dentro de uma visão mais realista, passa a desempenhar dois papéis distintos, embora totalmente interligados. De um lado, ele serve para reduzir os conflitos do recluso durante o tempo em que está preso, visando, principalmente, minorar os efeitos prejudiciais do estabelecimento sobre esse preso. De outro lado, o trabalho pretende contribuir para a sua real ressocialização, embora reconhecendo que nem sempre isso é possível.

Para Foucault[79], em sua concepção primitiva, o trabalho dentro das prisões não objetivava profissionalizar o indivíduo, mas sim ensinar a própria virtude do trabalho. Para ele, a utilidade do trabalho penal não era o lucro, nem a profissionalização, mas a constituição de uma relação de poder de uma forma econômica vazia, de um esquema de submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção.

Dessa forma, não se procurava reeducar o delinqüente, mas sim agrupa-lo, rotulá-lo e utiliza-lo como instrumento econômico ou político.

O trabalho penitenciário propunha-se, inicialmente, mais à proteção social e à vingança pública do que a outro fim, onde os prisioneiros eram remetidos aos trabalhos mais penosos e insalubres.

Com o advento do iluminismo e o desenvolvimento industrial, com sua exigência por um mercado de mão de obra livre, as penas centradas no trabalho obrigatório diminuem. Paralelamente, desponta cada vez mais preocupação com os direitos humanos. Atualmente, estão proibidos em praticamente todo o mundo os trabalhos forçados como pena. Sendo a loborterapia considerada como uma eficaz ferramenta para a reintegração social.

A laborterapia do recluso deve servir como instrumento de auxílio na aquisição de uma capacidade geral de reintegração na comunidade. Sem dúvida, a laborterapia é uma das formas de reinserção social do recluso, contanto que dela não se faça uma forma vil de escravatura e violenta exploração do homem pelo homem, principalmente do homem enclausurado. O trabalho na prisão deve apoiar-se em um tripé, ou ser visto sob um tríplice aspecto: o ético, o penal e o econômico. Em se tratando do ponto de vista ético, nada melhor do que ocupar o homem, para que não se leve a pensar besteiras, já que “a mente desocupada é a oficina do diabo”. O ócio é, sem dúvida, o pior dos males que o sistema fechado causa ao condenado. Da mesma forma que a necessidade, dizem, é a mãe de todos os males, o ócio é, por certo, o pai[80].

Os limites e as dificuldades para se organizar as prisões, tendo como eixo de sustentação o trabalho dos presos, mostram os entraves em se tentar transformar as prisões em fábricas, em unidades de produção e auto-sustentação econômica. Discute-se o papel essencialmente disciplinar que o trabalho dos presos desempenha no interior das prisões, sendo fundamental para a manutenção da ordem interna, haja vista que a pretensa função regeneradora ou ressocializadora encontra obstáculos nas características de funcionamento da prisão e nas funções que esta tem na sociedade moderna.

O trabalho faz parte do interesse da maioria dos presos, sendo direito seu trabalhar enquanto do cumprimento da pena, cabendo às autoridades competentes nada mais que providenciar meios para sua implantação. Tal premissa decorre do fato de que embora faça parte das determinações legais, os estabelecimentos penais não desenvolvem uma política de trabalho que ofereça oportunidade a todos, sendo que, nas penitenciárias femininas, é possível se visualizar muito mais tal medida.       

A remuneração do trabalho viria de acordo com cada estabelecimento prisional, apesar de o texto legal determinar que os presos devam receber três quartos do salário mínimo. Algumas das oficinas desenvolvidas nos estabelecimentos prisionais remuneram de acordo com a produção, e a quantia recebida fica situada muito abaixo do valor determinado em lei, mesmo quando do trabalho em hora extra.

Sendo assim, o trabalho dos presos melhora o ambiente nas penitenciárias, facilitando sua administração, além disso, promove uma ocupação produtiva do tempo ocioso, auxiliando na reintegração e ressocialização, bem como proporcionando renda extra ao preso e à sua família.

 

 

4.7 POLÍTICAS PÚBLICAS E SISTEMA PENITENCIÁRIO

A falta de políticas públicas impede a construção de penitenciárias para a devida execução penal e, consequentemente, para que se possa proporcionar melhores condições de vida ao preso.

No Brasil, apesar das conquistas sociais da Constituição Federal de 1934, o Estado do Bem-Estar Social não chegou a se implantar no país, bem como no restante da América Latina e, segundo Streck[81] o Brasil seria “um monumento à negligência social”.

Ao compartilhar desta idéia, Bonavides[82] assinala que socialmente, o Brasil é o País mais injusto do mundo; por um paradoxo, sua riqueza fez seu povo mais pobre e suas elites mais ricas numa proporção de desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todos os países.

As políticas de segurança pública e, neste campo, as políticas destinadas à questão penitenciária têm por caracterização uma política neoliberal em seu último grau de consolidação. As políticas sociais e, consequentemente, penitenciárias, neste contexto, não prescindem da mesma orientação de precarização, focalização e socorro aos mais carentes.

Esse socorro não quer dizer proporcionar autonomia, inclusão, pelo contrário, visa à manutenção da situação tal como se encontra, atendendo cirurgicamente apenas o foco da carência, excetua-se reprimir suas causas e decorrências.

Dessa maneira, a execução penal estará subordinada aos princípios neoliberais, a massa carcerária neste contexto é personificada como grupo marginal carente para o qual deve-se destinar medidas imediatas que atendam às necessidades mais prementes.

Por se tratar de uma minoria improdutiva, não há como prestar a contrapartida dos serviços que lhe são prestados pelos programas públicos, por isso os condenados ficam a mercê da caridade do Estado.

A efetivação da Lei de Execução Penal depende diretamente do financiamento do Estado, o qual, por sua vez, prioriza recursos para parcelas mais significativas de eleitores, o que não é o caso do presidiário, já que ele tem os seus direitos políticos cassados com a condenação.

A política penitenciária tem seu discurso apoiado na Lei de Execução Penal, a qual prescreve a garantia e atribui ao Estado a responsabilidade de promover todo o aparato necessário à efetiva ressocialização do preso, resgatando sua cidadania. Isso significa resgatar suas condições de cidadão, as quais, necessariamente, passam pelo direito à dignidade moral, social, política e econômica.

Desse modo, ante a ausência de políticas sérias e investimentos no sistema penitenciário brasileiro, as velhas e insalubres instalações penitenciárias, além daquelas superlotadas, efetivamente não atingem o desiderato último da pena que é a ressocialização do indivíduo, o qual, na maioria das vezes, sequer era socializado e sempre foi excluído socialmente pelo poder público.

Segundo Leal[83], não se pode ensinar no cativeiro a viver em liberdade, descabendo cogitar-se de ressocializar quem de regra nem sequer foi antes socializado.

Na atualidade nacional, recolhem-se os presos a locais piores que os calabouços antigos, aglomeram-se pessoas em cubículos e retira-lhes a dignidade.

De fato, a reforma penitenciária nacional deve iniciar pela arquitetura das prisões, conforme assinala Mirabete[84]:

 

“Já se tem afirmado que uma autêntica reforma penitenciária deve começar pela arquitetura das prisões. Entretanto, nos dias de hoje, no recinto das prisões, respira-se um ar de constrangimento, repressão e verdadeiro terror, agravado pela arquitetura dos velhos presídios em que há confinamento de vários presos em celas pequenas, úmidas, de tetos elevados e escassas luminosidade e ventilação, num ambiente que facilita não só o homossexualismo como o assalto sexual.”

 

A arquitetura de velhos presídios e cadeias públicas espalhados pelo país, efetivamente não se difere de um zoológico (as grades, o confinamento), com celas superlotadas de seres humanos em piores condições que os animais habitantes das jaulas do próprio zoológico, sem individualidade, respeito e subjugados aos presos mais fortes.

4.7.1 Investimentos na carreira de agente penitenciário

A problemática envolvendo o agente penitenciário foi abordada no capítulo pertinente, agora cumpre-nos demonstrar como o Estado pode resolvê-la.

  Muito já vem sendo feito pelo governo brasileiro, no intuito de selecionar profissionais habilitados o Ministério da Justiça, em 2005, publicou a realização de concurso público para o provimento de vagas no cargo de agente penitenciário federal[85], com remuneração inicial de R$ 2.627,87. Foram inscritos 136 candidatos para cada vaga oferecida.

Os Estados devem, também, investir na carreira de agente penitenciário, uma vez que é ele quem funciona como educador, ditando o padrão de comportamento a seguido pelos presos. Hoje,em muitos Estadosbrasileiros, os agentes penitenciários sequer são submetidos à avaliação e ao acompanhamento psicológico.

Visualizemos, então, um exemplo prático: no Estado de São Paulo está localizado o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, neste estabelecimento os agentes penitenciários tiveram treinamento específico na Academia Penitenciária. Receberam instruções de como proceder no convívio com líderes de facções criminosas, e até um uniforme foi criado especialmente para estes funcionários, diferenciando-os visualmente dos presos, o que não acontece em muitos estabelecimentos prisionais brasileiros. O resultado não poderia ser melhor. Até mesmo os detentos elogiam o comportamento destes agentes penitenciários, que realizaram algo até então pouco visto em um presídio brasileiro: evitaram o ingresso de aparelhos celulares, drogas e armas no estabelecimento[86].

Portanto, a valorização da carreira de agente penitenciário é pressuposto básico para se pensar em algum sucesso do sistema prisional brasileiro. Em nada adiantará a construção de novos presídios sem a melhora da qualidade destes funcionários.

Assim, salienta Porto[87]:

“Como é sabido, é a partir do bom exemplo que se opera a transformação dos indivíduos. Este exemplo, dentro dos presídios, deve partir do comportamento dos agentes penitenciários”.  

4.8 O RESPEITO À INDIVIDUALIDADE DO DETENTO

 

Ao ingressar em um presídio brasileiro, o sentenciado é “despido de sua aparência usual”[88]. É despojado de seus pertences pessoais, recebendo um uniforme padronizado, o qual é obrigado a utilizar. Seu nome é substituído por um número, denominado matrícula. O seu cabelo é raspado. É privado de toda e qualquer comodidade material, recebendo somente o necessário para a sua higiene pessoal. Por fim, é informado das normas do estabelecimento e das conseqüências do seu descumprimento.

Dessa forma, ao longo do estudo realizado, podemos perceber que um dos instrumentos mais importante para o processo de humanização do sistema prisional brasileiro é o respeito à individualidade do preso. Nesse sentido, a Resolução CNPCP n. 14, de 11 de novembro de 1994, que trata das regras mínimas para tratamento do preso no Brasil, em seu art. 3o, estabelece que:

“Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal”.

Erwing Goffman, em sua obra intitulada “Manicômios, Prisões e Conventos”, já demonstrava, muito sabiamente, o caráter arrasador das “instituições totais”, aí se enquadrando os presídios, quando desconsideram a personalidade de cada um dos internos (presos), englobando-os como se fossem todos iguais, possuindo, por isso, as mesmas necessidades.   

Segundo o referido autor:

"uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.”[89]

A doutrina de Goffman, quando da análise das instituições fechadas (totais), é muito coerente ao expor que a administração dos presídios se baseia em aspetos da natureza geral dos internos, sendo aí que reside grande parte dos conflitos desses dois grupos (administração e internos).

O que o autor quer nos explicar é que os administradores não podem se prender a aspectos gerais de comportamento dos presidiários, ou seja, aos estereótipos, já aguardando, assim, determinados comportamentos. Eles devem sim, respeitar a individualidade de cada preso, fazendo com que esses se sintam à vontade em relação a si mesmos, já que podem ser verificadas definições não previstas da situação.

Demonstrando o conflito que existe na sistematização das ações de toda e qualquer pessoa que esteja internada em um estabelecimento social, tal como a prisão, Goffman aduz que:

“Ora, se qualquer estabelecimento social pode ser considerado como um lugar onde sistematicamente surgem suposições a respeito do eu, podemos ir adiante e considerar que é um local onde tais suposições são sistematicamente enfrentadas pelo participante. Adiantar-se nas atividades prescritas, ou delas participar segundo formas não-prescritas ou por objetivos não-prescritos, é afastar-se do eu oficial e do mundo oficialmente disponível para ele. Prescrever uma atividade é prescrever um mundo; eludir uma prescrição pode ser eludir uma identidade.”[90]     

Dessa maneira, quando existem atividades pré-estabelecidas voltadas para indivíduos em geral, haja vista a consonância de comportamento, há também a perda da identidade destes indivíduos.

É nesse contexto que surgem os problemas, já que os apenados que não cooperam com a instituição passam a desenvolver um “ajustamento secundário” que, segundo o autor, é o emprego de meios ilícitos para se escapar do dever ser, ou daquilo que a organização supõe que se deve fazer ou obter.

 

“Os ajustamentos secundários representam formas pelas quais o indivíduo se isola do papel e do eu que a instituição admite para ele.”[91] 

 

Assim, se os estabelecimentos prisionais não dão espaço para o desenvolvimento da personalidade de cada um dos apenados, estes indivíduos quebrarão as regras para que possam se ver livres de toda a sistematização imposta.

Para a humanização da pena é fundamental o respeito à individualidade do detento, estimulando-lhe a autoconfiança e mostrando que ele é capaz para fazer algo positivo. Com isso, é certo que estará sendo dispensado ao preso um tratamento digno em todos os sentidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Após o estudo apresentado, a primeira conclusão a que chegamos é o quão distante o sistema prisional brasileiro está do ideal humanitário. Mudanças radicais se fazem necessárias e urgentes, pois, a cada dia que se passa, a revolta humana só tende a aumentar nessas instituições. Ocorre a necessidade de modernização da arquitetura penitenciária, melhoria de assistência médica, psicológica e social, ampliação dos projetos visando o trabalho do preso e a ocupação de sua mente e do seu espírito, preparo dos agentes penitenciários, acompanhamento na reintegração social do detento, dentre outras medidas para que as mudanças possam ter início.

O princípio da dignidade da pessoa humana deve sempre pautar as atividades voltadas para o sistema penitenciário, haja vista ser ele medida assecuratória da obrigação do Estado em garantir à pessoa humana um patamar mínimo de recursos, capaz de prover-lhe a subsistência.

Ademais, este princípio garante também o reconhecimento de que o indivíduo há de constituir o objetivo primacial da ordem jurídica. Dito fundamental, o princípio – cuja função de diretriz hermenêutica lhe é irrecusável – traduz a repulsa constitucional às práticas, imputáveis aos poderes públicos ou aos particulares, que visem a expor o ser humano, enquanto tal, em posição de desigualdade perante os demais, a desconsiderá-lo como pessoa, reduzindo-o à condição de coisa, ou ainda a privá-lo dos meios necessários à sua manutenção.          

Sendo assim, foram demonstradas algumas medidas que são de grande valia para que o detento possa se ocupar exclusivamente do cumprimento de sua pena, sem que tenha agredida a sua dignidade, o que faz com que ele se volte para a perpetuação do crime.

Dentre tais medidas, as que demonstram ser, em um primeiro momento, mais eficazes são aquelas que dizem respeito ao trabalho, à preparação dos agentes penitenciários e ao respeito à individualidade do detento.

O trabalho obrigatório nos presídios é uma tendência mundial que precisa ser assimilada pelo ordenamento brasileiro, uma vez que é indispensável ao sucesso de qualquer processo de ressocialização. Dessa maneira, o detento, hoje ocioso, poderá contribuir de forma positiva para a produção laboral e para o aumento de sua própria auto-estima.

Não se concebe a humanização do sistema penitenciário sem investimentos a nível de recursos humanos. Nesse ponto, o que se tem de mais importante é a participação efetiva do agente penitenciário e, para tanto, é fundamental que o Estado priorize a sua adequada formação. Contudo, é importante também que sejam necessariamente cumpridos os termos legais, no intuito de, factualmente, punir os delitos cometidos por tais agentes, haja vista serem eles, hoje, os maiores responsáveis pelo municiamento dos presos.

Por fim, e não menos importante, temos o respeito à individualidade do detento. Ao ingressar em um presídio brasileiro ocorre com o preso o que chamamos de perda da subjetividade, haja vista haver a desprogramação do indivíduo, com a perda de sua identidade. O intuito é torná-lo apto a um novo mecanismo de reprogramação, agora baseado em regras de enquadramento, adestramento e de padronização.

Ao determinar ao sentenciado uma rotina diária a ser seguida, pretende-se uma renúncia à própria vontade e ao desejo. Este sistema, denominado por Goffman[92] pasteurização do indivíduo, consiste na perda e na anulação da singularidade. É nesse ponto que reside o “perigo”, pois há a revolta por parte do preso, que parte para uma verdadeira guerra contra essa repressão, resultando em rebeliões, mortes e fugas.   

Portanto, as prisões brasileiras perderam o seu papel exigido, de aparelho transformador de indivíduos. A prisão não foi criada tão-somente como forma de privação da liberdade. A sua razão de existir, desde o início, sempre esteve ligada à função técnica de correção, juntamente com o castigo. A perda da liberdade do sentenciado foi a forma encontrada para implementar esta técnica que tem a função primordial de legitimação da ordem vigente e da manutenção da estabilidade e da paz.

A solidão, o confinamento sempre foram tidos como instrumentos de reforma dos sentenciados. Deveriam ser utilizados para gerar a reflexão, o remorso pelos crimes cometidos. O isolamento asseguraria ao Estado condições propícias a exercícios de bons hábitos de sociabilidade, o que no Brasil não vem ocorrendo.

A técnica penitenciária brasileira se afastou de seu caráter terapêutico. Os mecanismos e os efeitos da prisão se difundiram ao longo dos anos, e a privação da liberdade deixou de comportar um projeto técnico.

Essa problemática seria facilmente superada se o princípio da dignidade da pessoa humana pautasse a atividade estatal, nesse sentido vale destacar o posicionamento do Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ao apresentar o Relatório da situação do sistema prisional brasileiro[93]:

 

“A outra premissa é ter o princípio da dignidade humana como condição indispensável para que o sistema prisional exerça sua função. O que se pode esperar de um ser humano – que não perde essa condição a despeito de ter cometido crime, amontoado em masmorras fétidas, submetidos à tortura, à toda a sorte de humilhações e maus-tratos, transformado em refém do crime organizado?

Que exemplo a sociedade e o Estado estamos dando aos presos se não respeitamos seus direitos fundamentais e lhe negamos acesso à justiça? O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, deputado Geraldo Moreira, ilustrou essa situação de forma dramática ao afirmar que “a sociedade, por meio do Estado, está financiando o embrutecimento, fabricando monstros”.

É essencial oferecer valores humanos como referências para a comunidade prisional. Cumprir as leis de execução penal, garantindo assistência judiciária, com a contratação de mais defensores públicos; aplicar as penas alternativas para infrações menos ofensivas; criar meios para a justiça restaurativa e a remissão de

penas por educação e trabalho, concorrendo para a reinserção do futuro egresso na sociedade.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.

ANEXO I – RELATÓRIO: SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.

 

 

RELATÓRIO

 

 

 

 

SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL  BRASILEIRO

 

 

 

 

 

Síntese de videoconferência nacional realizada pela

Comissão de Direitos Humanos e Minorias

Câmara dos Deputados em parceria com a Pastoral

Carcerária - CNBB

Com relatos das Comissões de Direitos Humanos das

Assembléias Legislativas,

Pastoral Carcerária - CNBB e outras entidades

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Brasília, julho de 2006

SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

 

Síntese de videoconferência nacional realizada pela

 

Comissão de Direitos Humanos e Minorias

 

Câmara dos Deputados

 

Com relatos das Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas, Pastoral Carcerária – CNBB e outras entidades

---------------------------------------

 

Agradecimento

A todos os colaboradores que nos enviaram relatórios estaduais, dados e outras informações, contribuindo para a produção deste documento. Especialmente, agradecemos o empenho das Comissões Pastorais Carcerárias e a seu coordenador nacional, Padre Gunter Alois Zgubic, pela valiosa cooperação.

 

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Advertência

A importância deste Relatório está no diagnóstico que faz da situação prisional em 17 Estados e nas soluções que propõe. Os dados estatísticos incluídos são de responsabilidade das entidades que os encaminharam, podendo ocorrer inconsistências em alguns desses dados, tendo em vista a mobilidade inerente aos mesmos e dificuldades de acesso a informações oficiais em certos casos. Para a análise estatística do sistema prisional brasileiro, recomendamos recorrer aos indicadores do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

APRESENTAÇÃO

 

 

“Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”

NELSON MANDELA – Long Walk to Freedon, Little Brown,

Lodres: 1994.

Ao apresentar este relatório à sociedade brasileira e ao Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) vem se somar ao esforço no sentido de estabelecer um diagnóstico objetivo e de propor soluções de alcance emergencial e estrutural para o sistema prisional brasileiro.

Não se pretende revelar situações desconhecidas nem expressar-se em modelos acadêmicos. Aqui se oferece uma visão compartilhada do problema, a partir do olhar de agentes públicos, militantes sociais e religiosos ligados aos direitos humanos de 16 Estados e do Distrito Federal. Trata-se de um documento comprometido com os princípios e padrões ratificados pelo Brasil em instrumentos internacionais e na legislação interna. Seus autores, quer atuem no poder público quer na sociedade civil, têm em comum o efetivo conhecimento da realidade dos cárceres brasileiros. São deputados das Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas, voluntários das Comissões Pastorais Carcerárias e de outras organizações de direitos humanos que têm convivido com a comunidade prisional, as famílias dos presos, os agentes penitenciários e autoridades públicas gestoras dessas instituições.

Estes colaboradores se uniram para produzir o relatório a partir de uma videoconferência, no dia 19 de junho de 2006, com Assembléias Legislativas de 17 Estados integradas na comunidade virtual do Legislativo – Interlegis. O encontro foi coordenado de Brasília por este presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). Também participaram de Brasília as representantes do Departamento Nacional de Política Criminal e Penitenciária Dras. Hebe Teixeira e Arieny Carneiro, além de representantes do Fórum de

Entidades Nacionais de Direitos Humanos, Movimento Nacional de Direitos

Humanos e assessores da CDHM. Essas entidades foram representadas tambémem diferentes Estados.

A videoconferência foi seguida do envio de outros documentos e relatórios. O

conjunto dessas informações passou, então, por uma síntese realizada pela equipe da CDHM, que foi objeto de nossa análise e comentário no texto de abertura.  Assim foi produzido a versão que ora apresentamos.

Trata-se de uma contribuição oferecida num momento de crise aguda do sistema prisional. As rebeliões de internos adultos e adolescentes, que de tão corriqueiras já sequer chamam a atenção da sociedade, esgotam-se como mecanismo de pressão e obtenção de visibilidade. Como afirmou na videoconferência o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, deputado Pedro Teruel, “as rebeliões agora partem de dentro mas ocorrem principalmente fora das prisões”.

De fato, o transbordamento dos muros das prisões para ganhar as ruas é uma

característica das rebeliões atuais, cujo marco de referência foi a onda de violência iniciada pelo PCCem São Pauloem fins de maio último, seguida de cerca de 500 homicídios até agora não esclarecidos. Neste começo de julho, agentes penitenciários de São Paulo vêm sendo assassinados diariamente, enquanto a penitenciária de Araraquara-SP nós dá o deprimente espetáculo de violações de direitos sem fim dos 1.500 presos onde cabem 160. As facções de criminosos engendraram, a partir das prisões, redes organizadas com ex-presos, familiares e outras pessoas submetidas à sua influência. Esse método de atuação, envolvendo numerosa população marginalizada, é potencializada por ódios decorrentes da violência e da corrupção no meio policial.

Na sociedade predomina o desprezo aos internos no sistema prisional. Não há

sensibilização suficiente para provocar a mobilização eficaz face às condições de saúde deploráveis, os ambientes superlotados, a ausência de atividades laborais e educativas. O quadro resultante, absolutamente crítico, exige respostas imediatas na forma de políticas públicas que envolvam todas as instituições responsáveis e a sociedade civil. A crise no sistema prisional não é um problema só dos presos, é um problema da sociedade. E toda a sociedade passará a sofrer o agravamento das conseqüências de sua própria omissão.

A premissa inicial na busca de soluções é ter clareza dos limites do papel do sistema prisional. Ações no ambiente interno desse sistema são necessárias mas insuficientes para dar conta do imenso desafio. É preciso investir mais no

enfrentamento das causas e menos nas conseqüências do ato criminal. Sabe-se que construir uma escola sempre evitará a construção de muitas prisões. Assim, a perspectiva de erguer mais e mais cárceres deve ser substituída pela decisão de atuar prioritariamente na prevenção do crime e na aplicação de penas alternativas.

A outra premissa é ter o princípio da dignidade humana como condição indispensável para que o sistema prisional exerça sua função. O que se pode esperar de um ser humano – que não perde essa condição a despeito de ter cometido crime, amontoado em masmorras fétidas, submetidos à tortura, à toda a sorte de humilhações e maus-tratos, transformado em refém do crime organizado? Que exemplo a sociedade e o Estado estamos dando aos presos se não respeitamos seus direitos fundamentais e lhe negamos acesso à justiça? O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, deputado Geraldo Moreira, ilustrou essa situação de forma dramática ao afirmar que “a sociedade, por meio do Estado, está financiando o embrutecimento, fabricando monstros”.

É essencial oferecer valores humanos como referências para a comunidade prisional. Cumprir as leis de execução penal, garantindo assistência judiciária, com a contratação de mais defensores públicos; aplicar as penas alternativas para infrações menos ofensivas; criar meios para a justiça restaurativa e a remissão de penas por educação e trabalho, concorrendo para a reinserção do futuro egresso na sociedade.

É preciso desmistificar as falsas soluções no sentido de recrudescer as normas de cumprimento de penas, brandidas em momentos de comoção pública por

segmentos políticos com influência nos serviços de segurança pública. Agravar penas e reduzir idade penal, impor castigos cruéis, aplicar de forma indiscriminada a Lei dos Crimes Hediondos, igualando os delinqüentes de crime único aos de alta periculosidade, essas medidas têm sido empregadas sem sucesso. Pelo contrário, o Estado de São Paulo, que vem se orientando nos últimos anos por essa política regressiva, é o Estado com a mais explosiva situação prisional de todo o país, tanto nas unidades para adultos quanto nas de internação de adolescentes da FEBEM, reprovadas por diferentes instituições internacionais de direitos humanos.

Não há possibilidade de humanizar e dar eficiência às instituições fechadas sem a ação planejada no nível dos recursos humanos. É urgente promover uma reflexão sobre o papel do agente penitenciário, definir suas responsabilidades, valorizar suas funções, dar-lhe condição de trabalho e segurança, como um dos pilares para a imediata reestruturação do sistema. Em contrapartida, deve ser cobrado o cumprimento das leis no sentido de punir delitos cometidos por esses agentes. A entrada de armas, telefones celulares e drogas, as ordens de execuções de crimes de dentro das unidades, contam freqüentemente com a participação de agentes públicos.

Salientamos, finalmente, a importância da participação da sociedade na gestão do sistema prisional, por meio de conselhos e associações que acompanhem o cotidiano das unidades. O Estado deve criar condições e estimular a atuação de organizações civis como instrumento de cidadania e defesa dos direitos humanos junto a essa população custodiada pelo Estado. Inclusive com a faculdade de acionar o poder judiciário para requerer o cumprimento de ações nos processos, como a progressão penal, o livramento por extinção de pena, iniciativas de ressocialização e para gerar trabalho e renda para os egressos.

Parafraseando Mandela, não atingiremos um padrão aceitável de direitos humanos para o nosso País sem garantir que esses direitos alcancem os homens e mulheres reclusos nas nossas prisões.

 

 

Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh

Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NOS ESTADOS

 

 

 

 

ACRE

- Nº de vagas existentes...................................................................................1.349
- Nº efetivo de presos.......................................................................................2.363
- Nº de unidades prisionais.....................................................................................5
- Nº mandados expedidos a cumprir................................................ sem informação
- Nº de Varas e Juízes............................................................................................4
- Nº de condenados em delegacias............................................................. nenhum
- Aplicação de penas alternativas................................................... sem informação


Problemas identificados

Má qualidade da água e da comida servida aos presos.

Falta de banho de sol.

Falta de atendimento médico e odontológico, sistemático e eficiente.

Superlotação.

Falta de aplicação dos  programas de remissão das penas.

Ociosidade.


Propostas

Aumento da capacidade da estação de tratamento de água, que funciona precariamente em razão de ter sido construída para atender uma demanda infinitamente menor.

Expansão de horta e pocilga, com acompanhamento de técnicos, para orientar os presos no plantio de verduras, legumes e cereais que podem ser usados para consumo interno e vendidos para universidades, supermercados, merenda escolar, hospitais etc.

Implementação de roçado com técnicos para orientar e desenvolver a agricultura em152 hectaresde terra de unidade prisional, hoje improdutivos, onde se poderia plantar arroz, feijão, macaxeira, milho e outros produtos.

Ampliação dos açudes hoje existentes para a criação de peixes em larga escala.

Organização de "mutirão da saúde" para a realização de exames clínicos em todos os presos, visto que se constatou, convivendo na mesma cela, doentes de tuberculose, hepatite (esperando, inclusive, transplante), HPV e outras doenças não menos graves.

Ampliação da oferta de cursos de capacitação de ensino formal e qualificação profissional, aproveitando os presos com melhor desempenho para serem multiplicadores de conhecimentos. Já existem cursos de marcenaria, fábrica de bolas e panificadora.

Extradição dos estrangeiros — Os órgãos competentes deveriam assinar acordo internacional de extradição, com Bolívia e Peru, para os presos originários desses países.

Convênios na área social — A Prefeitura Municipal de Rio Branco poderia, mediante convênio, utilizar a mão-de-obra dos presos na limpeza dos espaços públicos.

Mutirão da Justiça — Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Executivo, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil — OAB/Acre, fariam, de imediato, um mutirão da justiça, objetivando analisar a situação jurídica de cada reeducando, em especial as penas vencidas e que estão prestes a vencer.

Nomeação imediata dos diretores e administradores das unidades prisionais.

Construção, reforma e ampliação do espaço físico - Dar prioridade para a questão sanitária, visto que há nos presídios fossas a céu aberto. Nota-se a necessidade de celas mais arejadas, principalmente para os doentes, para as mães com crianças menores de quatro meses. Construção de um espaço coberto e com assentos para prática religiosa. Prioridade maior a construção de melhores acomodações para o pessoal de guarda do presídio.

Melhoria da qualidade e quantidade da alimentação com acompanhamento de um profissional da área de nutrição.

AMAZONAS


Problemas Identificados

Com relação aos presídios de Manaus:

A morosidade da Justiça é  um problema crônico, que no estado do Amazonas tem a ver com a baixa produtividade do judiciário, segundo diagnóstico feito pela Fundação Getúlio Vargas a pedido do Ministério da Justiça, em 2004.

Prática de tortura no ato das prisões para obter confissões dos presos, muitos deles inocentes.

Faz três anos a Secretaria de Segurança introduz o critério de produtividade nas delegacias como prova de que se está fazendo algo contra a criminalidade. Isto tem estimulado que se forgem flagrantes de todo tipo: uns para mostrar serviço, outros para tirar proveito monetário de pequenos consumidores de droga, outros para fazer trabalhos de vingança para terceiros. Um dos resultados é a superlotação das cadeias públicas.

Em todo o sistema penitenciário é feita a revista vexatória dos familiares do presos (eles devem tirar toda a roupa para poderem entrar). Desde 2002 fala-se da necessidade de comprar equipamentos necessários para fazer a revista aos visitantes da unidade Prisional de Puraquequara e até agora não têm sido comprados.

Os "agentes de pastoral" da Igreja Católica em geral não passam por esta revista, mas isto depende dos guardas de turno. Houve uma situação na Cadeia Raimundo Vidal Pessoa em que um Padre da Igreja Católica não pôde celebrar a missa porque não quis se submeter à revista vexatória em que deveria ficar nu.

Dificuldade de acesso dos agentes de pastoral à Cadeia Pública terceirizada do Puraquequara para a celebração de missas. A CONAP, empresa encarregada da administração desta cadeia dificulta com freqüência este acesso. Parecem desconhecer esse direito do preso.

Quem administra as penitenciárias desconhece a necessidade de trabalhar o mundo interior do preso, como parte da sua ressocialização. Este trabalho se faz por meio da experiência religiosa, da expressão teatral, da leitura e escrita, estudo etc.

Falta de atividades ocupacionais na cadeia pública, porque a Lei de Execuções Penais não as prevê. Mas dada a demora para julgar os presos provisórios, deveriam introduzir na lei um dispositivo que permitisse o trabalho e o estudo nas cadeias pública e que esse tempo contasse, quando julgado, para progressão de regime.

Não há o devido atendimento às famílias que procuram os serviços da CONAP para serem atendidas. Elas ficam sob sol e chuva, aguardando atendimento. A Pastoral Carcerária teve de disponibilizar espaço físico para a confecção das carteirinhas na sua sede no centro da cidade.

A polícia de choque é que faz as revistas nas celas, quando  destroem os bens dos internos.

Existem presos do regime fechado que comandam crimes fora da penitenciária e ainda nas outras duas cadeias públicas. A SEJUS e a empresa administradora tem tratado de controlar isso até com mudança de presos para outros Estados, mas o "esquema" continua funcionando.

A SEJUS e a empresa administradora aceitam a existência de "lideranças" entre os presos (chamados também de xerifes) e dão espaço para que eles se reúnam. Precisa-se de mais clareza e de avaliação aberta deste modo de proceder com este poder intermediário, para não entregar em suas mãos a cadeia pública.

Um grande problema a administrar é o desconhecimento da "cultura carcerária", da cultura de um grupo de pessoas que tem problemas com a lei, que entendem de outra forma o "jogo social", que estão confinados em condições sub-humanas, contra as suas vontades e que estão isolados do convívio social. Esse desconhecimento provoca incompreensões, transtornos emocionais pessoais e coletivos.

Ausência de métodos de investigação sobre as movimentações desse mundo da penitenciária, cadeia pública ou presídio, que possibilite ações preventivas.
O Estado não tem programas de ressocialização dos egressos do sistema prisional.

A Secretaria de Segurança e Direitos Humanos do Estado não exerce efetivo controle sobre a atuação da empresa que administra uma penitenciária e uma cadeia públicaem Manaus. Equando a sociedade civil, o Centro dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Manaus, requerem informações sobre o contrato celebrado entre o Estado e a empresa, são tratados como intrusos. Em suma, eles não aceitam ser avaliados, dentro dos padrões da cidadania e da fiscalização pública, até para melhorarem seu desempenho.


Com relação aos presídios e delegacias do interior do Estado:

O CDH da Arquidiocese de Manaus conhece a situação de três dos sete presídios que funcionam no interior do Estado e 11 delegacias também do interior. Os presídios do interior funcionam em Maués (visitado), Itacoatiara (visitado), Manacapuru, Coari, Tefé, Tabatinga (visitado) e Parintins.

Nas delegacias não são lotados delegados de carreira, mas policiais civis ou militares que complicam muito a vida para a população civil. Os abusos de autoridade são prática corriqueira no interior do Amazonas.

Abandono por parte da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e da Secretaria de Segurança. Atendem-se prioritariamente as necessidades da capital e se esquecem as do interior. Isto pode ver-se:

Na superlotação: quantidade excessiva de presos em instalações pequenas e precárias para recebê-los, tornando a delegacia ou presídio depósitos cruéis de seres humanos. Percebe-se nestes locais a falta de investimento na manutenção predial, alimentação, em educação (a maioria dos presos não concluiu o antigo primário - 1ª a 4ª série do ensino fundamental), segundo pesquisas do CDH da Arquidiocese de Manaus.

Ausência de atividades ocupacionais para os detentos provisórios. Muitas vezes há exploração do trabalho dos presos por parte dos policiais civis: lavagem de carros, limpeza, etc. e não há contagem do tempo para progressão de regime.

Ausência do banho de sol - direito negado à maioria dos presos, pela falta de policiamento para reprimir fugas, por falta de pessoal e de muro nas delegacias. Isto traz como conseqüência doenças alérgicas e infecciosas, próprias da falta de vitamina E.

Excesso de presos provisórios -  presos não julgados por ausência do Ministério Público e do Poder Judiciário ou por falta de advogados defensores públicos. É sabido que os réus de crimes menos graves poderiam responderem liberdade. Juízese promotores não estão atentos aos altos índices de presos provisórios, algo que se complicará em 2006 em função das eleições majoritárias, já que assumem as funções de juízes e promotores eleitorais. Isso sem contar os dependentes químicos que praticam pequenos furtos ou assaltos para manterem seu vício (doença), e não são considerados doentes, mas sim malfeitores, devendo ir para a cadeia. Não existem programas governamentais para o tratamento de adictos às drogas.

