3.1 TIPO DE AÇÃO PENAL

A classificação tradicional da ação penal, nomeada de subjetiva, considera o elemento subjetivo, qual seja, o seu titular.
Prevê o art. 100 do CP que a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declarar privativa do ofendido (caso de ação penal privada). O parágrafo 1º do dito artigo esclarece ainda que a ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça (caso de ação penal pública condicionada).
Temos, portanto, que a regra geral é a ação penal pública incondicionada, promovida através de denúncia do Ministério Público sempre que tomar conhecimento de uma conduta criminosa, devidamente comprovada ou com elementos que autorizem a iniciar a persecução penal (Capez, 2007, p. 496).
Nos crimes de sonegação fiscal a ação penal é pública incondicionada, segundo Súmula nº 609, de 1984, do STF, que diz: "É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal".
A teor do art. 129, I, da CF, a propositura da ação penal pública é função institucional privativa do Ministério Público (através do Promotor de Justiça ou Procurador da República, dependendo se o crime for de competência Estadual ou Federal). Porém, este fica obrigado a aguardar o exaurimento do processo administrativo, com a referida constituição do crédito tributário, visto que, enquanto isto não ocorrer não se terá caracterizado, no plano da típicidade penal o crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.
Como alguns promotores e juízes não seguiam tal jurisprudência do Supremo e acabavam processando réus mesmo com julgamentos administrativos pendentes, o STF, após longa discussão técnica para saber se o lançamento é condição objetiva de punibilidade (opinião Min. Sepúlveda Pertence) ou faz parte da própria tipicidade (Min. Joaquim Barbosa), definiu que o lançamento faz parte da tipicidade, sem ele não existe o tipo penal referido no art. 1º da Lei nº 8.137/90. Entendimento contido na Súmula Vinculante do STF nº 24 que diz: "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento do tributo". Tal enunciado foi aprovado por maioria de votos e teve como relator o Ministro Cezar Peluso.
Segue julgado anterior a referida Súmula:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUESTÃO PREJUDICIAL E CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE.
I - O processo administrativo fiscal não pode ser considerado genericamente como questão prejudicial para a apuração criminal e nem a sua conclusão pode ser colocada como condição de procedibilidade.
II - Devido à independência entre as esferas penal e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, a ausência de finalização da apuração administrativa não tem o condão de obstaculizar a instauração de persecutio criminis para apurar a prática, em tese, de crime contra a ordem tributária.
III - Eventual precipitação da apuração criminal deve ser verificada de caso a caso. Para tanto, o trancamento da ação penal só pode ser reconhecida quando esta situação se mostra extreme de dúvidas.
Recurso desprovido. (grifos nossos)

A partir da Súmula nº 24, esse também tem sido o entendimento do STJ, segundo julgado que passamos a transcrever:

HABEAS CORPUS . INQUÉRITO POLICIAL. TRANCAMENTO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DELITO MATERIAL. PROCEDIMENTO INICIADO SEM A CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DE CRÉDITO DECORRENTE DE TRIBUTO. INVESTIGAÇÃO QUE SE CINGE AO ILÍCITO DISPOSTO NO ART. 1º DA LEI 8.137/90. INTERRUPÇÃO DA APURAÇÃO PERTINENTE À INFRAÇÃO DE SONEGAÇÃO FISCAL QUE SE IMPÕE.
1. (...)
2. Constatada a falta de constituição definitiva de crédito tributário perante a esfera administrativa, condição objetiva de punibilidade com relação ao delito material inserto no art. 1º da Legislação Especial, no caso, por ausência de justa causa, impõe a interrupção da investigação pertinente ao crime contra a ordem tributária. Precedentes (STF e STJ).
3. Ordem concedida para trancar o inquérito policial. (grifos nossos)

A ação penal no crime que se estuda é pública incondicionada, dependendo, porém, da realização do delito e sua propositura, de haver sido apurado o fato em processo administrativo, com a constituição definitiva do crédito tributário , segundo art. 83 , da Lei nº 9.430/96, esse é o entendimento do STJ e STF.

