A Criminalidade violenta e a incapacidade de controle pelo Estado

Airton Rodrigues Moreira

Introdução

            A criminalidade violenta é um fenômeno assustador em nossos dias e, muito além do esperado em termos de crescimento da chamada “violência urbana”.

            É um fenômeno presente nas mais diversas comunidades urbanas nos países conhecidos no mundo ocidental.

            Suas causas, embora estudadas por diversos especialistas, não são de fácil compreensão, ou melhor, de fácil localização, pois muitos dos fatores atribuídos à violência e seu vertiginoso crescimento são compreendidos sim por esses estudiosos, porém, não há um só fator ou causa, mas um conjunto concorrente de causas e fatores a mais das vezes.

            Em alguns lugares, o fator preponderante é a miséria, mas em outros é a cultura, a escassez econômica, a falta de desenvolvimento tecnológico que possibilite avanço nas políticas públicas de fato realizadas por alguns governos ou países, contudo, é fácil observar-se mais de um fator ou causa em lugares ou culturas humanas.

            No Brasil, há vários fatores, causas e concausas, há um imbrincamento de forças móveis e situações que prosperam ações negativas de grupos, de pessoas ou delitos, e por isso, a ação policial retorna como outro vetor de violência, onde policiais e políticas de seguranças ou são exclusivas, ou seja, excluem os cidadãos ou são posturas isoladas contra os mesmos sob o pálio do abuso de poder do Estado.

            O crime em si, o crime violento também, as ações perversas de indivíduos ou de grupos, são o resultado de uma violência atuante e constante, que não recua pela falta de políticas públicas efetivas e bem consideradas ou planejadas, às vezes faltando até propostas reais de combate à violência e seus efeitos, aliás, não nos esqueçamos, não vale combater efeitos disso, pois o resultado é a apenas a suavização do conceito, não resistindo o sofrimento aflitivo e estarrecedor que a banalização de violência e mais violência, inclusive com açodamento de crueldade e desprezo pela vida humana, causam às populações e áreas urbanas mal controladas pelo poder público, onde, aliás, escassa é a atuação do Estado como promotor de políticas públicas de qualidade para a cidadania.

            O pior de tudo, é que essa violência, marginal, cruel e banalizada, não poupa ninguém, e nela emergem pessoas de todos os níveis e origem, até mesmo mulheres e crianças, que tanto exsurgem como vítimas bem como atores desse caos social e moral.

            Hoje, no Brasil, não há um lugar, uma cidade, uma capital, onde possamos escolher para mistificar como paraíso sem violência. Atos de vandalismos e de gangues, estão por todas partes, seja em colégios, logradouros, em casa...

            Outros atos, mais espúrios como roubos, arrombamentos, assaltos à mão armada, assaltos a bancos, seqüestros, mortes violentas e até com requintes de crueldade, são praticados em todas as comarcas e cidades do país, e a Polícia, despreparada para esses novos tempos, mal paga, mal treinada para enfrentar essa dura realidade, mal formada, pois que sempre foi um braço armado do exército, mal equipada, enfim, mal em tudo, pode fazer pouco.

            Em face ao crescimento e ondas crescentes aqui e ali, não consegue estar em todos os lugares, chegando sempre depois que tudo acontece.  

            O cidadão é esquecido, o homem trabalhador e pai de família é esquecido, e mesmo em áreas domésticas e da vida quotidiana, o crime acontece e até cresce, assustando ainda mais.

            O cidadão é lembrado sim, quando as eleições estão próximas.

            O que dizer do Judiciário? Nossa Justiça é caótica. Nela falta tudo: juízes, juízes preparados, funcionários, espaço físico, papel, máquinas e aparelhagens, além da fixação em uma eterna burocracia, arrastando-se processos anos a fio, que se perdem de vista e desmoralizam o cidadão e as partes.

            Podemos dizer inclusive, que o maior problema é a nossa cultura ibérica, formalista, morosa, com marchas demoradas até se perderem as soluções.