Abuso de autoridade por parte de delegados (PMs e civis). Isto se agrava pela falta de comando dos diretores dos presídios, que não possuem ingerência sobre os policiais militares que atuam nas cadeias e delegacias do interior do Amazonas. Os policiais militares modificam os turnos por conta própria e não comunicam à direção dos presídios. As conseqüências desta falta de comando recaem nos presos.

Os PMs não têm preparo para tomarem conta de cadeias, delegacias e presídios (presença de tortura, abuso de autoridade, corrupção e outros crimes). No inquérito administrativo, esses policiais criminosos são transferidos de cidade, e lá continuarão suas condutas ilegais e arbitrárias.

Exploração das famílias por advogados inescrupulosos — a inexistência de defensores públicos no interior gera caos no sistema prisional. É comum, famílias, venderem suas casas, seus únicos bens, para pagarem honorários de advogados, que não cuidam ou não dão a devida atenção para os encarcerados. Muitas vezes esses advogados recebem o dinheiro e não cumprem sua parte na defesa ou elaboração e acompanhamento dos recursos judiciais. Isso vem gerando mais problemas sociais. A Defensoria Pública que é uma garantia constitucional, mas ainda está somente no papel no interior do Estado do Amazonas e na capital está sobrecarregada.

- Alimentação (a quantidade repassada é insuficiente para os presos, muitos gêneros são enlatados para resistirem à longa viajem). Não há verduras nem temperos. O número de presos aumenta, mas a quantidade de alimentos é fornecida com base em informações  por vezes defasadas, prestadas pelo delegado ou diretor do presídio, que recebe estoques para três meses. Isso dá margem para que pensemos em desvio de verbas públicas ou deslocamento de valores dessa rubrica para outros dentro do orçamento da Secretaria.

Precárias condições de higiene e limpeza. O Estado não fornece camas, colchões ou simplesmente redes. O material de limpeza e higiene pessoal, quando possível é fornecido pela família do preso (que na maioria das vezes é paupérrima), alguns comerciantes a pedido dos delegados, a Igreja Católica quando possível e outras Igrejas. Novamente se abre uma margem para especulações sobre o desvio de verbas públicas ou deslocamento de recursos financeiros para cobrir outros gastos da Secretaria. O Estado gasta muito dinheiro, administra mal e não consegue a ressocialização de ninguém.

Presença de homens e mulheres no mesmo presídio. Em Tabatinga, uma reclusa está grávida de outro interno. Embora não haja estrutura para isso, mulheres e homens ocupam o mesmo prédio. É claro que em compartimentos separados. Elas em pequeno número ocupam celas improvisadas em salas na parte administrativa, em muitos casos.

Progressão para o regime semi-aberto -— no interior não ocorre por falta de estrutura para tal, ou por convicções fechadas e ilegais dos aplicadores do direito. Em Tabatinga, a Igreja Católica já cedeu o espaço para construção de estrutura para abrigar o semi-aberto e a SEJUS, até 26/05/2006, ainda não havia se manifestado oficialmente.

Não existem instituições sócio-educativas no interior - Crianças e adolescentes ficam presas nas delegacias em celas comuns para os adultos, são algemadas e transferidas em carros policiais. A eles é dispensado o mesmo tratamento dos adultos, inclusive a mesma violência e torturas. Somente os casos mais graves (homicídios, latrocínios) são transferidos para a capital do Estado.


Propostas

Uma Lei Federal que obrigue as empresas com mais de 100 funcionários a admitir um egresso do sistema prisional, em termos semelhantes à lei que incluiu os portadores de necessidades especiais.

Criação de cooperativas para egressos do sistema prisional que possam prestar serviços ao Estado.

Estudar a fundo as motivações dos crimes e não somente as informações dos inquéritos policiais, até para incluir na re-socialização do presos o método da justiça restitutiva.

Estudar mais a "cultura carcerária" e a "cultura do preso", para poder estabelecer pautas de administração, de intervenção, de monitoramento.

Inclusão, nas leis estaduais, de educação como meio de redução da pena, na proporção de 3 para 1, isto é, a cada três dias de estudo, reduz-se um dia na pena.

O que fazer se a maioria dos criminosos estão envolvidos em problemas com drogas (tráfico, consumo)? O que fazer se muitos policiais estão também envolvidos com o tráfico de drogas e de armas?

AMAPÁ

Dados Estatísticos

- Nº de presos de acordo com DEPEN..............................................................1574
- Nº de presos de acordo com Sec. Estaduais....................................................1421
- Nº no regime aberto...........................................................................................184
- Nº no regime semi-aberto..................................................................................245
- Nº no regime fechado........................................................................................148
- Nº no regime integralmente fechado..................................................................409
- Nº de provisórios................................................................................................575
- Nº Ag. Captura...................................................................................................813
- Total................................................................................................................2.374


* Não computados os presos que se encontram cumprindo livramento condicional, penas restritivas de Direitos e os que cumprem suspensão condicional do processo.


BAHIA

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes nas Unidades Prisionais..................................................5.524
- N° de vagas existentes nas delegacias....................................................................500
- N° total de presos nas Unidades Prisionais do Estado .....................................12.254
- Nº de presos brasileiros do sexo masculino da Capital.......................................4.554
- Nº de presos estrangeiros do sexo masculino da Capital..........................................16
- Nº de presas brasileiras do sexo feminino da Capital.............................................216
- Nº de presas estrangeiras do sexo feminino da Capital..............................................3
- Nº de presos brasileiros do sexo masculino do Interior.......................................7.155
- Nº de presos estrangeiros do sexo masculino do Interior.........................................19
- Nº de presas brasileiras do sexo feminino do Interior............................................288
- Nº de presas estrangeiras do sexo feminino do Interior.............................................3
- Nº de presos em delegacias.................................................................................6.948
- Nº de Unidades prisionais da Capital........................................................................9
- N° de Unidades prisionais do Interior.....................................................................11
- N° de Delegacias...................................................................................................437
- Nº Mandados expedido a cumprir........................................................não informado
- Nº de Varas e Juízes.................................................................................................2
- Aplicação de Penas Alternativas..........................................................................614
-N° aproximado de acusados liberados por falta de
   acomodação prisionais.....................................................................................14.000


Problemas Identificados

Superlotação.

Má atuação dos agentes policias nas unidades prisionais.

Prática de revista vexatória.

Falta de autorizações para visita.

Falta de acompanhamento médico, psicológico e econômico nas unidades prisionais.

Ociosidade dos presos.

Morosidade da Justiça: existem, por exemplo 25.000 processos numa única vara em Salvador, segundo Padre Felipe, da Pastoral Carcerária de Salvador.


Propostas

Liberação imediata dos recursos contingenciados no Fundo Nacional Penitenciário (Funpen).

Fiscalização mais efetiva do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a execução penal do Poder Judiciário.

Que os recursos do Fundo Nacional Penitenciário sejam liberados não só para a construção de novos presídios, mas também para projetos de ressocialização.

Fortalecimento das Defensorias Públicas nos Estados — garantia da autonomia administrativa e financeira.

Efetiva aplicação da Lei de Execução Penal, garantindo a  individualização da pena com a participação de Comissões de Classificação Técnica para efetivar o trabalho de ressocialização.

As instituições deveriam terceirizar serviços não só para empresas, mas também para ONGs. O objetivo é reduzir custos e permitir a participação da comunidade na ressocialização.

Que o Estado estabeleça convênios com o Sistema "S" — SESC, SENAI, SENAT para profissionalização dos internos.

Criação de programas sociais que possibilitem ao egresso real integração na sociedade com acompanhamento médico, psicológico e econômico.

Criação de programas que possibilitem a formação de uma população carcerária útil e produtiva para a sociedade.

Maior agilidade no andamento dos processos judiciais. Deve haver um número maior de juízes e técnicos administrativos nas varas criminais, bem como essas varas devem ser informatizadas.

Videoconferências para audiências e julgamentos, evitando, assim, os gastos e riscos com locomoção dos detentos para o fórum.

Construção de centros de ressocialização com a participação de ONGs.

Maior utilização das penas alternativas para pequenos delitos.

Disponibilizar recursos para a implantação de conselhos das comunidades em todas as comarcas do Estado.

Ações de ressocialização

Psicossocial: viabilizar o atendimento multidisciplinar de saúde.

Orientar para a prevenção e redução dos danos causados pelo uso de drogas.

Orientar quanto ao planejamento familiar, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, à tuberculose e ao câncer.

Estimular a inserção dos filhos dos presos no sistema formal de educação.

Viabilizar a regularização da documentação básica dos presos e familiares.

Promover cursos profissionalizantes para ajudar na inserção no mercado de trabalho.

Realizar ações culturais e de lazer coordenadas durante a visita dos filhos e para as crianças que vivem com as mães no Presídio Feminino.

Estimular o fortalecimento das relações sócio-familiares, preparando o retorno do preso ao convívio social.

Saúde: O Plano Operativo Estadual de Saúde no Sistema Penitenciário do Estado da Bahia está previsto na Portaria Interministerial nº1777, de 09 de setembro de 2003, que prevê a inclusão da população penitenciária no SUS, garantindo que o direito à cidadania se efetive na perspectiva dos direitos humanos.

Educação e Cultura: As ações de educação implantadas nas Unidades Prisionais incluem: alfabetização; ensino fundamental - da 1ª à 8ª série do 1º grau.

Ensino profissionalizante - Os presos têm oportunidade de acesso ao conhecimento, transmitido de forma dinâmica e moderna, através de práticas pedagógicas construtivistas, que utilizam métodos participativos e trabalhadas as individualidades. Contam com suporte de recursos audiovisuais, como o Telecurso 2000, utilização de linguagem prática, incentivando a participação nos trabalhosem equipe. Aação de educação, além de atender aos apenados através da Escola Especial da PLB — Escola de vinculação, atende também aos filhos destes através da Escola Professor Estácio de Lima, com a parceria da Secretaria da Educação do Estado da Bahia.

Trabalho: Dentro do que estabelece a Lei de Execução Penal, são realizadas ações que motivam os presos para o trabalho, procurando minimizar os problemas dentro das penitenciárias quanto à ociosidade e a falta de perspectivas para o futuro.

Egressos: No mercado formal, o Estado arcará com o equivalente a 50% do salário do egresso e do liberado condicional, limitado a R$ 200,00, sendo o restante de responsabilidade de empresas parceiras, assim como as obrigações com os encargos sociais e o pagamento das horas extras.

Programa de Liberdade e Cidadania: visa a promoção da cidadania e geração de renda de indivíduos que se encontram presos, egressos e liberados condicionalmente, com o objetivo de apoiar o processo de retorno destas pessoas ao convívio social. Para sua operacionalização foi firmado convênio com a Secretaria de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais, cabendo à Secretaria da Justiça e Direitos Humanos, com a parceria da Fundação Don Avelar, a execução do Programa.

 

 

 

CEARÁ

Dados Estatísticos

 Nº de vagas existentes................................................................................................. 6.785
- Nº efetivo de presos...................................................................................................10.890
- Nº de Unidades prisionais..............................................................................................167
   (180 cadeias, 28 delegacias e 2 colônias)
- Nº Mandados expedidos a cumprir ...........................................................................10.000
- Percentual de detentos condenados em delegacias.......................................................10%

Problemas Identificados

Superlotação.

Deficiência de pessoal.

Militarização progressiva do sistema penitenciário.

Terceirização — há três unidades terceirizadas com um orçamento muito maior que as outras unidades e as condições não são muito diferenciadas — há problemas com licitações, desvio de verbas, entre outras irregularidades.

Não há implementação dos Conselhos de Segurança Pública e da Comunidade.


Propostas

Implementação dos Conselhos de Segurança Pública e da Comunidade para repensar a Política de Segurança Pública do Estado como Política  Pública e, dentro dela, também a problemática penitenciária, entendida como responsabilidade que diz respeito à sociedade como um todo.

DISTRITO FEDERAL

Dados estatísticos
- Nº de vagas existentes  ...............................................................  sem informação
- Nº efetivo de presos  ........................................  7.500 (SSP/DF) e 5296 (DEPEN)

Problemas identificados
Superlotação e precariedade do sistema.
Insuficiência de assistência médica e odontológica.
Deficiência na assistência judiciária.
Inadequação e insuficiência de recursos humanos.
Falta de pessoal capacitado.
Limitação dos meios de ressocialização dos detentos, ausência e/ou insuficiência de programas de re-socialização.
Há a presença constante da revista vexatória, os agentes da Pastoral Carcerária tem que se despir para serem revistados.
Ausência de privacidade para falar com os presos.
Maus tratos, humilhações e espancamentos de detentos por agentes penitenciários.

Propostas
Contratação e qualificação de pessoal, em especial agentes penitenciários e da área de saúde, afastando-se do sistema os agentes policiais.

Imposição de que a penitenciária feminina fique sob administração, guarda e educação de pessoal exclusivamente do quadro feminino.

Apuração formal das denúncias apresentadas pelos usuários do sistema e por seus familiares, com respostas fundamentadas e responsabilização dos envolvidos.

Implementação de programa permanente de ressocialização, consistente em atividades educativas, laborais, religiosas e recreativas.

Disponibilização de material de higiene pessoal, vestuário e alimentação adequada.

Autorização para utilização de objetos determinantes da individualidade pessoal.

Liberação de "banho de sol" diário para os usuários do sistema, por período razoável.

Regulamentação da visita, de forma a contemplar também os parentes que só podem exercer esse direito em finais de semana.

Proibição de que seja necessário a prova da união estável por meio de registro ou apresentação de filho comum, para fins de visita íntima.

Elaboração de regulamento disciplinar, onde contenha todos os direitos e deveres dos presos e o procedimento a ser observado em caso de seu descumprimento, bem assim com obrigação de cientificação do preso acerca de seus direitos e deveres quando do ingresso no sistema.

Adoção de meios que diminuam a superlotação carcerária, como mutirão da defensoria pública para verificar e acompanhar o estado da execução, bem assim a construção de novas unidades prisionais.

ESPÍRITO SANTO

Dados Estatísticos

Número de unidades prisionais .............................................................................15
Número de presos em delegacias .....................................................................1.500


Problemas Identificados

Desrespeito  aos familiares dos presos durante as visitas.

Tortura e espancamento.

Desrespeitos aos horários de visitas dos presidiários.

Problemas estruturais nos prédios: esgotos a céu aberto e sempre entupidos, forçando o contato dos presos com detritos, ocasionando doenças de pele e outros problemas de saúde.

Alimentação precária.

Falta de revisão nos processos criminais.

Falta de assistência de defensores públicos.

Falta de assistência médica para muitos presos doentes.

Superlotação.

Abusos por partes dos policiais militares. Em alguns prédios, há marcas de tiros que teriam sido disparados por policiais de guarda externa.

Falta de água nas unidades prisionais

A gravidade das condições carcerárias no Espírito Santo vem sendo constatada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara em visitas oficiais. As recomendações exaradas nos relatórios dessas entidades não são implementadas.


Propostas

Ampliações e reformas - Recomenda-se  que a reforma seja iniciada pelo sistema de esgoto. Recomenda-se também que as obras sejam fiscalizadas e acompanhadas, visto que já existem questionamentos sobre propostas de reformas e previsões de gastos.

Estabelecer programa de assistência judiciária gratuita, que inclua, de início, um mutirão para análise e atualização dos processos.

Melhorar a estrutura do corpo médico e disponibilizar medicamentos para os presos.

Melhorar a segurança dos presídios.

Garantir urgente o fornecimento de água em todos os presídios.

Realizar constante fiscalização no sistema de armazenamento de alimentos ofertados aos presos.

Ativação de novas guaritas visando melhorar a segurança.

Respeitar horários, estabelecer regras claras e cumpri-las quanto à visita e ao tratamento dos familiares dos presos.

Solicitar ao serviço de vigilância sanitária do Estado constantes visitas aos presídios, com emissão de relatórios, pareceres e determinações sobre as condições de saúde e higiene dos prédios e armazenamento dos alimentos.

Rever a qualidade da comida servida nos presídios, inclusive com relatórios de  nutricionistas e do serviço de vigilância sanitária.

Fazer levantamento de processos administrativos, inquéritos e denúncias  formais que envolvem agentes penitenciários e policiais, agilizando o julgamento dos que estão sem tramitação e aplicação das disciplinas indicadas para  cada caso. Especialmente nos casos de tortura e espancamento.

Evitar contato de presos de outros estados.

Melhor fiscalização dos bloqueadores de celulares.

Contratação de novos agentes penitenciários.

Desenvolver atividades de terapia ocupacional obrigatória.

MINAS GERAIS

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes..............................................................................8.312
- Nº efetivo de presos................................................................................18.809
- Nº de Unidades prisionais..............................................................................28


Problemas Identificados

Falta de infra-estrutura adequada nas instalações das delegacias.

Superlotação.

Falta de assistência judiciária aos presos. Não há Defensoria Pública em todos os municípios. Onde há, funciona de forma precária, sem número de suficiente de defensores. O motivo desta deficiência é a constante perda dos quadros da Defensoria para outros órgãos, tais como o Ministério Público e o Poder Judiciário, onde os salários são mais atrativos.

Falta ou escassez de assistência médica, odontológica e psicológica. Os diretores apontam a falta de escolta da polícia a esses profissionais.
 
Permanência de presos condenados nas delegacias por longos períodos, aguardando vaga em penitenciária ou mesmo cumprindo grande parte ou integralmente sua pena, sem haver separação por delito, o que permite a influência de presos perigosos com outros de menor potencial ofensivo.

Permanência de adolescentes com outros presos por não haver locais adequados para a sua internação, o que contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Disciplina dos detentos nas delegacias que está a cargo de policiais armados, que, na maioria das vezes, exageram suas prerrogativas, chegando mesmo à prática de tortura.

Falta de qualificação dos agentes penitenciários. Em função do despreparo, acabam cometendo abusos no exercício de sua função, praticando também a tortura.


Propostas

Implantação da metodologia aplicada pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - APAC - , por todas as comarcas de Minas Gerais. Esta metodologia sustenta-se no cumprimento da legislação de execução penal em vigor com respeito à dignidade da pessoa humana, valorização dos sentenciados e apoio comunitário. O trabalho tem uma função específica em cada um dos regimes de prisão. A metodologia inclui ainda freqüência a cursos de alfabetização e de escolarização formal e participação da família na recuperação dos sentenciados, numa tentativa de restabelecer os laços afetivos.

Qualificação adequada para os agentes penitenciários.

Maior aplicação pelo Judiciário de penas alternativas e da Justiça Restaurativa.

Segundo o deputado Durval Ângelo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, "nas condições existentes no sistema prisionalem Minas Gerais, de total afronta à dignidade humana, verifica-se entre os presos relações pautadas pela violência e a manutenção de um estado permanente de mobilização para fugas e rebeliões."

 

 

 

MATO GROSSO DO SUL


Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes ......................................  4.187
- Nº efetivo de presos  .........................................  8.340
- Nº de Unidades prisionais ....................................... 35
- Nº de Mandados expedido a cumprir ................. 2.000


Problemas Identificados

Grande número de presos e, principalmente, de presas de outros Estados, o que representa uma sobrecarga para o Estado, uma causa de superlotação e motivo de extraordinários sofrimentos para os (as) presos(as).

Falta, na polícia e na justiça do estado de Mato Grosso de Sul, de infra-estrutura para comunicação com o sistema penitenciário, meios para procedimentos da execução penal, transferência de presos etc.

Superlotação - depois da "megarrebelião" de maio de 2006, com as instalações das penitenciárias seriamente danificadas, foi agravado o problema da falta de vagas no sistema penal do Estado.

Falta de atendimento à saúde.

Falta de assistência jurídica.

Insuficiência de  programas de trabalho e ressocialização.

Denúncias de torturas, praticadas pela polícia, no momento das prisões, e de espancamentos, na penitenciária de Dourados.

Em duas cadeias, promiscuidade entre homens e mulheres presos, possibilitada por funcionários corruptos que recebem dinheiro ou/e entregam as chaves a alguns presos para fazer o trabalho dos funcionários. Segundo denúncias da Pastoral Carcerária, esses presos mandam na cadeia, e os demais presos dependem de seus favores, inclusive quando precisam de água.

Serviços de segurança de cadeias por policiais militares portando armas de fogo.

Insalubridade em presídios, comida de má qualidade, exposição a doenças.


Propostas

Promover a efetiva separação dos internos por categoria de crime cometido e de acordo com o exame criminológico.

Criação de projetos de reintegração educacional e cultural dos internos; proporcionar a prática de atividades profissionalizantes aos internos.

Fortalecer a estrutura e os recursos das varas, bem como da defensoria pública.

Implantação de políticas públicas preventivas à violência, bem como da justiça restaurativa (do tecido social), em lugar da justiça vingativa.

Aplicação muito mais ampla de medidas e penas alternativas, além de regime semi-aberto, evitando apenados de pouca periculosidade nos presídios, onde o perigo da profissionalização na vida do crime é sempre grande, inclusive pela falta da disponibilidade da sociedade em geral para reincluir os egressos  no mundo do trabalho  e no convívio social.

Atendimento à Saúde SUS - para que os presos possam ser atendidos conforme previsto pela Portaria Interministerial 1.777/03, urge realizar concurso para admissão de cerca de 100 profissionais da área da saúde, além de convênios com municípios.

Celebrar convênio do Estado com as secretarias municipais da saúde para que um enfermeiro faça um levantamento semanal preliminar de atendimento à saúde e previdencie os encaminhamentos necessários.

Adequar a arquitetura das penitenciárias, para uma nítida e efetiva separação entre alojamento dos presos e áreas de ressocialização, diminuindo perigo de tomada de reféns e destruição de equipamentos e documentos.

Criar mini-presídios no âmbito da própria comunidade à qual os detentos pertencem. Estes poderiam ser administrados por ONGs beneficentes montadas a partir das forças comunitárias da própria sociedade local. Deste modo pode-se prevenir o perigo da massificação e da despersonalização por desenraizamento familiar e comunitário dos presos.

Criação urgente de um conselho penitenciário estadual com participação paritária da sociedade civil.

 

MATO GROSSO

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes...............................................................................4.661
- Nº efetivo de presos  ................................................................................ 7.150
- Nº de presos condenados ......................................................................... 3.333 (47%)
- Nº de presos provisórios............................................................................3.817 (53%)


Problemas Identificados

A Pastoral Carcerária informa que quase a metade dos presos no Estado são provisórios, o que indica a precariedade dos serviços de execução penal.

Precariedade das condições sanitárias. O padre Günther, coordenador da Pastoral Carcerária Nacional, testemunhou "situação de higiene catastráfica".

Muitos bebês vivendo com as mães nas unidades femininas.

Falta defensoria pública e os processos são extremamente morosos. O Tribunal não distribui processos para o interior.

Falta trabalho.

Falta comida.

A assistência religiosa é prejudicada pelas revistas vexatórias.

Falta de saneamento básico em cadeias públicas e penitenciárias. As condições são de insalubridade extremas em algumas unidades.

Saúde: dificuldades na implantação de um novo sistema, conforme a portaria 1.777 MJ/MS no SUS.


Propostas

Ampliar os serviços da Justiça Penal, hoje muito insatisfatórios, com o aumento do número de varas e respectiva infra-estrutura humana e material.

Implantar ações de trabalho e outros serviços que contribuam para a ressocialização.

Extinção de celas de castigo proibidas por lei, como a existente na cadeia de Primavera. O local é de um calor infernal, falta ar e é extremamente úmido, absolutamente insalubridade.

PARAÍBA


Problemas Identificados

Espancamentos e outras retaliações ilegais após tentativas de fuga e rebeliões. Destruição de objetos pessoais dos presos ou e eletrodomésticos ( rádio, TV e ventiladores.

Tortura com chicotes, tiros de balas de borracha e balas de chumbo.

Falta de atendimento médico, inclusive psiquiatras

Condições carcerárias precárias, com falta de funcionários. Segundo a Pastoral Carcerária, o Estado conta com 1.400 (mil e quatrocentos) agentes carcerários contratados e mais 130 (cento e trinta) efetivos, mas apenas 30 estão nos presídios.

Ausência de concurso público para esses cargos.


Propostas

Concurso público para contratação de servidores para o Sistema Penitenciário.

Garantia do Estado de não permitir a prática da tortura.

Investigar as denúncias feitas pela Pastoral Carcerária

PERNAMBUCO

Problemas Identificados

Missionários da Pastoral Carcerária compareceram na Penitenciária Proº Barreto Campelo, com o objetivo de averiguar e entrevistar os presos para formular um relatório sobre a rebelião que ocorreu em no dia 26/06/05. Somente os presos foram ouvidos.

Os agentes penitenciários impedidos de realizar a contagem diária nas celas pela revolta dos presos, fizeram uso de armas de fogo com intuito de conter a transgressão, o que  culminou na morte de dois presos e mais três feridos.

Na penitenciária ocorre um conflito administrativo entre agentes insatisfeitos com o trabalho desenvolvido pelo diretor-geral e, esse descontentamento é refletido nos presos com a prática de maus tratos, humilhações e torturas.

Para conter a fúria dos presos, o Batalhão de Choque fez uso excessivo de violência com uso de bombas de efeito moral e balas de borracha, deixando-os com problemas de visão, dores e marcas pelo corpo. E nesse dia, ao voltarem para suas celas, encontraram seus objetos pessoais destruídos. As visitas estão proibidas por tempo indeterminado, necessitando os presos de vestimentas e itens básicos que são levados por familiares.


Propostas

Uma melhor administração para as penitenciárias

Fiscalização mais rígida das autoridades competentes, com objetivo de coibir abusos, maus tratos e torturas. E isso, consequentemente, conterá a ira dos presos, propiciando um clima mais pacífico, com o respeito dos direitos da pessoa humana.

PARANÁ

Dados Estatísticos

- Número de unidades prisionais ......................................................................... 19
- Número de vagas oferecidas .......................................................................10.000
- Número de presos nos presídios................................................................... 9.145
- Número de presos em delegacias................................................................. 8.000
- Número de presos do sexo feminino ............................................................... 463
- Número de presos no regime semi-aberto......................................................... 73
- Número de presos em regime provisório ........................................................ 794


Problemas Identificados

Desrespeito com as famílias dos presos em dias de visitas.

Superlotação.

Abuso de autoridades por parte dos policias e carcereiros.

Mais de sete mil presos sentenciados estão em delegacias aguardando vagas nas penitenciárias.

Precário serviço de atendimento médico, odontológico e ambulatorial.

Falta de segurança nos presídios.

Precária condições de higiene.

Falta de área de lazer e de trabalho.
 
Torturas e espancamento.

Ameaças de morte.

Cobrança de pedágios e propinas por parte de agentes penitenciários .

Menores presos com adultos.

Mulheres presas no mesmo presídio com presos do sexo masculino.


Propostas

A volta da visita de parentes de quinta-feira para os domingos.

Afastamento imediato dos envolvidos em denúncias de espancamento, tortura e abusos.

Transferência dos já condenados que se encontram nas delegacias.

Transferência de menores e adolescentes para locais adequados e das mulheres para prisões femininas ou a criação de ala específica.

Contratação de mais policias da guarda feminina para atender as detentas do sexo feminino.

Melhorar a qualidade de higiene e limpeza dos presídios de uma forma geral.

Solicitar constante relatórios da vigilância sanitária sobre as condições de higiene nos presídios.

Melhorar as condições de atendimento médico odontológico.

Revisão dos processos, para o respeito do direito do preso, com adequação de penas e o devido cumprimento da Lei.

RIO DE JANEIRO

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes ...............................................................................23.458
- Nº efetivo de presos....................................................................................22.155    
- Nº Mandados expedidos a cumprir ............................................................80.000


Problemas Identificados

Corrupção.

Maus tratos.

Superlotação.

Sub-chefe de Polícia do RJ proibiu seus servidores a entregar qualquer dado à Pastoral, como também não renovou a autorização para entrada da mesma em qualquer carceragem do Estado (Pe. André).

As carceragens das delegacias foram desativadas sem que houvesse locais adequados para abrigar esses presos. Um dos locais aonde foram encaminhados está com 500 detidos, embora tenha capacidade para apenas 150, informou o deputado Geraldo Moreira, presidente da CDH da Assembléia Legislativa.

Com as condições existentes no sistema penitenciário, prossegue o presidente da CDH do Rio de Janeiro, o Estado está financiando o embrutecimento das pessoas que ali estão custodiadas. Ao invés de ressocializar, o sistema promove a piora do cidadão para o convívio social.

RIO GRANDE DO NORTE

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes..................................................................................1.962
- Nº efetivo de presos...................................................3.571 (1.471 sentenciados)
- Nº de Unidades prisionais.....................................................................................5
- Nº Mandados expedido a cumprir...............................................................12.000
- Nº de Varas e Juízes.............................................................................................7
- Nº de condenados em delegacias................................................................nenhum
- Aplicação de Penas Alternativas....................................................sem informação


Problemas Identificados

Falta de valorização do corpo de funcionários do sistema prisional, o que resulta em descuido com o processo de capacitação e acompanhamento permanente.

Ociosidade dos presos.

Superlotação.

Presos nas delegacias de polícia no mais completo abandono, em celas imundas, sem banho de sol e submetidos à violência.

Número de presos provisórios ultrapassa 60%, o que configura a falta de assistência jurídica e a omissão do Poder Judiciário. Boa parte cometeu pequenos delitos e poderia estar cumprindo penas alternativas ou, se julgada, estaria solta.

Não há equipe técnica multiprofissional em nenhuma unidade do Estado (médico, enfermeiro, odontólogo, assistente social, psicólogo, advogado ou defensor), fato que demonstra descaso nas áreas da saúde e jurídica.

As direções das unidades prisionais, na sua maioria militarizadas, são escolhidas por critérios políticos sem levar em conta as exigências previstas em lei, nem considerar perfil adequado e nem preparo prévio.

O modelo de controle disciplinar se baseia na punição, na segregação, na tortura, maus-tratos e transferências desnecessárias. O objetivo parece ser amedrontar o preso e separá-lo da família.

Em várias unidades, os castigos são cumpridos em celas de portas chapeadas, sem ventilação e iluminação e sem a menor condição de habitabilidade, sem colchões, lençóis e roupas, na mais deplorável condição de desrespeito e violação de sua dignidade de pessoa humana. Estas celas são símbolos do terror, do medo, da tortura psicológica, do aviltamento da integridade física e moral.


 Propostas

Ações que contemplem a educação, o trabalho, a profissionalização.

Valorizar o diálogo, as regras de convivência baseadas na participação, no respeito que os internos devem ter entre eles próprios, com suas famílias, com a sociedade, os funcionários do sistema, as autoridades e à lei.

Estabelecimento de critérios para a contratação de funcionários.

Aplicação de penas alternativas.

Assistência médica odontológica, social e psicológica.

RIO GRANDE DO SUL


Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes...............................................................................16.037
- Nº efetivo de presos  .................................................................................23.667
- Nº de Unidades prisionais ............................................................................... 92
- Nº de Mandados expedido a cumprir ......................................... sem informação
- Nº de Varas  .................................................................................................. 162
- Nº de juizes  .................................................................................................. 164
- Nº de condenados em delegacias ....... ..........não há sentenciados em delegacias
- Nº de foragidos  ........................................... ...............................................6.000
- Déficit de Vagas  ......................................................................................... 7.630
- Aplicação de Penas Alternativas ..................  .............................sem informação

Problemas Identificados

Superlotação — A situação mais crítica é a do presídio central de Porto Alegre, que tem atualmente uma lotação de 3.965 presos. Sua capacidade é de 1.542 vagas e excedente é 2.423 vagas.

Falta de medicamentos.

Falta de médicos.

Falta de leitos custeados pelo SUS.

Carência de psicólogas e assistentes sociais em algumas unidades prisionais.

Demora na concessão de benefícios de progressão de regime.

Demora na assistência judiciária.

Falta de viatura e escolta para levar presos às audiências, às perícias e ao médico.

Número insuficiente de agentes penitenciários proporcionais à população carcerária.

Problemas relativos às solicitações de transferência no caso de cumprimento de pena.

Denúncias de constrangimento nas revistas íntimas em algumas casas (Modulada de Montenegro e PEJ).

Maus tratos por ocasião de recaptura.

Falta de trabalho para os internos na maioria das casas prisionais.

Denúncias:
 
Em abril de 2006, no Presídio de Iraí, 31 presos e um agente foram utilizados como cobaias para treinamento de aplicação da BCG (vacina para tuberculose).

Em maio de 2006, ocorreu o fechamento da cooperativa de chocolate na Penitenciária Madre Pelletier e o fechamento da cooperativa de reciclagem de lixo no Instituto Psiquiátrico Forense.

SÃO PAULO

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes.................................................................................92.865
- Nº efetivo de presos....................................................................................125.804
- Nº de Unidades prisionais..................................................................................144


Problemas Identificados

Superlotação.

Presos não conhecem os benefícios que podem ter durante o cumprimento do pena.

Denúncias de agressões, torturas e práticas congêneres por agentes do Estado e da impunidade dos acusados dessas práticas.

Tratamento médico ausente ou inadequado.

Falta de assistência jurídica.


Propostas

Incentivar a aplicação de penas alternativas pelo poder Judiciário, contribuindo para a reintegração dos condenados à sociedade.

Desenvolver parcerias entre o Estado e as entidades da sociedade civil para o aperfeiçoamento do sistema penitenciário e de unidades da Secretaria de Estado da Segurança Pública, bem como para proteção dos direitos de cidadania e da dignidade do preso, assistência ao egresso e às suas famílias.

Incentivar a criação dos Conselhos da comunidade a fim de supervisionar o funcionamento das prisões, nos termos da Lei de Execução Penal, e exigir visitas mensais dos juízes, promotores e membros do Conselho Penitenciário, acompanhados ou não por membros do Conselho da Comunidade, com o propósito de garantir maior independência entre eles.

Desenvolver programas de identificação de postos de trabalho para cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, por meio de parcerias entre órgãos públicos e sociedade civil.

Construir novas unidades para o regime semi-aberto, incentivando o cumprimento de penas nesse sistema e no regime aberto, nos termos da Lei de Execução Penal.

Criar grupo de trabalho destinado a propor ações urgentes para melhorar o funcionamento da Vara de Execuções Criminais, com a participação de representantes do Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria Geral do Estado, secretarias da Administração Penitenciária e da Segurança Pública, OAB e organizações da sociedade civil, especialmente quanto aos prazos para decisões judiciais, com sugestão, desde já, de fixação de 30 (trinta) dias contados da data do protocolo na Vara das Execuções Criminais, de acordo com a Emenda Constitucional nº. 45/2004.

Criar as condições necessárias ao cumprimento da Lei de Execução Penal, no que tange à classificação de presos para a individualização da pena, com a contratação e a capacitação de profissionais para elaborar e acompanhar programas de reintegração de presos, em parceria com entidades não-governamentais.

Estabelecer políticas públicas para o atendimento das demandas específicas das mulheres presas, privilegiando ações voltadas à saúde e assistência jurídica e social, inclusive capacitando os funcionários de unidades femininas e, ainda, assegurando progressivamente a alocação de agentes femininas e guardas dos pavilhões e a realização de visitas íntimas e familiares.

Fortalecer a Ouvidoria do Sistema Penitenciário, garantindo-lhe a independência e autonomia através de lei estadual.

Garantir a assistência judiciária ao preso, por meio da Defensoria Pública, sem prejuízo de convênios com outros órgãos.

Desenvolver programas de informatização do sistema penitenciário e integração com o Ministério Público e o Poder Judiciário, para agilizar a execução penal, incluindo a aplicação do "boletim informativo".

Garantir o acesso da sociedade civil aos mapas da população de presos no sistema penitenciário, nas cadeias públicas e nos distritos policiais, a fim de permitir o monitoramento da relação entre número de vagas e de presos no sistema.

Garantir a separação dos presos por tipo de delito e entre presos condenados e provisórios.

Garantir mecanismos de defesa técnica para presos acusados em processos disciplinares.

Agilizar o exame de corpo de delito nos casos de denúncia de violação à integridade física do preso no Instituto Médico-Legal independente, ou seja, vinculado apenas à secretaria da Saúde, e aprimorar o sistema de visitas da Ouvidoria de Polícia e Ouvidoria do Sistema Penitenciário nas prisões.

Aperfeiçoar a formação e o treinamento dos diretores, agentes e demais funcionários do sistema penitenciário, de acordo com as normas para seleção e formação de pessoal penitenciário da ONU e OEA.