3.2 SUSPENSÃO DA PUNIBILIDADE

Nos crimes de sonegação fiscal é admissível a adesão aos programas de parcelamento do governo como forma de suspensão da punibilidade. Os referidos programas consistem no benefício concedido ao contribuinte para o pagamento do tributo atrasado ou exigido por auto de infração, em parcelas mensais e consecutivas.
Com o parcelamento fiscal, o processo fica aguardando a condição resolutiva da quitação integral da dívida para a extinção da punibilidade. O descumprimento do acordo acarretará o retorno à lide penal. Entendimento demonstrado no julgado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90. CRIME DE FALSO. CRIME MEIO. APRESENTAÇÃO POSTERIOR DOS DOCUMENTOS OBJETO DA FALSIFICAÇÃO. CONSUNÇÃO. PAGAMENTO DOS VALORES DEVIDOS ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PUNIBILIDADE SUSPENSA. ART. 9º DA LEI 10.684/03 E ART. 34 DA LEI 9.249/95. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO.
I ? (...)
IV - Tendo havido o pagamento das parcelas do tributo, conforme devidamente comprovado pelo réu, a hipótese é de suspensão da punibilidade.
V - Finda a suspensão, em caso de não pagamento de parcelas, deve ser retomada a persecução penal; ou, quitado integralmente o débito, declara-se a extinção da punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei 9.249/95.
VI - Sentença anulada de ofício. Retorno dos autos à origem, obedecendo-se à suspensão da punibilidade durante o regime de parcelamento. "(grifos nossos).

Saliente-se ainda que a prescrição da pretensão punitiva fica suspensa, enquanto perdurar a suspensão da punibilidade.
Antes da lei do REFIS a doutrina e a jurisprudência muito debatiam a respeito do parcelamento do débito tributário e suas conseqüências penais.
Surgiram três correntes:
A primeira sustentava que o parcelamento do tributo não acarretava a extinção da punibilidade, salvo se antes do recebimento da denúncia já houvesse sido integralizado o total do débito.
A segunda corrente, predominante em alguns tribunais, admitia a extinção da punibilidade se o parcelamento fosse iniciado antes do recebimento da denúncia. Não sendo exigido o pagamento integral do débito. Seguem acórdãos neste sentido:

PENAL E PROCESUAL PENAL ? CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS ? OPÇÃO PELO REFIS ? PARCELAMENTO ANTES DA DENÚNCIA ? EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ? LEI Nº.9249/95 - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - Não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados. Crime omissivo próprio. - Opção pelo REFIS, com parcelamento especial antes do oferecimento da denúncia. Comprovação da continuidade dos pagamentos. Extinção da punibilidade. Art.34 da Lei nº.9249/95. - Tanto o pagamento integral quanto o pagamento em parcelas do débito tributário são causas extintivas da punibilidade. Entendimento do STJ. - Recurso criminal improvido." (grifos nossos).

