A CORRUPÇÃO ENQUANTO ASPECTO CULTURAL

Claimir Facchi1

1 Graduação FILOSOFIA - UNOCHAPECÓ SC

2 Graduação TEOLOGIA - FAETEL SP

Pós ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS - UNIASSELVI SC

ENGENHARIA DE MEDICINA E SEGURANÇA DO TRABALHO - UNIASSELVI SC

GESTÃO ESCOLAR - FAPI FACULDADE DE PINHAIS PR

Natanael de Souza2

Resumo

Este artigo abarca o tema da corrupção no Brasil acerca do seu aspecto histórico-cultural, considerando o ser social de forma ontológica, os reflexos dessa cultura no comportamento do cidadão, suas opiniões políticas pautadas em normas éticas e morais ausentes em si próprios. Em função disso, constrói-se no imaginário coletivo a ideia de que todos os políticos no Brasil são corruptos, os únicos responsáveis pelas desigualdades sociais e pela prática de crimes contra o patrimônio público. O artigo contempla a elaboração do conceito de corrupção dos brasileiros a partir de situações cotidianas, elucida como essa prática reflete nas diversas camadas sociais, sendo ele também um agente importante na origem do político desonesto.

Palavras-chave:

Corrupção. Incentivo. Cultura. Comportamento. Capitalismo. Sociedade.

1 INTRODUÇÃO

Quando caminhamos pela rua ou andamos de carro, geralmente criticamos ou falamos mal da prefeitura para nós mesmos ou para quem está conosco de algum buraco que encontramos no meio do caminho, entretanto, ao regressar podemos nos defrontar com o mesmo buraco, repetindo as mesmas reclamações. Porém essas reclamações não seguem adiante, nem nos esforçamos para fazer isso, nem sequer nos mobilizamos para tapar o buraco mesmo sendo perto da nossa casa. Não sentimos essa responsabilidade como sendo nossa, não obstante, ainda multiplicamos a insatisfação para os colegas, amigos, vizinhos e familiares. Em nenhum momento observamos as inúmeras sinalizações dessa rua ou todo o trabalho que já foi feito para construí-la.

Essa realidade também ocorre no panorama político, o cidadão liga a televisão ou abre o jornal, depara-se com escândalos políticos milionários, mau uso do dinheiro público, redes de clientelas, impunidade dos corruptos, ficamos com a sensação de um mal-estar coletivo, destruindo toda e qualquer confiança na política. Lembra-se da história do buraco? Então, a primeira atitude é desligar a televisão, amassar o jornal, reclamar, falar mal, esbravejar devido ao sentimento de impotência em não poder fazer nada.

Se olharmos com mais atenção a nossa história, nossa cultura as coisas começam a mudar de rumo, se cruzássemos com o filósofo Diógenes de Sínope (413- 323 a. C) será que ele pararia em nossa frente feliz da vida anunciando finalmente ter encontrado a pessoa tão

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honesta que tanto procurara? Ao iniciarmos uma reflexão nesse sentido percebemos a força de mudança existente em nós, podemos sim fazer muito para mudar o rumo da história, começando a partir de nós mesmos, no nosso dia a dia, dentro de nossa casa, ao educar nosso filho, em nosso local de trabalho, no jogo de futebol com os amigos, no trânsito, no bairro onde moramos em nosso núcleo familiar.

Este artigo desafia o leitor a se identificar ao decorrer de suas etapas com situações que provoquem a reflexão, seja pela aceitação ou negação, acerca de suas responsabilidades enquanto ser social em seu sentido ontológico na construção de um Brasil com mais cidadania e consciência coletiva.

2 RAÍZES DA CORRUPÇÃO NO BRASIL

A etimologia da palavra corrupção vem do latim com o sentido de deterioração, decomposição física e orgânica de algo em putrefação, pode significar também modificação, adulteração das características originais de algo ou no sentido figurado significa degradação dos valores morais, hábitos ou costumes. Nesse aspecto, apesar da corrupção não ser um problema único, exclusivo do Brasil, chegamos a um patamar onde a comunidade brasileira aparenta estar composta por cidades como Gotham City. Já não sabemos mais se podemos confiar nas autoridades, nas instituições, na soberania do Estado democrático de direito.