            Justiça sem resposta, bem sabemos, é justiça sem cidadania.

            O Brasil está assim porque é o Brasil. Nós adoramos comparações e dizemos que melhor estamos que Paraguai e Venezuela, se isto for algum consolo.

            Mas, os problemas enraizados do Brasil estão na sua origem, pelo menos uma parte deles. Nossos laços sociais, históricos e genéticos não negam, mas as mazelas herdadas são repassadas séculos a séculos como verdades absolutas.

            Os sinais de maior violência vão se estendendo ano a ano, dia após dia, e nada é efetivamente feito para reduzir ou controlar isto, nada se planeja e em nada se investe.

Crenças erradas/Velhos Estigmas/Pouca ação efetiva

            Nossas políticas são sempre bem equivocadas. Poucas resistem ou poucas possuem caráter de medida efetiva.

            Mesmo nossas leis são deliberadas e aprovadas por um Parlamento que aprova somente o que percebe que não vai “pegar”.

            Exemplo disso é o Estatuto do Desarmamento, que veio sob a “brilhante” idéia de que com ele nossa sociedade seria desarmada, pois as pessoas tinham o hábito de ter armas em casa, ou adquiri-las por medo da violência.

            Só que não tinha solução para o fato das armas serem contrabandeadas e traficadas, e neste caso, raríssimos cidadãos teriam em casa, armas desse tipo, mas tudo que fosse bandidagem e criminoso continuaria livre e com pleno acesso às armas dessa origem pois eles não têm o hábito de cadastrá-las, registrá-las e nem de entregá-las. Aliás, não há registro de uma pessoa nos arquivos sociais e estatais “bandido”.

            A lei pode existir, mas ela não pode deliberar situações concretizadas e complexas por normas simples de proibição sem que isso represente uma violação a situações consolidadas ou por faltar-lhe o aperfeiçoamento jurídico por ausência de respaldo social ao que pretende regular.

            Maria Helena Diniz, notável jurista de nossos dias, tratando da efetividade das normas no seu alcance jurídico, retrata exatamente isso, ao dizer que a falta de respaldo social a uma determinada norma, trará a ela o prejuízo da caducidade ou a falta de aperfeiçoamento dela no sistema jurídico.

            Após a edição da lei do desarmamento, nenhuma solução veio à tona, nenhuma estatística foi animadora, nenhum resultado foi positivo. A cada instante o número de pessoas mortas por armas de fogo cresce, mais armas ilegais são apreendidas e mais e mais aparecem, raramente com cidadãos, mas sempre com velhos bandidos ou novos recrutas do crime. Porquê?

Ora, o que se viu em termos de esforços em prol do desarmamento estava acima da lei, principalmente por que o seu alcance normativo dependeria em muitos casos da adesão das pessoas ou seu apelo. Isso foi fácil resolver.

O difícil é convencer o bandido e quadrilhas a se desarmarem, abandonarem o crime e a criminalidade.

Esse lado negro, ficou sem solução, pois, o fato das armas contrabandeadas ou ilegais permaneceram transitando, e as de uso permitido, continuaram sendo negociadas à parte, portanto, a lei  apanha apenas com relação ao desarmamento, os homens de bem, que possuíam armas no estrito direito de defesa própria, ante o fracasso da segurança pública, e, em alguns casos, pessoas que por tradição, tinham em casa, armas deixadas por pais ou avós, em tempos que não havia de fato proibição em tê-las guardadas.

            Já a tipificação legal de “porte ilegal de armas de uso permitido ou proibido”, já era tratada em outras normas anteriores, e como dito antes, o direito penal não educa, previne sim, quanto ao ato punitivo a ser apanhado.

            A Lei Federal n. 10.816, de dezembro de 2003, substituiu a lei 9.437/97, que tratava apenas do porte englobadamente, essa nova lei trazendo definições aos tipos desdobrados em “porte ilegal de armas”.