PENAL - PROCESSUAL PENAL - NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - (art. 95, "d", da lei 8212/91) - REFIS - LEI N.º 9964/2000 - (PROGRAMA DE INCENTIVO À REGULARIZAÇÃO DE DÉBITOS FISCAIS) - DESCABIMENTO - ANISTIA - INOCORRÊNCIA - PARCELAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - CASO DE APLICABILIDADE DO ARTIGO 34, DA LEI 9.249/95 - RECURSO PROVIDO.
1- O programa que instituiu o REFIS, previsto na Lei 9.964/2000, referente à regularizacão de Débitos Fiscais, só é cabível nos casos em que foi pleiteada a inclusão no Programa até 28/04/2000, condição esta elementar para o alcance da suspensão da pretensão punitiva do Estado, o que não é o caso dos autos. Assim sendo, inaplicável a tese da descriminalização da conduta generalizadamente.
2- (...)
3- Havendo nos autos, comprovação segura de que o acusado, efetivamente, efetuou o parcelamento do débito tributário, antes do recebimento da denúncia, bem como vem honrando com o cumprimento da obrigação, exclui-se a punibilidade do agente, pelo reconhecimento da extinção da punibilidade (art. 34 da Lei 9.249/95). 4- Recurso provido. (grifos nossos).
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I E II DA LEI Nº 8.137/90). PARCELAMENTO DO DÉBITO ANTERIOR À DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95).
1. A EXISTÊNCIA DO PARCELAMENTO DO DÉBITO, ANTERIOR A DENÚNCIA, JÁ HABILITA A INCIDÊNCIA DO COMANDO ÍNSITO NO ART. 34, DA LEI Nº 9.249/95. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS;
2.(...);
5. APELAÇÃO IMPROVIDA. (grifos nossos)
PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO PARCELADO DO TRIBUTO.1- O PAGAMENTO DO TRIBUTO, AINDA QUE PARCELADO, EXTINGUE A PUNIBILIDADE DO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL COMETIDO ANTES DA VIGENCIA DA LEI 8383/91, DESDE QUE INICIADO ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. 2- (...). 3- HABEAS CORPUS DEFERIDO. (grifos nossos)
Já a terceira, entendia que o parcelamento da dívida seria apenas causa suspensiva da punibilidade, sendo que só ficaria afastada a responsabilidade penal havendo o cumprimento total da obrigação.
A Lei nº 9.964/2000 que instituiu o REFIS I (Programa de Recuperação Fiscal), pelo seu art. 15 , prescreveu a suspensão da pretensão punitiva do Estado em caso de adesão da pessoa jurídica ao referido programa antes do recebimento da denúncia crime.
Em maio de 2003, a Lei nº 10.684, instituiu o REFIS II (ou PAES), que em seu art. 9º , repetiu os efeitos penais conferidos ao REFIS I (quanto à suspensão da punibilidade enquanto a pessoa jurídica relacionada com o agente estiver incluída no regime de parcelamento), porém, não exigiu que seja o parcelamento ou o pagamento realizado antes do recebimento da denúncia, podendo ser feito em qualquer momento processual. A partir dessa lei, a extinção da punibilidade exige o pagamento integral da dívida, em qualquer tempo, mesmo após sentença condenatória em ação penal pelo crime de sonegação fiscal.
No ano de 2006, foi criada a medida provisória nº 303/2006, que instituiu o REFIS III (ou PAEX), onde o contribuinte com débito junto à Receita Federal, INSS ou Procuradoria Geral da Fazenda Nacional poderia aderir ao programa até 15/09/2006 e quitar a dívida em até 130 meses.
Ao contrário dos dois programas antecessores, esse não apresentou nenhum benefício adicional para o contribuinte que estivesse respondendo ou na iminência de responder a ação penal por crime tributário, permanecendo as regras do art. 9º da Lei nº 10.684/2003, quanto à forma de suspensão e de extinção da punibilidade.
Recentemente, em 28 de maio de 2009, foi publicada a Lei nº 11.941, convertida da MP nº 449/2008, que trouxe novas formas de remição, quitação e parcelamento de débitos fiscais com a Receita Federal até 30 de novembro de 2008. Nesse novo REFIS/2009, tanto as pessoas jurídicas quanto as pessoas físicas poderão enquadrar débitos pendentes e consolidados em programa de recuperação de créditos fiscais anteriores, a exemplo do REFIS/03, REFIS/06, do parcelamento de contribuições previdenciárias (mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas), bem como de débitos decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do imposto sobre produtos industrializados - IPI, oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre produtos Industrializados ? TIPI, aprovada pelo Decreto nº 6006/06, com incidência de alíquota zero ou como não tributados.

3.3 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

A extinção da punibilidade, segundo Celso Delmanto (1998, p. 202):
São os atos ou fatos jurídicos que impedem o Estado de impor pena ao violador da lei penal. As circunstâncias que impedem o Estado de exercer seu direito de punir estão definidas em lei. Algumas estão expressas no art. 107 do CP, outras são chamadas de especiais porque se referem a crime específicos. Diferentemente das outras circunstâncias que extinguem a punibilidade, o pagamento do tributo tem caráter excepcional.

Na opinião de Harada (2005, p. 214):
A legislação concernente à punibilidade em matéria tributária tem sofrido enorme oscilação nos últimos tempos, de conformidade com os interesses da arrecadação tributária. Isso porque o objetivo dos preceitos de direito penal tributário é o de forçar o contribuinte recalcitrante a efetuar o pagamento do tributo.