A corrupção ao longo do processo de formação do ethos brasileiro, sempre esteve presente desde a época da ocupação pelos portugueses, nessa construção de valores morais, quase todas anônimas, podemos identificar situações com maior influência a partir do século XVI onde funcionários públicos ao invés de fiscalizar o contrabando de produtos brasileiros como ouro, diamante, pau-brasil, tabaco e especiarias, as quais poderiam ser comercializadas somente com a autorização do rei, passavam a negociar com piratas e contrabandistas. Há quem possa manifestar a opinião que essa negociação seria apenas uma forma de defesa, pois longe e totalmente desprotegido da coroa não teria outra forma de sobreviver se não entregar as riquezas, nesse caso por que não negociá-las? Afinal, Portugal não tinha um controle efetivo sobre práticas de contrabando e propinas, estava mais preocupado em manter os altos rendimentos da classe aristocrática, não queria abrir mão do Brasil, também não tinha a mínima pretensão de viver aqui.

Entre o contexto de posicionamento geográfico, relações econômicas e políticas com a Inglaterra, Espanha e França, o jeito era garantir o domínio da galinha dos ovos de ouro, oferecendo vantagens para nobres portugueses a se instalarem cobrando apenas um quinto de impostos, permitia que trabalhassem sem vigilância, tudo isso caracterizou uma espécie de incentivo, conforme definido por Heath (2009, p.47 e 48):

A outra maneira de evitar o problema é definir incentivos de forma tão ampla que qualquer coisa com que alguém pudesse se preocupar, inclusive princípios morais, contaria como um incentivo. Steven Levitt e Stephen Dubner, por exemplo, no livro

Freakonomics – o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta, consideram que os incentivos incluem não apenas incentivos "econômicos" e "sociais", mas também "morais" [...] Todos esses rodeios significam que, se você realmente quiser 3

compreender o que os economistas estão pensando quando falam em incentivos, não deve considerar as definições que eles apresentam. Você deve examinar os exemplos concretos que eles escolhem e os tipos de comportamento-alvo de seu interesse. Levitt, por exemplo, está interessado no comportamento fraudulento [...] Em cada caso, as pessoas que Levitt estuda estão se aproveitando de oportunidades que surgem dentro do sistema de incentivos externos. Elas são guiadas por aquilo que os psicólogos chamam de motivações acessórias: dinheiro, status, poder.

Outro ponto de vista a ser considerado é o fato de Portugal enviar para o Brasil pessoas tidas como indesejáveis, os primeiros colonos foram abandonados à própria sorte, acolhidos pelos grupos indígenas nativos desta terra. Certamente não só essa camada social viria a influenciar na construção das raízes éticas do povo brasileiro, pois nessas migrações vieram também muitos padres, fidalgos, por fim até a corte. O que devemos considerar nesse conjunto de fatores em um primeiro momento histórico, são aqueles colonos aqui deixados por Portugal, já os foram movidos pela ideia de punição, exílio, em um segundo momento da nossa história os escravos também vieram contra sua vontade, foram caçados em suas terras e trazidos à força.

Assim o Brasil colônia agregou todos os ingredientes para ser um solo fértil e germinar a corrupção nas entranhas da formação ética-cultural, de uma nação que se acostumou explorar a terra sem dar nada em troca, ter acesso fácil às riquezas do novo mundo sem nenhum controle, sem a necessidade de responder por quaisquer agressões contra os nativos, contra o meio ambiente ou contra o poder instituído sendo ele provindo de Portugal, do Brasil como província no século 16, do Brasil como Estado da coroa no século 17 ou do Brasil como reino de Portugal a partir de 1815. Nesse período os brasileiros também eram súditos do rei, como os portugueses nascidos naquele país, a história relata a preferência dada aos nascidos em Portugal tanto no comércio, como em cargos públicos, isenções tributárias, práticas que fatalmente instauraram de vez o embrião da corrupção na psique da composição de uma das partes da nascente identidade e características do povo brasileiro em pleno berço de sua formação.

Não podemos ignorar a importância em destacar nesse processo histórico o amor à terra-mãe demonstrado pelos índios através da resistência até metade do século

XVI, todos os povoados que se instalaram no Brasil nesse período sem a anuência desses nativos, foram massacrados.

Nessa perspectiva continuou surgindo verdadeiros heróis entre os indígenas, entre os negros, até entre os portugueses. Tiradentes, Antônio Vieira, Castro Alves, Mario Quintana, Padre Cicero, Zumbi dos Palmares, princesa Anastácia, foram e são heróis, na fase atual da nossa história podemos citar o seringueiro Chico Mendes, Dorothy Stang, o casal de ambientalista Maria do Espírito Santo e Jose Claudio Ribeiro, o polêmico "suicídio" do ex-vereador Marcelino Chiarello entre tantos outros que lutaram pela democracia, pela liberdade, pela justiça social, pela ética na política e na administração pública.