Viabilizar a criação e a aprovação pelo Ministério da Educação, de cursos profissionalizantes para os servidores do sistema prisional.

Implementar os procedimentos do Manual de Procedimento Operacional Padrão (POP).

Apoiar o trabalho do grupo de negociadores que tem por objetivo a resolução pacífica de incidentes prisionais e a implementar as regras do "Manual para Gerenciamento de Crises" para tratamento de rebeliões no sistema penitenciário.

Criar condições para efetiva absorção pelo sistema penitenciário dos presos recolhidos nos distritos policiais e cadeias públicas do Estado, respeitando a capacidade máxima de cada unidade prisional.

Facilitar o acesso dos presos à educação, ao esporte e à cultura, fortalecendo projetos como Educação Básica, Educação pela Informática, Telecurso 2000, Teatros nas Prisões e Oficinas culturais, privilegiando parcerias com organizações não governamentais e universidades.

Promover programas de capacitação técnico-profissionalizante para os presos, possibilitando sua reinserção profissional nas áreas urbanas e rurais, privilegiando parcerias com organizações não governamentais e universidades.

Elaborar e implementar programa de atenção aos egressos e aos familiares de presos, privilegiando ações na área da saúde, inclusive saúde mental, assistências jurídica, social e material, educação, trabalho, documentação, nos termos da Lei de Execução Penal, considerando também os aspectos étnico-raciais, culturais e de gênero.

Apoiar propostas legislativas para estender ao trabalhador preso os direitos do trabalhador livre, incluindo a sua integração à Previdência Social, ressalvadas apenas as restrições inerentes à condição.

Implementar e aperfeiçoar o atendimento à saúde no sistema penitenciário e nas unidades da Secretaria da Segurança Pública, garantindo a realização e aplicação dos convênios entre os governos federal, estadual e municipal, para garantir assistência médica e hospitalar aos pacientes presos.

Aprimorar o "Exame Médico de Ingresso" e o controle de dados epidemiológicos pelas secretarias de Estado da Saúde, Segurança Pública e Administração Penitenciária, inclusive criando Centro de Monitoramento Epidemiológico na secretaria da Administração Penitenciária.

Adequar a atenção à saúde mental no sistema prisional, em especial nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, como previsto na Lei nº. 10.216/2001 e Resolução nº. 5/2004 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Apoiar as iniciativas junto à Anatel, Ouvidora da Anatel, Ministério Público Federal e legislativo federal, para responsabilizar as concessionárias de telefonia móvel pelo bloqueio da emissão de sinais, via satélite e congêneres, sobre áreas de segurança indicadas pelo Estado, especialmente sobre unidades prisionais, como uma das medidas de enfrentamento das facções criminosas, sem prejuízo da possibilidade de instalação de telefones públicos em unidades prisionais, a fim de preservar o contato dos presos com suas famílias.

Viabilizar as escoltas para diversos fins (atendimento de saúde, audiências judiciais e presença junto à família em caso de doença grave ou velório de parente), nos termos do artigo 120 da Lei de Execução Penal, por meio do trabalho dos agentes de escolta e vigilância penitenciária (AEVPs).

Engendrar esforços com o Tribunal de Justiça para a célere nomeação de juizes de Execução Criminal nas comarcas do interior que possuir unidades prisionais.

Realizar e fomentar pesquisas acerca dos índices de reincidência criminal e expectativa de vida de presos e egressos, dados imprescindíveis à formulação e execução de políticas públicas na área.

Criar o Centro de Estudos em Criminologia, com ampla participação das universidades, da Escola de Administração Penitenciária, Coordenadoria de Saúde e demais órgãos.

Garantir a atenção à saúde do servidor, conforme as diretrizes da Portaria Interministerial nº. 1.777/03 (Ministério da Saúde e da Justiça).

Garantir o direito constitucional ao respeito às diferenças étnicas, culturais, religiosas e de gênero, bem como aos direitos especiais das pessoas portadores de deficiências físicas.

Garantir maior celeridade aos processos administrativos contra servidores, ou seja, efetiva aplicação da lei "via rápida".

Apoiar o reconhecimento do estudo como fonte de remição.

Viabilizar o cumprimento de acordos internacionais bilaterais sobre presos estrangeiros.

Promover, em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e Conselho Nacional de secretários de Justiça e Administração Penitenciária (Consej), do Programa de Remoção Interestadual.

Apoiar a criação de Vara das Execuções Criminais Femininas.

Dar tratamento diferenciado à mulher-mãe condenada, a fim de que se diminuam os efeitos da desestruturação familiar e se busque adequar o tratamento às determinações do ECA.

Excluir da legislação penal a regulamentação relativa aos doentes mentais submetidos à medida de segurança e transportar o tratamento para a legislação relativa à saúde, conforme as orientações da lei anti-manicomial.

Executar a pena de deficientes físicos e de doenças graves e irreversíveis de forma alternativa, em analogia às regras da lei anti-manicomial.

Criar instrumentos para o exercício do direito de voto dos presos provisórios, conforme a legislação e estender tal direito aos condenados.

Defender a elaboração e aprovação de Lei de Execução Penal Estadual, com previsão de audiências públicas para amplo debate sobre seu texto.


Para o deputado Ítalo Cardoso, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, os dados e informações apresentadas favorecem o questionamento da validade das políticas adotadas pelo Poder Executivo do Estado de São Paulo, vez que este não cumpre seu papel de garantidor dos direitos do recluso, tais como a dignidade e o valor inerente ao ser humano.

O presidente da CDH/SP chama a atenção também para outro relevante fator na crise do sistema penitenciárioem São Paulo: a consolidação de uma política de diminuição da presença do Estado - perceptível na redução orçamentária, particularmente nos programas de atendimento aos reclusos, egressos e seus familiares.

______________________________________________________________________________________

COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS

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ANEXO II – ESTATÍSTICA DEPEN (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA): POPULAÇÃO CARCERÁRIA NO BRASIL

ANEXO III – REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DO PRESO NO BRASIL.

RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994

O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no uso de suas

atribuições legais e regimentais e;

Considerando a decisão, por unanimidade, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,

reunido em 17 de outubro de 1994, com o propósito de estabelecer regras mínimas para o tratamento

de Presos no Brasil;

Considerando a recomendação, nesse sentido, aprovada na sessão de 26 de abril a 6 de maio de

1994, pelo Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, do qual o

Brasil é Membro;

Considerando ainda o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal);

Resolve fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.

 

TÍTULO I

REGRAS DE APLICAÇÃO GERAL

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º. As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.

Art. 2º. Impõe-se o respeito às crenças religiosas, aos cultos e aos preceitos morais do preso.

Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.

Art. 4º. O preso terá o direito de ser chamado por seu nome.

 

CAPÍTULO II

DO REGISTRO

Art. 5º. Ninguém poderá ser admitido em estabelecimento prisional sem ordem legal de prisão.

Parágrafo Único. No local onde houver preso deverá existir registro em que constem os seguintes dados:

I – identificação;

II – motivo da prisão;

III – nome da autoridade que a determinou;

IV – antecedentes penais e penitenciários;

V – dia e hora do ingresso e da saída.

Art. 6º. Os dados referidos no artigo anterior deverão ser imediatamente comunicados ao programa

de Informatização do Sistema Penitenciário Nacional – INFOPEN, assegurando-se ao preso e à sua

família o acesso a essas informações.

 

CAPÍTULO III

DA SELEÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PRESOS

Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo,

idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da

individualização da pena.

§ 1º. As mulheres cumprirão pena em estabelecimentos próprios.

§ 2º. Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos.

 

CAPÍTULO IV

DOS LOCAIS DESTINADOS AOS PRESOS

Art. 8º. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.

§ 1º. Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.

§ 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.

Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.

Art. 10º O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar:

I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;

II – quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo da sua visão;

III – instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade.

IV – instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a freqüência que exigem os princípios básicos de higiene.

Art. 11. Aos menores de0 a6 anos, filhos de preso, será garantido o atendimento em creches e em pré-escola.

Art. 12. As roupas fornecidas pelos estabelecimentos prisionais devem ser apropriadas às condições climáticas.

§ 1º. As roupas não deverão afetar a dignidade do preso.

§ 2º. Todas as roupas deverão estar limpas e mantidas em bom estado.

§ 3º. Em circunstâncias especiais, quando o preso se afastar do estabelecimento para fins autorizados, ser-lhe-á permitido usar suas próprias roupas.

 

CAPÍTULO V

DA ALIMENTAÇÃO

Art.13. Aadministração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.

Parágrafo Único – A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso.

CAPÍTULO VI

DOS EXERCÍCIOS FÍSICOS

Art. 14. O preso que não se ocupar de tarefa ao ar livre deverá dispor de, pelo menos, uma hora ao dia para realização de exercícios físicos adequados ao banho de sol.

 

 

 

CAPÍTULO VII

DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SANITÁRIA

Art.15. Aassistência à saúde do preso, de caráter preventivo curativo, compreenderá atendimento médico, psicológico, farmacêutico e odontológico.

Art. 16. Para assistência à saúde do preso, os estabelecimentos prisionais serão dotados de:

I – enfermaria com cama, material clínico, instrumental adequado a produtos farmacêuticos indispensáveis para internação médica ou odontológica de urgência;

II – dependência para observação psiquiátrica e cuidados toxicômanos;

III – unidade de isolamento para doenças infecto-contagiosas.

Parágrafo Único - Caso o estabelecimento prisional não esteja suficientemente aparelhado para prover assistência médica necessária ao doente, poderá ele ser transferido para unidade hospitalar apropriada.

Art. 17. O estabelecimento prisional destinado a mulheres disporá de dependência dotada de material obstétrico. Para atender à grávida, à parturiente e à convalescente, sem condições de ser transferida a unidade hospitalar para tratamento apropriado, em caso de emergência.

Art 18. O médico, obrigatoriamente, examinará o preso, quando do seu ingresso no estabelecimento e, posteriormente, se necessário, para :

I – determinar a existência de enfermidade física ou mental, para isso, as medidas necessárias;

II – assegurar o isolamento de presos suspeitos de sofrerem doença infecto-contagiosa;

III – determinar a capacidade física de cada preso para o trabalho;

IV – assinalar as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo para sua reinserção social.

Art. 19. Ao médico cumpre velar pela saúde física e mental do preso, devendo realizar visitas diárias àqueles que necessitem.

Art. 20. O médico informará ao diretor do estabelecimento se a saúde física ou mental do preso foi ou poderá vir a ser afetada pelas condições do regime prisional.

Parágrafo Único – Deve-se garantir a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do preso ou de seus familiares, a fim de orientar e acompanhar seu tratamento.

 

CAPÍTULO VIII

DA ORDEM E DA DISCIPLINA

Art.21. Aordem e a disciplina deverão ser mantidas, sem se impor restrições além das necessárias para a segurança e a boa organização da vida em comum.

Art. 22. Nenhum preso deverá desempenhar função ou tarefa disciplinar no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Este dispositivo não se aplica aos sistemas baseados na autodisciplina e nem deve ser obstáculo para a atribuição de tarefas, atividades ou responsabilidade de ordem social, educativa ou desportiva.

Art. 23. Não haverá falta ou sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.

Parágrafo Único – As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e a dignidade pessoal do preso.

Art. 24. São proibidos, como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer forma de tortura.

Art. 25. Não serão utilizados como instrumento de punição: correntes, algemas e camisas-de-força.

Art.26. Anorma regulamentar ditada por autoridade competente determinará em cada caso:

I – a conduta que constitui infração disciplinar;

II – o caráter e a duração das sanções disciplinares;

III - A autoridade que deverá aplicar as sanções.

Art. 27. Nenhum preso será punido sem haver sido informado da infração que lhe será atribuída e sem que lhe haja assegurado o direito de defesa.

Art. 28. As medidas coercitivas serão aplicadas, exclusivamente, para o restabelecimento da normalidade e cessarão, de imediato, após atingida a sua finalidade.

 

CAPÍTULO IX

DOS MEIOS DE COERÇÃO

Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas, e camisas-de-força, só poderão ser utilizados nos seguintes casos:

I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audiência perante autoridade judiciária ou administrativa;

II – por motivo de saúde,segundo recomendação médica;

III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utiliza-los em razão de perigo eminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros.

Art. 30. É proibido o transporte de preso em condições ou situações que lhe importam sofrimentos físicos

Parágrafo Único – No deslocamento de mulher presa a escolta será integrada, pelo menos, por uma policial ou servidor pública.

 

CAPÍTULO X

DA INFORMAÇÃO E DO DIREITO DE QUEIXA DOS PRESOS

Art. 31. Quando do ingresso no estabelecimento prisional, o preso receberá informações escritas sobre normas que orientarão seu tratamento, as imposições de caratê disciplinar bem como sobre os

seus direitos e deveres.

Parágrafo Único – Ao preso analfabeto, essas informações serão prestadas verbalmente.

Art. 32. O preso terá sempre a oportunidade de apresentar pedidos ou formular queixas ao diretor do estabelecimento, à autoridade judiciária ou outra competente.

CAPÍTULO XI

DO CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR

Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância, com sua família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas.

§ 1º. A correspondência do preso analfabeto pode ser, a seu pedido, lida e escrita por servidor ou alguém opor ele indicado;

§ 2º. O uso dos serviços de telecomunicações poderá ser autorizado pelo diretor do estabelecimento prisional.

Art. 34. Em caso de perigo para a ordem ou para segurança do estabelecimento prisional, a autoridade competente poderá restringir a correspondência dos presos, respeitados seus direitos.

Parágrafo Único – A restrição referida no "caput" deste artigo cessará imediatamente, restabelecida a normalidade.

Art. 35. O preso terá acesso a informações periódicas através dos meios de comunicação social, autorizado pela administração do estabelecimento.

Art.36. Avisita ao preso do cônjuge, companheiro, família, parentes e amigos, deverá observar a fixação dos dias e horários próprios.

Parágrafo Único - Deverá existir instalação destinada a estágio de estudantes universitários.

Art. 37. Deve-se estimular a manutenção e o melhoramento das relações entre o preso e sua família.

 

CAPÍTULO XII

DAS INSTRUÇÕES E ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL

Art.38. Aassistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso.

Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento técnico.

Art.40. Ainstrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a possuam.

Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios para os analfabetos.

Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso.

Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento.

 

CAPÍTULO XIII

DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA E MORAL

Art.43. AAssistência religiosa, com liberdade de culto, será permitida ao preso bem como a participação nos serviços organizado no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presença de representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita pastoral a adeptos de sua religião.

 

CAPÍTULO XIV

DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Art. 44. Todo preso tem direito a ser assistido por advogado.

§ 1º. As visitas de advogado serão em local reservado respeitado o direito à sua privacidade;

§ 2º. Ao preso pobre o Estado deverá proporcionar assistência gratuita e permanente.

 

CAPÍTULO XV

DOS DEPÓSITOS DE OBJETOS PESSOAIS

Art. 45. Quando do ingresso do preso no estabelecimento prisional, serão guardados, em lugar escuro, o dinheiro, os objetos de valor, roupas e outras peças de uso que lhe pertençam e que o regulamento não autorize a ter consigo.

§ 1º. Todos os objetos serão inventariados e tomadas medidas necessárias para sua conservação;

§ 2º. Tais bens serão devolvidos ao preso no momento de sua transferência ou liberação.

 

CAPÍTULO XVI

DAS NOTIFICAÇÕES

Art. 46. Em casos de falecimento, de doença, acidente grave ou de transferência do preso para outro estabelecimento, o diretor informará imediatamente ao cônjuge, se for o ocaso, a parente próximo ou a pessoa previamente designada.

§ 1º. O preso será informado, imediatamente, do falecimento ou de doença grave de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão, devendo ser permitida a visita a estes sob custódia.

§ 2º. O preso terá direito de comunicar, imediatamente, à sua família, sua prisão ou sua transferência para outro estabelecimento.

 

CAPÍTULO XVII

DA PRESERVAÇÃO DA VIDA PRIVADA E DA IMAGEM

Art. 47. O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem

Parágrafo Único – A autoridade responsável pela custódia do preso providenciará, tanto quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação com sua prisão.

Art. 48. Em caso de deslocamento do preso, por qualquer motivo, deve-se evitar sua exposição ao público, assim como resguardá-lo de insultos e da curiosidade geral.

 

CAPÍTULO XVIII

DO PESSOAL PENITENCIÁRIO

Art.49. Aseleção do pessoal administrativo, técnico, de vigilância e custódia, atenderá à vocação, à preparação profissional e à formação profissional dos candidatos através de escolas penitenciárias.

Art. 50. O servidor penitenciário deverá cumprir suas funções, de maneira que inspire respeito e exerça influência benéfica ao preso.

Art. 51. Recomenda-se que o diretor do estabelecimento prisional seja devidamente qualificado para a função pelo seu caráter, integridade moral, capacidade administrativa e formação profissional adequada.

Art. 52. No estabelecimento prisional para a mulher, o responsável pela vigilância e custódia será do sexo feminino.

 

TÍTULO II

REGRAS APLICÁVEIS A CATEGORIAS ESPECIAIS

CAPÍTULO XIX

DOS CONDENADOS

Art.53. Aclassificação tem por finalidade:

I – separar os presos que, em razão de sua conduta e antecedentes penais e penitenciários, possam exercer influência nociva sobre os demais.

II – dividir os presos em grupos para orientar sua reinserção social;

Art. 54. Tão logo o condenado ingresse no estabelecimento prisional, deverá ser realizado exame de sua personalidade, estabelecendo-se programa de tratamento específico, com o propósito de promover a individualização da pena.

CAPÍTULO XX

DAS RECOMPENSAS

Art. 55. Em cada estabelecimento prisional será instituído um sistema de recompensas, conforme os diferentes grupos de presos e os diferentes métodos de tratamento, a fim de motivar a boa conduta, desenvolver o sentido de responsabilidade, promover o interesse e a cooperação dos presos.

 

CAPÍTULO XXI

DO TRABALHO

Art. 56. Quanto ao trabalho:

I - o trabalho não deverá ter caráter aflitivo;

II – ao condenado será garantido trabalho remunerado conforme sua aptidão e condição pessoal, respeitada a determinação médica;

III – será proporcionado ao condenado trabalho educativo e produtivo;

IV – devem ser consideradas as necessidades futuras do condenado, bem como, as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho;

V – nos estabelecimentos prisionais devem ser tomadas as mesmas precauções prescritas para proteger a segurança e a saúde dois trabalhadores livres;

VI – serão tomadas medidas para indenizar os presos por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em condições semelhantes às que a lei dispõe para os trabalhadores livres;

VII – a lei ou regulamento fixará a jornada de trabalho diária e semanal para os condenados, observada a destinação de tempo para lazer, descanso. Educação e outras atividades que se exigem como parte do tratamento e com vistas a reinserção social;

VIII – a remuneração aos condenados deverá possibilitar a indenização pelos danos causados pelo crime, aquisição de objetos de uso pessoal, ajuda à família, constituição de pecúlio que lhe será entregue quando colocado em liberdade.

 

CAPÍTULO XXII

DAS RELAÇÕES SOCIAIS E AJUDA PÓS-PENITENCIÁRIA

Art. 57. O futuro do preso, após o cumprimento da pena, será sempre levadoem conta. Deve-seanima-lo no sentido de manter ou estabelecer relações com pessoas ou órgãos externos que possam favorecer os interesses de sua família, assim como sua própria readaptação social.

Art. 58. Os órgãos oficiais, ou não, de apoio ao egresso devem:

I – proporcionar-lhe os documentos necessários, bem como, alimentação, vestuário e alojamento no período imediato à sua liberação, fornecendo-lhe, inclusive, ajuda de custo para transporte local;

II – ajuda-lo a reintegrar-se à vida em liberdade, em especial, contribuindo para sua colocação no mercado de trabalho.

 

CAPÍTULO XXIII

DO DOENTE MENTAL

Art. 59. O doente mental deverá ser custodiado em estabelecimento apropriado, não devendo permanecer em estabelecimento prisional além do tempo necessário para sua transferência.

Art. 60. Serão tomadas providências, para que o egresso continue tratamento psiquiátrico, quando necessário.

 

CAPÍTULO XXIV

DO PRESO PROVISÓRIO

Art. 61. Ao preso provisório será assegurado regime especial em que se observará:

I – separação dos presos condenados;

II – cela individual, preferencialmente;

III – opção por alimentar-se às suas expensas;

IV – utilização de pertences pessoais;

V – uso da própria roupa ou, quando for o caso, de uniforme diferenciado daquele utilizado por preso condenado;

VI – oferecimento de oportunidade de trabalho;

VII – visita e atendimento do seu médico ou dentista.

 

CAPÍTULO XXV

DO PRESO POR PRISÃO CIVIL

Art. 62. Nos casos de prisão de natureza civil, o preso deverá permanecer em recinto separado dos demais, aplicando-se, no que couber,. As normas destinadas aos presos provisórios.

 

CAPÍTULO XXVI

DOS DIREITOS POLÍTICOS

Art. 63. São assegurados os direitos políticos ao preso que não está sujeito aos efeitos da condenação criminal transitada em julgado.

 

CAPÍTULO XXVII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 64. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária adotará as providências essenciais ou complementares para cumprimento das regras Mínimas estabelecidas nesta resolução, em todas as Unidades Federativas.

Art. 65. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

EDMUNDO OLIVEIRA

Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

HERMES VILCHEZ GUERREIRO

Conselheiro Relator

Publicada no DOU de 2.12.1994



[1] Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 43.

[2] FILHO, Willis Santiago Guerra. Processo constitucional. cit., p. 44-45.

[3] REALE, Miguel . Questões de direito público. p. 4.

[4] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.

[5]PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. p. 36.

[6] OLIVEIRA, Manfredo. A Filosofia na crise da modernidade. p. 19.

[7] OLIVEIRA, Manfredo - idem, p. 23

[8] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. p. 277. Jorge Miranda, por sua vez, utiliza os termos individualismo, que, para ele, também pode ser chamado personalismo; supra-individualismo e transpersonalismo, que, portanto, são usados em sentidos diferentes daqueles por nós empregados. Apud, MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. tomo IV, p.38.

[9] CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional. p. 505.

[10] REALE, Miguel. Idem, p. 278. CANOTILHO, J.J. Gomes. op. cit., p. 505, fala "que a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais".

[11] MARX, Karl - A questão judaica, p. 44.

[12] REALE, Miguel - Filosofia do Direito, p. 278.

[13]MATA-MACHADO, E. G. da - op. cit., p. 142.

[14] Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46.

[15] Dignidad humana y derechos de la personalidad. In: BENDA, Ernesto et alii. Manual de derecho constitucional, Madri: Marcial Pons, 1996. p. 124-127.

[16] Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional. Madri: Editorial Civitas, 1990. p. 149.

[17] SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da Democracia. In: RDA 212, p.91.

[18] Cf. KRIELE, Martin. Libertação e Iluminismo político: uma defesa da dignidade do homem. São Paulo: Loyola, 1983, p.47-54.

[19] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.46-48.

[20] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.259.

[21] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991.

[22] CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1982.

[23] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 67-78.

[24] BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Estudos Avançados. São Paulo: IEA, n.40, p.155-176, 2000.

[25] DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 21-22.

[26] FARIAS, Edilsom Pereira - Colisão de Direitos, p. 51.

[27] CANOTILHO, J. J. Gomes - Direito Constitucional, p. 362/363.

[28] PÉREZ LUÑO, Antonio E., Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, p. 318.

[29] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. p. 363.

[30] PÉREZ LUÑO, Antonio, op. cit., p. 318.

[31] FARIAS, Edilsom, op. cit., p. 54.

[32] CANOTILHO, J.J. Gomes, op. cit., p. 505, fala "que a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais".

[33] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo,  p. 49, 1984.

[34] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 177.

[35] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo, Tomo IV, p. 696. 1974.

[36] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil.  São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2, p. 4.

[37]  FILHO, Nagib Slaibi. Anotações à constituição de 1988; aspectos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 198.

[38] Da doutrina alemã, KLAUS STERN faz distinção entre as expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Nessa concepção, os direitos fundamentais seriam os direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis ou nos tratados internacionais, e reconhecidos pela autoridade competente para editar normas no interior dos Estados ou no plano internacional. Aqui, mais relevante que a discussão acerca dessa distinção, é a afirmação da imperativa necessidade [1]de que esses direitos fundamentais positivados sejam realmente a concretização daquelas garantias da dignidade humana, e [2]de que, por isso, esses direitos fundamentais positivados sejam realmente verdadeiros direitos humanos fundamentais (expressão positiva dos direitos humanos).

[39] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1988, t.IV, p.166-176.

[40] OTTO BACHOF discutiu a possibilidade de existirem normas constitucionais, inconstitucionais.

Os Direitos Fundamentais são ORDENAMENTO JÚRIDICO ("Lex") e os Direito Humanos são DIREITO ("Jus"). Nem sempre o ORDENAMENTO coincide com o DIREITO, embora seja obrigatório que sempre coincida. Um ORDENAMENTO que não seja DIREITO não pode ser válido, da mesma maneira que não podem ser válidos os Direito Fundamentais ("Lex") que não sejam Direitos Humanos ("Jus"). O DIREITO é superior ao ORDENAMENTO. Os Direitos Humanos são superiores aos Direitos Fundamentais. Assim, Direitos Fundamentais contrários aos Direitos Humanos não podem ser válidos.

Um exemplo são as execráveis leis nazistas fundadas no autoritarismo, no fanatismo nacional e no fervor eugenista. Esses documentos eram ORDENAMENTO mas não eram DIREITO. Eram uma "Lei de Creonte" que feria as "Leis dos Deuses". Essa falsa Constituição continha normas formalmente constitucionais mas que – na realidade – não eram verdadeiras normas constitucionais por serem contrárias ao DIREITO. Com base na falsa tese de que um mandamento simplesmente por ter o reconhecimento oficial se torna um mandamento justo, foram cometidos abomináveis e irreparáveis crimes contra a humanidade. Daí o perigo da confusão entre as noções de "Lex" e "Jus". "Jus" é superior a "Lex".

[41] A expressão direitos constitucionais é empregada no seu sentido amplo com a intenção de que compreenda todos os direitos de liberdade, de igualdade e de fraternidade (ou solidariedade) garantidos constitucionalmente.

[42] Ressalte-se que esse caráter prestacional (de promoção e não só de proteção) seria o principal fator de distinção entre a noção liberal setecentista e a noção atual democrática da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.

[43] MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 28.

[44] LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma Era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 33.

[45] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 195.

[46] LEAL, César Barros, 2001, op. cit., p. 34.

[47] FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 165.

[48] FOUCALT, op. cit., p. 172.

[49] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. 14ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.10.

[50] OYAMA, Thaís. Os donos do inferno. Veja, São Paulo: Editora Abril, edição 1675, ano 33, n. 46, p. 87, 12 nov. 2000.

[51] JULIANO, Carolina. O império do crime. Época, Rio de Janeiro: Editora Globo, nº 145, Ano III, p. 28, 26 fev., 2001.

[52] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 403.

[53] RODRIGUES, Madi. SIMAS FILHO, Mário. Veias Abertas. Isto É, São Paulo: Editora Três, nº 1639, p. 36/39, 28 fev. 2001.

[54] Idem, ibidem.

[55]  O Brasil atrás das grades, pesquisa realizada pela Human Rights Watch no Brasil.

[56] CAOS E DESORDEM. Revista Jurídica Consulex, Brasília: Editora Consulex, ano I, nº 7, 31 jul. 1997.

[57] VARELLA, Drauzio. Op. cit. p. 49/50.

[58] RIDEAU, Wilbert, WIKBERG, Ron. Life Sentences: Rage and Survival Behind Bars. Nova York: Times Books, 1992, p. 75. Apud O Brasil atrás das grades, relatório da pesquisa realizada pela Human Rights Watch.

[59] PIMENTEL, Manoel Pedro. Op. cit. p. 156.

[60] VARELLA, Drauzio. Op. cit. p. 287.

[61] Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Disponível em <http://www.mj.gov.br/depen>. Acesso em: 08.06.08.

[62] Fundação Internacional Penal e Penitenciária: relatório anual. Disponível em: < www.esmape.com.br>. Acesso em:

[63] Disponível em: <www.fundaj.gov.br >.Acesso em: 08.06.08.

[64] Prevalência do HIV nos Presídios, Boletim Direitos Humanos HIV/AIDS, ano V, n. 1, 2001. 

[65] EITZEN, D. S.; TIMMER, D. A. Criminology.New York: John Wiley and Sons, 1985.

[66]PINHEIRO, P. S. Algumas Considerações Sociopolíticas Sobre Presos e Prisões. In Queiroz, J. J. (org.). As Prisões, os Jovens e o Povo. São Paulo: Paulinas, 1985.  

[67] TAVARES, G. M. Características e Significados de Rebeliões em Prisões Brasileiras: um Estudo a Partir de Material Jornalístico. Dissertação de Mestrado em Psicologia – Programa de Pós-Graduaçãoem Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2001,119 f.

[68] FOUCALT, Michel. Vigiar e punir. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 33.

[69] PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 42.

[70] PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 43.

[71] FOUCAULT, Michel. Op. cit. p. 247.

[72] FOUCAULT, Michel. Op. Cit. p. 64

[73] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 94.

[74] FOUCAULT, Michel. Op. cit. p. 78.

[75] BECCARIA, Cesare. Op. cit. p. 52.

[76] MAGNABOSCO, Danielle. Sistema penitenciário brasileiro: aspectos sociológicos. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 27, dez. 98.

[77] Cartilha dos direitos e deveres do preso. Procuradoria Geral do Estado. Páginas & Letras, 1999.

[78] FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social?. São Paulo: Ícone, 1998.

[79] FOUCAULT, Michel. op. cit.

[80] FALCONI, Romeu. op. cit.

[81]STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

[82]BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

[83] LEAL, César Barros. op. cit.

[84]MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

[85] DOU de 03.02.05.

[86] PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007. p. 25.

[87] PORTO, Roberto. Idem. p. 26.

[88] CALHAU, Lélio Braga. Presídios como instituições totais: uma leituraem Erwing Goffman. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br>.

[89] GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 11.

[90] GOFFMAN, Erving. op. cit. p. 158.

[91] GOFFMAN, Erving. op. cit. p. 160.

[92] GOFFMAN, Erwing. Op. cit. p. 16.

[93]Anexo. Relatório: Situação do Sistema Prisional Brasileiro 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A dignidade da pessoa humana é um princípio supremo, inerente às personalidades humanas e que concede unidade aos direitos e garantias fundamentais. Com a aplicação desse fundamento fica afastado o poder Estatal, predominante sobre as vontades individuais. A dignidade é uma premissa que acompanha a própria vida, trazendo consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais homens, além de representar um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. 

Para cumprir este fim, a nossa Constituição Federal, em seu art. 1o, III – situado no Título I, referente aos Princípios Fundamentais –, assim dispõe:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III - a dignidade da pessoa humana;”

Podemos perceber, ainda, que o legislador, no intuito de deixar clara a amplitude do princípio da dignidade da pessoa humana, o insere em diversas partes da Constituição, principalmente no trecho reservado aos direitos e garantias fundamentais, mais precisamente no art. 5o e em alguns de seus incisos, como segue: 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

...

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

...

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

...

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”

 

Dessa maneira, ao visualizarmos o dispostoem nossa ConstituiçãoFederal, ficamos ainda mais perplexos com a situação em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro. Fazem parte do dia-a-dia do nacional as notícias sobre a violência, fugas, rebeliões e demais tragédias ocorridas nas prisões.

É com essa visão que o presente trabalho monográfico foi elaborado, procurando-se sempre entender o que leva um país possuidor de um princípio tão “forte”em sua ConstituiçãoFederala possuir tal lastimável situação carcerária.

Será demonstrada, em um primeiro momento, por meio de uma evolução histórica e de demonstrações atuais, a inegável importância do Princípio da dignidade da pessoa humana. Após, será feito um minucioso estudo histórico acerca do Sistema Prisional, com posterior análise da atual situação em nosso país. Por fim, serão apresentadas medidas que podem ser muito eficazes para a humanização do sistema prisional brasileiro.      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO E VALOR

 

Para que possamos ter uma melhor compreensão acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, necessário se faz entendermos os princípios como um todo, para após fazermos um estudo mais específico.

Inicialmente, é preciso deixar clara uma distinção entre princípio e valor, para buscar eliminar a confusão que se fez entre os conceitos na atual linguagem jurídica.

Dessa maneira, corriqueiramente se tem usado os dois termos indistintamente, como se tivessem o mesmo conteúdo semântico.

No entanto, enquanto o valor é sempre um relativo, na medida em que “vale”, ou seja, aponta para uma relação, o princípio se impõe como um absoluto, como algo que não comporta qualquer espécie de relativização.

O princípio é, portanto, um axioma inexorável e que, do ponto de vista do Direito, faz parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento. Impossível afastá-lo, então.

O valor sofre toda a influência de componente histórico, geográfico, pessoal, social, local, etc. e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras de interpretação – jurídicas ou não. Por isso, há muitos valores, bem como são indeterminadas as possibilidades de a respeito deles conjecturar. Eles variarão na proporção da variação do tempo e do espaço, na relação com a própria história corriqueira dos indivíduos.

O princípio não é assim. Uma vez constatado, impõe-se sem alternativa de variação, e, como veremos, é nessa constatação que reside nosso problema. Por isso, temos que buscar um caminho para elucidá-lo.

 

 

2.2 OS PRINCÍPIOS COMO “COMANDO MAIOR”

Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo o sistema ético-jurídico, os mais importantes a serem considerados, não só pelo aplicador do Direito, mas por todos aqueles que, de alguma forma, se dirijam ao sistema jurídico. Dessa forma, estudantes, professores, cientistas, operadores do Direito, todos têm de, em primeiro lugar, levar em consideração os princípios norteadores de todas as demais normas jurídicas existentes.

Nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como ponto máximo do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas.

Tal influência tem uma eficácia afetiva, real, concreta. Não faz parte apenas do plano abstrato do sistema. Deve ser levada em conta na determinação do sentido de qualquer norma, como exigência de influência plena e direta. Vale dizer: o princípio, em qualquer caso concreto de aplicação das normas jurídicas, da mais simples à mais complexa, desce das altas esferas do sistema ético-jurídico em que se encontra para imediata e concretamente ser implementado no caso real que se está a analisar.

Não é preciso, pois, nada aguardar, nada postergar, nem imaginar que o princípio fique apenas como uma decoração do universo ético. Ao contrário, ele é real, palpável, substancial e, por isso, está presente em todas as normas do sistema jurídico, não podendo, por conseqüência, ser desprezado.

Ademais, é necessário fazer a distinção entre princípios e normas para explicitar claramente a atuação de ambos no interior do sistema jurídico.

Nesse sentido, Willis Santiago Guerra Filho ensina “que a teoria do direito contemporâneo, ao expandir o seu objeto de estudo da norma para o ordenamento jurídico, terminou por incluir nele espécie de norma que antes sequer era considerada também no conceito de norma até então corrente. E é  precisamente nessa ‘nova espécie’ de norma que se irá incluir aquela de direitos fundamentais, bem como, juntamente, outras, dotadas da mesma ‘fundamentalidade’, mas que não conferem direitos, nem configuram qualquer outra situação subjetiva”[1].

Trata-se dos princípios, que, no arcabouço constitucional brasileiro, abarcam os direitos fundamentais.

Normas jurídicas funcionam como regras, e estas estão fundamentadas nos princípios. Estes, portanto, “têm um grau incomparavelmente mais alto de generalidade (referente à classe de indivíduos a que a norma se aplica) e abstração (referente à espécie de fato a que a norma se aplica) do que a mais geral e abstrata das regras”[2].

Agora, diga-se que os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata, mas essa abstração não significa incidência no plano da realidade. É que, como as normas jurídicas incidem no real e como devem respeitar os princípios, acabam por levá-los à concretude.

É nesse aspecto que reside a eficácia dos princípios: como toda e qualquer norma jurídica deve a eles respeitar, sua eficácia é – deve ser – plena.

2.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA DIGNIDADE HUMANA

Na antiguidade não existia o conceito de homem como pessoa nos moldes vislumbrados nos dias de hoje, ou seja, uma pessoa que por si só é possuidora de direitos e deveres. A escravidão, prática muito comum nos povos da Antiguidade Clássica, tais como romanos e gregos, é uma das maiores demonstrações de que o homem poderia facilmente ser tratado como um objeto, já que consistia na total privação do seu estado de liberdade.