Além das causas extintivas dispostas no art. 107 do CP, nos crimes de sonegação fiscal, existe a possibilidade de a extinção advir do pagamento total do tributo devido.
O art. 14 da Lei nº 8.137/90 estabelecia a extinção da punibilidade nos crimes definidos nos artigos 1º a 3º, quando o agente pagasse o tributo ou a contribuição social, inclusive os acessórios, antes do oferecimento da denúncia, contudo, esse artigo foi revogado pela Lei nº 8.383/91, que por seu turno, foi revogada pela Lei nº 9.249/95, que em seu art. 34, reintroduziu a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia criminal.
Em 2000, com a Lei nº 9.964 (REFIS I) e a possibilidade de parcelamento da dívida, alguns tribunais e parte da doutrina admitiram a extinção da punibilidade se o referido parcelamento fosse iniciado antes do recebimento da denúncia, sem o pagamento integral do débito, conforme demonstrado no subtítulo anterior.
Com o advento da Lei nº 10.684/03 (REFIS II ou PAES), houve alterações, temos que o art. 9º trata da suspensão (caput) e da extinção da punibilidade (no parágrafo 2º). A partir desta lei não há mais prazo para a inclusão no parcelamento, porém, para ser extinta a pretensão punitiva do Estado tem que haver o pagamento total da dívida, ainda que a qualquer tempo.
Ensina Hugo de Brito Machado (2009, p. 378) que:
O STF já fixou jurisprudência no sentido de que o efeito extintivo da punibilidade opera-se pelo pagamento, seja qual for o momento em que este seja efetuado. Mesmo depois da sentença penal condenatória.

Os dispositivos legais do art. 9º e incisos, da Lei nº 10.684/03, não são aplicáveis apenas aos pagamentos feitos com parcelamento, podendo ser ampliada sua aplicação, inclusive em relação aos crimes contra a previdência social.
Saliente-se que é pacífico na doutrina que o art. 9º, da referida lei, alcança também as pessoas físicas.
Havendo a formação de quadrilha para o cometimento do crime de sonegação fiscal, o pagamento do tributo ou a adesão ao Programa de Parcelamento só atinge a punibilidade do débito de sonegação fiscal, permanecendo incólume a ação penal referente à formação de quadrilha. Julgado do STF:
Crimes contra a ordem tributária, quadrilha e falsidade ideológica. 1. O aperfeiçoamento do delito de quadrilha ou bando não depende da prática ou da punibilidade dos crimes a cuja comissão se destinava a associação criminosa. 2. Por isso, a suspensão da punibilidade de crimes contra a ordem tributária imputados a membros da associação para delinqüir, por força da adesão ao REFIS II (L. 10684/03), não se estende ao de quadrilha. 3. O crime contra a ordem tributária absorve os de falsidade ideológica necessários à tipificação daqueles; não, porém, o falsum cometido na organização da quadrilha. (grifos nossos)