Infelizmente esses exemplos não são o suficiente para combater o mal crônico da corrupção, hospedados há séculos, criaram raízes tão profundas que até nos dias atuais

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ouvimos ditos populares do tipo "ah meu Deus, porque não acho um pote de ouro" ou "jeitinho brasileiro".

No primeiro provérbio, podemos analisar sua natureza originária do inconsciente social, reflexo do desejo de resolver os problemas de maneira fácil, rápida sem esforço nenhum, sem precisar dar nada em troca ou cumprir normas e procedimentos para obter algo almejado.

No segundo provérbio, por mais argumentos bem intencionados em defesa dessa frase no sentido de isentar o ato corrupto ou má fé para prejudicar alguém, não há como negar a corrupção nela implícita para os dias de hoje. Revela uma tendência de sempre se dar bem, a priori aparenta uma forma inofensiva, até engraçada, afirmando uma premissa justificável para si próprio e para a sociedade de ser vítima das injustiças sociais, da falta de oportunidades. A sociedade ao acolher tal premissa entra em um circulo vicioso tolerando o desenvolvimento do embrião da corrupção, é como se adotasse uma autoproteção, pois essa postura do corpo social concebe o ato corrupto uma possibilidade de ser reproduzido por qualquer um dos seus integrantes sem que haja punição alguma.

A consequência desse comportamento é catastrófica se tratando da administração pública, em maior ou menor grau, nas obras sociais como saneamento básico, degradação sem limites do meio ambiente, segurança, economia, educação, influenciando diretamente na evolução do nosso país.

Esse processo histórico possibilitou uma estruturação no Brasil de um sistema-norma capaz de abrandar os desvios de conduta administrativa, os crimes de colarinho branco, os desvios de verbas e a corrupção de modo geral. As instituições brasileiras nasceram muito fracas, gerando um paradoxo entre o que prega a norma/regra e o que realmente é praticado, a dificuldade em executá-las efetivamente enfrenta forças profundas arraigadas com uma dose de consentimento da opinião pública, mesmo com a sensação de impunidade dos infringentes da lei, tudo fica amortizado por se acreditar que o corrupto seja fruto de uma sociedade desigual, reforçado pelos órgãos humanitários sobre a possibilidade de condenar um inocente com base na incompetência do sistema judiciário, depreciado por vender sentenças a grupos políticos.

3 FORMAS DE CORRUPÇÃO

3.1 A CORRUPÇÃO CULTURAL

Trata-se da mais, profunda e imperceptível configuração de corrupção, ela chega bem cedo, já na nossa infância, começa a despertar em nós os instintos primitivos, seria a corrupção mãe de todas as outras formas de corromper, é a mais difícil de coibir, além de ter todo um cenário montado em nossa volta (comportamento dos pais em casa ou no trânsito, dos colegas dentro e fora da sala de aula, dos programas de rádio, televisão, principalmente os de humor, do conteúdo de certas músicas, jogos de videogames, descumprimento dos compromissos em relacionamentos pessoais, sociais, profissionais entre os adultos, o tipo de

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vocabulário que vamos adquirindo na rua, nos estádios de futebol, nas festas, baladas e assim por diante).

Esse mundo externo ocupa todo o nosso tempo, é a própria caverna de Platão, fica difícil de o indivíduo tomar posse de sua própria consciência, abrir a mente para assim enxergar os estragos provocados por atos considerados inofensivos, acabam replicando condutas básicas para construir uma sociedade corrupta. Agora, a iniciativa dessa atitude depende exclusivamente do sujeito e ninguém mais?

O desafio é gigantesco, exigem mudanças de hábitos rotineiros, monitoramentos constantes em nosso próprio comportamento, com o intuito de vencer a tentação em violar regras para tirar vantagem pessoal.

Dentro daquilo que já citamos como um cenário montado imagine você com todos os seus conhecidos, crescendo dentro desse mundo, instigando forças naturais da nossa humanidade, conforme apontadas pelo teólogo são Tomás de Aquino, a luxúria, gula, avareza, ira, soberba, vaidade e preguiça, muito provável que o vírus da corrupção irá se desenvolver e acompanhá-lo até seus últimos dias. Talvez tenha nascido com ele ou pode ter adquirido em alguma fase da vida, aceite a ideia desse vírus da corrupção ser algo predisposto no seu organismo em estado petrificado, as forças naturais humanas existentes dentro de você, uma vez alimentadas tornam-se implacáveis capazes de destruir todo o invólucro para libertar tal vírus, somente o acompanhamento contínuo, uma vistoria cuidadosa possibilitará minimizar essa probabilidade ou anular por um longo período seu desenvolvimento podendo até garantir o controle para manter o vírus da corrupção cristalizado.