A filosofia clássica, representada por Aristóteles, via o homem como um animal político ou social, sendo a sua personalidade fundada na cidadania, estando esta ligada ao Estado, o qual estava em íntima conexão com o “Cosmos”, com a natureza.

Foi o Cristianismo o grande responsável pela mudança no pensamento a respeito do homem, desatrelando-o da figura do Estado, uma vez que pregando a fraternidade implantava uma noção de igualdade entre os seres humanos. Dessa maneira, começa a haver um "deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade” [3].

Dentre os expoentes que defenderam a idéia de que o homem é um ser absoluto, distinguindo-o das coisas e dos animais, destacam-se Santo Agostinho e, posteriormente, São Tomás de Aquino.

Immanuel Kant, por meio de sua filosofia, foi quem melhor expôs, à época, o conceito lógico-filosófico de dignidade humana[4]. Segundo ele, era necessária uma mudança no processo de conhecimento do ser humano, denominada “revolução copernicana”, onde os objetos girariam em torno do sujeito cognoscente, e não mais este giraria em torno daqueles. Assim, não mais haveria aquela visão de que o nosso conhecimento deveria amoldar-se aos objetos, porém estes é que deveriam ajustar-se ao nosso conhecimento. Percebia-se, portanto, a substituição de uma hipótese idealista à hipótese realista na teoria do conhecimento[5].

O sujeito kantiniano, também conhecido como transcendental, nada mais é do que “uma estrutura vazia”, a qual nada pode conhecer senão através da sensibilidade, o que mostra a grande dependência do pensamento humano em estar sensível, em estar em contato com as coisas ao seu redor. Oliveira[6] comenta: “pode-se dizer que a teoria é, para Kant, a dimensão da auto-alienação da razão”.

O que se percebe no pensamento kantiniano é que o único caminho que levaria a razão a se libertar da auto-alienação na teoria seria a “práxis”, pois, no domínio da prática, a razão está a serviço de si mesma. Isso não quer dizer que através da experiência devam se estabelecer normas do agir humano, uma vez que, dessa forma, haveria uma submissão do homem a outro homem. Deveria haver sim uma fluição da razão através das experiências vividas pelo homem, já que a principal característica do ser humano, que o faz dotado de dignidade especial, é que ele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo.

Portanto, Kant pregava que a razão prática é superior à razão teórica, o que faz o homem pertencente, pela “práxis”, ao reino dos fins, sendo possuidor de dignidade própria, tendo o restante significado relativa. É por isso que “só o homem não existe em função de outro e por isso pode levantar a pretensão de ser respeitado como algo que tem sentido em si mesmo" [7].

A conclusão de Kant encaixa-se perfeitamente no princípio em estudo, visto que, para ele, o homem é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo, por conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente por isso tem dignidade, é pessoa.

Em um passado mais recente alguns pontos merecem destaque, os quais contribuíram para a fixação desse princípio em diversas soberanias.

Em 27 de dezembro de 1947 aConstituição da República italiana demonstrava os primeiros passos em direção à normatização da dignidade humana quando, em seu art. 3o, no capítulo destinado aos Princípios Fundamentais, estabelecia que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.

No entanto, somente em 23 de maio de 1949 com a Lei Fundamental de Bonn é que surge um ordenamento específico a esse respeito, já que, em seu art. 1.1, declarava claramente que, in verbis:

 “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”.

Tal preceito é claramente baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948. Destacando-se, também, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, desenvolvida pelos revolucionários franceses em 26 de agosto de 1789, que pregava o respeito aos direitos naturais, os quais seriam inalienáveis e sagrados do homem.

Em 1976 aConstituição da República Portuguesa já fixava em seu art. 1o o seguinte preceito:

“Portugal é uma República soberana, baseada, entre outros valores na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

Nessa mesma linha a Constituição espanhola apresentava a seguinte redação, in verbis:

“A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito pela lei e pelos direitos dos outros são fundamentos da ordem política e da paz social”.

Na França, apesar de sua grande história de defesa dos direitos individuais, não se identifica,em sua Constituiçãode 1958, o princípio exposto de forma clara.

As recentes constituições dos países do leste europeu, após a queda do comunismo, também passaram a adotar a dignidade humana como preceito fundamental, merecendo destaque: a Constituição da República da Croácia, de 22 de dezembro de 1990 (art. 25); Preâmbulo da Constituição da Bulgária, de 12 de julho de 1991; Constituição da Romênia, de 08 de dezembro de 1991 (art. 1º); Lei Constitucional da República da Letônia, de 10 de dezembro de 1991 (art. 1º); Constituição da República eslovena, de 23 de dezembro de 1991 (art. 21); Constituição da República da Estônia, de 28 de junho de 1992 (art. 10º); Constituição da República da Lituânia, de 25 de outubro de 1992 (art. 21); Constituição da República eslovaca, de 1º de setembro de 1992 (art. 12); Preâmbulo da Constituição da República tcheca, de 16 de dezembro de 1992; Constituição da Federação da Rússia, de 12 de dezembro de 1993 (art. 21).

No nosso país, conforme veremos mais adiante, o constitucionalismo vem sofrendo, desde 1934, grande influência germânica, por isso nunca ficou alheio ao tema. Dessa maneira, a Constituição de 1988 é clara ao estabelecer, em seu art. 1o, III, que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

2.4 CONCEPÇÕES ACERCA DO CONTEÚDO DO PRINCÍPIO

Segundo Miguel Reale, existem, historicamente, três concepções acerca da dignidade humana[8]:

a) O individualismo, que adota o entendimento de que o homem, na proteção de seus interesses individuais, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos, partindo, por óbvio, do indivíduo.

  Essa concepção da dignidade humana demonstra ser um modo de se entender os direitos fundamentais, os quais, antes de tudo, são inatos e anteriores ao Estado, atuando como limite da sua atividade, por isso mesmo podem ser denominados como direitos de autonomia e direitos de defesa[9].

Além disso, tal entendimento leva a um balizamento da compreensão do Direito e da Constituição, assim a lei deverá sempre ser interpretada em prol da autonomia do indivíduo, ficando as interferências do Poder Público para casos excepcionais[10].

b) O transpersonalismo, que se apresenta de modo contrário ao individualismo, ou seja, é por meio da realização do bem coletivo que se protegem os interesses individuais. Em caso de conflito entre ambos os interesses, prevalecem, sempre, os valores coletivos. Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana é alcançada através do coletivo.

Necessário se faz citar a teoria marxista, a qual complementa muito bem tal concepção, já que para Marx:

“Os direitos do homem apregoados pelo liberalismo não ultrapassam o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade" [11].

Nesse caso, o que se deve ter em mente é que os direitos dos homens são diferentes dos direitos do cidadão, uma vez que aqueles nada mais são que os direitos do homem quando separado do homem e da comunidade.

Essa concepção nos leva a crer que a interpretação do Direito limita a liberdade do indivíduo em favor da igualdade[12], sendo os interesses coletivos privilegiados em detrimento dos individuais.

c) O Personalismo, que se contrapõe às concepções anteriores, busca a compatibilização e a inter-relação entre valores individuais e valores coletivos, distinguindo indivíduo e pessoa.

Como indivíduo, exalta-se, obviamente, o individualismo do ser humano, o homem abstrato, tão defendido pelo liberalismo burguês.

Como pessoa, explicita Nicolai Hartimann[13]:

"O homem não é apenas uma parte. Como uma pedra de edifício no todo, ele é, não obstante, uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo - o que uma unidade coletiva jamais pode ser".

Portanto, tal concepção busca a resolução dos conflitos, interesses, caso a caso, por meio da compatibilização entre os supracitados valores, havendo uma ponderação para se avaliar o que é do indivíduo ou do todo, e vice-versa. Não obstante, pode haver a preeminência de um ou de outro valor.        

Deve-se lembrar que a pessoa humana, enquanto valor, e o princípio correspondente, de que aqui se trata, é absoluto e há de prevalecer sempre sobre qualquer outro valor ou princípio.

2.5 O CONCEITO DO PRINCÍPIO

O princípio da dignidade da pessoa humana, pela forte carga de abstração que possui, nunca teve uma definição pacífica dentre os diversos autores, porém cada conceito desenvolvido sempre serviu como complemento para os demais.

Para Larenz[14] a dignidade da pessoa humana constitui a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio, opinião esta emanada quando de sua manifestação acerca do personalismo ético da pessoa no Direito Privado.

Benda[15], ensinando sobre a Constituição espanhola, diz que a dignidade humana como parâmetro valorativo, evoca, inicialmente, o condão de impedir a degradação do homem, em decorrência de sua transformação em objeto de Estado. Além do mais, aduz que cabe ao Estado assegurar ao indivíduo a garantia de sua existência material mínima.

Em uma definição bem mais completa, Valdés[16] indica quatro conseqüências vinculadas à dignidade humana:

“a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; b) garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação que implique na sua degradação; c) observância e proteção dos direitos inalienáveis do homem; d) não admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou a imposição de condições subumanas de vida. Adverte, com acerto, que a tutela constitucional se volta em detrimento de violações não somente levadas a cabo pelo Estado, mas também pelos particulares.”

Do exposto, podemos perceber que o último dos autores nos traz a união dos demais, além disso, com sua visão, amplia o raio de ação demarcado à dignidade humana. Dessa forma, podemos, mediante adaptações necessárias, revelar o substrato material da dignidade da pessoa humana em nossa ordem jurídica.

Assim, pode-se dizer que o conceito do princípio, em nosso ordenamento, leva em consideração três importantes pontos::

a)      Reverência à igualdade entre os homens (art. 5º, I, CF);

b)      Impedimento à consideração do ser humano como objeto, degradando-se a sua condição de pessoa, a implicar na observância de prerrogativas de direito e processo penal, na limitação da autonomia da vontade e no respeito aos direitos da personalidade, entre os quais estão inseridas as restrições à manipulação genética do homem;

c)      Garantia de um patamar existencial mínimo.

2.6 ACONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO

Como visto anteriormente, no capítulo referente à história do princípio, a valorização da noção da dignidade humana está intimamente ligada aos movimentos constitucionalistas modernos, principalmente ao francês e ao americano[17].

 A constituição moderna, de caráter nitidamente liberal, surgiu com a finalidade de declarar direitos, de fundamentar a organização do governo e de limitar o poder político, limitação essa que era o maior anseio dos mentores burgueses setecentistas.

A Declaração de Direitos da Virgínia, que foi a antecessora da Constituição americana de 1787, bem como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, aqual resultou da Revolução Francesa, foram os primeiros documentos a consagrarem o valor moral da dignidade da pessoa humana como valor constitucional. Essas Cartas sofreram grande influência da noção humanista de reserva da integridade e da potencialidade do indivíduo das doutrinas de Locke, Montesquieu e Rousseau[18].

  Com o tempo as principais Constituições continuaram a proteger a dignidade humana e, além disso, foram gradativamente agregando novos valores e outras aspirações mais amplas, tais como, a garantia dos interesses sociais e delimitação do poder econômico, até que, atualmente, adquiriram um caráter programático e democrático voltado para a concretização dos valores nelas enunciados.

Pode-se dizer que a “expressa” positivação do ideal da dignidade da pessoa humana é bastante recente, pois somente após a sua consagração na Declaração Universal da ONU de 1948 é que o princípio passou a ser reconhecido.

Em se tratando de normas jurídicas frise-se que, quanto à sua natureza, estas possuem a característica de coercitividade e de imperatividade, por isso mesmo são diferentes das normas não-jurídicas[19], tais como as normas de ordem moral que possuem caráter meramente sugestivo.

Portanto, os princípios de direito e, principalmente, os constitucionais são equivalentes a normas jurídicas no tocante às características de coercitividade e de imperatividade[20], sendo assim, não podem ser considerados meros ditames de obediência contingente ou facultativa, mas normas jurídicas de aspecto pricipiológico e dotadas de poder vinculante.

As normas constitucionais (regras e princípios) compartilham desse poder vinculante e dessa característica de imperatividade de que são dotadas as normas jurídicas "latu sensu" [21].

Na Constituição de uma República, a característica da coercitivaidade se apresenta em um grau extremamente elevado, a qual submete todo o conjunto normativo inferior às suas disposições expressas e aos propósitos dos valores consagrados em seu bojo, mesmo que implícitos.

Além do mais, não são somente as normas inferiores que ficam vinculadas, mas, principalmente, todos os seus efeitos práticos[22], na medida do alcance dos efeitos do Direito na realidade, e, dessa maneira, os efeitos das normas constitucionais tornam-se bastante amplos.

Tal discernimento é importante porque é nos casos práticos que a afirmação do caráter da Constituição revela sua importância e seu significado, pois todo o desenvolvimento da sociedade passa a ser submetido aos valores de ordem constitucional.        

Assim, uma das conseqüências práticas desse reconhecimento é que diretrizes, como, por exemplo, a proteção da dignidade humana, deixam de ser meras sugestões filosófico-axiológicas para se tornarem imperativos fáticos[23] em toda amplitude do Direito projetado na sociedade.

2.6.1 O princípio na Constituição Federal do Brasil 

No Brasil, país cuja trajetória constitucional foi bastante conturbada e cuja realidade política esteve sempre sob o jugo de períodos ditatoriais poucas vezes atenuados [24], o ideal de proteção da dignidade da pessoa humana somente foi reconhecido formalmente na ordem positiva com a promulgação da Constituição de 1988.

A Carta Magna consagrou o valor da dignidade da pessoa humana como princípio máximo e o elevou, indiscutivelmente, a uma categoria superior em nosso ordenamento, como uma norma jurídica fundamental.

Destaque-se que a noção de dignidade da pessoa humana confunde-se com a própria definição material de Constituição, uma vez que a preocupação com o ser humano passou a ser uma das finalidades constitucionais[25]. Portanto, uma Constituição que não consagre a proteção e, principalmente, a promoção da dignidade do homem não pode ser uma verdadeira Constituição.

A Constituição Federal brasileira, em sua grande abertura democrática, consagrou diversos princípios que representaram a tendência susomencionada. Por isso mesmo reafirmou os dispositivos de organizações e limitação do poder político, além de estabelecer a garantia da Democracia e da Cidadania, através da firmação dos direitos fundamentais, da promoção da justiça social, do controle do poder econômico e, não menos importante, pela preservação da dignidade da pessoa humana.

O legislador constituinte brasileiro fez questão de afirmar a dignidade da pessoa humana como fundamento da nossa República Federativa, o que nos leva a crer que o Estado existe em função de todas as pessoas, e não o contrário. Não por coincidência, como uma forma de reforçar tal idéia, o capítulo dos direitos fundamentais encontra-se,em nossa Constituição, topograficamente à frente da organização do Estado.

Dessa maneira, toda e qualquer atividade do ente estatal deve, necessariamente, ser concretizada à luz do princípio, sob pena de inconstitucionalidade e de violação da dignidade humana, pois esta é paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público, bem como “um dos elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro”[26].

Não há que se falar, nesse caso, de uma concepção individualista da dignidade da pessoa humana, visto que o homem deve ser tomado como um fim em si mesmo e que o Estado existe em função dele. Há que se falar sim que, em um conflito indivíduo x Estado, deve-se privilegiar sempre a pessoa, o que, portanto, compreende uma concepção personalista, a qual busca a compatibilização ou a inter-relação entre os valores individuais e coletivos. Sendo assim, não existe predomínio de um sobre o outro, mas busca-se a solução em cada caso, conforme as circunstâncias, através da compatibilização ou da prevalência de um ou de outro valor.

Tal compreensão é importante para entendermos que a pessoa é o valor supremo da democracia, fazendo com que esta se dimensione e humanize. Ademais, a pessoa é a raiz antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de Direito[27].

A pessoa consubstancia-se em um minimun invulnerável que todo e qualquer estatuto jurídico deve assegurar, por isso mesmo é a dignidade da pessoa humana um princípio absoluto, nunca podendo ser sacrificado.             

A dignidade da pessoa humana, em sua constituição, possui duas dimensões, sendo uma negativa e a outra positiva[28]. A negativa estabelece que a pessoa não pode ser objeto de ofensas ou humilhações, o que está, coerentemente, disposto em nosso texto constitucional no artigo 5o, III:

“Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.”

Dessa forma, a afirmação da integridade física e espiritual do homem como parte irrenunciável da sua individualidade, a garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade, a libertação da “angústia da existência” da pessoa mediante mecanismos para a sua socialização, tais como a possibilidade de trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas são deveres do Estado[29].

Já a dimensão positiva presume o total desenvolvimento de cada pessoa, através, de um lado, do reconhecimento de sua autodisponibilidadae, sem interferências ou impedimentos externos, com as possibilidades de atuação de cada um. De outro lado, deve-se considerar a autodeterminação histórica da razão humana, antes de qualquer influência da natureza[30].

A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, é a “fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais” [31]. Daí falar-se na centralidade dos direitos fundamentais dentro do sistema constitucional, sendo, por isso, “conditio sine qua non” do Estado constitucional democrático.

Por conseguinte, as normas de direito fundamental ocupam o grau superior da ordem jurídica, estando submetidas a processos dificultosos de revisão e, por sua natureza, constituem limites materiais da própria revisão, vinculando imediatamente os poderes públicos.

Dessa forma, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais encontra-se vinculada às normas de direito fundamental. Com maestria Canotilho[32] ensina que “a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais”.        

Ante o exposto, percebemos que dentre os escopos da Constituição brasileira de 1988 apreservação da dignidade da pessoa humana foi eleita como um princípio estruturante do atual Estado brasileiro (art. 1o, III, CF). Assim, à luz desse princípio é que se deve edificar materialmente esse Estado constitucional de aspiração social e democrática. Além disso, a proteção da dignidade da pessoa humana transcende as generalidades teórico-políticas e projeta-se para o campo jurídico-político-pragmático de realização, assumindo tanto (nesse plano geral) seu papel de conformação política “lato sensu”, quanto (num plano específico) seu papel casuístico na promoção de justiça e na defesa do homem.

2.7 IGUALDADE ENTRE OS HOMENS

 

Tendo em vista o que já foi exposto, podemos facilmente chegar à conclusão de que a consagração da dignidade da pessoa implica em considerar-se o homem como o centro do universo jurídico. Tal reconhecimento abrange todos os seres humanos e cada um destes individualmente considerados, sendo assim a projeção dos efeitos irradiados da ordem jurídica jamais poderá, a princípio, atingir duas pessoas de modo diverso.

Temos, então, duas linhas de raciocínio partindo da idéia de que a igualdade entre os homens é uma obrigação imposta aos poderes públicos. Uma em que deve haver “igualdade na lei”, ou seja, a elaboração das regras de direito devem obedecer a esse preceito, e a outra em que deve haver “igualdade perante a lei”, ou seja, quanto a sua aplicação de fato. No entanto, é importante salientar que este tratamento isonômico entre os homens não exclui a possibilidade de discriminação, porém estabelece que esta não seja feita de maneira injustificada e desarrazoada[33].

Há, ainda, o conceito de universalidade inerente a toda e qualquer pessoa humana, o que impede que haja qualquer distinção de direitos entre nacionais e estrangeiros, exceto, obviamente, quanto aos vinculados ao exercício da cidadania.

Por isso é que o art. 5o, caput, da nossa Constituição Federal, em seus direitos enunciados, deve ser interpretado em benefício de todos aqueles que se encontrem vinculados à ordem jurídica brasileira, estando inclusos os estrangeiros que aqui se encontrem.   

Não encontra guarita, portanto, o pensamento de Silva[34] quando propõe ao Constituinte de 1988 a limitação dos destinatários dos direitos individuais. Mais razoável a postura assumida por Miranda[35] quando da vigência do art. 153, caput, da Constituição de 1969, e, além deste, mais atualmente destacam-se os posicionamentos de Bastos[36] e Filho[37].

Portanto, os direitos pertencentes à pessoa são inerentes a todo e qualquer ser humano, sendo, por isso, imprescindíveis à garantia da dignidade da pessoa humana.

 

 

2.8 SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

 

A dignidade da pessoa humana está intimamente ligada à teoria dos direitos fundamentais[38], podendo ser destacados cinco aspectos fundamentais que determinam tal ligação.

Como primeiro aspecto[39], destaca-se que a dignidade da pessoa humana representa uma unidade de valor de uma ordem constitucional e, principalmente, como unidade de valor para os direitos fundamentais. Dessa forma, o princípio assumiria seu aspecto axiológico-constitucional, estabelecendo um exemplo aos direitos fundamentais e às liberdades constitucionais, além de funcionar como elemento de integração e hierarquização hermenêutico – sistemática de todo o ordenamento jurídico.

Num segundo aspecto, como elementos de habilitação de um sistema positivo dos direitos fundamentais, a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana funcionam como sustentação e conferem legitimidade a um Estado e a uma sociedade que se baseiem no ser humano como fim e fundamentos máximos[40]. Nesse prisma, a dignidade assumiria o papel de critério para a verificação dos rumos de uma ordem estabelecida, sendo que tal sentido deve ser baseado na supracitada unidade de valor.  

À luz do terceiro aspecto, o qual se chamaria de aspecto pragmático-constitucional, a relação entre direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana seria “práxis” (prática) no teor da ordem constitucional. Os direitos fundamentais, portanto, seriam a concretização dos mandamentos da dignidade da pessoa humana em substância constitucional, mandamentos estes norteadores de toda a ordem constitucional. Na verdade, estamos falando de um processo de derivação, onde todos os direitos constitucionais se originam do princípio da dignidade da pessoa humana[41].

Os outros dois aspectos são decorrentes dos que já foram citados, sendo que um deles, o quarto, tem como fundamento o fato de se considerar a dignidade da pessoa humana como um parâmetro para a dedução de direitos fundamentais implícitos, acompanhando o raciocínio de que a dignidade, em sua manifestação “stricto sensu”, seria um direito fundamental.

Já o quinto aspecto diz respeito ao entendimento de que a dignidade da pessoa humana seria vista como limite e função do Estado e da sociedade, sendo que tanto um quanto o outro devem respeitar a dignidade (limite, ou função negativa) e promovê-la (função positiva, ou prestacional), deveres estes caracterizados pelo respeito e promoção de todos os direitos constitucionais da pessoa e do cidadão[42].

Do exposto, percebe-se que a dignidade da pessoa humana, com o seu caráter universal, é o fundamento e o fim dos direitos humanos fundamentais, uma vez que lhes serve como parâmetro e também como meio de aplicação no caso concreto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 SISTEMA PENITENCIÁRIO

3.1 HISTÓRICO DAS PRISÕES

Podemos traçar um estudo histórico das prisões a partir da Antiguidade, mais precisamente na Roma Antiga, onde prevaleciam as penas corporais e de morte, enquanto que a prisão era apenas um meio para manter os acusados encarcerados até o julgamento ou execução.

Em termos de arquitetura prisional, ressalte-se que naquela época não existia um local certo ou uma estrutura definida para se manter os encarcerados, o que ocorria era que eles normalmente ficavam em fortalezas reais, calabouços, torres ou edifícios diversos.

Alguns autores relatam que existiam em Jerusalém, quando da invasão dos caldeus, três prisões, as quais localizavam-se no Portal de Benjamin, no Palácio do rei e na residência de um funcionário público[43].

Foi a Igreja da Idade Média que apresentou os primeiros moldes de prisão propriamente dita, quando, ao castigar os monges rebeldes ou infratores, punia-os com o recolhimento em celas localizadas em uma ala própria do mosteiro, para que ficassem em oração constante[44].

É também na Idade Média que temos a caracterização do aspecto meramente punitivo da pena, através do sofrimento físico corporal dispensado aos acusados como forma de libertação da alma, por meio dos suplícios, da forca e da roda.

A crise do sistema feudal e a conseqüente migração da população dos campos para as cidades, levando à Europa um cenário de pobreza e miséria, no século XXI, fizeram com que a criminalidade tivesse um aumento considerável, o que forçou a construção de diversas prisões com o intuito de isolar mendigos, prostitutas e vagabundos, para que fossem disciplinados e corrigidos através do trabalho, principalmente no que diz respeito aos crimes cometidos contra o patrimônio, os quais em nada seriam solucionados através da pena de morte, trazendo somente o extermínio de milhares de delinqüentes acometidos pela fome.

“A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classifica-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência.”[45]

A prisão mais antiga que se tem registro daquela época era a House of Correction, fundada em 1522 na cidade de Bridewell, na Inglaterra. Essa casa de detenção caracterizava-se pela disciplina extremamente rígida usada na correção dos delinqüentes[46].

Outro modelo famoso da época foi o de Rasphuis de Amsterdam, de 1596. Nele, o trabalho obrigatório era característico, sendo que a cela individual era usada apenas como forma de punição, através de vigilância contínua e leituras espirituais.

Portanto, a prisão detinha o intuito principal de segregação de mendigos, prostitutas e vagabundos, fator sociológico este que demonstra ser um grave problema inclusive da atual população carcerária. Além disso, percebemos que a sua finalidade era a correção através do trabalho.

Tais finalidades fizeram surgir vários estudos sobre o sistema penitenciário, especialmente a respeito da questão humanitária da pena, destacando-se as seguintes obras: “Reflexões sobre as prisões monásticas”, de Jean Mabillon (1695); “Dos delitos e das penas”, de Cesare Beccaria (1764); “Teoria das penas e das recompensas”, de Jeremias Bentham (1818); e “O estado das prisões na Inglaterra e no País de Gales”, de John Howard (1776).

O que Howard propunha era um tratamento mais humano da pessoa do preso, através da assistência religiosa, trabalho, separação individual diurna e noturna, alimentação sadia, condições higiênicas, e etc. Seus esforços serviram de grande contribuição para o sistema penitenciário.

Dessa maneira, dois presídios, nos moldes estabelecidos por John Howard, foram construídos nos anos 1775 e 1781 e, posteriormente, um outro foi erguido na Inglaterra. Por isso tudo Howard é considerado, para muitos, o pai da Ciência Penitenciária.

Segundo Mirabete (2003), os sistemas penitenciários, quanto à execução das penas privativas de liberdades, são vistos de três formas: o sistema filadélfico (pensilvânico, belga ou celular), o de Alburn e o sistema progressivo (inglês ou irlandês).

3.1.1        Sistema Filadélfico

Tomando por base o que bem ocorreu na Europa, os Estados Unidos resolvem adotar o sistema celular, iniciando-o na Filadélfia, por isso mesmo recebe tal denominação. Nesse sistema era imposto ao condenado que ficasse isolado na cela 24 horas por dia, em um pátio circular, sem receber visitas, havendo o incentivo da leitura da Bíblia.

Walnut Street Jail foi a prisão inicialmente usada como protótipo do Sistema, sendo, após, levada para dois novos estabelecimentos, a Western Penitentiary, em Pittsburgh no ano de 1818, e a Eastern Penitentiary,em Cherry Hillno ano de 1829.

No Sistema Filadélfico somente os condenados por crimes leves eram autorizados a trabalhar, no entanto não existiam exceções à regra do silêncio, a não ser, mediante autorização, quando era extremamente necessário que o recluso falasse com funcionários do presídio.

Por tudo isso, esse sistema sofreu pesadas críticas, principalmente pela falta de readaptação social do condenado, já que seu isolamento era total.      

3.1.2        Sistema Auburniano

Esse sistema funcionava através do isolamento noturno, com o trabalho dos presos que era realizado, primeiramente, em suas celas e, em um momento posterior,em comum. Aprincipal característica, porém, era a exigência do silêncio absoluto entre os presos, mesmo quando em grupos, característica essa que o levou a ser conhecido como silent system.

Não por coincidência, recebe o nome da cidade de Auburn, local em que foi construído o presídio em que vigorava o sistema, no ano de 1818, o qual tinha como diretor Elam Lynds.

Apesar de rigorosa, a regra do silêncio absoluto demonstrava ser o ponto fraco desse sistema, já que possibilitava aos presos estabelecerem um alfabeto próprio através do uso das mãos, o que é utilizado até os dias atuais nas prisões de segurança máxima onde a disciplina é bem mais drástica.

Não obstante, o Sistema de Auburn demonstrou ser mais eficaz do que o Sistema da Filadélfia, uma vez que preparava o condenado para a rotina industrial, por meio do trabalho em oficinas em períodos de oito a dez horas diárias, o que compensou o investimento e trouxe uma finalidade ao presídio. Enquanto que na Filadélfia o trabalho era realizado de maneira artesanal e não remunerado, em Alburn o trabalho era regido por empresas.

Dessa maneira, o Sistema Alburniano prevaleceu nos E.U.A, fazendo com que o isolamento total fosse visto como modalidade de punição desumana e cruel.

 

 

3.1.3 Sistema Progressivo

Ao contrário do que se poderia imaginar, o pai desse sistema é um capitão da Armada Inglesa, Alexander Maconochie. Ele, que ao procurar melhorar a maneira de lidar com os presos, introduziu, no presídio da Ilha de Norfork, o Mark System, ou Sistema de Marcas, o qual estabelecia o lançamento de marcas, positivas ou negativas, nos prontuários dos condenados, em conformidade com seu comportamento, considerado através do trabalho ou da conduta disciplinar.

O que acontecia era que não havia atribuição de pena mínima na sentença, ela poderia ser extinguida antecipadamente, dependendo da quantidade de marcas positivas que o preso conseguisse.

O Sistema Progressivo era dividido em quatro etapas: a) recolhimento celular contínuo; b) isolamento noturno, com trabalho e ensino durante o dia; c) o condenado trabalha fora do presídio e se recolhe à noite, é a semi-liberdade; e d) livramento condicional.

Ante o exposto, percebe-se que tal sistema é o adotado na maioria dos países, inclusive no Brasil.

3.2 ARQUITETURA PENITENCIÁRIA

A maioria dos grandes estabelecimentos penais, em meados do século XIX, passou por adaptações que dependiam do momento histórico de encarceramento da época. O principal modelo, maior responsável pelo desenvolvimento da arquitetura prisional, foi o Panóptico de Jeremias Bentham.

3.2.1 O Modelo Panóptico

 

No século XIX nasce a idéia da técnica de quadriculamento (trancar em celas) do indivíduo, pois, segundo Foucalt[47], o surgimento da peste e o controle sobre a população levaram à processos de individualização para os excluídos, tais como: asilo psiquiátrico, penitenciária, casa de correção, estabelecimento de educação vigiada, sempre com o emprego de técnicas medir, controlar e corrigir os anormais.

É assim que surge o modelo Panóptico de Bentham, considerada forma universal para todos os estabelecimentos prisionais supracitados, seguindo os seguintes moldes: a periferia era composta por uma construção em anel com várias celas, as quais possuíam duas janelas que se abriam, uma para o interior e outra para o exterior. No centro havia uma torre com várias janelas que abriam para o interior do anel, onde o vigia possuía visibilidade sobre todos os detentos, sem que estes o enxergassem.

 

Fig. 1. O Panóptico

A arquitetura do modelo panóptico tem o intuito de manter os detentos sempre à vista, e eles devem saber que estão sendo vigiados o tempo todo sem que estejam vendo, uma vez que haveria persianas na sala central e separações formadas por biombos, constituindo um método inverificável. Dessa forma, o detento nunca saberia se está sendo vigiado, mas teria certeza de que poderia estar.

O panóptico demonstrava ser um modelo muito prático, sem todo o peso das velhas casas de segurança, já que toda a arquitetura de fortaleza é substituída pela geometria simples e econômica de uma vigilância certa.

Existem rumores de que o panóptico teria sido inspirado no projeto do primeiro zoológico do mundo, o de Versalhes, uma vez que proporcionava a organização analítica da espécie e, como visto, o panóptico tem como fundamento principal o poder de observação e vigilância sobre os detentos, o que propiciava até mesmo experimentos humanos diversos.

Para Foucalt[48], o modelo panóptico seria uma jaula cruel e sábia, pois deixa de lado os castigos, adotando o poder da observação. Seria, também, um sistema arquitetural e óptico, polivalente em suas aplicações, servindo para corrigir o prisioneiro, bem como para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos, ou seja, seria um tipo de implantação de corpos no espaço.

Fig. 2. Projeto de Penitenciária de N. Harou-Romain, 1840. Sistema panóptico: detento reza em sua cela, diante da torre de vigilância central. Fonte: FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1987

 

Tal modelo agrega o poder disciplinar através de uma arquitetura simples e bem feita. Dessa feita, a disciplina prevalece sobre a soberania da subordinação dos corpos.

Percebemos que John Bentham se baseou na fórmula de que deve ser usada a disciplina como forma de economia, pois naquele tempo havia a crescente necessidade de se fabricar indivíduos úteis para a produção manufatureira.

A explosão demográfica do séc. XVIII fez, consequentemente, nascer a necessidade de aumento da produção, cabendo ao modelo de Bentham instituir a disciplina. Nesse momento histórico há uma mudança na forma de punição, já que o que antes era castigo, agora é o poder direto e físico de vigiar de um homem sobre outro. Por isso mesmo, o panóptico marcou época, generalizando o estilo de punir no séc. XVIII e estendendo sua influência até os dias atuais.

Foi assim que, nos anos de1830 a1840, o programa arquitetural da maior parte dos projetos de prisão seguia tal modelo.

Com a chegada do séc. XIX temos a concretização da prisão como peça essencial da punição, tendo como objetivo a transformação dos apenados através do poder disciplinar e do trabalho, ou seja, a prisão generalizou-se como castigo legal.

Fig. 3. Interior da Penitenciária de Stateville, Estados Unidos, século XX. Fonte: FOUCALT, Michel. Op. cit.

 

No ano de 1844 surge na França a arquitetura de Petite Roquette, havendo, pela primeira vez, o encarceramento celular por intermédio do isolamento individual em cela, previsto no ordenamento daquele país.

Fig. 4. Prisão de Petite Roquette (sistema panóptico). Fonte: FOUCALT, Michel. Op. cit.

 

 

 

3.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

 

No Brasil, como visto anteriormente, a prisão sempre foi local de exclusão social e considerada segundo plano pelas políticas públicas, o que levou à falta de construções ou à edificação inadequada dos estabelecimentos penitenciários.

No período colonial, o Livro V das Ordenações Filipinas (Código de Leis portuguesas) determinava o Brasil como presídio de degredados. Tal pena era imposta aos alcoviteiros, culpados de ferimento por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos, contrabando de metais e pedras preciosas.

A Carta Régia de 1769 menciona a instalação da primeira prisão brasileira, estabelecendo uma Casa de Correção no Rio de Janeiro. É registrada também a Cadeia construída na cidade de São Paulo, entre os anos de 1784 e 1788, que ficou conhecida apenas como “Cadeia” e se localizava no então Largo de São Gonçalo, atual Praça João Mendes. Esse casarão abrigava, ainda, a Câmara Municipal e era para lá que se enviavam os indivíduos que cometiam infrações, para ficarem no aguardo da pena de açoite, multa e degredo, já que não havia a pena de prisão.

A Constituição de 1824 estabelecia, no art. 179, que as prisões deveriam ser seguras, limpas, arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza de seus crimes.

Em 1830, o Código Criminal vigente estabeleceu a pena de prisão com trabalho para diversos crimes, o que levou à construção de Casas de Correção com celas individuais e oficinas de trabalho, além de uma arquitetura própria voltada para a pena de prisão.

No séc. XIX, as casas de recolhimentos de presos apresentavam condições deprimentes para o cumprimento da pena, agregando, inclusive, local para escravos, menores e loucos.

O Código Penal de 1890 estabeleceu novas modalidades de penas: prisão celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspeição e perda do emprego público e multa. O artigo 44 do Código considerava que não haveria penas perpétuas e coletivas. As penas restritivas de liberdade individual eram temporárias e não deveriam exceder trinta anos, eram elas: prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar.

Os modelos europeus históricos foram grandes inspiradores para as prisões brasileiras, o que não serviu para minimizar os graves problemas enfrentados com o crescente número da população carcerária.

O Brasil somente passou a ter uma arquitetura prisional própria a partir da década de 60. Até então, os modelos arquitetônicos eram todos copiados dos europeus e dos americanos, mas nunca haviam sido adequados à realidade nacional.

Espinha de Peixe ou Poste telegráfico, assim foi denominado o primeiro projeto arquitetônico brasileiro. Ele foi desenhado com um espaço central para a circulação, havendo, integrados a este espaço, módulos separados entre si. Porém, o passar do tempo mostrou que tal arquitetura não era a mais adequada, uma vez que, facilmente, os motins que se iniciavam em um dos módulos tomavam conta dos demais.

Sendo assim, o Espinha de Peixe foi readaptado através da retirada da parte da administração do interior do presídio, passando-a para o exterior da fortaleza. Dessa maneira, foram preservados documentos e registros do estabelecimento, impedindo que fossem perdidos ou destruídos em rebeliões, além disso, preservou-se a integridade dos diretores, já que não mais estavam em contato direto com os detentos.