A possibilidade de extinção punitiva pelo pagamento da dívida, a qualquer tempo, criou uma instabilidade na temática do direito penal tributário. Essa instabilidade explica-se pela disputa entre duas linhas de pensamento jurídico penal no Brasil. Uma sustenta o fundamento ético da pena, onde admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido criaria um inadmissível privilégio em favor dos abastados, os quais poderiam escapar sempre sem punição e diante dessa possibilidade apostariam na hipótese de não serem apanhados. A outra sustenta o caráter utilitarista da pena, que teria por finalidade coagir o contribuinte ao pagamento, aumentando assim à arrecadação. (Hugo de Brito Machado, 2009, p. 377/379).
Entre os autores favoráveis à extinção da punibilidade pelo pagamento total da dívida temos Hugo de Brito Machado (2006), Kiyoshi Harada (2007). Criticando-a podemos citar: Heleno Fragoso (2010), Lúcio Flávio Gomes (2005, p. 509/526), Alice Bianchini (2005, p. 509/526), entre outros juristas.
Os autores contrários a essa possibilidade alegam, em síntese, que aceitá-la implicaria em tornar o direito penal extremamente utilitarista, o que lhe retiraria a base ética. Com um aumento da sonegação, na medida em que o sonegador, se descoberto, pode livrar-se da pena pagando o tributo, causando uma desigualdade entre os que podem e os que não podem pagar. Os favoráveis, por sua vez, afirmam que as normas que tutelam o crédito tributário (criminal ou não) objetivam tornar efetivo esse crédito, assim sendo, este satisfeito não há razão para a aplicação de pena criminal. Afirmam ainda que o sonegador sabedor de que mesmo pagando continuará sob ameaça de pena privativa de liberdade, não terá interesse de efetuar o pagamento e que nosso sistema penitenciário encontra-se sobrecarregado, não se justificando onerá-lo ainda mais com sonegadores. (Hugo de Brito Machado, 2006).
Passo a transcrever algumas opiniões sobre o assunto:
Para Hugo de Brito Machado (2006):
(...) a razão parece estar com os que preconizam a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo com os acréscimos legais." Para o jurista a criminalização do ilícito tributário tem inegável caráter utilitarista, visto dita criminalização ter no pagamento do tributo sua razão de ser. Acontecendo, portanto, o pagamento "satisfeitos estarão os objetivos da lei.

Na opinião de Harada (2007):
A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo induz ao cumprimento da obrigação tributária, atingindo o objetivo tutelado pela norma penal, ao mesmo tempo em que cumpre a função intimidatória do preceito penal.

Segundo os professores Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini (2005, p. 509/526):
Não se pode olvidar que a extinção da punibilidade é questão de política criminal. Busca a satisfação do débito tributário, ainda que para tal tenha, o Estado, que abrir mão de punir aquele que praticou a infração penal.

E citam José Alves Paulino:
(...) a opção mais recente foi a da extinção da punibilidade, pondo em evidência que o interesse público está na satisfação da dívida. Apenas tipificou o crime para intimar o contribuinte, impondo-lhe uma pena caso sonegasse. A sanção penal é invocada pela norma tributária para fortalecer a idéia de cumprir a obrigação fiscal, tão-somente. A par disso, concluir-se que o interesse do estado está em que se efetue o pagamento do débito. A intenção do agente de sonegar imposto pouco importa. Satisfazendo ?se o interesse do Estado, que é a quitação do tributo, a sua conduta perde o valor.

Segundo Herman Lott (2010, p. 5/6), o autor Rui Stoco critica a extinção da punibilidade pelo pagamento frisando que a lei especial trouxe figura nova não prevista dentre as causas arroladas no art. 107 do CP, ou, em outras palavras, usurpando matéria até então reservada às normas gerais do direito penal, sendo o núcleo de seu "ataque" a citação que faz do Juiz do TRF da 3ª Região, Dr. André Nabarrete Neto, in verbis:
"Há profunda antinomia entre o poder de punir e a possibilidade de afastá-lo mediante a reparação do dano concreto ou projetivo, decorrente de crime fiscal, através do pagamento do tributo ou contribuição social. O poder punitivo não é bem comerciável e torná-lo significa mercantilizar atividade essencial do Estado. Assim, no futuro, seria aconselhável que se retornasse à regra do art. 16 do CP (...)". Revista Brasileira de Ciências Criminais, RT, São Paulo, ano 5, n 17.

Herman Lott entende que "o direito penal está sendo usado como cobrador de tributos".
Para o promotor de Justiça Antônio Coelho Soares Júnior (2009):
É de se lamentar a diferença de tratamento dada a crimes de natureza semelhante ao de sonegação fiscal, tais como o furto, o estelionato e a apropriação indébita, visto que nesses não é admitida a extinção da punibilidade com a reparação do bem jurídico protegido.

Conclui o autor seu artigo questionando acerca da função da incriminação de infrações fiscais:
(...) a questão não se deduz a ser ou não favorável à extinção da punibilidade pelo pagamento, mas ser ou não favorável a uma estrutura penal preocupada exclusivamente com a cobrança de tributos, esquecendo-se de princípios básicos que constituem a sua razão de ser e preconizando tratamento diferenciado para condutas semelhantes.