3.2 A CORRUPÇÃO CRIMINOSA

O sistema em que vivemos acoberta muitos crimes extremamente nocivos a nossa sociedade brasileira, como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, de pessoas, de armas, a extorsão, o terrorismo, tudo converge na corrupção. Contudo, é necessário estar sempre desconfiado, porque nasce nas propostas de ganhar dinheiro de forma rápida, simples, sem muito esforço físico ou intelectual, geralmente não exige grandes responsabilidades, cobranças,

stress etc...

A corrupção em seu sentido convencional nos mostra o caminho mais fácil, imagine entrar em uma casa totalmente desprotegida, apoderar-se da televisão de última geração para vendê-la no comércio ilegal ou então usá-la em benefício próprio, suprindo assim o desejo de ter uma televisão de último lançamento. Bom, mas isso é roubo! Eu estaria sendo um ladrão. Exatamente. Para a justiça, ao apropriar-se da televisão, você é classificado como um ladrão, sujeitando-se a punição do código penal brasileiro, este considera algumas situações de menor ou maior gravidade.

Se ao entrar na casa o dono estivesse ausente seria um furto, no entanto se ao entrar na casa encontrasse o dono, o ameaçasse para levar a televisão, seria um roubo, a pena é maior neste último caso, fundamentado na existência de violência física ou verbal contra alguém, no

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entanto, as coisas tendem a piorar, incrementamos neste cenário uma arma, usada para ferir o dono da casa. Qual motivo o levaria a chegar nesse ponto? Qual o incentivo? No tocante a ausência do dono, seria a grande ocasião por não haver ninguém fiscalizando a casa? Ou é pura ambição de aumentar a renda com facilidade, mesmo que isso custasse tirar uma vida? Se a polícia chegasse nesse momento, como você agiria? E a polícia, como reagiria? Não seria uma oportunidade propícia para a polícia executá-lo em nome da lei, da ordem, da justiça com o objetivo de resgatar ou aumentar o prestigio com a sociedade? Essa sociedade como iria julgá-lo? Seria abastecida com informações de quem? Seus amigos? Das autoridades? Da mídia?

Nesse momento cabe uma leitura da conjuntura da policia, esses defensores da lei, na hora de agir poderiam se encontrar com dilemas pessoais, estressados, pressionados, corrompidos, poderiam estar sendo usados de forma conscientes ou não por forças maiores na promoção de alguma liderança política, sutilmente articulada com a mídia, só esperando um fato antissocial acontecer para então encaixar a peça faltante e divulgar o teatro com sensacionalismo, neste contexto ecoa a pergunta do capitão Nascimento do filme Tropa de Elite 2, onde afirma com segurança, "o policial não puxa esse gatilho sozinho".

A corrupção tem esse poder, não é apenas um desvio de comportamento individual, ela confunde, isola, envolve, influência, agride a estrutura ética das pessoas, se mistura entre os cidadãos de todas as camadas sociais. O desejo de posse de algo que lhe faça feliz, realizado, satisfeito sobrepõe às necessidades das outras pessoas em condições bem mais precárias, esses indivíduos incorrem em uma terceira forma ilegal: a apropriação indébita é como você emprestar suas chuteiras a alguém e essa pessoa não lhe devolver mais, ou seja, tomou posse do que não lhe pertence.

Essa espécie de corrupção criminosa, além de ser o pronunciamento mais destapado, superficial, é também o mais evidente, aquele que salta aos olhos, por ser mais palpável afeta a cada um de forma muito direta, poderíamos até classificar essa forma corruptível no sentido de roubar o seu carro, assaltar a sua casa, obriga-lo a entregar sua carteira com documentos pessoais, dinheiro e cartões de crédito sob a mira de um revólver, a manifestação mais fácil de coibir pelo seu caráter explícito.

Logicamente quem já passou por experiências assim tende as mais diversas reações, como ficar revoltado, deprimido, em estado de choque, até desiludido. Se o Estado se envolve, quando se envolve, deixando o caso sem um desfecho, agrava ainda mais a situação, inicia um processo de indignação generalizada na população. O cidadão vítima do roubo da televisão, adquirida de forma honesta, fruto de muito trabalho, esforço, parcelada em várias vezes, isso ainda quando não fica pagando, sente-se totalmente desprotegido por um Estado intransigente, não para solucionar o problema do cidadão, mas para lhe cobrar os impostos.

Surge um incentivo poderoso para esse cidadão se corromper, o Estado não terá mais um aliado, passa a ter mais um rebelde no sistema, um potencial corruptor, podendo se apresentar nessa forma convencional ou então na forma de corrupção que veremos a seguir.