O modelo Pavilhonar de presídio é outro que merece destaque na evolução da arquitetura penitenciário no Brasil. Seu desenho consistia em vários pavilhões isolados uns dos outros para o abrigo dos presos, assim evitava-se que as rebeliões se alastrassem.

O modelo Panóptico foi a grande inspiração para os projetos prisionais brasileiros, visto que permitia uma visualização geral das unidades por um local de controle central.

No ano de 2005, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, procurando uniformizar os projetos arquitetônicos dos presídios brasileiros, editou uma resolução estabelecendo diretrizes para a construção de unidades prisionais.  Tais diretrizes, denominadas Resolução n. 03, foram impostas como projeto-padrão pelo Ministério da Justiça e Departamento Penitenciário Nacional, tendo sido aplicadas aos Estados para a construção de presídios.

Esse padrão, totalmente adaptado à realidade prisional brasileira, é estabelecido da seguinte forma: uma muralha externa de no mínimo06 metrosde altura acima do nível do solo com guaritas de vigilância, equipadas com iluminação e alarme; na área interna utiliza-se alambrados para a delimitação de áreas, facilitando a fiscalização por parte dos agentes penitenciários; os pátios devem ser todos cercados por muros, os quais não podem ter qualquer saliência na parte interna; a distância mínima entre a muralha e qualquer tipo de edificação não pode ser inferior a10 metros; os corredores internos não podem ter largura inferior a1,5 metro, para que não se formem aglomerações; todas as tubulações devem ter diâmetro de no máximo200 milímetros; todos os beirais dos edifícios devem conter proteção, evitando o acesso do preso ao telhado; dentro das celas não devem ser instalados registros, torneiras, válvulas de descarga de latão ou metálicas, e as portas devem conter visor para a total visualização do seu interior.

Cabe ressaltar, ainda, que nesse projeto fica imposto que o imóvel destinado à construção de presídios deve compreender a área total de terreno entre os limites de20 a100 metrosquadradosde área de terreno por pessoa presa, com a maior quantidade possível de áreas verdes. Essa última determinação configura-se em uma tentativa de se humanizar o ambiente.

O Ministério da Justiça do Brasil tratou também da capacidade de presos por estabelecimento prisional, numa tentativa de se enquadrar o menor número possível de detentos em um único estabelecimento. Dessa forma, em um presídio de segurança máxima recomenda-se a capacidade mínima de 60 e a máxima de 300 presos, enquanto que em um presídio de segurança média recomenda-se a quantidade mínima de 300 e a máxima de 800 apenados.

No Brasil, temos um estabelecimento prisional que é considerado modelo, trata-se do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes que foi inaugurado no ano de 2002, no Estado de São Paulo. Ele foi construído para receber os líderes de facções criminosas, com uma capacidade para 160 apenados, dispondo de mecanismos de segurança de alta tecnologia, tais como placas de aço no piso para evitar escavações, bloqueadores de celular, cabos de aço circundando a edificação e telas de aço n os pátios de sol, com o fim de evitar tentativas de fugas por via aérea. Ademais, os parlatórios são separados por vidros temperados, sendo a comunicação realizada através de interfones, e, para evitar o deslocamento de detentos, possui equipamento de tele-audiência.

Esse modelo de presídio foi inspirado nas chamadas Supermax, que são as cadeias norte-americanas de segurança máxima destinadas a presos considerados problemáticos. As Supermax foram criadas no ano de 1983, em Mirion, Illinois, e logo obtiveram grande sucesso, sendo implantadas em outros 35 Estados dos E.U.A., abrigando um total de 20 mil detentos.

3.4 UMA VISÃO ATUAL DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Atualmente o condenado tem a certeza de que não cumprirá corretamente e integralmente a pena lhe imposta. Diante dessa realidade, as penas estão perdendo seu caráter intimidativo. Assim, o sistema prisional fomenta a criminalidade, face à certeza que o sentenciado tem de que não irá cumprir integralmente a pena aplicada.

O sistema prisional é desprovido de pessoas habilitadas e equipamentos adequados, para classificar, orientar e acompanhar o sentenciado durante o cumprimento da pena.

A Lei de Execução Penal em seu artigo 6º dispõe que:

 

“A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador e acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, devendo propor à autoridade competente, as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões”.

A individualização da pena sobre a personalidade, requisito inafastável para a eficiência do tratamento penal, é obstacularizada na quase-totalidade no sistema penitenciário brasileiro pela superlotação carcerária, que impede a classificação dos prisioneiros em grupo e sua conseqüente distribuição por estabelecimentos distintos, onde se concretize o tratamento adequado.

A Lei de Execução Penal determina, ainda, diversas outras regras que têm como fim individualizar os presos de modo que seja possível separá-los em diferentes categorias. O seu art. 8º estabelece a realização do exame criminológico ao condenado à pena privativa de liberdade em regime fechado. Conforme a exposição de motivos da referida lei, a gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinantes da execução em regime fechado, é indicado o exame criminológico, que visará conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena. Ainda nesse sentido, o art. 84, § 1º, da LEP, determina o cumprimento da pena pelo preso primário em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.

A despeito dessas regras e inúmeras orientações internacionais, nas instituições penais do país, ante a falta de estrutura física, agravada pelo problema da superlotação, pouco se tem feito no sentido de separar os presos. A realidade demonstra o convívio de presos potencialmente perigosos com outros mais vulneráveis, mantendo-se, inclusive, presos condenados junto com outros que ainda aguardam julgamento, o que não é permitido por lei (art. 84, caput, da LEP).

A situação torna-se ainda mais grave diante do insuficiente número de Agentes Penitenciários na supervisão da população carcerária, como veremos adiante.

Todas essas circunstâncias contribuem para a formação de um sistema de normas de sobrevivência, não escritas, instituídas pelos próprios presos, cujo não cumprimento é punido com rigor, inclusive com morte. O médico Dráuzio Varella, que desde 1989 trabalha na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), com mais de 7200 presos, em sua obra Estação Carandiru[49], comenta sobre o assunto:

"... Em cativeiro, os homens, como os demais grandes primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos), criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. Esse processo adaptativo é regido por um código penal não escrito, como na tradição anglo-saxônica, cujas leis são aplicadas com extremo rigor... Pagar a dívida assumida, nunca delatar o companheiro, respeitar a visita alheia, não cobiçar a mulher do próximo, exercer a solidariedade e o altruísmo recíproco, conferem dignidade ao homem preso. O desrespeito é punido com desprezo social, castigo físico ou pena de morte...".

Como exemplo da cruel realidade, vejamos algumas “normas” estabelecidas pelos presos da Casa de Detenção de São Paulo[50]:

Travestis: Não é permitido que bebam do mesmo copo que os demais presos nem que morem com eles. Vivem no Pavilhão 5 e são tratados como mulheres. Em dia de visita, no entanto, só podem descer ao pátio "vestidos de homem", para não "chocar" os familiares.

Informantes: Descobertos, são quase sempre punidos com a morte. A desconfiança em relação a eventuais delatores é tanta que a simples aproximação de um preso com a direção da cadeia basta para torná-lo malvisto. Os detentos que prestam serviços administrativos, por exemplo, são chamados pelos demais de KGB, numa referência à polícia secreta da antiga União Soviética.

Dívidas: O calote não é admitido na cadeia. Devedores insolventes são obrigados a pedir abrigo em ala especial do Pavilhão 5. O acerto de dívidas ocorre, em geral, às segundas-feiras, dia seguinte ao comparecimento das visitas e da entrada maciça de cigarros, a moeda da cadeia. Nessa data, os funcionários ficam em alerta máximo.

Etiqueta: São consideradas ofensas de máxima gravidade: bater no rosto de um companheiro, ofender sua mãe ou chamá-lo de pilantra (que significa "sem-vergonha" ou "sem-caráter"). Também recebe punição severa dos parceiros o preso que, durante as refeições, passa diante dos carrinhos de marmitex de camisa aberta e o que não pede licença antes de entrar na cela do outro. Ainda é proibido usar o banheiro enquanto outro preso está fazendo uma refeição.

Punição: O descumprimento de qualquer das normas é punido com surra, morte ou exílio em galeria isolada. Dívidas graves e delação merecem o castigo máximo: a pena de morte. Se o caso envolver um detento excepcionalmente respeitado, no entanto, seus companheiros podem decidir por pena menos comum: a transferência do faltoso para a ala dos evangélicos.

A observância dessas normas é fiscalizada por preso eleito entre eles, chamado de "encarregado geral da faxina", cuja função é verificar o cumprimento das regras, definindo a punição a ser aplicada.”

3.4.1 As organizações criminosas

A estrutura dos estabelecimentos penais do país, agravado pelo descaso das autoridades, traz alguns outros fatores, tais como a existência de grupos organizados, criminosos, dentro dos presídios, disputando poder e controle.

Em São Paulo, cinco organizações se destacam: Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), Comissão Democrática de Liberdade (CDL), Seita Satânica (SS) e Comando Jovem Vermelho da Criminalidade (CJVC). Entre estas, o PCC, que atua desde 1983, com 1,5 mil integrantes, é a organização criminosa mais forte do Estado, com ligações com o Comando Vermelho do Rio de Janeiro, e representantes em vários presídios.

A organização criminosa PCC, conhecida entre os presos como 15-3-3, referência à ordem no alfabeto das letras da sigla, gerada no seio da Casa de Detenção de São Paulo, foi patrocinadora e líder da maior rebelião da história do país, deflagrada simultaneamente em 29 (vinte e nove) presídios espalhados em todo o Estado de São Paulo, com a participação de quase 29 mil detentos. A sublevação durou 27 horas e foi abortada pela Polícia Militar, com a mobilização de mais de 2.000 (dois mil) soldados[51].

O Comando Vermelho – CV, criado em 1979, no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, é a mais famosa organização criminosa do sistema carcerário brasileiro e controla todo o sistema penitenciário fluminense desde o início da década de 80. E, apesar dos 22 (vinte e dois) líderes da organização estarem atualmente presos, estima-se que o CV detenha o controle de 80% do tráfico de cocaína no Estado.

Ante a omissão do Estado, de dentro da cadeia, esses grupos criminosos prestam auxílio às famílias dos condenados, acertam o financiamento de fugas, controlam o tráfico de drogas, planejam assaltos a bancos, carros-fortes e seqüestro. Estima-se que a organização criminosa PCC detenha R$ 50 milhões no caixa para financiamento de ações. O dinheiro arrecadado é utilizado para pagar funcionários e policiais corruptos, financiar novas fugas e crimes, comprar transferências para outros presídios e pagar despesas com advogados. O comércio dentro da cadeia inclui a venda de telefones celulares pelo preço de R$ 300,00 (trezentos reais) a R$ 400,00 (quatrocentos reais), alimentos proibidos por R$ 50,00 (cinqüenta reais), permissão para fazer exame médico por R$ 1000,00 (um mil reais), ligação de um celular emprestado pelo valor de R$ 10,00 (dez reais) por minuto.

As organizações criminosas acabam por prestar um auxílio às famílias dos presos que seria de responsabilidade do Estado. O art. 201, IV da CF prevê o auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda, estando também previsto nos arts. 26, I, e 80 da Lei nº 8.213/91 (Planos de Benefícios da Previdência Social). Assim como adverte o jurista Sérgio Pinto Martins, “na maioria das vezes esse benefício acaba não sendo pago à família do preso por falta de informação desta ou então pelo fato de o segurado nunca ter contribuído para o sistema.”[52]

Conforme afirmação do Desembargador Celso Luiz Limongi, do Tribunal de Justiça de São Paulo e membro de uma comissão especial de estudo sobre a questão carcerária, "a maioria dos presos quer apenas cumprir sua pena, mas é coagida a aderir a essas máfias sob ameaça de morte"[53]. Os grupos criminosos não isentam de punições nem mesmo os seus próprios integrantes.

Ainda sobre esse tema completa o juiz Walter Mqierovith, ex-presidente do Conselho Nacional de Entorpecentes: "As entidades criminosas prestam algum socorro, mas o preço disso é a eterna dependência (...) Quando sair da cadeia, esse sujeito terá que praticar todos os crimes planejados pelo bando."[54]

3.4.2 A violência

A violência é uma constante na realidade prisional, muitas vezes ligada às supracitadas organizações criminosas. Cenário de crueldade ocorreu no primeiro dia do ano de 2001, em que líderes do PCC na Penitenciária de Iaras, Estado de São Paulo, executaram quatro presos, sendo que um deles foi decapitado, teve o coração arrancado e os dedos das mãos cortados, colocando sua cabeça em cima da cama, com o coração sangrando sobre a testa.

Não há dados recentes quanto ao número de homicídios cometidos nos sistemas prisionais. O último censo penitenciário que colheu informações estatísticas sobre violência nas prisões foi o de 1994 que reportava um total de 131 homicídios entre os presos e 45 suicídios. Todavia, segundo pesquisa da Human Rights Watch[55], estima-se que este número seja substancialmente maior, chegando a contabilizar mais de 500 (quinhentos) homicídios a cada ano.

No ano de 2000 foram registradas duas rebeliões por mês e uma fuga por dia nas cadeias paulistas. Apesar de o Rio de Janeiro ter a segunda maior população carcerária do país, enfrentou apenas uma rebelião de meia hora no mesmo ano, enquanto São Paulo assistiu a mais de vinte.

Erroneamente se imagina que os motins ocorrem por simples indisciplina dos detentos. Por trás das rebeliões, normalmente, há uma série de reivindicações com o fim de se buscar melhorias no sistema carcerário como, por exemplo, pedidos de transferência para celas onde haja um espaço maior e assistência jurídica por meio de advogados para analisar seus processos.

Quanto ao problema das fugas, segundo o advogado criminalista Luís Flávio Borges D'Urso[56], membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao contrário do que parece, são percentualmente reduzidas no regime fechado – penitenciárias, casas de detenção, etc. – encerrando 12,3%, diversamente no regime semi-aberto – colônia penal agrícola ou industrial, que até pela facilidade apresenta percentual de 80,3% das fugas, contra o regime aberto – casa de albergado, com apenas 7,4% das fugas.

Outra realidade cruel que aflige as penitenciárias brasileiras é a violência sexual entre os presos. A exposição de motivos da Lei de Execução Penal alerta sobre o problema:

"Na CPI do Sistema Penitenciário salientamos que o 'dramático problema da vida sexual nas prisões não se resume na prática do homossexualismo, posto que comum. Seu aspecto mais grave está no assalto sexual, vitimador dos presos vencidos pela força de um ou mais agressores em celas superpovoadas. Trata-se de conseqüência inelutável da superlotação carcerária, já que o problema praticamente desaparece nos estabelecimentos de semiliberdade, em que se faculta aos presos saídas periódicas. Sua existência torna imperiosa a adoção de cela individual' (Diário do Congresso Nacional, Suplemento ao n. 61, de 04.06.1976, p. 9)."

Destarte, a Lei de Execução Penal prevê, em seu art. 88, que o condenado deverá ser alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Todavia, não é o que se verifica nos presídios. Drauzio Varella, em sua obra, descreve:

"... Tarde da noite, andando por esses corredores mal-assombrados, com o silêncio quebrado por uma tosse anônima, o miado de um gado, a porta que bate ao longe, entendi por que os suicídios acontecem de manhã, depois de noites de depressão ou pânico claustrofóbico, espremidos entre os outros, sem poder chorar... Seu Lupércio... diz que perdeu a conta de quantos se enforcaram nas grades das janelas, e acha que as noites ficaram mais calmas depois que permitiram as visitas íntimas. 'Antigamente era pior. O calado da noite era quebrado por gritos que ecoavam pela cadeia inteira. Em seguida, o pessoal começava a bater caneca na grade. Já era: podia o funça vim buscar que alguém tinha sido estuprado’(sic)"[57]

A despeito do depoimento acima, alguns estudiosos, entendem, que as visitas íntimas não são suficientes para reduzir ou eliminar o problema do abuso sexual, pois acreditam que o estupro nas prisões está mais relacionado com poder e dominação do que com privações sexuais:

"O estupro nas prisões é raramente um ato sexual, mas sim um ato político e de

violência e uma forma de expressar posições de poder."[58]

A violência nas prisões é uma realidade que se pode constatar não só em relação a abusos entre os presos, como, também, aqueles cometidos por policiais carcerários.

Muitas vezes o funcionário encarregado pela segurança do presídio e, portanto, em contato direto com o preso, demonstra-se insuficientemente preparado para relacionar-se adequadamente com os internos.

A falta de treinamento adequado, a má remuneração dos Agentes Penitenciários, o ambiente de permanente tensão, somam-se, ainda, a uma condição de marginalização, conforme bem explica Manoel Pedro Pimentel[59]:

"... o guarda de presídio faz parte de um grupo profissional marginalizado, porque não consegue granjear inteiramente a confiança da Administração e também não atinge a confiança do preso, embora esteja, pelas suas condições, muito mais próximo destes do que daquela."

Todas essas circunstâncias concorrem para a prática de uma série de punições não previstas em lei, incluindo, entre estas, a execução sumária de presos, não só por parte de Agentes Penitenciários, como por policiais civis e militares. Não se pode deixar de citar a chacina ocorrida em 02 de outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo – Carandiru, uma das piores tragédias ocorridas no sistema prisional brasileiro, em que 111 (cento e onze) presos foram mortos por membros da Polícia Militar. Infelizmente, o massacre no Carandiru não constitui fato isolado.

No livro "Estação Carandiru" o presidiário Dadá descreve um momento de intervenção com o fim de conter um tumulto originado por uma briga entre duas facções rivais[60]:

"Um polícia abriu o guichezinho da porta, enfiou a metralhadora e gritou: Surpresa, chegou o diabo para carregar vocês para o inferno! Deu duas rajadas para lá e para cá. Encheu o barraco de fumaça, maior cheirão de pólvora. Só fui perceber que estava vivo quando senti um quente pingando nas costas. Era sangue, na hora até pensei que fosse meu. Olhei para os parceiros, tudo esfumaçado, furado de bala, pondo sangue pela boca. Morreram onze, escapei só eu, com um tiro de raspão no pescoço, e um companheiro do Cohab de Itaquera, ó, ileso, maior sorte." (sic)

 

3.4.3 A Superlotação

 

Um problema dos mais graves diz respeito à superlotação dos presídios. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)[61] há, no Brasil, um déficit de mais de 135.000 vagas. São 366.359 presos em todo o país, desses, 262.710 cumprem pena em penitenciárias sob condições precárias, ocorrendo, em média, duas rebeliões e três fugas por dia.

São 345.000 mandados de prisão expedidos e não cumpridos, em um país onde são praticados mais de um milhão de crimes por ano.

No ano de 2005, o DEPEN informou, também, que o Brasil possui 175 estabelecimentos prisionais em situação precária, havendo a necessidade de se construir mais, no mínimo, 130 prisões, com o fim de se resolver a problemática da superlotação. O grande óbice reside no fato de que cada um desses estabelecimentos custariaem média US$ 15 milhões.

O Brasil é o país da América Latina com a maior população carcerária e com o maior déficit de vagas no sistema penitenciário. Atrás do nosso país está o México com 151.724 presos e um déficit de “somente” 38.214 vagas, números estes bem mais animadores do que os do Brasil. Em terceiro lugar desse ranking estão Colômbia e Chile, com um déficit de 8.074 vagas para um total de 39.985 presos. (Dados colhidos junto à Fundação Internacional Penal e Penitenciária[62])

Conforme a Lei de Execução Penal brasileira, um espaço de seis metros quadrados deve ser reservado a cada detento do sistema prisional. Porém, a realidade não é bem essa, como exemplo podemos citar a situação em presídios de Belo Horizonte (MG), onde, de acordo com a Fundação Joaquim Nabuco[63], condenados cumprem pena em espaços de 30 (trinta) centímetros quadrados. É comum, em estabelecimentos penitenciários pelo Brasil, presos se revezarem para dormir, ou, até mesmo, amarrarem seus corpos às grades da cela, uma vez que o espaço interno da cela não permite que todos se deitem no chão ao mesmo tempo.

Portanto, a superlotação é o mais grave e crônico problema que aflige o sistema prisional brasileiro, haja vista destruir qualquer técnica de ressocialização que se tente implementar, além de causar a morte de detentos por meio da propagação de doenças contagiosas, tal como a tuberculose.

3.4.4 O Agente Penitenciário

 

Talvez, a mais importante das funções no interior de um presídio seja a do Agente Penitenciário, haja vista ser ele que detém as funções de atendimento, vigilância, custódia, guarda, assistência e orientação do apenado.

Este cargo tão essencial tem, ainda, a competência de zelar pela disciplina dentro dos estabelecimentos prisionais, por meio da elaboração de relatórios direcionados aos superiores sobre as ocorrências no presídio, além do registro e revista de entrada e saída de pessoas e viaturas dos estabelecimentos, realização da contagem diária de detentos, vigilância dos internos dentro e fora de suas celas, dentre outras.

Tal poder disciplinar objetiva a manutenção da ordem dentro dos presídios. Para isso, os Agentes tem o poder de aplicar, dentro da esfera administrativa, castigos disciplinares. Esses castigos têm a função de corrigir os desvios, devendo, portanto, serem essencialmente corretivos. Desse modo, o Estado, a rigor, deveria funcionar através dos Agentes Penitenciários, os quais seriam vistos como parâmetro de comportamento. No entanto, é nesse ponto que se encontra a origem do problema.

A inobservância das regras é o que permite ao Estado aplicar a penalidade disciplinar. Mas, quando o próprio representante do Estado foge à regra, não dando o exemplo correto, abre o parâmetro para que outros assim também o façam.

A corrupção envolvendo os Agentes Penitenciários é coisa das mais comuns. São eles, responsáveis pela fiscalização dentro dos estabelecimentos prisionais, os apontados como grandes responsáveis pelo ingresso de aparelhos celulares, drogas e armas dentro das prisões.

O sucesso do poder disciplinar exercido pelo Estado pressupõe o cumprimento das regras por ele estabelecidas. A decomposição destas normas, por parte de agentes penitenciários, toma os detentos ao mesmo processo.   

 

 

 

 

 

3.4.5 A saúde pública no sistema prisional brasileiro

 

Cerca de 1/3 da população carcerária nacional é portadora do vírus HIV, é o que apontou o último Censo Penitenciário Nacional, realizado no ano de 1994.

Tal estatística está vinculada ao crescente aumento e à freqüência das práticas de risco no interior dos presídios, mais comumente ligadas ao uso de drogas e à prática de múltiplas relações sexuais não protegidas.

O agravante está no descaso das autoridades, uma vez que a grande maioria dos presídios brasileiros não dispõe de serviços de saúde adequados[64]. As atividades de prevenção e assistência não têm continuidade, têm baixa cobertura e contam com um número ínfimo de profissionais para exercê-las. Não é somente a falta de recursos, mas a instabilidade dos quadros, a ausência de estruturas sustentáveis de educação para a saúde, além da pouca articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS) e outras instituições que conduzem a essa realidade.

Enquanto que o uso de drogas injetáveis é responsável por aproximadamente 1/4 da epidemia da AIDS no país, no sistema penitenciário este número é bem maio. São cerca de 52% os usuários de drogas injetáveis portadores de HIV, sendo que o número de usuários de agulhas e seringas compartilhadas é algo em torno de 60%.

Porém, não é só a AIDS que assola o sistema carcerário, a superlotação tem causado a propagação de microbactérias altamente resistentes na população de presidiários, o que tem causado o aumento dos casos de tuberculose pulmonar, levando, até mesmo, à características de epidemia. À par dessa situação, o Programa de Prevenção da AIDS das Nações Unidas (UNAIDS), que trata dos presídios como locais ideais para a propagação do vírus HIV e da tuberculose pulmonar, vem alertando ano a ano as autoridades brasileiras para que tomem medidas preventivas, evitando-se, assim, maiores índices de contaminação.

O HIV, além de todo o mal que pode causar, é o principal fator de risco para a progressão da infecção por tuberculose. Esta doença representa uma grande ameaça, pois o seu controle nas prisões é essencial para que seja controlada no ambiente externo, já que os detentos se relacionam com a comunidade de fora, por isso as penitenciárias são importantes na origem e transmissão da tuberculose.

Muito embora a tuberculose seja considerada uma doença controlável, tal moléstia é responsável pela ocorrência de 5.000 (cinco mil) mortes por ano no Brasil. Mais da metade dos casos de incidência da tuberculose estão relacionados com o sistema prisional. 

3.4.6 As rebeliões

 

Há um fenômeno que se coloca hoje como um grande denunciador do embaraçoso sistema carcerário brasileiro: as rebeliões. Estas acontecem, atualmente, como denunciadoras de uma organização social insustentável e revelam, ainda, a fragilidade das políticas públicas relativas à administração carcerária.

Como ilustração comparativa, mencionamos o registro de Eitzen e Timmer[65] de que rebeliões violentas de prisioneiros contra as autoridades penitenciárias foram numerosas no decorrer da história norte-americana. Sabe-se que ocorreram, no mínimo, 400 levantes em prisões, entre 1855 e 1955. Tais levantes foram espontâneos, em alguns casos, e organizados, em outros, e suas causas foram variadas. Quase sempre, os motins aconteceram visando a dramatizar as demandas dos prisioneiros por transformações nas condições em que estavam: melhores alimentação e assistência médica, melhores condições de recreação/lazer, trabalho produtivo, redução da superlotação, melhoria nas condições sanitárias, oportunidades educacionais mais acessíveis, restabelecimento de direitos humanos básicos e tratamento mais humano por parte dos guardas. Os autores destacam, ainda, que, nos anos 60 e 70, como reflexo da aumentada atividade política de grupos socialmente discriminados na sociedade norte-americana, muitos dos incidentes prisionais passaram a ocorrer também com a característica de contestação política às evidências de super-representação de algumas minorias entre os detentos (com destaque especial para a questão racial).

Rebeliões transformadas em novos motins, por motivos aparentemente fúteis, no sentido de que uma negociação se poderia estabelecer e o Estado deveria estar sendo capaz de atender a essas reivindicações, sem uso da força armada. Essas polícias militares atuam na função de castigo extra, como uma condenação suplementar à condenação que já grava sobre os detentos[66].

Em pesquisa realizada com noticiário jornalístico sobre rebeliões, no Brasil, Tavares[67] observou, através da análise de 195 ocorrências, que as rebeliões caracterizam-se por tentativas (desesperadas, e, às vezes, contraproducentes) de modificações das condições insuportáveis de:

• superlotação carcerária;

• alimentação precária e de má qualidade;

• maus tratos, torturas (envolvendo tanto funcionários quanto “detentos chefões”) e isolamentos;

• riscos à saúde;

• aumento do “custo” pessoal das exigências impostas pela corrupção no sistema carcerário;

• desmandos da direção;

• descontrole quanto ao andamento do cumprimento das penas;

• inexistência ou insuficiência de programas de recuperação para novas oportunidades de convivência e adaptação social;

• abusos e manipulações em torno do controle das visitas de parentes e amigos.

Os dados mostraram, com clareza, que as rebeliões não têm acarretado mudanças estruturais objetivas no sistema carcerário. Grande parte das rebeliões ou têm como reivindicação a transferência de presos para outros estabelecimentos prisionais ou acabamem transferências. Estaspromovem um rodízio de presos pelo sistema carcerário que modifica apenas circunstancialmente a organização social da prisão. A forma como está firmada e disposta a instituição carcerária brasileira continua a mesma após as rebeliões, na medida em que está sempre pronta para novas rebeliões, promovidas por outros presos da unidade ou por presos provenientes (por transferências) de outros estabelecimentos.

A rebelião das massas carcerárias, como fenômeno de contagiante insegurança urbana e manchetes internacionais, está se transformando em rotina desesperante e compõe uma intolerável sucessão de presentes, para usar da imagem sartreana. Já foi dito com inegável lucidez que as prisões de feição clássica constituem “erros monumentais talhados em pedra”.

As rebeliões carcerárias desde há muito tempo deixaram de ser um problema localizado, no interior dos muros, para assumirem proporção de terror comunitário quando se multiplicam as vítimas dos seqüestros impostos como condição para se efetivar garantias constitucionais e legais. Há uma nova legião de reféns nesses conflitos fabricados pela anomia e pela desesperança. Além dos guardas de presídios – os involuntários parceiros dessas rotas de fuga – a vitimidade de massa envolve outros atores: os dirigentes e técnicos dos estabelecimentos penais e os familiares dos presos. Até mesmo crianças, levadas pelas mãos calejadas das mulheres para a visita semanal, fazem parte dessa cadeia de novos flagelados da violência institucional e privada.

3.4.7 A falência das estruturas de apoio

 

Como estruturas de apoio do sistema penal e penitenciário compreendem-se os recursos e serviços para administrar os problemas relativos ao delito, ao delinqüente e às reações penais. A improbidade administrativa, a insensibilidade gerencial, a indiferença humana e a hostilidade burocrática são as coordenadas do abandono a que foram reduzidas as estruturas das Delegacias de Polícia, dos Juízos e Tribunais criminais, dos estabelecimentos e das instituições penais. E a responsabilidade por tais vícios é exclusivamente do poder político que domina a Administração Pública, diuturnamente omissa quanto à gravidade e a proliferação dos problemas e incapaz de estimular o espírito missionário de uma grande legião de operadores do Direito e da Justiça, obstinados em cumprir os seus deveres com dedicação e honestidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO    

4.1 PUNIÇÃO E VINGANÇA

 

É preciso entender, nesse ponto em estudo, que o Estado não pode se deixar levar pelo prazer de punir e pela sede de vingança. Obviamente, existe o direito de punir, que deve ser exercido nos termos da lei, sem que haja confusão com a vingança. Foucalt[68] já ensinava que “é preciso eliminar a confrontação física entre o Estado e o condenado”.

A grande problemática brasileira a esse respeito está nos costumes, uma vez que temos uma vasta história ligada à vingança do soberano e não à defesa da sociedade.

A vingança privada vem desde a época de Portugal, quando era denominada como lei da “revindicta” e transmitida aos herdeiros, permitindo que o mal causado fosse retribuído em maior proporção. Essa tradição somente teve fim no ano de 1340 quando D. Afonso IV promoveu profundas modificações na legislação portuguesa, banindo a vingança privada.

Na a época do descobrimento do Brasil, os portugueses encontraram povos indígenas sem qualquer noção de direito escrito, onde prevaleciam os costumes e as tradições. Há estudos que indicam que somente os crimes de homicídio, lesões corporais, furto, rapto, adultério da mulher e deserção eram punidos exemplarmente, o que, em muitos casos, resultava na pena de morte ao condenado[69].

A vingança extrema e aos atos desumanos podem ser demonstrados naqueles povos por meio da inexistência do instituto da prescrição, uma vez que o passar do tempo não fazia com que a punição pudesse deixar de ser aplicada.

A morte era punição comum, sendo aplicada até mesmo às crianças, quando fruto da infidelidade da mulher, onde que matava era o homem traído. O aborto também era permitido, já que era forma de vingança da mulher grávida para com o marido que a maltratava[70]. 

No entanto, os costumes indígenas não exerceram qualquer influência sobre o direito brasileiro, o qual se baseou na forma de justiça de D. Pedro I, conhecido como o Justiceiro, o que em nada se assemelhava à reforma contra a justiça privada realizada em Portugal por D. Afonso IV.

São as ordenações Filipinas, promulgadas no reinado de Felipe II, em janeiro de 1603, e que vigoraram no Brasil quanto à parte criminal por mais de dois séculos, que trouxeram com maior nitidez a luta contra a justiça privada e a vingança. Ainda assim, tais ordenações permitam a vingança em dois casos específicos: adultério, punido com a pena de morte, e perda da paz, que consistia no direito de matar o inimigo no período de tréguas, estando ele onde estivesse.

O excesso na forma de punir, ligado ao poder do soberano, só foi alterado em nosso ordenamento jurídico com o surgimento do sistema carcerário, pois nos permitiu legitimar o poder disciplinar, de forma a banir, ainda que através de método falho, a forma de punição ligada à vingança, aplicada aos corpos dos condenados.

O próprio Foucault[71] já dizia que o processo punitivo ligado à idéia de castigo, altera-se, com o sistema carcerário, em técnica penitenciária, agora ligado à idéia de adestramento.

Muitas prisões foram construídas ao redor do mundo com o intuito apontado por Foucault, onde se procura reeducar o apenado através do trabalho, instrução primária e religiosa.

No Brasil, a idéia de ressocialização e reeducação do detento surge somente no ano de 1890, com a criação do regime penitenciário de caráter correcional. Como visto, até então as penas destinavam-se somente à punição do agente, geralmente aplicada de forma cruel, voltadas ao sofrimento máximo dos sentenciados, sem qualquer preocupação com critérios de humanidade, os quais devem nortear o direito de punir.  

4.2 MEDIDA E HUMANIDADE

 

Medida e humanidade são elementos essenciais e necessários sempre que se é abordada a problemática do poder de punir. Desde o séc. XVIII já se falava em tais elementos, já que são derivados, segundo Foucault[72], de uma “economia de castigos” onde a disfunção do poder provinha de um excesso central, resultante do demasiado poder monárquico.

Quando falamos em melhorias dentro do direito criminal há, necessariamente, que se ter em mente a reforma no poder de punir, otimizando sua aplicabilidade e tornando-o mais eficaz em relação aos seus efeitos.

A história mundial é marcada pela barbaridade e atrocidades dispensadas àqueles que infringiam as regras, visto que nunca houve um instrumento que freasse a vontade geral de punir os mal-feitores. Nesse sentido Beccaria[73], em 1764, já questionava “qual o direito que os homens se reservam de trucidar seus semelhantes”. A resposta aponta para “a vontade geral, proveniente do conjunto das vontades particulares”.

Dessa maneira, a nova legislação criminal se apresenta muito mais branda no que diz respeito ao direito de punir, marcada pelo desaparecimento dos suplícios e o surgimento de uma punição velada na arte de fazer sofrer, não menos severa, porém sem a ostentação de épocas passadas.        

imizando sua aplicabilidadeem mente reito criminae do demasiado poder mon

 

4.3 PRINCÍPIO DA MODERAÇÃO DAS PENAS

 

Com os avanços da humanidade, o direito de punir transfere-se da vingança do soberano para a defesa da sociedade, o que, talvez, traz mais insegurança. Por isso mesmo, o princípio da moderação demonstra ser extremamente essencial.

Esse princípio, inicialmente conhecido como princípio da proibição do excesso, baseia-se na sensibilidade do homem razoável e não rigor da lei ou no grau de perigo do infrator. Origina-se do princípio da legalidade, existente nas doutrinas alemã e norte-americana, a partir do séc. XVIII, porém firmando-se constitucionalmente somente no séc. XIX.

Foucault, em visão originária acerca desse princípio, dizia que, in verbis:

“Para ser útil, a pena deve ser calculada não em função do delito, mas de possível reincidência. Visar não à ofensa passada, mas a desordem futura. Fazer de tal modo que o criminoso não possa ter vontade de recomeçar” [74].  

 

Já Beccaria[75] adotava como ponto de vista a tese de que se uma pena igual é aplicada a dois delitos que afetam de maneira diferente a sociedade, então não haveriam obstáculos que pudessem impedir a prática de delitos mais graves.

Por isso, não se pode dizer que a proporcionalidade das penas se destina à distribuição igual de castigo, baseada na idéia de suavização. Deve-se ter noção de que a proporcionalidade está tanto na regra da quantidade mínima como no limite da penalidade estrita. Daí dizer-se que o princípio da moderação das penas estabelece, caso a caso, a medida necessária do castigo, dando, assim, eficácia ao sistema punitivo.

A individualização das penas deve levar em consideração as características de cada fato e de cada criminoso, adotando-se uma punição ajustada, sem excessos e nem carências. Além disso, saliente-se que a aplicação de pena à menor do mínimo que se esperaria para determinado crime é tão maléfica quanto a própria não aplicação de pena, não se confundindo, portanto, com a economia calculada do poder de punir, que se destina à eficácia e não só à suavização.

Podemos perceber que o princípio da moderação das penas tem como principal característica o impedimento de abuso e arbítrio, através da aplicação de uma punição que obedeça a critérios estabelecidos pela própria sociedade, pautada na razão do homem comum.

Assim, infere-se que ao se punir na proporção exata destinada a determinado crime, haverá medida suficiente à inibição para a prática de novos crimes.