Antes dela, outra lei tratou da alteração de dispositivos do Código Penal, através da lei 9.714/98.

            Um jurista (1)[1] tecendo comentários a respeito do estatuto do desarmamento, criticando seu endereço maior, ou seja o comércio de armas de fogo, disse:

 

É necessário tornar rígida a fabricação, o comércio, a aquisição, a posse e o porte de armas de fogo, finalidade da Lei nº. 10.826/03

 

            Também comentando o estatuto, outro jurista, MARCELO MACHADO REBELO acentua sobre o mesmo:

 

“Posto isto, resta observar que a Lei 10.826 de 2003, chamado Estatuto do Desarmamento, foi muito bem elaborada, compreendendo os crimes possíveis relacionados a armas de fogo, porém a inaplicabilidade da lei perante as normas reguladores do Direito Penal brasileiro a tornam somente mais um bonito código, tal qual o Estatuto da Criança e do Adolescente, que serve apenas para ser elogiado, porém sem aplicação real.”

 

            Já o controle de armas não controláveis, dependem de uma política específica de combate ao contrabando de armas de fogo, desde mapeamento das fronteiras, embarcações, portos, aeroportos, com o fim de inibir a venda ilegal, e tecnologia para a localização ou os pontos de controle pelas polícias estaduais e federais.

 

Outra medida, a criação de um conselho de fiscalização da atuação neste controle e presença de militares do exército, marinha e aeronáutica, já que inúmeros artefatos e armas são de uso destas forças, num esforço enorme mas necessário para inibir não somente o contrabando, mas o mercado ilegal, fazê-lo surgir dos esconderijos onde se alojam.

 

Da criminalidade atuante e seu desfecho maior

 

            Entre o que se faz e o que efetivamente deve ser feito, ou foi feito, há uma distância, e grande.

 

            Precisamos conhecer o fenômeno do crime, e mesmo nos livrando ao máximo de discussões acadêmicas, temos que ter a certeza do encadeamento ou desencadear de processo deletérios, perigosos, para prevenir ocorrências danosas, assegurar o controle social e político do sistema, dos órgãos envolvidos na busca de soluções ( Polícia, Judiciário, secretarias de cidadanias, defesa social, etc.).

 

            Conhecer, por exemplo, que medidas são realmente urgentes, mas não só elas, quais medidas podem ajudar o ajuste do controle.

 

Onde investir e realizar ações públicas efetivas, não só  o uso de Polícia, não só o Judiciário que precisa ser melhorado, aliás, essa instituição é antiga até o no seu ideário, ainda se posiciona mais na defesa do patrimônio alheio, do que na aplicação social das leis, mais se esforça para proteger poderosos do que defender o empezinhado.

 

            A criminalidade é atuante como fenômeno, por que como areia movediça, se move tragando quem lhe desafia no seu mundo livre de agir. A criminalidade aumenta e se torna mais violenta, porque o homem se torna violento e agressivo.

 

As desigualdades sociais e econômicas também o empurram para a violência, e não havendo resposta positiva para ele, se insurge,  pois, percebe sua exclusão, não se levando em conta suas necessidades como pessoa e sua dignidade, o que quer e o que precisa, se revolta ou se omite.

 

            Essas fronteiras não são apenas morais, elas são invasivas e sem contrapartidas são ameaças fortes de um futuro inútil. O sistema psicossocial do indivíduo está desequilibrado e nada é feito para restabelecê-lo. 

 

            Por outro lado, a  brutalidade em que vive ou que sofre vai  calcificando. Não é só o bandido que mata, o traficante violento e muito armado, intimidador, mas até pai de família mata, e ainda mais, os policiais.

 

            Claro, morrem muitos pais de família, como também policiais, na certeza de que todos somos realmente vítimas desse fenômeno crescente e assustador.