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3.3 A CORRUPÇÃO POLITICA

Entende-se por política a ciência da organização do Estado, sobre a corrupção já sabemos que significa "quebrado em pedaços" ou "tornar podre", metaforicamente poderíamos substituir o titulo desse assunto para "A organização do Estado quebrado em pedaços" ou "A organização do Estado apodrecida". Talvez nesses termos, seja forte demais rotular nossa nação de maneira tão vulgar, apesar de tudo temos em nosso país o carnaval, o melhor futebol do mundo. Não esqueçamos quer queira ou não fazemos parte disso.

É fato, não podemos ignorar a beleza cultural do carnaval, das fantásticas histórias de oportunidades oferecidas às crianças carentes através do futebol por esse Brasil afora. Agora não podemos tapar os olhos deixando de questionar quem se aproveita disso para benefício próprio em detrimento dos direitos básicos da população.

O Estado legitimado por normas impessoais e racionais tem um papel determinante no equilíbrio dessas relações por meio dos políticos, representantes dos cidadãos, os quais devem estar imbuídos de um espírito público, comprometidos em criar normas justas, por em prática, julgar, denunciar os crimes impunes pela magia do poder, como homens comunitários, a missão é sempre estarem cientes que a falta dessa postura, implica em fomentar volumosos prejuízos contra a vida e a saúde da coletividade.

Nesse momento grita dentro do político aquilo que ecoa dentro dos brasileiros, uma cordialidade intrínseca provinda de seu amago deixando-o incapaz de incorporar a imparcialidade racional exigida pelo Estado. Sentimento derivado dos traços culturais refletidos do passado ibérico onde não existiam regras impessoais para a coroa entregar incentivos, essas marcas de morosidade, irresponsabilidade por não termos atravessado o processo de modernidade como aconteceu na Europa com a Revolução Francesa, um acontecimento intenso na compreensão da distinção fundamental entre o publico e privado.

No entanto estamos nos referindo à cordialidade ou a corrupção? Nesse caso estamos tratando de comportamento como um todo, aquele inculturado em nós, com reflexos no comportamento político fraudulento. A crítica feita aos políticos cabe uma reflexão mais apurada por nós. Não haveria probabilidades, caso esse cargo lhe pertencesse, em executar as mesmas negociatas? Seria possível apontar onde começa esse tipo de corrupção?

Não há dúvidas que a corrupção política no Brasil esta diretamente ligada ao clientelismo, à prática de favorecimento exercida por políticos em troca de apoio para suas campanhas, onde o empresário oferece apoio nas mais diversas formas (dinheiro, influência sobre forças políticas, grupo de empresários, associações etc.), em contra partida o prejuízo para a população é incomensurável, pois exigem do político após ter sido eleito a reserva de cargos para familiares, amigos sem conhecimento técnico, sem competências para exercer essas funções, mesmo que tivessem, derruba por terra a essência da república.

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O nepotismo legitimado e o oligarquismo são as principais marcas do clientelismo, nessa condição aqueles que foram eleitos entregam o poder para grupos econômicos visando aumentar seus lucros, não estão preocupados com a população ou o meio ambiente.

Dentro desse contexto podemos classificar três espécies de politico; o sem escrúpulo, o lobista e o politico social.

3.3.1 O político sem escrúpulo

É o tipo ambicioso, corrupto deslavado, faz da política um trampolim para o seu próprio negócio, compra votos, fomenta a política do assistencialismo, ajuda as pessoas em suas necessidades mais urgentes, aproveita da miséria ou desespero dos cidadãos para se promover.

Imagine uma tragédia com um de seus familiares onde você esteja atravessando por dificuldades, podem ser financeiras ou não, esse político vem na sua casa ou envia um representante para lhe ajudar com o funeral entre outras situações práticas para esse momento. Por mais que seja um político corrupto você jamais irá esquecer, pois foi pontual, atingiu-lhe enquanto individuo, nós brasileiros por causa da nossa cultura temos essa inclinação irracional, esse tipo de político sabe disso, ficamos com o sentimento de retribuir, a forma de pagamento acaba sendo o voto.

3.3.2 O político lobista

É o mais difícil de identificar, é o tipo astuto, maquinador, inteligente muito parecido com o político social, tem uma vida pautada pelos bons costumes, frequentam igrejas, tem família, são muito trabalhadores, competentes na profissão que exercem (advogado, médico, engenheiro etc...), para agravar a situação esse político até faz certa obras sociais, no intuito de gerar subsidio moral para as promessas da próxima campanha, ter o que mostrar na mídia, convencer a população que algo está sendo feito geralmente foca em obras materiais.