4.4 DIREITOS HUMANOS DOS PRESOS

 

Obedecendo a uma profunda lei de adequação às exigências modernas da execução penal, fundada em um processo de unificação orgânica, há, no século XX, uma profunda preocupação quanto à visão unitária dos problemas da Execução Penal. A Ciência Criminológica no passado limitava-se ao estudo científico das penas privativas de liberdade e sua execução, atualmente, compreende, também, o estudo de medidas alternativas à prisão, medidas de segurança, tratamento reeducativo e organização penitenciária[76].

A criação da Comissão Penitenciária Internacional, que se transforma na Comissão Penal e Penitenciária (1929), dá origem à elaboração das Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotadas pelo 1o Congresso da Organização das Nações Unidas – ONU, sobre a prevenção do crime e tratamento de delinqüentes, realizado em Genebra no ano de 1955, e aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU por meio da Resolução n. 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977.

Em 25 de maio de 1984, através da Resolução n. 1984 de 1947, o Conselho Econômico e Social da ONU aprova treze procedimentos para a aplicação efetivas das supracitadas Regras. A mudança de foco sobre o condenado, que durante muito tempo é objeto da Execução Penal, ocorre através do estabelecimento dos Direitos da Pessoa Humana.

Os objetivos de reformar o delinqüente e desestimular a prática de novos delitos são, portanto, objetivos que a ONU tenta atingir, e que podem se apresentar, ou não, capazes de criar a visão desejada.        

 

 

4.5 DIREITOS DO PRESIDIÁRIO NO BRASIL

 

Por sua característica de Estado Democrático de Direito, prevista na Carta Magna, o Brasil tem o dever de concretizar os direitos e deveres do preso.

Nessa esteira, conforme ensina Marcio Sotelo Felippe:

“A Lei de Execução Penal – LEP (7.210, de 11/7/84), no seu artigo 3o, garante aos encarcerados todos os direitos não atingidos pela sentença. Em outro dispositivo (artigo 46), impõe que o condenado, no início da execução da pena, seja cientificado das normas disciplinares. Em suma, essa Lei assegura ao preso o conhecimento de suas potencialidades (direitos) e limitações (deveres). Isso porque só se pode exigir uma conduta, e punir a sua negação, daqueles que tenham conhecimento prévio do dever-ser.”[77]     

O artigo 41 da Lei de Execução Penal estabelece quais são os direitos do preso, na forma que segue:

“Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei n. 10.713, de 13.8.2003)

  Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.”

Trata-se de relação de direitos específicos que se somam àqueles dos quais os sentenciados são titulares na sua própria condição de cidadãos, como o direito à vida (art. 5o, caput, CF), o direito à integridade física e moral (art. 5o, III, V, X e XLIII, CF), o direito de consciência e de convicção religiosa (art. 5o, VI, VII, VIII, CF), o direito ao sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (art. 5o, XII, CF), o direito à assistência judiciária (art. 5o, XXXIV, CF) e o direito à indenização por erro judiciário ou por prisão além do tempo fixado na sentença (art. 5o, LXXV, CF).

Além destes direitos previstos em nosso ordenamento jurídico, os sentenciados no Brasil “adquiriram” outros benefícios ao longo dos anos, que não se encontram regulamentados em lei, mas que são cumpridos na grande maioria dos estabelecimentos prisionais como se assim fossem.

A visita íntima não está regulamentada, mas, ainda assim, tem sido permitida em parte dos estabelecimentos prisionais brasileiros. A visita íntima de marido, mulher, companheiro ou companheira tem sido condicionada ao comportamento do preso, à segurança do presídio e às condições da unidade prisional sem perder der vista a preservação da saúde das pessoas envolvidas e a defesa da família. Tratada como um direito incontestável, a visita íntima tem sido apontada como elemento de grande influência na manutenção dos laços afetivos e na ressocialização do preso.

A entrega de gêneros alimentícios aos sentenciados, denominada “jumbo”, é  outro benefício que não se encontra regulamentado em nosso ordenamento jurídico mas tem sido tratado como um direito incontestável dos presos, permitida em quase toda a totalidade dos estabelecimentos prisionais brasileiros. Da parte do Estado, os sentenciados recebem quatro refeições ao dia, consistentes em café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. Ainda assim, se permite que recebam gêneros alimentícios trazidos pelas visitas, o que não só coloca em risco a segurança dos presídios – já que a grande maioria das armas e aparelhos celulares que ingressam no sistema prisional são trazidos enrustidos nestes alimentos –, mas também coloca em risco a higiene dos presídios, já que as celas não possuem dispositivos adequados para o armazenamento de alimentos perecíveis.

Em relação às mulheres, a lei assegura o direito de permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação, que atualmente é de 120 (cento e vinte) dias. As presas devem cumprir pena em presídios separados, com direito a trabalho técnico adequado à sua condição.

Já o preso estrangeiro tem os mesmos direitos que o preso brasileiro, posto que a Constituição determina que todos são iguais perante a lei. Na prática, a maior dificuldade do sentenciado estrangeiro é conseguir adquirir os benefícios do livramento condicional e indulto, porque o estrangeiro que é condenado no Brasil não pode permanecer morando no país.

Conforme já mencionado, a Lei brasileira define que deve ser reservado a cada preso do sistema penitenciário um espaço de seis metros quadrados. Condenados cumprem pena em espaços de trinta centímetros quadrados. É comum, nos estabelecimentos penitenciários brasileiros, presos se revezarem para dormir, ou amarrarem seus corpos a grades, já que o espaço interno da cela não permite que todos se deitem ao chão ao mesmo tempo.

4.6 O TRABALHO NOS PRESÍDIOS

 

O trabalho nos presídios seguiu historicamente a evolução vislumbrada na conceituação da pena privativa de liberdade e apresenta três grandes estágios. No primeiro, o trabalho era entendido como um elemento fundamental para a regeneração moral e normatização social do apenado, como uma política virtuosa e socialmente positiva.

No segundo estágio, o trabalho era entendido como elemento agravante da própria punição, justificando-se, assim, a concepção de pena de prisão com trabalhos forçados. No terceiro estágio, o trabalho prisional visa dotar o recluso de competências para que, em liberdade, ele possa desenvolver uma atividade produtiva que lhe possibilite uma vida economicamente independente e que facilite a sua reinserção social, podendo ser entendido, quer como dever, quer como um direito do recluso[78].

O trabalho prisional, dentro de uma visão mais realista, passa a desempenhar dois papéis distintos, embora totalmente interligados. De um lado, ele serve para reduzir os conflitos do recluso durante o tempo em que está preso, visando, principalmente, minorar os efeitos prejudiciais do estabelecimento sobre esse preso. De outro lado, o trabalho pretende contribuir para a sua real ressocialização, embora reconhecendo que nem sempre isso é possível.

Para Foucault[79], em sua concepção primitiva, o trabalho dentro das prisões não objetivava profissionalizar o indivíduo, mas sim ensinar a própria virtude do trabalho. Para ele, a utilidade do trabalho penal não era o lucro, nem a profissionalização, mas a constituição de uma relação de poder de uma forma econômica vazia, de um esquema de submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção.

Dessa forma, não se procurava reeducar o delinqüente, mas sim agrupa-lo, rotulá-lo e utiliza-lo como instrumento econômico ou político.

O trabalho penitenciário propunha-se, inicialmente, mais à proteção social e à vingança pública do que a outro fim, onde os prisioneiros eram remetidos aos trabalhos mais penosos e insalubres.

Com o advento do iluminismo e o desenvolvimento industrial, com sua exigência por um mercado de mão de obra livre, as penas centradas no trabalho obrigatório diminuem. Paralelamente, desponta cada vez mais preocupação com os direitos humanos. Atualmente, estão proibidos em praticamente todo o mundo os trabalhos forçados como pena. Sendo a loborterapia considerada como uma eficaz ferramenta para a reintegração social.

A laborterapia do recluso deve servir como instrumento de auxílio na aquisição de uma capacidade geral de reintegração na comunidade. Sem dúvida, a laborterapia é uma das formas de reinserção social do recluso, contanto que dela não se faça uma forma vil de escravatura e violenta exploração do homem pelo homem, principalmente do homem enclausurado. O trabalho na prisão deve apoiar-se em um tripé, ou ser visto sob um tríplice aspecto: o ético, o penal e o econômico. Em se tratando do ponto de vista ético, nada melhor do que ocupar o homem, para que não se leve a pensar besteiras, já que “a mente desocupada é a oficina do diabo”. O ócio é, sem dúvida, o pior dos males que o sistema fechado causa ao condenado. Da mesma forma que a necessidade, dizem, é a mãe de todos os males, o ócio é, por certo, o pai[80].

Os limites e as dificuldades para se organizar as prisões, tendo como eixo de sustentação o trabalho dos presos, mostram os entraves em se tentar transformar as prisões em fábricas, em unidades de produção e auto-sustentação econômica. Discute-se o papel essencialmente disciplinar que o trabalho dos presos desempenha no interior das prisões, sendo fundamental para a manutenção da ordem interna, haja vista que a pretensa função regeneradora ou ressocializadora encontra obstáculos nas características de funcionamento da prisão e nas funções que esta tem na sociedade moderna.

O trabalho faz parte do interesse da maioria dos presos, sendo direito seu trabalhar enquanto do cumprimento da pena, cabendo às autoridades competentes nada mais que providenciar meios para sua implantação. Tal premissa decorre do fato de que embora faça parte das determinações legais, os estabelecimentos penais não desenvolvem uma política de trabalho que ofereça oportunidade a todos, sendo que, nas penitenciárias femininas, é possível se visualizar muito mais tal medida.       

A remuneração do trabalho viria de acordo com cada estabelecimento prisional, apesar de o texto legal determinar que os presos devam receber três quartos do salário mínimo. Algumas das oficinas desenvolvidas nos estabelecimentos prisionais remuneram de acordo com a produção, e a quantia recebida fica situada muito abaixo do valor determinado em lei, mesmo quando do trabalho em hora extra.

Sendo assim, o trabalho dos presos melhora o ambiente nas penitenciárias, facilitando sua administração, além disso, promove uma ocupação produtiva do tempo ocioso, auxiliando na reintegração e ressocialização, bem como proporcionando renda extra ao preso e à sua família.

 

 

4.7 POLÍTICAS PÚBLICAS E SISTEMA PENITENCIÁRIO

A falta de políticas públicas impede a construção de penitenciárias para a devida execução penal e, consequentemente, para que se possa proporcionar melhores condições de vida ao preso.

No Brasil, apesar das conquistas sociais da Constituição Federal de 1934, o Estado do Bem-Estar Social não chegou a se implantar no país, bem como no restante da América Latina e, segundo Streck[81] o Brasil seria “um monumento à negligência social”.

Ao compartilhar desta idéia, Bonavides[82] assinala que socialmente, o Brasil é o País mais injusto do mundo; por um paradoxo, sua riqueza fez seu povo mais pobre e suas elites mais ricas numa proporção de desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todos os países.

As políticas de segurança pública e, neste campo, as políticas destinadas à questão penitenciária têm por caracterização uma política neoliberal em seu último grau de consolidação. As políticas sociais e, consequentemente, penitenciárias, neste contexto, não prescindem da mesma orientação de precarização, focalização e socorro aos mais carentes.

Esse socorro não quer dizer proporcionar autonomia, inclusão, pelo contrário, visa à manutenção da situação tal como se encontra, atendendo cirurgicamente apenas o foco da carência, excetua-se reprimir suas causas e decorrências.

Dessa maneira, a execução penal estará subordinada aos princípios neoliberais, a massa carcerária neste contexto é personificada como grupo marginal carente para o qual deve-se destinar medidas imediatas que atendam às necessidades mais prementes.

Por se tratar de uma minoria improdutiva, não há como prestar a contrapartida dos serviços que lhe são prestados pelos programas públicos, por isso os condenados ficam a mercê da caridade do Estado.

A efetivação da Lei de Execução Penal depende diretamente do financiamento do Estado, o qual, por sua vez, prioriza recursos para parcelas mais significativas de eleitores, o que não é o caso do presidiário, já que ele tem os seus direitos políticos cassados com a condenação.

A política penitenciária tem seu discurso apoiado na Lei de Execução Penal, a qual prescreve a garantia e atribui ao Estado a responsabilidade de promover todo o aparato necessário à efetiva ressocialização do preso, resgatando sua cidadania. Isso significa resgatar suas condições de cidadão, as quais, necessariamente, passam pelo direito à dignidade moral, social, política e econômica.

Desse modo, ante a ausência de políticas sérias e investimentos no sistema penitenciário brasileiro, as velhas e insalubres instalações penitenciárias, além daquelas superlotadas, efetivamente não atingem o desiderato último da pena que é a ressocialização do indivíduo, o qual, na maioria das vezes, sequer era socializado e sempre foi excluído socialmente pelo poder público.

Segundo Leal[83], não se pode ensinar no cativeiro a viver em liberdade, descabendo cogitar-se de ressocializar quem de regra nem sequer foi antes socializado.

Na atualidade nacional, recolhem-se os presos a locais piores que os calabouços antigos, aglomeram-se pessoas em cubículos e retira-lhes a dignidade.

De fato, a reforma penitenciária nacional deve iniciar pela arquitetura das prisões, conforme assinala Mirabete[84]:

 

“Já se tem afirmado que uma autêntica reforma penitenciária deve começar pela arquitetura das prisões. Entretanto, nos dias de hoje, no recinto das prisões, respira-se um ar de constrangimento, repressão e verdadeiro terror, agravado pela arquitetura dos velhos presídios em que há confinamento de vários presos em celas pequenas, úmidas, de tetos elevados e escassas luminosidade e ventilação, num ambiente que facilita não só o homossexualismo como o assalto sexual.”

 

A arquitetura de velhos presídios e cadeias públicas espalhados pelo país, efetivamente não se difere de um zoológico (as grades, o confinamento), com celas superlotadas de seres humanos em piores condições que os animais habitantes das jaulas do próprio zoológico, sem individualidade, respeito e subjugados aos presos mais fortes.

4.7.1 Investimentos na carreira de agente penitenciário

A problemática envolvendo o agente penitenciário foi abordada no capítulo pertinente, agora cumpre-nos demonstrar como o Estado pode resolvê-la.

  Muito já vem sendo feito pelo governo brasileiro, no intuito de selecionar profissionais habilitados o Ministério da Justiça, em 2005, publicou a realização de concurso público para o provimento de vagas no cargo de agente penitenciário federal[85], com remuneração inicial de R$ 2.627,87. Foram inscritos 136 candidatos para cada vaga oferecida.

Os Estados devem, também, investir na carreira de agente penitenciário, uma vez que é ele quem funciona como educador, ditando o padrão de comportamento a seguido pelos presos. Hoje,em muitos Estadosbrasileiros, os agentes penitenciários sequer são submetidos à avaliação e ao acompanhamento psicológico.

Visualizemos, então, um exemplo prático: no Estado de São Paulo está localizado o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, neste estabelecimento os agentes penitenciários tiveram treinamento específico na Academia Penitenciária. Receberam instruções de como proceder no convívio com líderes de facções criminosas, e até um uniforme foi criado especialmente para estes funcionários, diferenciando-os visualmente dos presos, o que não acontece em muitos estabelecimentos prisionais brasileiros. O resultado não poderia ser melhor. Até mesmo os detentos elogiam o comportamento destes agentes penitenciários, que realizaram algo até então pouco visto em um presídio brasileiro: evitaram o ingresso de aparelhos celulares, drogas e armas no estabelecimento[86].

Portanto, a valorização da carreira de agente penitenciário é pressuposto básico para se pensar em algum sucesso do sistema prisional brasileiro. Em nada adiantará a construção de novos presídios sem a melhora da qualidade destes funcionários.

Assim, salienta Porto[87]:

“Como é sabido, é a partir do bom exemplo que se opera a transformação dos indivíduos. Este exemplo, dentro dos presídios, deve partir do comportamento dos agentes penitenciários”.  

4.8 O RESPEITO À INDIVIDUALIDADE DO DETENTO

 

Ao ingressar em um presídio brasileiro, o sentenciado é “despido de sua aparência usual”[88]. É despojado de seus pertences pessoais, recebendo um uniforme padronizado, o qual é obrigado a utilizar. Seu nome é substituído por um número, denominado matrícula. O seu cabelo é raspado. É privado de toda e qualquer comodidade material, recebendo somente o necessário para a sua higiene pessoal. Por fim, é informado das normas do estabelecimento e das conseqüências do seu descumprimento.

Dessa forma, ao longo do estudo realizado, podemos perceber que um dos instrumentos mais importante para o processo de humanização do sistema prisional brasileiro é o respeito à individualidade do preso. Nesse sentido, a Resolução CNPCP n. 14, de 11 de novembro de 1994, que trata das regras mínimas para tratamento do preso no Brasil, em seu art. 3o, estabelece que:

“Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal”.

Erwing Goffman, em sua obra intitulada “Manicômios, Prisões e Conventos”, já demonstrava, muito sabiamente, o caráter arrasador das “instituições totais”, aí se enquadrando os presídios, quando desconsideram a personalidade de cada um dos internos (presos), englobando-os como se fossem todos iguais, possuindo, por isso, as mesmas necessidades.   

Segundo o referido autor:

"uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.”[89]

A doutrina de Goffman, quando da análise das instituições fechadas (totais), é muito coerente ao expor que a administração dos presídios se baseia em aspetos da natureza geral dos internos, sendo aí que reside grande parte dos conflitos desses dois grupos (administração e internos).

O que o autor quer nos explicar é que os administradores não podem se prender a aspectos gerais de comportamento dos presidiários, ou seja, aos estereótipos, já aguardando, assim, determinados comportamentos. Eles devem sim, respeitar a individualidade de cada preso, fazendo com que esses se sintam à vontade em relação a si mesmos, já que podem ser verificadas definições não previstas da situação.

Demonstrando o conflito que existe na sistematização das ações de toda e qualquer pessoa que esteja internada em um estabelecimento social, tal como a prisão, Goffman aduz que:

“Ora, se qualquer estabelecimento social pode ser considerado como um lugar onde sistematicamente surgem suposições a respeito do eu, podemos ir adiante e considerar que é um local onde tais suposições são sistematicamente enfrentadas pelo participante. Adiantar-se nas atividades prescritas, ou delas participar segundo formas não-prescritas ou por objetivos não-prescritos, é afastar-se do eu oficial e do mundo oficialmente disponível para ele. Prescrever uma atividade é prescrever um mundo; eludir uma prescrição pode ser eludir uma identidade.”[90]     

Dessa maneira, quando existem atividades pré-estabelecidas voltadas para indivíduos em geral, haja vista a consonância de comportamento, há também a perda da identidade destes indivíduos.

É nesse contexto que surgem os problemas, já que os apenados que não cooperam com a instituição passam a desenvolver um “ajustamento secundário” que, segundo o autor, é o emprego de meios ilícitos para se escapar do dever ser, ou daquilo que a organização supõe que se deve fazer ou obter.

 

“Os ajustamentos secundários representam formas pelas quais o indivíduo se isola do papel e do eu que a instituição admite para ele.”[91] 

 

Assim, se os estabelecimentos prisionais não dão espaço para o desenvolvimento da personalidade de cada um dos apenados, estes indivíduos quebrarão as regras para que possam se ver livres de toda a sistematização imposta.

Para a humanização da pena é fundamental o respeito à individualidade do detento, estimulando-lhe a autoconfiança e mostrando que ele é capaz para fazer algo positivo. Com isso, é certo que estará sendo dispensado ao preso um tratamento digno em todos os sentidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Após o estudo apresentado, a primeira conclusão a que chegamos é o quão distante o sistema prisional brasileiro está do ideal humanitário. Mudanças radicais se fazem necessárias e urgentes, pois, a cada dia que se passa, a revolta humana só tende a aumentar nessas instituições. Ocorre a necessidade de modernização da arquitetura penitenciária, melhoria de assistência médica, psicológica e social, ampliação dos projetos visando o trabalho do preso e a ocupação de sua mente e do seu espírito, preparo dos agentes penitenciários, acompanhamento na reintegração social do detento, dentre outras medidas para que as mudanças possam ter início.

O princípio da dignidade da pessoa humana deve sempre pautar as atividades voltadas para o sistema penitenciário, haja vista ser ele medida assecuratória da obrigação do Estado em garantir à pessoa humana um patamar mínimo de recursos, capaz de prover-lhe a subsistência.

Ademais, este princípio garante também o reconhecimento de que o indivíduo há de constituir o objetivo primacial da ordem jurídica. Dito fundamental, o princípio – cuja função de diretriz hermenêutica lhe é irrecusável – traduz a repulsa constitucional às práticas, imputáveis aos poderes públicos ou aos particulares, que visem a expor o ser humano, enquanto tal, em posição de desigualdade perante os demais, a desconsiderá-lo como pessoa, reduzindo-o à condição de coisa, ou ainda a privá-lo dos meios necessários à sua manutenção.          

Sendo assim, foram demonstradas algumas medidas que são de grande valia para que o detento possa se ocupar exclusivamente do cumprimento de sua pena, sem que tenha agredida a sua dignidade, o que faz com que ele se volte para a perpetuação do crime.

Dentre tais medidas, as que demonstram ser, em um primeiro momento, mais eficazes são aquelas que dizem respeito ao trabalho, à preparação dos agentes penitenciários e ao respeito à individualidade do detento.

O trabalho obrigatório nos presídios é uma tendência mundial que precisa ser assimilada pelo ordenamento brasileiro, uma vez que é indispensável ao sucesso de qualquer processo de ressocialização. Dessa maneira, o detento, hoje ocioso, poderá contribuir de forma positiva para a produção laboral e para o aumento de sua própria auto-estima.

Não se concebe a humanização do sistema penitenciário sem investimentos a nível de recursos humanos. Nesse ponto, o que se tem de mais importante é a participação efetiva do agente penitenciário e, para tanto, é fundamental que o Estado priorize a sua adequada formação. Contudo, é importante também que sejam necessariamente cumpridos os termos legais, no intuito de, factualmente, punir os delitos cometidos por tais agentes, haja vista serem eles, hoje, os maiores responsáveis pelo municiamento dos presos.

Por fim, e não menos importante, temos o respeito à individualidade do detento. Ao ingressar em um presídio brasileiro ocorre com o preso o que chamamos de perda da subjetividade, haja vista haver a desprogramação do indivíduo, com a perda de sua identidade. O intuito é torná-lo apto a um novo mecanismo de reprogramação, agora baseado em regras de enquadramento, adestramento e de padronização.

Ao determinar ao sentenciado uma rotina diária a ser seguida, pretende-se uma renúncia à própria vontade e ao desejo. Este sistema, denominado por Goffman[92] pasteurização do indivíduo, consiste na perda e na anulação da singularidade. É nesse ponto que reside o “perigo”, pois há a revolta por parte do preso, que parte para uma verdadeira guerra contra essa repressão, resultando em rebeliões, mortes e fugas.   

Portanto, as prisões brasileiras perderam o seu papel exigido, de aparelho transformador de indivíduos. A prisão não foi criada tão-somente como forma de privação da liberdade. A sua razão de existir, desde o início, sempre esteve ligada à função técnica de correção, juntamente com o castigo. A perda da liberdade do sentenciado foi a forma encontrada para implementar esta técnica que tem a função primordial de legitimação da ordem vigente e da manutenção da estabilidade e da paz.

A solidão, o confinamento sempre foram tidos como instrumentos de reforma dos sentenciados. Deveriam ser utilizados para gerar a reflexão, o remorso pelos crimes cometidos. O isolamento asseguraria ao Estado condições propícias a exercícios de bons hábitos de sociabilidade, o que no Brasil não vem ocorrendo.

A técnica penitenciária brasileira se afastou de seu caráter terapêutico. Os mecanismos e os efeitos da prisão se difundiram ao longo dos anos, e a privação da liberdade deixou de comportar um projeto técnico.

Essa problemática seria facilmente superada se o princípio da dignidade da pessoa humana pautasse a atividade estatal, nesse sentido vale destacar o posicionamento do Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ao apresentar o Relatório da situação do sistema prisional brasileiro[93]:

 

“A outra premissa é ter o princípio da dignidade humana como condição indispensável para que o sistema prisional exerça sua função. O que se pode esperar de um ser humano – que não perde essa condição a despeito de ter cometido crime, amontoado em masmorras fétidas, submetidos à tortura, à toda a sorte de humilhações e maus-tratos, transformado em refém do crime organizado?

Que exemplo a sociedade e o Estado estamos dando aos presos se não respeitamos seus direitos fundamentais e lhe negamos acesso à justiça? O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, deputado Geraldo Moreira, ilustrou essa situação de forma dramática ao afirmar que “a sociedade, por meio do Estado, está financiando o embrutecimento, fabricando monstros”.

É essencial oferecer valores humanos como referências para a comunidade prisional. Cumprir as leis de execução penal, garantindo assistência judiciária, com a contratação de mais defensores públicos; aplicar as penas alternativas para infrações menos ofensivas; criar meios para a justiça restaurativa e a remissão de

penas por educação e trabalho, concorrendo para a reinserção do futuro egresso na sociedade.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

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THOMPSON, Augusto. A Questão penitenciária. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.

ANEXO I – RELATÓRIO: SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.

 

 

RELATÓRIO

 

 

 

 

SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL  BRASILEIRO

 

 

 

 

 

Síntese de videoconferência nacional realizada pela

Comissão de Direitos Humanos e Minorias

Câmara dos Deputados em parceria com a Pastoral

Carcerária - CNBB

Com relatos das Comissões de Direitos Humanos das

Assembléias Legislativas,

Pastoral Carcerária - CNBB e outras entidades

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Brasília, julho de 2006

SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

 

Síntese de videoconferência nacional realizada pela

 

Comissão de Direitos Humanos e Minorias

 

Câmara dos Deputados

 

Com relatos das Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas, Pastoral Carcerária – CNBB e outras entidades

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Agradecimento

A todos os colaboradores que nos enviaram relatórios estaduais, dados e outras informações, contribuindo para a produção deste documento. Especialmente, agradecemos o empenho das Comissões Pastorais Carcerárias e a seu coordenador nacional, Padre Gunter Alois Zgubic, pela valiosa cooperação.

 

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Advertência

A importância deste Relatório está no diagnóstico que faz da situação prisional em 17 Estados e nas soluções que propõe. Os dados estatísticos incluídos são de responsabilidade das entidades que os encaminharam, podendo ocorrer inconsistências em alguns desses dados, tendo em vista a mobilidade inerente aos mesmos e dificuldades de acesso a informações oficiais em certos casos. Para a análise estatística do sistema prisional brasileiro, recomendamos recorrer aos indicadores do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

APRESENTAÇÃO

 

 

“Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”

NELSON MANDELA – Long Walk to Freedon, Little Brown,

Lodres: 1994.

Ao apresentar este relatório à sociedade brasileira e ao Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) vem se somar ao esforço no sentido de estabelecer um diagnóstico objetivo e de propor soluções de alcance emergencial e estrutural para o sistema prisional brasileiro.

Não se pretende revelar situações desconhecidas nem expressar-se em modelos acadêmicos. Aqui se oferece uma visão compartilhada do problema, a partir do olhar de agentes públicos, militantes sociais e religiosos ligados aos direitos humanos de 16 Estados e do Distrito Federal. Trata-se de um documento comprometido com os princípios e padrões ratificados pelo Brasil em instrumentos internacionais e na legislação interna. Seus autores, quer atuem no poder público quer na sociedade civil, têm em comum o efetivo conhecimento da realidade dos cárceres brasileiros. São deputados das Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas, voluntários das Comissões Pastorais Carcerárias e de outras organizações de direitos humanos que têm convivido com a comunidade prisional, as famílias dos presos, os agentes penitenciários e autoridades públicas gestoras dessas instituições.

Estes colaboradores se uniram para produzir o relatório a partir de uma videoconferência, no dia 19 de junho de 2006, com Assembléias Legislativas de 17 Estados integradas na comunidade virtual do Legislativo – Interlegis. O encontro foi coordenado de Brasília por este presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). Também participaram de Brasília as representantes do Departamento Nacional de Política Criminal e Penitenciária Dras. Hebe Teixeira e Arieny Carneiro, além de representantes do Fórum de

Entidades Nacionais de Direitos Humanos, Movimento Nacional de Direitos

Humanos e assessores da CDHM. Essas entidades foram representadas tambémem diferentes Estados.

A videoconferência foi seguida do envio de outros documentos e relatórios. O

conjunto dessas informações passou, então, por uma síntese realizada pela equipe da CDHM, que foi objeto de nossa análise e comentário no texto de abertura.  Assim foi produzido a versão que ora apresentamos.

Trata-se de uma contribuição oferecida num momento de crise aguda do sistema prisional. As rebeliões de internos adultos e adolescentes, que de tão corriqueiras já sequer chamam a atenção da sociedade, esgotam-se como mecanismo de pressão e obtenção de visibilidade. Como afirmou na videoconferência o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, deputado Pedro Teruel, “as rebeliões agora partem de dentro mas ocorrem principalmente fora das prisões”.

De fato, o transbordamento dos muros das prisões para ganhar as ruas é uma

característica das rebeliões atuais, cujo marco de referência foi a onda de violência iniciada pelo PCCem São Pauloem fins de maio último, seguida de cerca de 500 homicídios até agora não esclarecidos. Neste começo de julho, agentes penitenciários de São Paulo vêm sendo assassinados diariamente, enquanto a penitenciária de Araraquara-SP nós dá o deprimente espetáculo de violações de direitos sem fim dos 1.500 presos onde cabem 160. As facções de criminosos engendraram, a partir das prisões, redes organizadas com ex-presos, familiares e outras pessoas submetidas à sua influência. Esse método de atuação, envolvendo numerosa população marginalizada, é potencializada por ódios decorrentes da violência e da corrupção no meio policial.

Na sociedade predomina o desprezo aos internos no sistema prisional. Não há

sensibilização suficiente para provocar a mobilização eficaz face às condições de saúde deploráveis, os ambientes superlotados, a ausência de atividades laborais e educativas. O quadro resultante, absolutamente crítico, exige respostas imediatas na forma de políticas públicas que envolvam todas as instituições responsáveis e a sociedade civil. A crise no sistema prisional não é um problema só dos presos, é um problema da sociedade. E toda a sociedade passará a sofrer o agravamento das conseqüências de sua própria omissão.

A premissa inicial na busca de soluções é ter clareza dos limites do papel do sistema prisional. Ações no ambiente interno desse sistema são necessárias mas insuficientes para dar conta do imenso desafio. É preciso investir mais no

enfrentamento das causas e menos nas conseqüências do ato criminal. Sabe-se que construir uma escola sempre evitará a construção de muitas prisões. Assim, a perspectiva de erguer mais e mais cárceres deve ser substituída pela decisão de atuar prioritariamente na prevenção do crime e na aplicação de penas alternativas.

A outra premissa é ter o princípio da dignidade humana como condição indispensável para que o sistema prisional exerça sua função. O que se pode esperar de um ser humano – que não perde essa condição a despeito de ter cometido crime, amontoado em masmorras fétidas, submetidos à tortura, à toda a sorte de humilhações e maus-tratos, transformado em refém do crime organizado? Que exemplo a sociedade e o Estado estamos dando aos presos se não respeitamos seus direitos fundamentais e lhe negamos acesso à justiça? O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, deputado Geraldo Moreira, ilustrou essa situação de forma dramática ao afirmar que “a sociedade, por meio do Estado, está financiando o embrutecimento, fabricando monstros”.

É essencial oferecer valores humanos como referências para a comunidade prisional. Cumprir as leis de execução penal, garantindo assistência judiciária, com a contratação de mais defensores públicos; aplicar as penas alternativas para infrações menos ofensivas; criar meios para a justiça restaurativa e a remissão de penas por educação e trabalho, concorrendo para a reinserção do futuro egresso na sociedade.

É preciso desmistificar as falsas soluções no sentido de recrudescer as normas de cumprimento de penas, brandidas em momentos de comoção pública por

segmentos políticos com influência nos serviços de segurança pública. Agravar penas e reduzir idade penal, impor castigos cruéis, aplicar de forma indiscriminada a Lei dos Crimes Hediondos, igualando os delinqüentes de crime único aos de alta periculosidade, essas medidas têm sido empregadas sem sucesso. Pelo contrário, o Estado de São Paulo, que vem se orientando nos últimos anos por essa política regressiva, é o Estado com a mais explosiva situação prisional de todo o país, tanto nas unidades para adultos quanto nas de internação de adolescentes da FEBEM, reprovadas por diferentes instituições internacionais de direitos humanos.

Não há possibilidade de humanizar e dar eficiência às instituições fechadas sem a ação planejada no nível dos recursos humanos. É urgente promover uma reflexão sobre o papel do agente penitenciário, definir suas responsabilidades, valorizar suas funções, dar-lhe condição de trabalho e segurança, como um dos pilares para a imediata reestruturação do sistema. Em contrapartida, deve ser cobrado o cumprimento das leis no sentido de punir delitos cometidos por esses agentes. A entrada de armas, telefones celulares e drogas, as ordens de execuções de crimes de dentro das unidades, contam freqüentemente com a participação de agentes públicos.

Salientamos, finalmente, a importância da participação da sociedade na gestão do sistema prisional, por meio de conselhos e associações que acompanhem o cotidiano das unidades. O Estado deve criar condições e estimular a atuação de organizações civis como instrumento de cidadania e defesa dos direitos humanos junto a essa população custodiada pelo Estado. Inclusive com a faculdade de acionar o poder judiciário para requerer o cumprimento de ações nos processos, como a progressão penal, o livramento por extinção de pena, iniciativas de ressocialização e para gerar trabalho e renda para os egressos.

Parafraseando Mandela, não atingiremos um padrão aceitável de direitos humanos para o nosso País sem garantir que esses direitos alcancem os homens e mulheres reclusos nas nossas prisões.

 

 

Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh

Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SITUAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NOS ESTADOS

 

 

 

 

ACRE

- Nº de vagas existentes...................................................................................1.349
- Nº efetivo de presos.......................................................................................2.363
- Nº de unidades prisionais.....................................................................................5
- Nº mandados expedidos a cumprir................................................ sem informação
- Nº de Varas e Juízes............................................................................................4
- Nº de condenados em delegacias............................................................. nenhum
- Aplicação de penas alternativas................................................... sem informação


Problemas identificados

Má qualidade da água e da comida servida aos presos.

Falta de banho de sol.

Falta de atendimento médico e odontológico, sistemático e eficiente.

Superlotação.

Falta de aplicação dos  programas de remissão das penas.

Ociosidade.


Propostas

Aumento da capacidade da estação de tratamento de água, que funciona precariamente em razão de ter sido construída para atender uma demanda infinitamente menor.

Expansão de horta e pocilga, com acompanhamento de técnicos, para orientar os presos no plantio de verduras, legumes e cereais que podem ser usados para consumo interno e vendidos para universidades, supermercados, merenda escolar, hospitais etc.

Implementação de roçado com técnicos para orientar e desenvolver a agricultura em152 hectaresde terra de unidade prisional, hoje improdutivos, onde se poderia plantar arroz, feijão, macaxeira, milho e outros produtos.

Ampliação dos açudes hoje existentes para a criação de peixes em larga escala.

Organização de "mutirão da saúde" para a realização de exames clínicos em todos os presos, visto que se constatou, convivendo na mesma cela, doentes de tuberculose, hepatite (esperando, inclusive, transplante), HPV e outras doenças não menos graves.

Ampliação da oferta de cursos de capacitação de ensino formal e qualificação profissional, aproveitando os presos com melhor desempenho para serem multiplicadores de conhecimentos. Já existem cursos de marcenaria, fábrica de bolas e panificadora.

Extradição dos estrangeiros — Os órgãos competentes deveriam assinar acordo internacional de extradição, com Bolívia e Peru, para os presos originários desses países.

Convênios na área social — A Prefeitura Municipal de Rio Branco poderia, mediante convênio, utilizar a mão-de-obra dos presos na limpeza dos espaços públicos.

Mutirão da Justiça — Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Executivo, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil — OAB/Acre, fariam, de imediato, um mutirão da justiça, objetivando analisar a situação jurídica de cada reeducando, em especial as penas vencidas e que estão prestes a vencer.

Nomeação imediata dos diretores e administradores das unidades prisionais.

Construção, reforma e ampliação do espaço físico - Dar prioridade para a questão sanitária, visto que há nos presídios fossas a céu aberto. Nota-se a necessidade de celas mais arejadas, principalmente para os doentes, para as mães com crianças menores de quatro meses. Construção de um espaço coberto e com assentos para prática religiosa. Prioridade maior a construção de melhores acomodações para o pessoal de guarda do presídio.

Melhoria da qualidade e quantidade da alimentação com acompanhamento de um profissional da área de nutrição.