 

O Menor Infrator e a perversidade do sistema

 

            Certa vez, em sala de aula, eu dizia aos meus alunos, que crianças largadas e desprezadas nas ruas, seriam fontes de reforço a um futuro exército de bandidos, e que não havia planejamento, política pública ou medidas reais de esvaziar a futura criminalidade.

 

            Os alunos preferiam a crítica às mães parideiras, a discriminação a nordestinos, que o interesse em aceitar que a melhor maneira era a busca de uma solução confiável.

 

            Alguns se limitavam não a pensar mas a pedir a redução legal da capacidade criminal.

 

            Como sempre ensinei, o Direito Penal não presta para educar, só para intimidar, desde o talião é assim, e por ser fechado, não muda muito no espaço e no tempo.

 

            A questão do menor é mal tratada desde 1917, quando um congresso de policiais, discutiu no Rio de Janeiro, uma política de assistência ao menor abandonado e infrator, criando-se a partir daí, o juizado e comissariado de menores, e que passados mais de 90 anos, vemos que absolutamente nada aprendemos com essa questão, e a nossa jovem lei 8.069/90, no mesmo descompasso dos aludidos congressos.

 

            Nessa ocasião, apesar o pioneirismo das idéias neste setor, o combate ao menor infrator e desassistido, a questão foi tratada e mantida no âmbito policial, para virar crônica ou estória de polícia contra bandidos.

 

            Quem mais assistiu o menor de lá até fins dos anos 60, foi a Igreja Católica, que mantinha as chamadas “Casas do Menor” ou “Patronato”, fazendo isso sem apoio do Estado. Quando percebeu que as políticas do governo neste setor não eram sérias, a Igreja abandonou esses trabalhos.

 

            Nunca existiu uma política pública efetiva de amparar, assistir, cuidar, vestir, enfim, erradicar o menor do crime e das ruas, senão a autoridade do chamado “comissário de menores” que decidia sua internação e castigo.

 

            A Igreja Católica foi perdendo força e prestígio, abandonando práticas nesse sentido, restando alguns abnegados padres ou pessoas ligadas ao sentimento cristão, a preocupação e busca de um resgate.

 

            Em 1990, veio o ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, Lei 8.069, que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro como outras leis, por exemplo, como a LEP, ou seja, sem uma política ou um ajuste social para a questão.

            Lembro-me bem, pois fui um dos primeiros a atuar no acompanhamento de casos de menores infratores, vez que as varas de infância e juventude, foram as únicas medidas criadas até fins de 1991 e 1992, as quais recebiam operadores e advogados atuando como uma vara criminal comum e qualquer.

 

            As chamadas Febens, Fundação Casa, continuaram a existir nos mesmos moldes das COLMEIAs.

 

            O menor produto do abandono e da miséria, foi punido, e se tornando um novo bandido do mercado.

 

            Esse abandono e miséria persiste nos dias de hoje, e esses infratores, não vão longe, morrem antes dos 25 anos em algum confronto com a Polícia, ou em um acerto de contas, pois é o que lhes resta.

 

            E a atual política de tratamento do menor em todas as suas perspectivas, o remetem para as mesmas políticas de 1917, de 1930 e seguintes, nada mudou.

            As crenças são erradas. São focadas em situações próximas e ali ou acolá, imediatistas, sem discutir causas, programas, investimento reais, retornos sociais efetivos, apenas uma situação de Polícia e só.

 

            Aliás, até as polícias e policiais são tratados da mesma forma. Sem compreensão e sem um modelo de atuação, e deles exigidos o fiel cumprimento de dever e de confronto, sendo para isso treinados e tornados despreparados para a vida e solução dos casos.

 

            Recebem parcos salários, poucas garantias e investimentos no preparo e arrojo, e se tornam presas fáceis não só dos criminosos, dispostos a tudo para viver, também, presas fáceis da corrupção ativa e passiva, no desempenho de suas atividades, e até arrebatamentos para engrossarem o crime organizado, levando deles a experiência policial ou militar.