No entendimento de Erick Magalhães (2006):
A intenção do Estado não é a de prender os cidadãos, mas sim a de arrecadar, tal pretensão ficou evidenciada com as leis que instituíram os programas de parcelamento, com a suspensão da punibilidade, bem como, com a possibilidade de quitada a dívida, extingue-se a punibilidade.

Rachel Pilati (2008) acredita que:
A extinção pelo pagamento total da dívida funciona como estratégia de política criminal, que prioriza a quitação dos débitos em detrimento à punição penal aos sonegadores fiscais. E vai mais além, entende que tal benefício poderia ser aplicado a outras espécies de ilícitos, como por exemplo os débitos cometidos contra o patrimônio (desde que sem violência).

Alega a jurista inclusive que "tal analogia tem sido aplicada no Estado do Rio Grande do Sul, porém sem a guarida nos Tribunais Superiores."

Vale salientar que atualmente, nestes crimes contra o patrimônio (sem violência), inseridos no Código Penal, a devolução da coisa subtraída ou a reparação do dano sofrido pela vítima, se feita até o momento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, terá redução de pena de um a dois terços (art. 16 do CP) . A reparação do dano constitui, ainda, circunstância atenuante da pena, art. 65, III, letra " b" do CP , não extinguindo, portanto, a punibilidade, como acontece com o crime de sonegação fiscal.
Maicon Guedes (2007) tem uma opinião bem marcante sobre o assunto, para ele:
No momento que a política fiscal se sobrepõe à política criminal, o direito penal perpassa a instrumento de cobrança do estado, esvaziando suas funções idéias.

Após analisar o normativo legal previsto na Lei nº 10.684/03, acreditamos que para o Estado o mais importante tem sido o recebimento do tributo e não avaliar a ocorrência ou não de ilícito tributário por parte do contribuinte. Como bem expôs Eudes de Oliveira Júnior (2008) "o caminho da ação penal passa a ser apenas uma opção viável, com bons resultados, substituindo até mesmo a cobrança na esfera civil".
Cabe-nos refletir se tal prioridade dada pelo nosso Direito Penal Tributário em detrimento da imposição da sanção não tem sido um estímulo aos que "pensam" sobre as vantagens de sonegar os tributos. Vejamos a hipótese de um contribuinte que se utilizando de uma fraude deixa de pagar o tributo que era devido, essa verba (que deveria ter sido paga aos cofres públicos) o sonegador aplica no sistema financeiro, digamos que em um dado momento no futuro ele seja "pego" em uma fiscalização. Poderá percorrer todo processo administrativo (com os recursos possíveis) e em sendo recebida a denúncia pelo judiciário, aderir aos programas de parcelamento do governo (pagar em prestações) ou, mesmo após sentença condenatória, pagar o tributo devido com os acréscimos legais e não cumprir nenhuma sanção pelo delito. E dependendo do tipo de aplicação financeira usada quando da época em que sonegou e dos índices a serem aplicados na condenação, poderá até ter "lucro" sobre o montante ao final. Em total detrimento de quem cumpre com suas obrigações no momento oportuno.
Quanto à alegação de alguns doutrinadores favoráveis a essa modalidade de extinção para não aumentar o número de encarcerados em nosso sistema penitenciário, lembramos que a pena privativa de liberdade pode (e deve) ser substituída pelo agravamento da pena pecuniária, cumulando-se com prestação de serviços à comunidade, opção inclusive que já vem sendo adotada por alguns tribunais. A exemplo dos acórdãos:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA E SONEGAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. CONTINUIDADE DELITIVA. CRITÉRIOS DE ESTABELECIMENTO DA MAJORAÇÃO. PENA DE MULTA. VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA. ART. 60, CAPUT, DO CP. ART. 168-A, § 1º, INC. I, DO CP. PRESCRIÇÃO DE PARTE DAS PARCELAS. ART. 337-A, DO CP. CRIME MATERIAL. MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTS. 110, § 1º C/C 109, INC. V, E 119, DO CP. SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS.
(...) Substituição da sanção corporal por duas penas restritivas de direitos efetuada em consonância com o disposto no artigo 44, § 2º, do CP. Prestações pecuniárias reduzidas para montantes suficiente para a prevenção e reparação dos delitos e condizentes com a situação econômica do corréus.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, I, DA LEI N. 8.137/90. PRESTAÇÃO DE DECLARAÇÕES FALSAS ÁS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. REDUÇÃO DE TRIBUTO FEDERAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.
1. (...) 4. Na hipótese dos autos em que a pena privativa de liberdade foi fixada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a substituição, por expressa determinação do art. 44, § 2º do Código Penal, deve ser feita por 1 (uma) restritiva de direito e multa ou 2 (duas) restritivas de direito, tal como procedido na sentença que, corretamente, substituiu por prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade. 5. Recurso do réu não provido. (grifos nossos)