AMAZONAS


Problemas Identificados

Com relação aos presídios de Manaus:

A morosidade da Justiça é  um problema crônico, que no estado do Amazonas tem a ver com a baixa produtividade do judiciário, segundo diagnóstico feito pela Fundação Getúlio Vargas a pedido do Ministério da Justiça, em 2004.

Prática de tortura no ato das prisões para obter confissões dos presos, muitos deles inocentes.

Faz três anos a Secretaria de Segurança introduz o critério de produtividade nas delegacias como prova de que se está fazendo algo contra a criminalidade. Isto tem estimulado que se forgem flagrantes de todo tipo: uns para mostrar serviço, outros para tirar proveito monetário de pequenos consumidores de droga, outros para fazer trabalhos de vingança para terceiros. Um dos resultados é a superlotação das cadeias públicas.

Em todo o sistema penitenciário é feita a revista vexatória dos familiares do presos (eles devem tirar toda a roupa para poderem entrar). Desde 2002 fala-se da necessidade de comprar equipamentos necessários para fazer a revista aos visitantes da unidade Prisional de Puraquequara e até agora não têm sido comprados.

Os "agentes de pastoral" da Igreja Católica em geral não passam por esta revista, mas isto depende dos guardas de turno. Houve uma situação na Cadeia Raimundo Vidal Pessoa em que um Padre da Igreja Católica não pôde celebrar a missa porque não quis se submeter à revista vexatória em que deveria ficar nu.

Dificuldade de acesso dos agentes de pastoral à Cadeia Pública terceirizada do Puraquequara para a celebração de missas. A CONAP, empresa encarregada da administração desta cadeia dificulta com freqüência este acesso. Parecem desconhecer esse direito do preso.

Quem administra as penitenciárias desconhece a necessidade de trabalhar o mundo interior do preso, como parte da sua ressocialização. Este trabalho se faz por meio da experiência religiosa, da expressão teatral, da leitura e escrita, estudo etc.

Falta de atividades ocupacionais na cadeia pública, porque a Lei de Execuções Penais não as prevê. Mas dada a demora para julgar os presos provisórios, deveriam introduzir na lei um dispositivo que permitisse o trabalho e o estudo nas cadeias pública e que esse tempo contasse, quando julgado, para progressão de regime.

Não há o devido atendimento às famílias que procuram os serviços da CONAP para serem atendidas. Elas ficam sob sol e chuva, aguardando atendimento. A Pastoral Carcerária teve de disponibilizar espaço físico para a confecção das carteirinhas na sua sede no centro da cidade.

A polícia de choque é que faz as revistas nas celas, quando  destroem os bens dos internos.

Existem presos do regime fechado que comandam crimes fora da penitenciária e ainda nas outras duas cadeias públicas. A SEJUS e a empresa administradora tem tratado de controlar isso até com mudança de presos para outros Estados, mas o "esquema" continua funcionando.

A SEJUS e a empresa administradora aceitam a existência de "lideranças" entre os presos (chamados também de xerifes) e dão espaço para que eles se reúnam. Precisa-se de mais clareza e de avaliação aberta deste modo de proceder com este poder intermediário, para não entregar em suas mãos a cadeia pública.

Um grande problema a administrar é o desconhecimento da "cultura carcerária", da cultura de um grupo de pessoas que tem problemas com a lei, que entendem de outra forma o "jogo social", que estão confinados em condições sub-humanas, contra as suas vontades e que estão isolados do convívio social. Esse desconhecimento provoca incompreensões, transtornos emocionais pessoais e coletivos.

Ausência de métodos de investigação sobre as movimentações desse mundo da penitenciária, cadeia pública ou presídio, que possibilite ações preventivas.
O Estado não tem programas de ressocialização dos egressos do sistema prisional.

A Secretaria de Segurança e Direitos Humanos do Estado não exerce efetivo controle sobre a atuação da empresa que administra uma penitenciária e uma cadeia públicaem Manaus. Equando a sociedade civil, o Centro dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Manaus, requerem informações sobre o contrato celebrado entre o Estado e a empresa, são tratados como intrusos. Em suma, eles não aceitam ser avaliados, dentro dos padrões da cidadania e da fiscalização pública, até para melhorarem seu desempenho.


Com relação aos presídios e delegacias do interior do Estado:

O CDH da Arquidiocese de Manaus conhece a situação de três dos sete presídios que funcionam no interior do Estado e 11 delegacias também do interior. Os presídios do interior funcionam em Maués (visitado), Itacoatiara (visitado), Manacapuru, Coari, Tefé, Tabatinga (visitado) e Parintins.

Nas delegacias não são lotados delegados de carreira, mas policiais civis ou militares que complicam muito a vida para a população civil. Os abusos de autoridade são prática corriqueira no interior do Amazonas.

Abandono por parte da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e da Secretaria de Segurança. Atendem-se prioritariamente as necessidades da capital e se esquecem as do interior. Isto pode ver-se:

Na superlotação: quantidade excessiva de presos em instalações pequenas e precárias para recebê-los, tornando a delegacia ou presídio depósitos cruéis de seres humanos. Percebe-se nestes locais a falta de investimento na manutenção predial, alimentação, em educação (a maioria dos presos não concluiu o antigo primário - 1ª a 4ª série do ensino fundamental), segundo pesquisas do CDH da Arquidiocese de Manaus.

Ausência de atividades ocupacionais para os detentos provisórios. Muitas vezes há exploração do trabalho dos presos por parte dos policiais civis: lavagem de carros, limpeza, etc. e não há contagem do tempo para progressão de regime.

Ausência do banho de sol - direito negado à maioria dos presos, pela falta de policiamento para reprimir fugas, por falta de pessoal e de muro nas delegacias. Isto traz como conseqüência doenças alérgicas e infecciosas, próprias da falta de vitamina E.

Excesso de presos provisórios -  presos não julgados por ausência do Ministério Público e do Poder Judiciário ou por falta de advogados defensores públicos. É sabido que os réus de crimes menos graves poderiam responderem liberdade. Juízese promotores não estão atentos aos altos índices de presos provisórios, algo que se complicará em 2006 em função das eleições majoritárias, já que assumem as funções de juízes e promotores eleitorais. Isso sem contar os dependentes químicos que praticam pequenos furtos ou assaltos para manterem seu vício (doença), e não são considerados doentes, mas sim malfeitores, devendo ir para a cadeia. Não existem programas governamentais para o tratamento de adictos às drogas.

Abuso de autoridade por parte de delegados (PMs e civis). Isto se agrava pela falta de comando dos diretores dos presídios, que não possuem ingerência sobre os policiais militares que atuam nas cadeias e delegacias do interior do Amazonas. Os policiais militares modificam os turnos por conta própria e não comunicam à direção dos presídios. As conseqüências desta falta de comando recaem nos presos.

Os PMs não têm preparo para tomarem conta de cadeias, delegacias e presídios (presença de tortura, abuso de autoridade, corrupção e outros crimes). No inquérito administrativo, esses policiais criminosos são transferidos de cidade, e lá continuarão suas condutas ilegais e arbitrárias.

Exploração das famílias por advogados inescrupulosos — a inexistência de defensores públicos no interior gera caos no sistema prisional. É comum, famílias, venderem suas casas, seus únicos bens, para pagarem honorários de advogados, que não cuidam ou não dão a devida atenção para os encarcerados. Muitas vezes esses advogados recebem o dinheiro e não cumprem sua parte na defesa ou elaboração e acompanhamento dos recursos judiciais. Isso vem gerando mais problemas sociais. A Defensoria Pública que é uma garantia constitucional, mas ainda está somente no papel no interior do Estado do Amazonas e na capital está sobrecarregada.

- Alimentação (a quantidade repassada é insuficiente para os presos, muitos gêneros são enlatados para resistirem à longa viajem). Não há verduras nem temperos. O número de presos aumenta, mas a quantidade de alimentos é fornecida com base em informações  por vezes defasadas, prestadas pelo delegado ou diretor do presídio, que recebe estoques para três meses. Isso dá margem para que pensemos em desvio de verbas públicas ou deslocamento de valores dessa rubrica para outros dentro do orçamento da Secretaria.

Precárias condições de higiene e limpeza. O Estado não fornece camas, colchões ou simplesmente redes. O material de limpeza e higiene pessoal, quando possível é fornecido pela família do preso (que na maioria das vezes é paupérrima), alguns comerciantes a pedido dos delegados, a Igreja Católica quando possível e outras Igrejas. Novamente se abre uma margem para especulações sobre o desvio de verbas públicas ou deslocamento de recursos financeiros para cobrir outros gastos da Secretaria. O Estado gasta muito dinheiro, administra mal e não consegue a ressocialização de ninguém.

Presença de homens e mulheres no mesmo presídio. Em Tabatinga, uma reclusa está grávida de outro interno. Embora não haja estrutura para isso, mulheres e homens ocupam o mesmo prédio. É claro que em compartimentos separados. Elas em pequeno número ocupam celas improvisadas em salas na parte administrativa, em muitos casos.

Progressão para o regime semi-aberto -— no interior não ocorre por falta de estrutura para tal, ou por convicções fechadas e ilegais dos aplicadores do direito. Em Tabatinga, a Igreja Católica já cedeu o espaço para construção de estrutura para abrigar o semi-aberto e a SEJUS, até 26/05/2006, ainda não havia se manifestado oficialmente.

Não existem instituições sócio-educativas no interior - Crianças e adolescentes ficam presas nas delegacias em celas comuns para os adultos, são algemadas e transferidas em carros policiais. A eles é dispensado o mesmo tratamento dos adultos, inclusive a mesma violência e torturas. Somente os casos mais graves (homicídios, latrocínios) são transferidos para a capital do Estado.


Propostas

Uma Lei Federal que obrigue as empresas com mais de 100 funcionários a admitir um egresso do sistema prisional, em termos semelhantes à lei que incluiu os portadores de necessidades especiais.

Criação de cooperativas para egressos do sistema prisional que possam prestar serviços ao Estado.

Estudar a fundo as motivações dos crimes e não somente as informações dos inquéritos policiais, até para incluir na re-socialização do presos o método da justiça restitutiva.

Estudar mais a "cultura carcerária" e a "cultura do preso", para poder estabelecer pautas de administração, de intervenção, de monitoramento.

Inclusão, nas leis estaduais, de educação como meio de redução da pena, na proporção de 3 para 1, isto é, a cada três dias de estudo, reduz-se um dia na pena.

O que fazer se a maioria dos criminosos estão envolvidos em problemas com drogas (tráfico, consumo)? O que fazer se muitos policiais estão também envolvidos com o tráfico de drogas e de armas?

AMAPÁ

Dados Estatísticos

- Nº de presos de acordo com DEPEN..............................................................1574
- Nº de presos de acordo com Sec. Estaduais....................................................1421
- Nº no regime aberto...........................................................................................184
- Nº no regime semi-aberto..................................................................................245
- Nº no regime fechado........................................................................................148
- Nº no regime integralmente fechado..................................................................409
- Nº de provisórios................................................................................................575
- Nº Ag. Captura...................................................................................................813
- Total................................................................................................................2.374


* Não computados os presos que se encontram cumprindo livramento condicional, penas restritivas de Direitos e os que cumprem suspensão condicional do processo.


BAHIA

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes nas Unidades Prisionais..................................................5.524
- N° de vagas existentes nas delegacias....................................................................500
- N° total de presos nas Unidades Prisionais do Estado .....................................12.254
- Nº de presos brasileiros do sexo masculino da Capital.......................................4.554
- Nº de presos estrangeiros do sexo masculino da Capital..........................................16
- Nº de presas brasileiras do sexo feminino da Capital.............................................216
- Nº de presas estrangeiras do sexo feminino da Capital..............................................3
- Nº de presos brasileiros do sexo masculino do Interior.......................................7.155
- Nº de presos estrangeiros do sexo masculino do Interior.........................................19
- Nº de presas brasileiras do sexo feminino do Interior............................................288
- Nº de presas estrangeiras do sexo feminino do Interior.............................................3
- Nº de presos em delegacias.................................................................................6.948
- Nº de Unidades prisionais da Capital........................................................................9
- N° de Unidades prisionais do Interior.....................................................................11
- N° de Delegacias...................................................................................................437
- Nº Mandados expedido a cumprir........................................................não informado
- Nº de Varas e Juízes.................................................................................................2
- Aplicação de Penas Alternativas..........................................................................614
-N° aproximado de acusados liberados por falta de
   acomodação prisionais.....................................................................................14.000


Problemas Identificados

Superlotação.

Má atuação dos agentes policias nas unidades prisionais.

Prática de revista vexatória.

Falta de autorizações para visita.

Falta de acompanhamento médico, psicológico e econômico nas unidades prisionais.

Ociosidade dos presos.

Morosidade da Justiça: existem, por exemplo 25.000 processos numa única vara em Salvador, segundo Padre Felipe, da Pastoral Carcerária de Salvador.


Propostas

Liberação imediata dos recursos contingenciados no Fundo Nacional Penitenciário (Funpen).

Fiscalização mais efetiva do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a execução penal do Poder Judiciário.

Que os recursos do Fundo Nacional Penitenciário sejam liberados não só para a construção de novos presídios, mas também para projetos de ressocialização.

Fortalecimento das Defensorias Públicas nos Estados — garantia da autonomia administrativa e financeira.

Efetiva aplicação da Lei de Execução Penal, garantindo a  individualização da pena com a participação de Comissões de Classificação Técnica para efetivar o trabalho de ressocialização.

As instituições deveriam terceirizar serviços não só para empresas, mas também para ONGs. O objetivo é reduzir custos e permitir a participação da comunidade na ressocialização.

Que o Estado estabeleça convênios com o Sistema "S" — SESC, SENAI, SENAT para profissionalização dos internos.

Criação de programas sociais que possibilitem ao egresso real integração na sociedade com acompanhamento médico, psicológico e econômico.

Criação de programas que possibilitem a formação de uma população carcerária útil e produtiva para a sociedade.

Maior agilidade no andamento dos processos judiciais. Deve haver um número maior de juízes e técnicos administrativos nas varas criminais, bem como essas varas devem ser informatizadas.

Videoconferências para audiências e julgamentos, evitando, assim, os gastos e riscos com locomoção dos detentos para o fórum.

Construção de centros de ressocialização com a participação de ONGs.

Maior utilização das penas alternativas para pequenos delitos.

Disponibilizar recursos para a implantação de conselhos das comunidades em todas as comarcas do Estado.

Ações de ressocialização

Psicossocial: viabilizar o atendimento multidisciplinar de saúde.

Orientar para a prevenção e redução dos danos causados pelo uso de drogas.

Orientar quanto ao planejamento familiar, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, à tuberculose e ao câncer.

Estimular a inserção dos filhos dos presos no sistema formal de educação.

Viabilizar a regularização da documentação básica dos presos e familiares.

Promover cursos profissionalizantes para ajudar na inserção no mercado de trabalho.

Realizar ações culturais e de lazer coordenadas durante a visita dos filhos e para as crianças que vivem com as mães no Presídio Feminino.

Estimular o fortalecimento das relações sócio-familiares, preparando o retorno do preso ao convívio social.

Saúde: O Plano Operativo Estadual de Saúde no Sistema Penitenciário do Estado da Bahia está previsto na Portaria Interministerial nº1777, de 09 de setembro de 2003, que prevê a inclusão da população penitenciária no SUS, garantindo que o direito à cidadania se efetive na perspectiva dos direitos humanos.

Educação e Cultura: As ações de educação implantadas nas Unidades Prisionais incluem: alfabetização; ensino fundamental - da 1ª à 8ª série do 1º grau.

Ensino profissionalizante - Os presos têm oportunidade de acesso ao conhecimento, transmitido de forma dinâmica e moderna, através de práticas pedagógicas construtivistas, que utilizam métodos participativos e trabalhadas as individualidades. Contam com suporte de recursos audiovisuais, como o Telecurso 2000, utilização de linguagem prática, incentivando a participação nos trabalhosem equipe. Aação de educação, além de atender aos apenados através da Escola Especial da PLB — Escola de vinculação, atende também aos filhos destes através da Escola Professor Estácio de Lima, com a parceria da Secretaria da Educação do Estado da Bahia.

Trabalho: Dentro do que estabelece a Lei de Execução Penal, são realizadas ações que motivam os presos para o trabalho, procurando minimizar os problemas dentro das penitenciárias quanto à ociosidade e a falta de perspectivas para o futuro.

Egressos: No mercado formal, o Estado arcará com o equivalente a 50% do salário do egresso e do liberado condicional, limitado a R$ 200,00, sendo o restante de responsabilidade de empresas parceiras, assim como as obrigações com os encargos sociais e o pagamento das horas extras.

Programa de Liberdade e Cidadania: visa a promoção da cidadania e geração de renda de indivíduos que se encontram presos, egressos e liberados condicionalmente, com o objetivo de apoiar o processo de retorno destas pessoas ao convívio social. Para sua operacionalização foi firmado convênio com a Secretaria de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais, cabendo à Secretaria da Justiça e Direitos Humanos, com a parceria da Fundação Don Avelar, a execução do Programa.

 

 

 

CEARÁ

Dados Estatísticos

 Nº de vagas existentes................................................................................................. 6.785
- Nº efetivo de presos...................................................................................................10.890
- Nº de Unidades prisionais..............................................................................................167
   (180 cadeias, 28 delegacias e 2 colônias)
- Nº Mandados expedidos a cumprir ...........................................................................10.000
- Percentual de detentos condenados em delegacias.......................................................10%

Problemas Identificados

Superlotação.

Deficiência de pessoal.

Militarização progressiva do sistema penitenciário.

Terceirização — há três unidades terceirizadas com um orçamento muito maior que as outras unidades e as condições não são muito diferenciadas — há problemas com licitações, desvio de verbas, entre outras irregularidades.

Não há implementação dos Conselhos de Segurança Pública e da Comunidade.


Propostas

Implementação dos Conselhos de Segurança Pública e da Comunidade para repensar a Política de Segurança Pública do Estado como Política  Pública e, dentro dela, também a problemática penitenciária, entendida como responsabilidade que diz respeito à sociedade como um todo.

DISTRITO FEDERAL

Dados estatísticos
- Nº de vagas existentes  ...............................................................  sem informação
- Nº efetivo de presos  ........................................  7.500 (SSP/DF) e 5296 (DEPEN)

Problemas identificados
Superlotação e precariedade do sistema.
Insuficiência de assistência médica e odontológica.
Deficiência na assistência judiciária.
Inadequação e insuficiência de recursos humanos.
Falta de pessoal capacitado.
Limitação dos meios de ressocialização dos detentos, ausência e/ou insuficiência de programas de re-socialização.
Há a presença constante da revista vexatória, os agentes da Pastoral Carcerária tem que se despir para serem revistados.
Ausência de privacidade para falar com os presos.
Maus tratos, humilhações e espancamentos de detentos por agentes penitenciários.

Propostas
Contratação e qualificação de pessoal, em especial agentes penitenciários e da área de saúde, afastando-se do sistema os agentes policiais.

Imposição de que a penitenciária feminina fique sob administração, guarda e educação de pessoal exclusivamente do quadro feminino.

Apuração formal das denúncias apresentadas pelos usuários do sistema e por seus familiares, com respostas fundamentadas e responsabilização dos envolvidos.

Implementação de programa permanente de ressocialização, consistente em atividades educativas, laborais, religiosas e recreativas.

Disponibilização de material de higiene pessoal, vestuário e alimentação adequada.

Autorização para utilização de objetos determinantes da individualidade pessoal.

Liberação de "banho de sol" diário para os usuários do sistema, por período razoável.

Regulamentação da visita, de forma a contemplar também os parentes que só podem exercer esse direito em finais de semana.

Proibição de que seja necessário a prova da união estável por meio de registro ou apresentação de filho comum, para fins de visita íntima.

Elaboração de regulamento disciplinar, onde contenha todos os direitos e deveres dos presos e o procedimento a ser observado em caso de seu descumprimento, bem assim com obrigação de cientificação do preso acerca de seus direitos e deveres quando do ingresso no sistema.

Adoção de meios que diminuam a superlotação carcerária, como mutirão da defensoria pública para verificar e acompanhar o estado da execução, bem assim a construção de novas unidades prisionais.

ESPÍRITO SANTO

Dados Estatísticos

Número de unidades prisionais .............................................................................15
Número de presos em delegacias .....................................................................1.500


Problemas Identificados

Desrespeito  aos familiares dos presos durante as visitas.

Tortura e espancamento.

Desrespeitos aos horários de visitas dos presidiários.

Problemas estruturais nos prédios: esgotos a céu aberto e sempre entupidos, forçando o contato dos presos com detritos, ocasionando doenças de pele e outros problemas de saúde.

Alimentação precária.

Falta de revisão nos processos criminais.

Falta de assistência de defensores públicos.

Falta de assistência médica para muitos presos doentes.

Superlotação.

Abusos por partes dos policiais militares. Em alguns prédios, há marcas de tiros que teriam sido disparados por policiais de guarda externa.

Falta de água nas unidades prisionais

A gravidade das condições carcerárias no Espírito Santo vem sendo constatada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara em visitas oficiais. As recomendações exaradas nos relatórios dessas entidades não são implementadas.


Propostas

Ampliações e reformas - Recomenda-se  que a reforma seja iniciada pelo sistema de esgoto. Recomenda-se também que as obras sejam fiscalizadas e acompanhadas, visto que já existem questionamentos sobre propostas de reformas e previsões de gastos.

Estabelecer programa de assistência judiciária gratuita, que inclua, de início, um mutirão para análise e atualização dos processos.

Melhorar a estrutura do corpo médico e disponibilizar medicamentos para os presos.

Melhorar a segurança dos presídios.

Garantir urgente o fornecimento de água em todos os presídios.

Realizar constante fiscalização no sistema de armazenamento de alimentos ofertados aos presos.

Ativação de novas guaritas visando melhorar a segurança.

Respeitar horários, estabelecer regras claras e cumpri-las quanto à visita e ao tratamento dos familiares dos presos.

Solicitar ao serviço de vigilância sanitária do Estado constantes visitas aos presídios, com emissão de relatórios, pareceres e determinações sobre as condições de saúde e higiene dos prédios e armazenamento dos alimentos.

Rever a qualidade da comida servida nos presídios, inclusive com relatórios de  nutricionistas e do serviço de vigilância sanitária.

Fazer levantamento de processos administrativos, inquéritos e denúncias  formais que envolvem agentes penitenciários e policiais, agilizando o julgamento dos que estão sem tramitação e aplicação das disciplinas indicadas para  cada caso. Especialmente nos casos de tortura e espancamento.

Evitar contato de presos de outros estados.

Melhor fiscalização dos bloqueadores de celulares.

Contratação de novos agentes penitenciários.

Desenvolver atividades de terapia ocupacional obrigatória.

MINAS GERAIS

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes..............................................................................8.312
- Nº efetivo de presos................................................................................18.809
- Nº de Unidades prisionais..............................................................................28


Problemas Identificados

Falta de infra-estrutura adequada nas instalações das delegacias.

Superlotação.

Falta de assistência judiciária aos presos. Não há Defensoria Pública em todos os municípios. Onde há, funciona de forma precária, sem número de suficiente de defensores. O motivo desta deficiência é a constante perda dos quadros da Defensoria para outros órgãos, tais como o Ministério Público e o Poder Judiciário, onde os salários são mais atrativos.

Falta ou escassez de assistência médica, odontológica e psicológica. Os diretores apontam a falta de escolta da polícia a esses profissionais.
 
Permanência de presos condenados nas delegacias por longos períodos, aguardando vaga em penitenciária ou mesmo cumprindo grande parte ou integralmente sua pena, sem haver separação por delito, o que permite a influência de presos perigosos com outros de menor potencial ofensivo.

Permanência de adolescentes com outros presos por não haver locais adequados para a sua internação, o que contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Disciplina dos detentos nas delegacias que está a cargo de policiais armados, que, na maioria das vezes, exageram suas prerrogativas, chegando mesmo à prática de tortura.

Falta de qualificação dos agentes penitenciários. Em função do despreparo, acabam cometendo abusos no exercício de sua função, praticando também a tortura.


Propostas

Implantação da metodologia aplicada pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - APAC - , por todas as comarcas de Minas Gerais. Esta metodologia sustenta-se no cumprimento da legislação de execução penal em vigor com respeito à dignidade da pessoa humana, valorização dos sentenciados e apoio comunitário. O trabalho tem uma função específica em cada um dos regimes de prisão. A metodologia inclui ainda freqüência a cursos de alfabetização e de escolarização formal e participação da família na recuperação dos sentenciados, numa tentativa de restabelecer os laços afetivos.

Qualificação adequada para os agentes penitenciários.

Maior aplicação pelo Judiciário de penas alternativas e da Justiça Restaurativa.

Segundo o deputado Durval Ângelo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, "nas condições existentes no sistema prisionalem Minas Gerais, de total afronta à dignidade humana, verifica-se entre os presos relações pautadas pela violência e a manutenção de um estado permanente de mobilização para fugas e rebeliões."

 

 

 

MATO GROSSO DO SUL


Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes ......................................  4.187
- Nº efetivo de presos  .........................................  8.340
- Nº de Unidades prisionais ....................................... 35
- Nº de Mandados expedido a cumprir ................. 2.000


Problemas Identificados

Grande número de presos e, principalmente, de presas de outros Estados, o que representa uma sobrecarga para o Estado, uma causa de superlotação e motivo de extraordinários sofrimentos para os (as) presos(as).

Falta, na polícia e na justiça do estado de Mato Grosso de Sul, de infra-estrutura para comunicação com o sistema penitenciário, meios para procedimentos da execução penal, transferência de presos etc.

Superlotação - depois da "megarrebelião" de maio de 2006, com as instalações das penitenciárias seriamente danificadas, foi agravado o problema da falta de vagas no sistema penal do Estado.

Falta de atendimento à saúde.

Falta de assistência jurídica.

Insuficiência de  programas de trabalho e ressocialização.

Denúncias de torturas, praticadas pela polícia, no momento das prisões, e de espancamentos, na penitenciária de Dourados.

Em duas cadeias, promiscuidade entre homens e mulheres presos, possibilitada por funcionários corruptos que recebem dinheiro ou/e entregam as chaves a alguns presos para fazer o trabalho dos funcionários. Segundo denúncias da Pastoral Carcerária, esses presos mandam na cadeia, e os demais presos dependem de seus favores, inclusive quando precisam de água.

Serviços de segurança de cadeias por policiais militares portando armas de fogo.

Insalubridade em presídios, comida de má qualidade, exposição a doenças.


Propostas

Promover a efetiva separação dos internos por categoria de crime cometido e de acordo com o exame criminológico.

Criação de projetos de reintegração educacional e cultural dos internos; proporcionar a prática de atividades profissionalizantes aos internos.

Fortalecer a estrutura e os recursos das varas, bem como da defensoria pública.

Implantação de políticas públicas preventivas à violência, bem como da justiça restaurativa (do tecido social), em lugar da justiça vingativa.

Aplicação muito mais ampla de medidas e penas alternativas, além de regime semi-aberto, evitando apenados de pouca periculosidade nos presídios, onde o perigo da profissionalização na vida do crime é sempre grande, inclusive pela falta da disponibilidade da sociedade em geral para reincluir os egressos  no mundo do trabalho  e no convívio social.

Atendimento à Saúde SUS - para que os presos possam ser atendidos conforme previsto pela Portaria Interministerial 1.777/03, urge realizar concurso para admissão de cerca de 100 profissionais da área da saúde, além de convênios com municípios.

Celebrar convênio do Estado com as secretarias municipais da saúde para que um enfermeiro faça um levantamento semanal preliminar de atendimento à saúde e previdencie os encaminhamentos necessários.

Adequar a arquitetura das penitenciárias, para uma nítida e efetiva separação entre alojamento dos presos e áreas de ressocialização, diminuindo perigo de tomada de reféns e destruição de equipamentos e documentos.

Criar mini-presídios no âmbito da própria comunidade à qual os detentos pertencem. Estes poderiam ser administrados por ONGs beneficentes montadas a partir das forças comunitárias da própria sociedade local. Deste modo pode-se prevenir o perigo da massificação e da despersonalização por desenraizamento familiar e comunitário dos presos.

Criação urgente de um conselho penitenciário estadual com participação paritária da sociedade civil.

 

MATO GROSSO

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes...............................................................................4.661
- Nº efetivo de presos  ................................................................................ 7.150
- Nº de presos condenados ......................................................................... 3.333 (47%)
- Nº de presos provisórios............................................................................3.817 (53%)


Problemas Identificados

A Pastoral Carcerária informa que quase a metade dos presos no Estado são provisórios, o que indica a precariedade dos serviços de execução penal.

Precariedade das condições sanitárias. O padre Günther, coordenador da Pastoral Carcerária Nacional, testemunhou "situação de higiene catastráfica".

Muitos bebês vivendo com as mães nas unidades femininas.

Falta defensoria pública e os processos são extremamente morosos. O Tribunal não distribui processos para o interior.

Falta trabalho.

Falta comida.

A assistência religiosa é prejudicada pelas revistas vexatórias.

Falta de saneamento básico em cadeias públicas e penitenciárias. As condições são de insalubridade extremas em algumas unidades.

Saúde: dificuldades na implantação de um novo sistema, conforme a portaria 1.777 MJ/MS no SUS.


Propostas

Ampliar os serviços da Justiça Penal, hoje muito insatisfatórios, com o aumento do número de varas e respectiva infra-estrutura humana e material.

Implantar ações de trabalho e outros serviços que contribuam para a ressocialização.

Extinção de celas de castigo proibidas por lei, como a existente na cadeia de Primavera. O local é de um calor infernal, falta ar e é extremamente úmido, absolutamente insalubridade.

PARAÍBA


Problemas Identificados

Espancamentos e outras retaliações ilegais após tentativas de fuga e rebeliões. Destruição de objetos pessoais dos presos ou e eletrodomésticos ( rádio, TV e ventiladores.

Tortura com chicotes, tiros de balas de borracha e balas de chumbo.

Falta de atendimento médico, inclusive psiquiatras

Condições carcerárias precárias, com falta de funcionários. Segundo a Pastoral Carcerária, o Estado conta com 1.400 (mil e quatrocentos) agentes carcerários contratados e mais 130 (cento e trinta) efetivos, mas apenas 30 estão nos presídios.

Ausência de concurso público para esses cargos.


Propostas

Concurso público para contratação de servidores para o Sistema Penitenciário.

Garantia do Estado de não permitir a prática da tortura.

Investigar as denúncias feitas pela Pastoral Carcerária

PERNAMBUCO

Problemas Identificados

Missionários da Pastoral Carcerária compareceram na Penitenciária Proº Barreto Campelo, com o objetivo de averiguar e entrevistar os presos para formular um relatório sobre a rebelião que ocorreu em no dia 26/06/05. Somente os presos foram ouvidos.

Os agentes penitenciários impedidos de realizar a contagem diária nas celas pela revolta dos presos, fizeram uso de armas de fogo com intuito de conter a transgressão, o que  culminou na morte de dois presos e mais três feridos.

Na penitenciária ocorre um conflito administrativo entre agentes insatisfeitos com o trabalho desenvolvido pelo diretor-geral e, esse descontentamento é refletido nos presos com a prática de maus tratos, humilhações e torturas.

Para conter a fúria dos presos, o Batalhão de Choque fez uso excessivo de violência com uso de bombas de efeito moral e balas de borracha, deixando-os com problemas de visão, dores e marcas pelo corpo. E nesse dia, ao voltarem para suas celas, encontraram seus objetos pessoais destruídos. As visitas estão proibidas por tempo indeterminado, necessitando os presos de vestimentas e itens básicos que são levados por familiares.


Propostas

Uma melhor administração para as penitenciárias

Fiscalização mais rígida das autoridades competentes, com objetivo de coibir abusos, maus tratos e torturas. E isso, consequentemente, conterá a ira dos presos, propiciando um clima mais pacífico, com o respeito dos direitos da pessoa humana.

PARANÁ

Dados Estatísticos

- Número de unidades prisionais ......................................................................... 19
- Número de vagas oferecidas .......................................................................10.000
- Número de presos nos presídios................................................................... 9.145
- Número de presos em delegacias................................................................. 8.000
- Número de presos do sexo feminino ............................................................... 463
- Número de presos no regime semi-aberto......................................................... 73
- Número de presos em regime provisório ........................................................ 794


Problemas Identificados

Desrespeito com as famílias dos presos em dias de visitas.

Superlotação.

Abuso de autoridades por parte dos policias e carcereiros.

Mais de sete mil presos sentenciados estão em delegacias aguardando vagas nas penitenciárias.

Precário serviço de atendimento médico, odontológico e ambulatorial.

Falta de segurança nos presídios.

Precária condições de higiene.

Falta de área de lazer e de trabalho.
 
Torturas e espancamento.

Ameaças de morte.

Cobrança de pedágios e propinas por parte de agentes penitenciários .

Menores presos com adultos.

Mulheres presas no mesmo presídio com presos do sexo masculino.


Propostas

A volta da visita de parentes de quinta-feira para os domingos.

Afastamento imediato dos envolvidos em denúncias de espancamento, tortura e abusos.

Transferência dos já condenados que se encontram nas delegacias.

Transferência de menores e adolescentes para locais adequados e das mulheres para prisões femininas ou a criação de ala específica.

Contratação de mais policias da guarda feminina para atender as detentas do sexo feminino.

Melhorar a qualidade de higiene e limpeza dos presídios de uma forma geral.

Solicitar constante relatórios da vigilância sanitária sobre as condições de higiene nos presídios.

Melhorar as condições de atendimento médico odontológico.

Revisão dos processos, para o respeito do direito do preso, com adequação de penas e o devido cumprimento da Lei.

RIO DE JANEIRO

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes ...............................................................................23.458
- Nº efetivo de presos....................................................................................22.155    
- Nº Mandados expedidos a cumprir ............................................................80.000


Problemas Identificados

Corrupção.

Maus tratos.

Superlotação.

Sub-chefe de Polícia do RJ proibiu seus servidores a entregar qualquer dado à Pastoral, como também não renovou a autorização para entrada da mesma em qualquer carceragem do Estado (Pe. André).

As carceragens das delegacias foram desativadas sem que houvesse locais adequados para abrigar esses presos. Um dos locais aonde foram encaminhados está com 500 detidos, embora tenha capacidade para apenas 150, informou o deputado Geraldo Moreira, presidente da CDH da Assembléia Legislativa.

Com as condições existentes no sistema penitenciário, prossegue o presidente da CDH do Rio de Janeiro, o Estado está financiando o embrutecimento das pessoas que ali estão custodiadas. Ao invés de ressocializar, o sistema promove a piora do cidadão para o convívio social.

RIO GRANDE DO NORTE

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes..................................................................................1.962
- Nº efetivo de presos...................................................3.571 (1.471 sentenciados)
- Nº de Unidades prisionais.....................................................................................5
- Nº Mandados expedido a cumprir...............................................................12.000
- Nº de Varas e Juízes.............................................................................................7
- Nº de condenados em delegacias................................................................nenhum
- Aplicação de Penas Alternativas....................................................sem informação


Problemas Identificados

Falta de valorização do corpo de funcionários do sistema prisional, o que resulta em descuido com o processo de capacitação e acompanhamento permanente.

Ociosidade dos presos.

Superlotação.

Presos nas delegacias de polícia no mais completo abandono, em celas imundas, sem banho de sol e submetidos à violência.

Número de presos provisórios ultrapassa 60%, o que configura a falta de assistência jurídica e a omissão do Poder Judiciário. Boa parte cometeu pequenos delitos e poderia estar cumprindo penas alternativas ou, se julgada, estaria solta.

Não há equipe técnica multiprofissional em nenhuma unidade do Estado (médico, enfermeiro, odontólogo, assistente social, psicólogo, advogado ou defensor), fato que demonstra descaso nas áreas da saúde e jurídica.

As direções das unidades prisionais, na sua maioria militarizadas, são escolhidas por critérios políticos sem levar em conta as exigências previstas em lei, nem considerar perfil adequado e nem preparo prévio.

O modelo de controle disciplinar se baseia na punição, na segregação, na tortura, maus-tratos e transferências desnecessárias. O objetivo parece ser amedrontar o preso e separá-lo da família.

Em várias unidades, os castigos são cumpridos em celas de portas chapeadas, sem ventilação e iluminação e sem a menor condição de habitabilidade, sem colchões, lençóis e roupas, na mais deplorável condição de desrespeito e violação de sua dignidade de pessoa humana. Estas celas são símbolos do terror, do medo, da tortura psicológica, do aviltamento da integridade física e moral.