 

            Não há crenças no homem, no servidor correto e constante, mas apenas arregimentação de forças policiais em número de efetivos, mas poucas possibilidades de vencerem combates instantâneos e momentâneos na violência urbana e criminalidade atuante, aquela que cresce por propagação  de seus métodos e eficiência no objetivo danoso. De quebra, cria o clima psicológico de impotência em torno de todos que estão a sua volta.

 

O SENSACIONALISMO MIDIÁTICO  

 

            Assistimos na mídia comum e até especializada que a situação da falta de segurança pública está refletida no fracasso suposto a uma legislação penal suave, ou seja, tudo é culpa da lei penal que é branda no apenamento dos infratores.

 

            Nesse nível, taxa a lei penal brasileira como arcaica e obsoleta, e que é responsável pelo incentivo ao crime no país.

 

            Em crônicas de jornalistas até conhecidos, lemos ou ouvimos, que a pena de 30 anos é pouco ou que o nosso Código Penal, por estar ultrapassado, funciona como um escape incentivando a impunidade.

 

            Parte dessa mídia assevera que as penas aplicadas são suaves e que o regime de progressão é uma piada, pois pessoas que matam, muitas vezes de forma cruel, violenta, etc., cumpre parte da pena e sai às ruas, praticando novos delitos, e outra vez, obtendo esses benefícios de “saidão” e progressão, ou seja, para eles os beneficiados, o crime compensa.

 

            A crítica não recai sobre a política criminal adotada pelo Governo ou de sua inércia diante do sistema que ele mesmo instituiu por lei.

 

            Ora, a LEP (Lei 7.210/84), por exemplo, como o Estatuto do Desarmamento e o ECA, é uma lei moderna, diretiva, ordenadora de medidas e de ações públicas, para conter a reincidência criminosa, e buscar a ressocialização do delinqüente.

 

            O problema é que as medidas, os recursos, as diretrizes, nela estabelecidas nunca foram concretizadas, nunca recebeu investimento sério, ela somente pegou na parte mais fácil, ou seja, onde não se precisa gastar mas livrar-se dos gastos, ou seja: progressão de regime.

 

            O sistema de penitenciárias, pensadas no país desde a construção do antigo CARANDIRU, na década de 20, continuou mantido, na idéia de que caberiam os presos e não haveria  reincidências.

 

Esses presídios incharam porque despreparados estavam para o aumento da população criminosa, também foi pensado o seu inchamento com os retornos (reincidências), o que resultou em superpopulação, e justamente por que quem saía um dia tinha de voltar, já que lá fora, encontraria todas adversidades para se readaptar.

Prender, prender e prender, não resulta em nada. A prova disso é a superpopulação carcerária, que demonstra exatamente que os presididos são ou devem proporcionalmente mais numerosos quanto maior crescer a população.

A prisão é uma medida de constrição, mas não segura ninguém, e hoje funciona mais ou menos assim: “alguém tem que sair por que outro tem que entrar”.

Se isto é verdade, a solução será construir um presídio em cada esquina, assim, garantimos a prisão de pelo menos a metade da população do país no futuro, pois estamos construindo uma sociedade desigual e injusta, onde submersa me miséria e exploração, e sem chances e oportunidades, envelhece rígida, sem cultura e violenta. Portanto, predisposta ao crime.

 

A Impunidade tem várias situações, como prender alguém e não prender sicrano ou fulano, multar um velocista no trânsito mas não multar o outro, aliviar para certas classes privilegiadas, bem como, resulta também de leniência do sistema ou até mesmo da sociedade, com o tratamento dispensado a certas pessoas e figurões que sequer freqüentam ou são chamados a freqüentar delegacias, quanto mais presídios.

A impunidade está cristalizada no tratamento que é dispensado a pessoas de certa classe social, recebida na bondade do sistema, ao passo que por outro viés fomenta a discriminação dos mais desvalidos.

De impérios com terras em milhões de hectares e repressão a quem procura ocupar 150 metros por nada possuir.