Essa espécie emerge em função do analfabetismo político do cidadão não conseguir pensar a sociedade a médio e longo prazo. São na verdade, representantes da luta em prol da aprovação de leis favoráveis a prosperidade do negócio de grupos econômicos, em detrimento de leis que possam realmente ajudar a população. Sempre estão ligados aos serviços de seus patrocinadores, pequenos grupos dominantes, encarregados de estender as insatisfações dessa aristocracia às classes inferiores, minar a ideia de insatisfação geral plantando um caos inexistente, gerando incertezas, direcionando as opiniões, roubando a liberdade, as escolhas dos cidadãos, convencendo que todos se darão mal. À missão desse político é satisfazer esse pequeno grupo privilegiado em sua plenitude. Na verdade, uma forma bem mais sutil de corrupção, na prática proporciona um Estado a serviço de uma minoria detentora do poder econômico, alinhado ao discurso de ser o único caminho onde todos terão oportunidades merecidamente iguais com justiça social.

3.3.3 O político social

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É uma espécie rara, provido de espírito público, capacidade de julgar com objetividade, sensibilidade política para conscientizar camadas sociais, grupos étnicos em posições confortáveis na sociedade, sobre a necessidade de vencer seus egoísmos, ajudar outros segmentos a se desenvolver. E politico honesto existe? Existe sim! Infelizmente pagam e continuarão pagando pelo comportamento dos colegas corruptos. No imaginário da população brasileira já está enraizada a imagem do político ladrão, por mais batalhador das causas sociais no final será taxado como corrupto.

A semelhança do político social com o político lobista é muito grande, muitas vezes ele age como um lobista para promover uma lei de construção moral e política, baseada na igualdade de direitos, solidariedade coletiva. O que diferencia no final, embora isso leve um determinado tempo, é o resultado das atitudes desses políticos na vida das pessoas, não em casos urgentes como a situação da ajuda funeral, mas nas situações de melhor qualidade de vida, melhor acesso à saúde, educação, saneamento básico, distribuição de renda, investimento na proteção do meio ambiente, repartições públicas funcionando, eficiência nos atendimentos aos cidadãos nos mais diversos segmentos, um Estado implacável ao desrespeito com o dinheiro público.

3.4 A CORRUPÇÃO EMPRESARIAL

Ter seu próprio negócio, dedicar seu tempo ao trabalho visando o retorno em forma de lucro em nossa sociedade capitalista não é nenhum pecado ou ilegalidade. Muito pelo contrário é sinônimo de boa referência, de progresso, produtividade, conforme o negócio cresce abre oportunidades para outras pessoas serem associadas, contratadas ou parceiras girando a roda da economia, estabelecendo relações econômicas e sociais.

A corrupção aparece quando a índole do cidadão começa a condicionar para o acumulo de capital através da extração máxima do esforço de seus contratados sem compartilhar as cifras desse excesso, com justificativas ancoradas na ideologia neoliberal, estipula salários de subsistência, promove apenas um pequeno grupo a excelente remuneração, os quais por estarem em posições significativas, naturalmente blindarão o dono do capital e reproduzirão o sistema.

Esse modelo agressivo traz a corrupção em sua essência, é praticamente infalível porque se alimenta de uma crença emocional chamada esperança, uma algema invisível poderosíssima. Havendo apenas uma chance real de alguém da base vir a fazer parte do pequeno grupo bem remunerado ao decorrer do tempo, já é o suficiente para todos se manterem esperançosos, alienados, sem observarem ou admitirem, que não haverá lugar para todos.

Esse método é seletivo por natureza, o pensamento para quem vai escalando a pirâmide vai mudando na medida em que desfruta da liberdade oferecida pelo poder econômico, até o ponto de não mais enxergar o mundo de forma horizontal e pluricultural, convence-se que chegou a tal posição por merecimento, não percebe, não concorda ser um resultado do próprio sistema capitalista, o qual reduz o potencial humano ao fator técnico,

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seria como exigir dos pássaros nados sincronizado, mergulhos perfeitos, no tocante ao desenvolvimento de vários tipos de voos estariam fora de cogitação, a própria grade curricular do Estado é um termômetro, pois são vários anos de preparo, nada mais servem do que extirpar qualquer noção materialista-histórica-dialética e forjar a natureza técnica objetiva, caso contrário está fadado à exclusão ou insucesso.