 Propostas

Ações que contemplem a educação, o trabalho, a profissionalização.

Valorizar o diálogo, as regras de convivência baseadas na participação, no respeito que os internos devem ter entre eles próprios, com suas famílias, com a sociedade, os funcionários do sistema, as autoridades e à lei.

Estabelecimento de critérios para a contratação de funcionários.

Aplicação de penas alternativas.

Assistência médica odontológica, social e psicológica.

RIO GRANDE DO SUL


Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes...............................................................................16.037
- Nº efetivo de presos  .................................................................................23.667
- Nº de Unidades prisionais ............................................................................... 92
- Nº de Mandados expedido a cumprir ......................................... sem informação
- Nº de Varas  .................................................................................................. 162
- Nº de juizes  .................................................................................................. 164
- Nº de condenados em delegacias ....... ..........não há sentenciados em delegacias
- Nº de foragidos  ........................................... ...............................................6.000
- Déficit de Vagas  ......................................................................................... 7.630
- Aplicação de Penas Alternativas ..................  .............................sem informação

Problemas Identificados

Superlotação — A situação mais crítica é a do presídio central de Porto Alegre, que tem atualmente uma lotação de 3.965 presos. Sua capacidade é de 1.542 vagas e excedente é 2.423 vagas.

Falta de medicamentos.

Falta de médicos.

Falta de leitos custeados pelo SUS.

Carência de psicólogas e assistentes sociais em algumas unidades prisionais.

Demora na concessão de benefícios de progressão de regime.

Demora na assistência judiciária.

Falta de viatura e escolta para levar presos às audiências, às perícias e ao médico.

Número insuficiente de agentes penitenciários proporcionais à população carcerária.

Problemas relativos às solicitações de transferência no caso de cumprimento de pena.

Denúncias de constrangimento nas revistas íntimas em algumas casas (Modulada de Montenegro e PEJ).

Maus tratos por ocasião de recaptura.

Falta de trabalho para os internos na maioria das casas prisionais.

Denúncias:
 
Em abril de 2006, no Presídio de Iraí, 31 presos e um agente foram utilizados como cobaias para treinamento de aplicação da BCG (vacina para tuberculose).

Em maio de 2006, ocorreu o fechamento da cooperativa de chocolate na Penitenciária Madre Pelletier e o fechamento da cooperativa de reciclagem de lixo no Instituto Psiquiátrico Forense.

SÃO PAULO

Dados Estatísticos

- Nº de vagas existentes.................................................................................92.865
- Nº efetivo de presos....................................................................................125.804
- Nº de Unidades prisionais..................................................................................144


Problemas Identificados

Superlotação.

Presos não conhecem os benefícios que podem ter durante o cumprimento do pena.

Denúncias de agressões, torturas e práticas congêneres por agentes do Estado e da impunidade dos acusados dessas práticas.

Tratamento médico ausente ou inadequado.

Falta de assistência jurídica.


Propostas

Incentivar a aplicação de penas alternativas pelo poder Judiciário, contribuindo para a reintegração dos condenados à sociedade.

Desenvolver parcerias entre o Estado e as entidades da sociedade civil para o aperfeiçoamento do sistema penitenciário e de unidades da Secretaria de Estado da Segurança Pública, bem como para proteção dos direitos de cidadania e da dignidade do preso, assistência ao egresso e às suas famílias.

Incentivar a criação dos Conselhos da comunidade a fim de supervisionar o funcionamento das prisões, nos termos da Lei de Execução Penal, e exigir visitas mensais dos juízes, promotores e membros do Conselho Penitenciário, acompanhados ou não por membros do Conselho da Comunidade, com o propósito de garantir maior independência entre eles.

Desenvolver programas de identificação de postos de trabalho para cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, por meio de parcerias entre órgãos públicos e sociedade civil.

Construir novas unidades para o regime semi-aberto, incentivando o cumprimento de penas nesse sistema e no regime aberto, nos termos da Lei de Execução Penal.

Criar grupo de trabalho destinado a propor ações urgentes para melhorar o funcionamento da Vara de Execuções Criminais, com a participação de representantes do Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria Geral do Estado, secretarias da Administração Penitenciária e da Segurança Pública, OAB e organizações da sociedade civil, especialmente quanto aos prazos para decisões judiciais, com sugestão, desde já, de fixação de 30 (trinta) dias contados da data do protocolo na Vara das Execuções Criminais, de acordo com a Emenda Constitucional nº. 45/2004.

Criar as condições necessárias ao cumprimento da Lei de Execução Penal, no que tange à classificação de presos para a individualização da pena, com a contratação e a capacitação de profissionais para elaborar e acompanhar programas de reintegração de presos, em parceria com entidades não-governamentais.

Estabelecer políticas públicas para o atendimento das demandas específicas das mulheres presas, privilegiando ações voltadas à saúde e assistência jurídica e social, inclusive capacitando os funcionários de unidades femininas e, ainda, assegurando progressivamente a alocação de agentes femininas e guardas dos pavilhões e a realização de visitas íntimas e familiares.

Fortalecer a Ouvidoria do Sistema Penitenciário, garantindo-lhe a independência e autonomia através de lei estadual.

Garantir a assistência judiciária ao preso, por meio da Defensoria Pública, sem prejuízo de convênios com outros órgãos.

Desenvolver programas de informatização do sistema penitenciário e integração com o Ministério Público e o Poder Judiciário, para agilizar a execução penal, incluindo a aplicação do "boletim informativo".

Garantir o acesso da sociedade civil aos mapas da população de presos no sistema penitenciário, nas cadeias públicas e nos distritos policiais, a fim de permitir o monitoramento da relação entre número de vagas e de presos no sistema.

Garantir a separação dos presos por tipo de delito e entre presos condenados e provisórios.

Garantir mecanismos de defesa técnica para presos acusados em processos disciplinares.

Agilizar o exame de corpo de delito nos casos de denúncia de violação à integridade física do preso no Instituto Médico-Legal independente, ou seja, vinculado apenas à secretaria da Saúde, e aprimorar o sistema de visitas da Ouvidoria de Polícia e Ouvidoria do Sistema Penitenciário nas prisões.

Aperfeiçoar a formação e o treinamento dos diretores, agentes e demais funcionários do sistema penitenciário, de acordo com as normas para seleção e formação de pessoal penitenciário da ONU e OEA.

Viabilizar a criação e a aprovação pelo Ministério da Educação, de cursos profissionalizantes para os servidores do sistema prisional.

Implementar os procedimentos do Manual de Procedimento Operacional Padrão (POP).

Apoiar o trabalho do grupo de negociadores que tem por objetivo a resolução pacífica de incidentes prisionais e a implementar as regras do "Manual para Gerenciamento de Crises" para tratamento de rebeliões no sistema penitenciário.

Criar condições para efetiva absorção pelo sistema penitenciário dos presos recolhidos nos distritos policiais e cadeias públicas do Estado, respeitando a capacidade máxima de cada unidade prisional.

Facilitar o acesso dos presos à educação, ao esporte e à cultura, fortalecendo projetos como Educação Básica, Educação pela Informática, Telecurso 2000, Teatros nas Prisões e Oficinas culturais, privilegiando parcerias com organizações não governamentais e universidades.

Promover programas de capacitação técnico-profissionalizante para os presos, possibilitando sua reinserção profissional nas áreas urbanas e rurais, privilegiando parcerias com organizações não governamentais e universidades.

Elaborar e implementar programa de atenção aos egressos e aos familiares de presos, privilegiando ações na área da saúde, inclusive saúde mental, assistências jurídica, social e material, educação, trabalho, documentação, nos termos da Lei de Execução Penal, considerando também os aspectos étnico-raciais, culturais e de gênero.

Apoiar propostas legislativas para estender ao trabalhador preso os direitos do trabalhador livre, incluindo a sua integração à Previdência Social, ressalvadas apenas as restrições inerentes à condição.

Implementar e aperfeiçoar o atendimento à saúde no sistema penitenciário e nas unidades da Secretaria da Segurança Pública, garantindo a realização e aplicação dos convênios entre os governos federal, estadual e municipal, para garantir assistência médica e hospitalar aos pacientes presos.

Aprimorar o "Exame Médico de Ingresso" e o controle de dados epidemiológicos pelas secretarias de Estado da Saúde, Segurança Pública e Administração Penitenciária, inclusive criando Centro de Monitoramento Epidemiológico na secretaria da Administração Penitenciária.

Adequar a atenção à saúde mental no sistema prisional, em especial nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, como previsto na Lei nº. 10.216/2001 e Resolução nº. 5/2004 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Apoiar as iniciativas junto à Anatel, Ouvidora da Anatel, Ministério Público Federal e legislativo federal, para responsabilizar as concessionárias de telefonia móvel pelo bloqueio da emissão de sinais, via satélite e congêneres, sobre áreas de segurança indicadas pelo Estado, especialmente sobre unidades prisionais, como uma das medidas de enfrentamento das facções criminosas, sem prejuízo da possibilidade de instalação de telefones públicos em unidades prisionais, a fim de preservar o contato dos presos com suas famílias.

Viabilizar as escoltas para diversos fins (atendimento de saúde, audiências judiciais e presença junto à família em caso de doença grave ou velório de parente), nos termos do artigo 120 da Lei de Execução Penal, por meio do trabalho dos agentes de escolta e vigilância penitenciária (AEVPs).

Engendrar esforços com o Tribunal de Justiça para a célere nomeação de juizes de Execução Criminal nas comarcas do interior que possuir unidades prisionais.

Realizar e fomentar pesquisas acerca dos índices de reincidência criminal e expectativa de vida de presos e egressos, dados imprescindíveis à formulação e execução de políticas públicas na área.

Criar o Centro de Estudos em Criminologia, com ampla participação das universidades, da Escola de Administração Penitenciária, Coordenadoria de Saúde e demais órgãos.

Garantir a atenção à saúde do servidor, conforme as diretrizes da Portaria Interministerial nº. 1.777/03 (Ministério da Saúde e da Justiça).

Garantir o direito constitucional ao respeito às diferenças étnicas, culturais, religiosas e de gênero, bem como aos direitos especiais das pessoas portadores de deficiências físicas.

Garantir maior celeridade aos processos administrativos contra servidores, ou seja, efetiva aplicação da lei "via rápida".

Apoiar o reconhecimento do estudo como fonte de remição.

Viabilizar o cumprimento de acordos internacionais bilaterais sobre presos estrangeiros.

Promover, em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e Conselho Nacional de secretários de Justiça e Administração Penitenciária (Consej), do Programa de Remoção Interestadual.

Apoiar a criação de Vara das Execuções Criminais Femininas.

Dar tratamento diferenciado à mulher-mãe condenada, a fim de que se diminuam os efeitos da desestruturação familiar e se busque adequar o tratamento às determinações do ECA.

Excluir da legislação penal a regulamentação relativa aos doentes mentais submetidos à medida de segurança e transportar o tratamento para a legislação relativa à saúde, conforme as orientações da lei anti-manicomial.

Executar a pena de deficientes físicos e de doenças graves e irreversíveis de forma alternativa, em analogia às regras da lei anti-manicomial.

Criar instrumentos para o exercício do direito de voto dos presos provisórios, conforme a legislação e estender tal direito aos condenados.

Defender a elaboração e aprovação de Lei de Execução Penal Estadual, com previsão de audiências públicas para amplo debate sobre seu texto.


Para o deputado Ítalo Cardoso, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, os dados e informações apresentadas favorecem o questionamento da validade das políticas adotadas pelo Poder Executivo do Estado de São Paulo, vez que este não cumpre seu papel de garantidor dos direitos do recluso, tais como a dignidade e o valor inerente ao ser humano.

O presidente da CDH/SP chama a atenção também para outro relevante fator na crise do sistema penitenciárioem São Paulo: a consolidação de uma política de diminuição da presença do Estado - perceptível na redução orçamentária, particularmente nos programas de atendimento aos reclusos, egressos e seus familiares.

______________________________________________________________________________________

COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS

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ANEXO II – ESTATÍSTICA DEPEN (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA): POPULAÇÃO CARCERÁRIA NO BRASIL

ANEXO III – REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DO PRESO NO BRASIL.

RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994

O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no uso de suas

atribuições legais e regimentais e;

Considerando a decisão, por unanimidade, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,

reunido em 17 de outubro de 1994, com o propósito de estabelecer regras mínimas para o tratamento

de Presos no Brasil;

Considerando a recomendação, nesse sentido, aprovada na sessão de 26 de abril a 6 de maio de

1994, pelo Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, do qual o

Brasil é Membro;

Considerando ainda o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal);

Resolve fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.

 

TÍTULO I

REGRAS DE APLICAÇÃO GERAL

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º. As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.

Art. 2º. Impõe-se o respeito às crenças religiosas, aos cultos e aos preceitos morais do preso.

Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.

Art. 4º. O preso terá o direito de ser chamado por seu nome.

 

CAPÍTULO II

DO REGISTRO

Art. 5º. Ninguém poderá ser admitido em estabelecimento prisional sem ordem legal de prisão.

Parágrafo Único. No local onde houver preso deverá existir registro em que constem os seguintes dados:

I – identificação;

II – motivo da prisão;

III – nome da autoridade que a determinou;

IV – antecedentes penais e penitenciários;

V – dia e hora do ingresso e da saída.

Art. 6º. Os dados referidos no artigo anterior deverão ser imediatamente comunicados ao programa

de Informatização do Sistema Penitenciário Nacional – INFOPEN, assegurando-se ao preso e à sua

família o acesso a essas informações.

 

CAPÍTULO III

DA SELEÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PRESOS

Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo,

idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da

individualização da pena.

§ 1º. As mulheres cumprirão pena em estabelecimentos próprios.

§ 2º. Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos.

 

CAPÍTULO IV

DOS LOCAIS DESTINADOS AOS PRESOS

Art. 8º. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.

§ 1º. Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.

§ 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.

Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.

Art. 10º O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar:

I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;

II – quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo da sua visão;

III – instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade.

IV – instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a freqüência que exigem os princípios básicos de higiene.

Art. 11. Aos menores de0 a6 anos, filhos de preso, será garantido o atendimento em creches e em pré-escola.

Art. 12. As roupas fornecidas pelos estabelecimentos prisionais devem ser apropriadas às condições climáticas.

§ 1º. As roupas não deverão afetar a dignidade do preso.

§ 2º. Todas as roupas deverão estar limpas e mantidas em bom estado.

§ 3º. Em circunstâncias especiais, quando o preso se afastar do estabelecimento para fins autorizados, ser-lhe-á permitido usar suas próprias roupas.

 

CAPÍTULO V

DA ALIMENTAÇÃO

Art.13. Aadministração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.

Parágrafo Único – A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso.

CAPÍTULO VI

DOS EXERCÍCIOS FÍSICOS

Art. 14. O preso que não se ocupar de tarefa ao ar livre deverá dispor de, pelo menos, uma hora ao dia para realização de exercícios físicos adequados ao banho de sol.

 

 

 

CAPÍTULO VII

DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SANITÁRIA

Art.15. Aassistência à saúde do preso, de caráter preventivo curativo, compreenderá atendimento médico, psicológico, farmacêutico e odontológico.

Art. 16. Para assistência à saúde do preso, os estabelecimentos prisionais serão dotados de:

I – enfermaria com cama, material clínico, instrumental adequado a produtos farmacêuticos indispensáveis para internação médica ou odontológica de urgência;

II – dependência para observação psiquiátrica e cuidados toxicômanos;

III – unidade de isolamento para doenças infecto-contagiosas.

Parágrafo Único - Caso o estabelecimento prisional não esteja suficientemente aparelhado para prover assistência médica necessária ao doente, poderá ele ser transferido para unidade hospitalar apropriada.

Art. 17. O estabelecimento prisional destinado a mulheres disporá de dependência dotada de material obstétrico. Para atender à grávida, à parturiente e à convalescente, sem condições de ser transferida a unidade hospitalar para tratamento apropriado, em caso de emergência.

Art 18. O médico, obrigatoriamente, examinará o preso, quando do seu ingresso no estabelecimento e, posteriormente, se necessário, para :

I – determinar a existência de enfermidade física ou mental, para isso, as medidas necessárias;

II – assegurar o isolamento de presos suspeitos de sofrerem doença infecto-contagiosa;

III – determinar a capacidade física de cada preso para o trabalho;

IV – assinalar as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo para sua reinserção social.

Art. 19. Ao médico cumpre velar pela saúde física e mental do preso, devendo realizar visitas diárias àqueles que necessitem.

Art. 20. O médico informará ao diretor do estabelecimento se a saúde física ou mental do preso foi ou poderá vir a ser afetada pelas condições do regime prisional.

Parágrafo Único – Deve-se garantir a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do preso ou de seus familiares, a fim de orientar e acompanhar seu tratamento.

 

CAPÍTULO VIII

DA ORDEM E DA DISCIPLINA

Art.21. Aordem e a disciplina deverão ser mantidas, sem se impor restrições além das necessárias para a segurança e a boa organização da vida em comum.

Art. 22. Nenhum preso deverá desempenhar função ou tarefa disciplinar no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Este dispositivo não se aplica aos sistemas baseados na autodisciplina e nem deve ser obstáculo para a atribuição de tarefas, atividades ou responsabilidade de ordem social, educativa ou desportiva.

Art. 23. Não haverá falta ou sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.

Parágrafo Único – As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e a dignidade pessoal do preso.

Art. 24. São proibidos, como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer forma de tortura.

Art. 25. Não serão utilizados como instrumento de punição: correntes, algemas e camisas-de-força.

Art.26. Anorma regulamentar ditada por autoridade competente determinará em cada caso:

I – a conduta que constitui infração disciplinar;

II – o caráter e a duração das sanções disciplinares;

III - A autoridade que deverá aplicar as sanções.

Art. 27. Nenhum preso será punido sem haver sido informado da infração que lhe será atribuída e sem que lhe haja assegurado o direito de defesa.

Art. 28. As medidas coercitivas serão aplicadas, exclusivamente, para o restabelecimento da normalidade e cessarão, de imediato, após atingida a sua finalidade.

 

CAPÍTULO IX

DOS MEIOS DE COERÇÃO

Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas, e camisas-de-força, só poderão ser utilizados nos seguintes casos:

I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audiência perante autoridade judiciária ou administrativa;

II – por motivo de saúde,segundo recomendação médica;

III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utiliza-los em razão de perigo eminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros.

Art. 30. É proibido o transporte de preso em condições ou situações que lhe importam sofrimentos físicos

Parágrafo Único – No deslocamento de mulher presa a escolta será integrada, pelo menos, por uma policial ou servidor pública.

 

CAPÍTULO X

DA INFORMAÇÃO E DO DIREITO DE QUEIXA DOS PRESOS

Art. 31. Quando do ingresso no estabelecimento prisional, o preso receberá informações escritas sobre normas que orientarão seu tratamento, as imposições de caratê disciplinar bem como sobre os

seus direitos e deveres.

Parágrafo Único – Ao preso analfabeto, essas informações serão prestadas verbalmente.

Art. 32. O preso terá sempre a oportunidade de apresentar pedidos ou formular queixas ao diretor do estabelecimento, à autoridade judiciária ou outra competente.

CAPÍTULO XI

DO CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR

Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância, com sua família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas.

§ 1º. A correspondência do preso analfabeto pode ser, a seu pedido, lida e escrita por servidor ou alguém opor ele indicado;

§ 2º. O uso dos serviços de telecomunicações poderá ser autorizado pelo diretor do estabelecimento prisional.

Art. 34. Em caso de perigo para a ordem ou para segurança do estabelecimento prisional, a autoridade competente poderá restringir a correspondência dos presos, respeitados seus direitos.

Parágrafo Único – A restrição referida no "caput" deste artigo cessará imediatamente, restabelecida a normalidade.

Art. 35. O preso terá acesso a informações periódicas através dos meios de comunicação social, autorizado pela administração do estabelecimento.

Art.36. Avisita ao preso do cônjuge, companheiro, família, parentes e amigos, deverá observar a fixação dos dias e horários próprios.

Parágrafo Único - Deverá existir instalação destinada a estágio de estudantes universitários.

Art. 37. Deve-se estimular a manutenção e o melhoramento das relações entre o preso e sua família.

 

CAPÍTULO XII

DAS INSTRUÇÕES E ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL

Art.38. Aassistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso.

Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento técnico.

Art.40. Ainstrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a possuam.

Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios para os analfabetos.

Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso.

Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento.

 

CAPÍTULO XIII

DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA E MORAL

Art.43. AAssistência religiosa, com liberdade de culto, será permitida ao preso bem como a participação nos serviços organizado no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presença de representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita pastoral a adeptos de sua religião.

 

CAPÍTULO XIV

DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Art. 44. Todo preso tem direito a ser assistido por advogado.

§ 1º. As visitas de advogado serão em local reservado respeitado o direito à sua privacidade;

§ 2º. Ao preso pobre o Estado deverá proporcionar assistência gratuita e permanente.

 

CAPÍTULO XV

DOS DEPÓSITOS DE OBJETOS PESSOAIS

Art. 45. Quando do ingresso do preso no estabelecimento prisional, serão guardados, em lugar escuro, o dinheiro, os objetos de valor, roupas e outras peças de uso que lhe pertençam e que o regulamento não autorize a ter consigo.

§ 1º. Todos os objetos serão inventariados e tomadas medidas necessárias para sua conservação;

§ 2º. Tais bens serão devolvidos ao preso no momento de sua transferência ou liberação.

 

CAPÍTULO XVI

DAS NOTIFICAÇÕES

Art. 46. Em casos de falecimento, de doença, acidente grave ou de transferência do preso para outro estabelecimento, o diretor informará imediatamente ao cônjuge, se for o ocaso, a parente próximo ou a pessoa previamente designada.

§ 1º. O preso será informado, imediatamente, do falecimento ou de doença grave de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão, devendo ser permitida a visita a estes sob custódia.

§ 2º. O preso terá direito de comunicar, imediatamente, à sua família, sua prisão ou sua transferência para outro estabelecimento.

 

CAPÍTULO XVII

DA PRESERVAÇÃO DA VIDA PRIVADA E DA IMAGEM

Art. 47. O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem

Parágrafo Único – A autoridade responsável pela custódia do preso providenciará, tanto quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação com sua prisão.

Art. 48. Em caso de deslocamento do preso, por qualquer motivo, deve-se evitar sua exposição ao público, assim como resguardá-lo de insultos e da curiosidade geral.

 

CAPÍTULO XVIII

DO PESSOAL PENITENCIÁRIO

Art.49. Aseleção do pessoal administrativo, técnico, de vigilância e custódia, atenderá à vocação, à preparação profissional e à formação profissional dos candidatos através de escolas penitenciárias.

Art. 50. O servidor penitenciário deverá cumprir suas funções, de maneira que inspire respeito e exerça influência benéfica ao preso.

Art. 51. Recomenda-se que o diretor do estabelecimento prisional seja devidamente qualificado para a função pelo seu caráter, integridade moral, capacidade administrativa e formação profissional adequada.

Art. 52. No estabelecimento prisional para a mulher, o responsável pela vigilância e custódia será do sexo feminino.

 

TÍTULO II

REGRAS APLICÁVEIS A CATEGORIAS ESPECIAIS

CAPÍTULO XIX

DOS CONDENADOS

Art.53. Aclassificação tem por finalidade:

I – separar os presos que, em razão de sua conduta e antecedentes penais e penitenciários, possam exercer influência nociva sobre os demais.

II – dividir os presos em grupos para orientar sua reinserção social;

Art. 54. Tão logo o condenado ingresse no estabelecimento prisional, deverá ser realizado exame de sua personalidade, estabelecendo-se programa de tratamento específico, com o propósito de promover a individualização da pena.

CAPÍTULO XX

DAS RECOMPENSAS

Art. 55. Em cada estabelecimento prisional será instituído um sistema de recompensas, conforme os diferentes grupos de presos e os diferentes métodos de tratamento, a fim de motivar a boa conduta, desenvolver o sentido de responsabilidade, promover o interesse e a cooperação dos presos.

 

CAPÍTULO XXI

DO TRABALHO

Art. 56. Quanto ao trabalho:

I - o trabalho não deverá ter caráter aflitivo;

II – ao condenado será garantido trabalho remunerado conforme sua aptidão e condição pessoal, respeitada a determinação médica;

III – será proporcionado ao condenado trabalho educativo e produtivo;

IV – devem ser consideradas as necessidades futuras do condenado, bem como, as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho;

V – nos estabelecimentos prisionais devem ser tomadas as mesmas precauções prescritas para proteger a segurança e a saúde dois trabalhadores livres;

VI – serão tomadas medidas para indenizar os presos por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em condições semelhantes às que a lei dispõe para os trabalhadores livres;

VII – a lei ou regulamento fixará a jornada de trabalho diária e semanal para os condenados, observada a destinação de tempo para lazer, descanso. Educação e outras atividades que se exigem como parte do tratamento e com vistas a reinserção social;

VIII – a remuneração aos condenados deverá possibilitar a indenização pelos danos causados pelo crime, aquisição de objetos de uso pessoal, ajuda à família, constituição de pecúlio que lhe será entregue quando colocado em liberdade.

 

CAPÍTULO XXII

DAS RELAÇÕES SOCIAIS E AJUDA PÓS-PENITENCIÁRIA

Art. 57. O futuro do preso, após o cumprimento da pena, será sempre levadoem conta. Deve-seanima-lo no sentido de manter ou estabelecer relações com pessoas ou órgãos externos que possam favorecer os interesses de sua família, assim como sua própria readaptação social.

Art. 58. Os órgãos oficiais, ou não, de apoio ao egresso devem:

I – proporcionar-lhe os documentos necessários, bem como, alimentação, vestuário e alojamento no período imediato à sua liberação, fornecendo-lhe, inclusive, ajuda de custo para transporte local;

II – ajuda-lo a reintegrar-se à vida em liberdade, em especial, contribuindo para sua colocação no mercado de trabalho.

 

CAPÍTULO XXIII

DO DOENTE MENTAL

Art. 59. O doente mental deverá ser custodiado em estabelecimento apropriado, não devendo permanecer em estabelecimento prisional além do tempo necessário para sua transferência.

Art. 60. Serão tomadas providências, para que o egresso continue tratamento psiquiátrico, quando necessário.

 

CAPÍTULO XXIV

DO PRESO PROVISÓRIO

Art. 61. Ao preso provisório será assegurado regime especial em que se observará:

I – separação dos presos condenados;

II – cela individual, preferencialmente;

III – opção por alimentar-se às suas expensas;

IV – utilização de pertences pessoais;

V – uso da própria roupa ou, quando for o caso, de uniforme diferenciado daquele utilizado por preso condenado;

VI – oferecimento de oportunidade de trabalho;

VII – visita e atendimento do seu médico ou dentista.

 

CAPÍTULO XXV

DO PRESO POR PRISÃO CIVIL

Art. 62. Nos casos de prisão de natureza civil, o preso deverá permanecer em recinto separado dos demais, aplicando-se, no que couber,. As normas destinadas aos presos provisórios.

 

CAPÍTULO XXVI

DOS DIREITOS POLÍTICOS

Art. 63. São assegurados os direitos políticos ao preso que não está sujeito aos efeitos da condenação criminal transitada em julgado.

 

CAPÍTULO XXVII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 64. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária adotará as providências essenciais ou complementares para cumprimento das regras Mínimas estabelecidas nesta resolução, em todas as Unidades Federativas.

Art. 65. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

EDMUNDO OLIVEIRA

Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

HERMES VILCHEZ GUERREIRO

Conselheiro Relator

Publicada no DOU de 2.12.1994



[1] Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 43.

[2] FILHO, Willis Santiago Guerra. Processo constitucional. cit., p. 44-45.

[3] REALE, Miguel . Questões de direito público. p. 4.

[4] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.

[5]PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. p. 36.

[6] OLIVEIRA, Manfredo. A Filosofia na crise da modernidade. p. 19.

[7] OLIVEIRA, Manfredo - idem, p. 23

[8] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. p. 277. Jorge Miranda, por sua vez, utiliza os termos individualismo, que, para ele, também pode ser chamado personalismo; supra-individualismo e transpersonalismo, que, portanto, são usados em sentidos diferentes daqueles por nós empregados. Apud, MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. tomo IV, p.38.

[9] CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional. p. 505.

[10] REALE, Miguel. Idem, p. 278. CANOTILHO, J.J. Gomes. op. cit., p. 505, fala "que a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais".

[11] MARX, Karl - A questão judaica, p. 44.

[12] REALE, Miguel - Filosofia do Direito, p. 278.

[13]MATA-MACHADO, E. G. da - op. cit., p. 142.

[14] Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46.

[15] Dignidad humana y derechos de la personalidad. In: BENDA, Ernesto et alii. Manual de derecho constitucional, Madri: Marcial Pons, 1996. p. 124-127.

[16] Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional. Madri: Editorial Civitas, 1990. p. 149.

[17] SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da Democracia. In: RDA 212, p.91.

[18] Cf. KRIELE, Martin. Libertação e Iluminismo político: uma defesa da dignidade do homem. São Paulo: Loyola, 1983, p.47-54.

[19] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.46-48.

[20] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.259.

[21] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991.

[22] CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1982.

[23] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 67-78.

[24] BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Estudos Avançados. São Paulo: IEA, n.40, p.155-176, 2000.

[25] DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 21-22.

[26] FARIAS, Edilsom Pereira - Colisão de Direitos, p. 51.

[27] CANOTILHO, J. J. Gomes - Direito Constitucional, p. 362/363.

[28] PÉREZ LUÑO, Antonio E., Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, p. 318.

[29] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. p. 363.

[30] PÉREZ LUÑO, Antonio, op. cit., p. 318.

[31] FARIAS, Edilsom, op. cit., p. 54.

[32] CANOTILHO, J.J. Gomes, op. cit., p. 505, fala "que a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais".

[33] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo,  p. 49, 1984.

[34] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 177.

[35] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo, Tomo IV, p. 696. 1974.

[36] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil.  São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2, p. 4.

[37]  FILHO, Nagib Slaibi. Anotações à constituição de 1988; aspectos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 198.

[38] Da doutrina alemã, KLAUS STERN faz distinção entre as expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Nessa concepção, os direitos fundamentais seriam os direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis ou nos tratados internacionais, e reconhecidos pela autoridade competente para editar normas no interior dos Estados ou no plano internacional. Aqui, mais relevante que a discussão acerca dessa distinção, é a afirmação da imperativa necessidade [1]de que esses direitos fundamentais positivados sejam realmente a concretização daquelas garantias da dignidade humana, e [2]de que, por isso, esses direitos fundamentais positivados sejam realmente verdadeiros direitos humanos fundamentais (expressão positiva dos direitos humanos).

[39] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1988, t.IV, p.166-176.

[40] OTTO BACHOF discutiu a possibilidade de existirem normas constitucionais, inconstitucionais.

Os Direitos Fundamentais são ORDENAMENTO JÚRIDICO ("Lex") e os Direito Humanos são DIREITO ("Jus"). Nem sempre o ORDENAMENTO coincide com o DIREITO, embora seja obrigatório que sempre coincida. Um ORDENAMENTO que não seja DIREITO não pode ser válido, da mesma maneira que não podem ser válidos os Direito Fundamentais ("Lex") que não sejam Direitos Humanos ("Jus"). O DIREITO é superior ao ORDENAMENTO. Os Direitos Humanos são superiores aos Direitos Fundamentais. Assim, Direitos Fundamentais contrários aos Direitos Humanos não podem ser válidos.

Um exemplo são as execráveis leis nazistas fundadas no autoritarismo, no fanatismo nacional e no fervor eugenista. Esses documentos eram ORDENAMENTO mas não eram DIREITO. Eram uma "Lei de Creonte" que feria as "Leis dos Deuses". Essa falsa Constituição continha normas formalmente constitucionais mas que – na realidade – não eram verdadeiras normas constitucionais por serem contrárias ao DIREITO. Com base na falsa tese de que um mandamento simplesmente por ter o reconhecimento oficial se torna um mandamento justo, foram cometidos abomináveis e irreparáveis crimes contra a humanidade. Daí o perigo da confusão entre as noções de "Lex" e "Jus". "Jus" é superior a "Lex".

[41] A expressão direitos constitucionais é empregada no seu sentido amplo com a intenção de que compreenda todos os direitos de liberdade, de igualdade e de fraternidade (ou solidariedade) garantidos constitucionalmente.

[42] Ressalte-se que esse caráter prestacional (de promoção e não só de proteção) seria o principal fator de distinção entre a noção liberal setecentista e a noção atual democrática da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.

[43] MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 28.

[44] LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma Era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 33.

[45] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 195.

[46] LEAL, César Barros, 2001, op. cit., p. 34.

[47] FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 165.

[48] FOUCALT, op. cit., p. 172.

[49] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. 14ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.10.

[50] OYAMA, Thaís. Os donos do inferno. Veja, São Paulo: Editora Abril, edição 1675, ano 33, n. 46, p. 87, 12 nov. 2000.

[51] JULIANO, Carolina. O império do crime. Época, Rio de Janeiro: Editora Globo, nº 145, Ano III, p. 28, 26 fev., 2001.

[52] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 403.

[53] RODRIGUES, Madi. SIMAS FILHO, Mário. Veias Abertas. Isto É, São Paulo: Editora Três, nº 1639, p. 36/39, 28 fev. 2001.

[54] Idem, ibidem.

[55]  O Brasil atrás das grades, pesquisa realizada pela Human Rights Watch no Brasil.

[56] CAOS E DESORDEM. Revista Jurídica Consulex, Brasília: Editora Consulex, ano I, nº 7, 31 jul. 1997.

[57] VARELLA, Drauzio. Op. cit. p. 49/50.

[58] RIDEAU, Wilbert, WIKBERG, Ron. Life Sentences: Rage and Survival Behind Bars. Nova York: Times Books, 1992, p. 75. Apud O Brasil atrás das grades, relatório da pesquisa realizada pela Human Rights Watch.

[59] PIMENTEL, Manoel Pedro. Op. cit. p. 156.

[60] VARELLA, Drauzio. Op. cit. p. 287.

[61] Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Disponível em <http://www.mj.gov.br/depen>. Acesso em: 08.06.08.

[62] Fundação Internacional Penal e Penitenciária: relatório anual. Disponível em: < www.esmape.com.br>. Acesso em:

[63] Disponível em: <www.fundaj.gov.br >.Acesso em: 08.06.08.

[64] Prevalência do HIV nos Presídios, Boletim Direitos Humanos HIV/AIDS, ano V, n. 1, 2001. 

[65] EITZEN, D. S.; TIMMER, D. A. Criminology.New York: John Wiley and Sons, 1985.

[66]PINHEIRO, P. S. Algumas Considerações Sociopolíticas Sobre Presos e Prisões. In Queiroz, J. J. (org.). As Prisões, os Jovens e o Povo. São Paulo: Paulinas, 1985.  

[67] TAVARES, G. M. Características e Significados de Rebeliões em Prisões Brasileiras: um Estudo a Partir de Material Jornalístico. Dissertação de Mestrado em Psicologia – Programa de Pós-Graduaçãoem Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2001,119 f.

[68] FOUCALT, Michel. Vigiar e punir. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 33.

[69] PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 42.

[70] PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 43.

[71] FOUCAULT, Michel. Op. cit. p. 247.

[72] FOUCAULT, Michel. Op. Cit. p. 64

[73] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 94.

[74] FOUCAULT, Michel. Op. cit. p. 78.

[75] BECCARIA, Cesare. Op. cit. p. 52.

[76] MAGNABOSCO, Danielle. Sistema penitenciário brasileiro: aspectos sociológicos. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 27, dez. 98.

[77] Cartilha dos direitos e deveres do preso. Procuradoria Geral do Estado. Páginas & Letras, 1999.

[78] FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social?. São Paulo: Ícone, 1998.

[79] FOUCAULT, Michel. op. cit.

[80] FALCONI, Romeu. op. cit.

[81]STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

[82]BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

[83] LEAL, César Barros. op. cit.

[84]MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

[85] DOU de 03.02.05.

[86] PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007. p. 25.

[87] PORTO, Roberto. Idem. p. 26.

[88] CALHAU, Lélio Braga. Presídios como instituições totais: uma leituraem Erwing Goffman. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br>.

[89] GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 11.

[90] GOFFMAN, Erving. op. cit. p. 158.

[91] GOFFMAN, Erving. op. cit. p. 160.

[92] GOFFMAN, Erwing. Op. cit. p. 16.

[93] Anexo. Relatório: Situação do Sistema Prisional Brasileiro