Enfim, não se quer uma discussão, um debate amplo dos problemas sociais, e a busca de soluções planejadas, preparadas, ajustadas, o discurso é apenas para culpar alguém, e não havendo alguém, culpe-se o Código Penal, afinal basta mudá-lo...

Uma lei como ensinam os juristas, precisa de força para implementá-la, nenhuma lei subsiste pela simples leitura, mas por sua efetivação.

Portanto, tenta essa imprensa sem rumo, passar a idéia de que uma reforma penal com a retirada dos benefícios de progressão da pena seria uma forma de reduzir a violência, o que é um equívoco, ou dizer que sendo mais severo o Código, o crime ira diminuir, na idéia de que o criminoso teme ser preso, é mais um erro, e como no discurso de Górgias(2)[2], uma coisa não está ligada a outra, pois uma pessoa que mata aos dezoito anos, se cumprir toda  a pena que se lhe impuser, ainda sairá jovem e pronta para matar, e matará sempre, então para que serviu a prisão?

Para o criminoso, a certeza de escapar da perseguição policial, a morosidade e respostas do Judiciário,  e a falta de um lugar seguro para a segregação, alimenta a coragem e a ousadia na direção do crime, pois seu retorno será a um lugar algum de ponto nenhum, que o destino e o seu futuro pouco lhe importará.

Mesmo pegando a pena mais severa, com essa idade, sairá aos 48 anos, é só fazer as contas, e matará de novo, pois todos serão seus demônios e inimigos. Não é a saída.

Confunde-se severidade do castigo com o tamanho da pena, e como a pena não educa, ela deixa marcas.

O problema, pelo menos paliativamente, é quantos presídios serão necessários e seguros e a construção deles será suficiente suportar e guardar o número de delinqüentes e de infratores, que cresce ano a ano, justamente por causa da miséria, da falta de políticas educacionais consistentes, de políticas públicas, de assistências sociais, enfim de tudo o que falta e ninguém quer se ocupar.

O Direito Penal é meramente punitivo, sancionador, as penas são sempre o seu resultado, portanto, não guarda a idéia de pacificar, mas prevenir quanto à pena, não se preocupa em educar, tipo “não faça mais isso”, seu comando é imperativo e só. Aliás, o pensamento penalista é no sentido de punir o caminhar que afronta a norma.

Ao punir o que pratica o homicídio, por exemplo, a lei penal protege somente um interesse público, e tanto é que no seu processo punitivo a vítima é o Estado, o mentor do império da ordem e lei, não o imolado, que foi o sacrificado.

O mestre Magalhães Noronha, até ensinava que a lei se dirigia à defesa do Estado, tratando-o como vítima primária, já a verdadeira vítima, era secundária.

Ademais, dar força e crédito ao que a Imprensa de caráter policial critica, na verdade, é ruim, pois, o momento do mundo trata de mudança nos conceitos penais, procurando torná-lo mais garantista, e o processo penal menor instrumental, alçando-os, direito material e processual, ao nível de garantias mínimas do cidadão diante dos estados, como defesa de direitos históricos.

Daí a idéia cada vez maior de um direito mais libertário e menos prisional.

É bom lembrar ainda, que nossa tradição é ibérica, romanista, e exatamente por isso, nossa cultura legal é exageradamente burocrática.

Não temos os sentimento social e moral de culturas saxônicas, somos apegados ao que escrevemos e registramos, por isso, mudar os conceitos sociais e morais de uma sociedade requer o cuidado de muita discussão e consenso para que as mudanças sejam aplicadas com segurança e sucesso.

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[1] Damasio E. de Jesus, comentários sobre a lei.

[2] Górgias, era um orador grego, sofista, ao tempo de Sócrates, que corrompia o pensamento da juventude ateniense com discursos sofistas ( falsos), discurso de verdade aparente, no intuito de ludibriar os ouvintes e engabelá-los, como fazem os políticos à época das eleições na nossa época.