Essa cultura de perseguir o lucro insaciável aflora também outros incentivos como a busca pelo poder, reputação, status etc. engana-se o cidadão que aposta todas as suas fichas que a salvação da lavoura está nas mãos do empresariado. A falta de controle e fiscalização do Estado revelam situações históricas iguais a do bilionário brasileiro João Fernandes conforme a REVISTA HISTÓRIA VIVA. São Paulo: Editora Duetto,n.47,dez.2013.ISSN 1679-8872.

Era ele quem mandava no arraial do Tejuco (hoje Diamantina), enquanto foi o contratador de diamantes da região no século XVIII. O cargo fez de João Fernandes de Oliveira (1727-1779) um homem não apenas poderoso, mas também muitíssimo rico. [...]Quem estivesse nessa função respondia diretamente à metrópole, não estando subordinado nem mesmo ao intendente – equivalente ao governador- da capitania. João Fernandes de Oliveira foi o responsável pela exploração de diamantes entre 1753 e 1770, como homem de confiança do rei. "É exatamente devido a esse poder total que a corrupção em Diamantina era muito grande", explica a historiadora e professora do Departamento de História da PUC Minas, Virgínia Valadares. O pagamento por seu trabalho era feito em diamantes e ele ainda ganhava por fora, se valendo do contrabando.

A corrupção do mercador João Fernandes de Oliveira não se deu apenas em quem lhe prestava mão de obra como também lesou o próprio Estado português, patrocinador de seus negócios.

Com o passar dos séculos o Estado foi evoluindo na sua forma de fiscalizar, os sistemas de produção ganharam novos conceitos, outros pensamentos surgiram para atenuar a posse ilegal daquilo que deve ser publico, olhando por esse prisma o neoliberalismo seria o céu para o empresário corrupto, sem a mínima intervenção do Estado, livre concorrência e a estabilidade econômica nas mãos do mercado sempre muito nervoso com crises propositais, tudo legitimado, dentro da regra. Nesse sentido a obra de Mario Barros Junior no livro - A Fantástica Corrupção no Brasil: mordomias, sinecuras, peculato, os cidadãos acima da lei - considera a privatização das praias um ato de corrupção para Barros Jr (1982, p.119):

As belas praias devem ser conservadas para os privilegiados. Onde é que rico pode descansar em sossego? Onde é que político pode gozar a tranquilidade? Em praias isoladas, ora. O povo, bem o povo que se dane, que trabalhe para gerar riquezas para os sorridentes proprietários das praias privativas. Muitas foram as denuncias de fechamento de praias, incluindo agressões aos turistas. [...] Por lei, o Estado garante o livre acesso a todas as praias localizadas em seu território. Mas assim não pensam os possuidores do dinheiro. Eles querem que o patrimônio do povo seja apenas deles. Só eles podem desfrutar do sol, da areia, das águas.

Seria como alguém intitular-se dono do sol, o Estado acatar sua decisão, quando você quisesse ficar no sol deveria pagar uma taxa, seja por dia ou por hora para esse alguém. No

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primeiro momento talvez você estranhe o ato de comercializar o sol, no entanto o seu neto iria ver de forma natural, além de pagar seria até capaz de entregar brindes ao neto desse alguém a cada banho de sol.

Há empresas envolvidas nas mais variadas formas de corrupção, tomam o caminho do "jeitinho brasileiro", para se conservar competitiva no mercado por meio da coligação de políticos, combinam a edição de licitações arrumadas de acordo com critérios que só uma empresa pode cumprir, dando cabo a toda e qualquer concorrência que pudesse apresentar um projeto melhor, com menos custos aos cofres públicos.

4 A DISPARIDADE SOCIAL DO BRASIL E A CULTURA DA CORRUPÇÃO

Somos uma nação historicamente marcados por dominantes e dominados, ignorar essa condição é sujeitar-se ao conformismo para não acreditar em mudanças de melhores condições de vida da população desassistida.

Há muitos pobres no Brasil. Também muita riqueza e poucos ricos. Esses pobres são pobres porque não gostam de trabalhar? Qual o nosso conceito de trabalho? O que sabemos sobre a vida desses cidadãos? Desejamos que eles tenham as nossas mesmas ambições e cultura? Queremos transformá-los em mão de obra barata? O que é valoroso para nós, tem o mesmo valor para essas pessoas? As oportunidades foram as mesmas? Não podemos esquecer a capacidade do capitalismo em neutralizar esses questionamentos já no primeiro momento em que alguém nos apresente uma ou duas histórias com crianças sem oportunidades, mas conseguiram vencer na vida seja por uma bolsa de estudos ou a ajuda de um empresário, ou um time de futebol, uma ONG, ou até pelo sacrifício dos pais que dignamente se privaram de muitos sonhos, para ajudar sua filha a vencer, desfrutar de um bem estar social futuramente.