CONCLUSÃO


As tentativas de combater a sonegação fiscal remontam à época do Fisco do Império Romano, com o imperador Diocleciano, que aperfeiçoou o sistema romano de arrecadação de tributos, baseado no organizado fisco das Cidades-Estado da Grécia antiga, instituindo a fiscalização para combater a sonegação por parte dos proprietários de terras, visto a maioria dos tributos incidirem sobre a propriedade (Regis Oliveira, 2008).
Não é de hoje que encontramos no nosso país um círculo vicioso: sonega-se porque se tributa demais e se tributa demais porque há sonegação.
Apesar das constantes repulsas da população à imposição estatal de cobrança de impostos, sob a alegação de que nossa carga tributária é uma das mais altas do mundo ou que não há por parte do Estado o retorno esperado (e garantido pela Constituição Federal) em serviços como educação, saúde e segurança pública (entre outros), a verdade é que nenhum Estado sobrevive sem receitas, necessário se faz, portanto, a cobrança de tributos, por este motivo temos que a sonegação fiscal é um crime praticado contra toda a sociedade.
Devendo, pois, na opinião do professor Villegas (1974, p. 200):
A praga da evasão fiscal ser implacavelmente perseguida, mediante o aperfeiçoamento dos métodos destinados a localizá-la e investigá-la e mediante severa repressão, consistente em penalidades fortemente gravosas para o infrator, não sendo apenas reparatórias, mas também exemplares. (grifos nossos)

Entendemos que o bem tutelado nos crimes contra a ordem tributária é o erário, tendo em vista os inúmeros benefícios concedidos pelo governo aos sonegadores. A exemplo dos programas de parcelamento, que suspendem a pretensão punitiva do Estado e a possibilidade de pagamento, a qualquer tempo (mesmo após sentença condenatória) como forma extintiva da punibilidade.
A criminalização da conduta tributária tem sido tema de relevante importância, sendo pauta de discussão em eventos a exemplo do XI Congresso Internacional da Associação Brasileira de Direito Tributário, que aconteceu em Belo Horizonte de 22 a 24 de agosto de 2007 , segundo a matéria postada enquanto o direito penal busca a punição o direito tributário persegue a arrecadação do tributo, sendo o sonegador para o direito penal um criminoso e para o tributário mero inadimplente, que se resolver pagar o tributo, estará livre de punição.
O tema foi debatido também no 12º Congresso da ONU sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, em abril/2010 na cidade de Salvador/BA, neste evento foi encaminhada a sugestão de que no documento final do evento, a ONU recomende que o Brasil dê fim a extinção da punibilidade mediante o pagamento.
Apesar de reconhecermos a necessidade de todo Estado do recebimento de tributos para o custeio das despesas públicas, não concordamos com a criminalização da conduta tributária (do não recebimento de tributo) com a possibilidade de extinção da punição ao sonegador pelo pagamento do tributo já devido, sendo utilizada como forma de aumento da arrecadação, desvirtuando a finalidade da sanção no direito penal.
Em nossa opinião não havia necessidade da criação de uma lei especial para cuidar dos crimes tributários visto que já tínhamos os tipos de forma congênere no Código Penal, com penas bem mais severas e sem a inovação da extinção da punibilidade pelo pagamento a qualquer tempo.