É esse tipo de sistema que defendemos e julgamos ser justo? Que rouba o sonho desses pais, a liberdade desses grupos étnicos de viver a sua maneira? Que dependem da boa vontade dos detentores do capital, ONGs para decidir seus pobres destinos?

A proposta curricular centenária do Estado nos condiciona a não ver o ser social de forma ontológica, em nome da cientificidade, da técnica e objetividade crescemos compartimentando o conhecimento. Quando denunciamos situações em que empresas provocam falências sonegando impostos, grandes quantias de dinheiro desaparecem sem encontrar os culpados, muito menos puni-los. Nossa tendência é ficar restrito ao fato em si, no escândalo provocado pela mídia sendo logo esquecido por outro, não consideramos uma atitude repugnante, não classificamos pessoas assim como os agentes mais nocivos da sociedade, não repudiamos com indignação intolerável o enriquecimento ilícito, a manifestação de um delegado da índia numa conferência da ONU em 1975 esclareceu como a cultura indiana encara esse tipo de crime, conforme Barros Jr (1982, p.12):

O delegado da índia, nessa Conferência, esclareceu que as suas leis são mais severas para esse tipo de crime e mesmo o assassino comum é melhor visto que o homem

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criminoso que enriqueceu ilicitamente, que se serviu de transações ilegais, que praticou o contrabando.

A questão não é só no controle efetivo do Estado para que o cidadão se sinta cobrado ou protegido, tem a questão cultural, o modo de produção, uma verdadeira teia difícil de entender, ao mesmo tempo em que o mundo produz três vezes mais a sua capacidade de consumo, não se pode socializar essa produção para evitar no mínimo a fome.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar uma última definição de corrupção de origem teológica criada por Santo Agostinho no ano de 416 numa troca de cartas com São Jerônimo, queixava-se que o ser humano vivia em uma situação de corrupção. No sentido de ter um coração (cor) rompido (ruptus) e pervertido.

A humanidade sempre foi marcada por atos lesivos às comunidades desde seus primórdios. Quem detinha o poder determinava os destinos dos demais integrantes desses grupos sociais. Com o passar dos séculos pensadores, cientistas trouxeram novas formas de olhar o mundo.

Tudo indica que nos tempos atuais continuamos carregando conosco o embrião da corrupção alojado em nosso coração, para alguns em pleno desenvolvimento para outros permanece cristalizado.

Jamais teremos um Estado justo, imparcial enquanto os cidadãos não estiverem preparados para a atividade da ética humanitária impessoal, parece soar frio, no entanto a conscientização carece de reforços nos elementos de uma cultura politica democrática focada no cidadão comum, provido de interesses, sentimentos, sonhos e razão, o centro do interesse teórico e prático de uma acessibilidade informal da democracia brasileira.

Os avanços são evidentes nas últimas duas décadas, é vital essa transformação de quebra cultural, no entanto só será possível com o reforço da transparência, maior senso de publicidade da cidadania, no sentido de promover a atividade coerente em mostrar para as pessoas que elas não têm um preço por seguirem a lei, abandonando assim toda e qualquer ideia com tendência a tomar atitudes preferenciais a adesão de esquemas de corrupção.

Estamos cientes das dificuldades, o primeiro golpe na corrupção é compreender o Estado, independente no seu tipo, sempre necessitou de fiscalização e controle, o segundo golpe é a formação continua de profissionais que não irão se corromper diante de propostas pífias, por último, nós cidadãos, despertos do poder que emanamos ao juntarmos a individualidade de cada um.

REFERÊNCIAS

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BARROS Jr., Mario.

A fantástica corrupção no Brasil: mordomias, sinecuras, peculato, os cidadãos acima da lei. São Paulo, SP: M. Barros Junior, 1982.

BOFF: Leonardo. Corrupção: crime contra a sociedade. 14/04/2012. Disponível em: <http://leonardoboff.wordpress.com/2012/04/14/corrupcao-crime-contra-a-sociedade-2/>. Acesso em: 18 janeiro 2014.

DIAS. Helder. Procura-se um politico honesto. Edição 1882 de 31 de julho a 6 de agosto de 2011. Disponível em: <http://www.jornalopcao.com.br/colunas/ponto-de-partida/procura-se-um-politico-honesto>. Acesso em: 26 janeiro 2014.

HEATH, Joseph.

Lucro $ujo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

REVISTA HISTÓRIA VIVA. São Paulo: Editora Duetto, n.47, dez.2013. ISSN 1679-8872.