A COPA DO MUNDO E SEUS PRECEDENTES HISTÓRICOS

 

Introdução

 

Em 30 de outubro de 2007, o Comitê Executivo da Féderation Internationale de Football Association (FIFA) nomeou o Brasil como anfitrião da competição mais popular do mundo, a Copa do Mundo de Futebol Masculino. Com isso, o País será o quinto a sediar duas edições da Copa do Mundo, após o México, Itália, França e Alemanha. Entretanto, o perfil do evento se alterou significativamente desde a Copa de 1950, quando o Brasil foi sede pela primeira vez. Em 2014, teremos uma competição de grande porte, cuja realização vai requerer extensos processos de preparação e complexas operações. Por um lado, o Campeonato Mundial gerará reflexos e benefícios em diversos setores da economia e da sociedade, sejam temporários ou duradouros, diretos ou indiretos.

Este artigo, A Copa do Mundo de futebol e seus precedentes históricos, busca entender desde os primórdios da civilização as motivações que a sociedades contemporâneas têm para demandar seus esforços na criação de eventos de grande magnitude que transformam profundamente o meio ambiente. Os argumentos favoráveis para uma competição que dura em média um mês são inúmeros, como a capitalização de recursos para o país, aumento do setor turístico, construção de estádios, etc. A FIFA, hoje, é uma entidade que controla um dos maiores produtos do mundo. A Copa do Mundo, realizada periodicamente desde 1930, conta com mais países participantes que a própria ONU, (Organização das Nações Unidas).

Os moldes arquitetônicos das grandes arenas, onde são disputados os campeonatos de hoje, refletem os antigos Coliseus do Império Romano, construídos no início da era Cristã. Sabidamente os Historiadores classificam os jogos e os eventos realizados nestes palcos da antiguidade como um manejo político conhecido como a política Panis et Circencis, expressão latina que significa Pão e Circo e refere-se a um provimento que era distribuído nos estádios pelos governantes com o objetivo de diminuir a insatisfação popular, derivada de problemas mais urgentes e complexos.

Não basta hoje apenas nos determos a criar alternativas e soluções que tornem os desejos sociais e civilizatórios como sustentáveis. Um estádio de futebol construído, mesmo sustentável, é um preço ao meio ambiente. Sempre haverá demanda de recursos. Nossa época está marcada por uma consciência bastante nova, a simples idéia de que não mais podemos explorar o planeta indefinidamente. No cerne desta questão concentra-se o fato de termos sidos acostumados, geração a geração, a progredir sem ter em conta a finitude das matérias-primas essenciais. Nosso modo de vida, embora comece a reconhecer-se como problemático, ainda não mudou.

Inevitavelmente, os eventos esportivos como este continuarão a acontecer. Este artigo não pretende defender o fim da Copa do Mundo. Esta manifestação, não somente esportiva, serve como oportunidade para abrir fissuras nas discussões ambientais. Demos um passo realmente grande nas ultimas décadas, mas ainda é um pensamento muito novo para o mundo inteiro. Até pouco tempo, pensar na natureza era apenas protestar contra o uso de peles por pessoas ricas e famosas. A partir de agora deveremos começar a pensar os reais sentidos em construirmos o que construímos. O que aprendemos do Império Romano até hoje em dia é que não existem sociedades com ausência de problemas. No entanto, ainda coexiste as mesmas manifestações de sempre. Todos sabem que é assim, e contudo, por este mesmo automatismo verbal e mental, somos inaptos a ver a nudez crua dos fatos, e não nos apercebemos de que nossos governos se vão tornando meros comissários políticos do poder econômico, com a objetiva missão de produzir leis que a este poder convier, para depois, envolvidas nos açúcares da publicidade oficial e interessada, serem introduzidas na sociedade sem suscitar demasiados protestos.

 

A Copa do Mundo de futebol e seus precedentes históricos

 

Os jogos e os espetáculos, os precursores da Copa do Mundo

Em 24 de agosto de 79, o vulcão Vesúvio destruiu as cidades italianas de Pompeia e Herculano e, um ano depois, Roma era novamente consumida pelo fogo em um incêndio tão devastador quanto o de 64, o desastre conhecido historicamente como o Grande Incêndio de Roma, o qual entrou para os anais do império de Nero.

Tito Flávio Vespasiano Augusto começa seu reinado sob vários meses de desastres. A grande obra, portanto, foi a finalização do Amphitheatrum Flavium, obra iniciada por seu pai, o Imperador Vespasiano, que mais tarde tornou-se o grande símbolo do império Romano, conhecido como o Coliseu.

Em celebração a finalização da construção, Tito instaura os jogos pródigos inaugurais no Coliseu, que duram 100 dias. Não se pode afirmar, certamente, a natureza dos jogos que se seguiram. No entanto, a tradição romana aponta para o formato de venatione, jogos com animais, execução de criminosos, batalha de gladiadores e representação teatral de batalhas famosas. O coliseu entrou para a nossa era carregando um grande legado.

Estes espetáculos grandiosos da antiguidade eram originalmente destinados a comemorar as festas religiosas do culto público, que, no entanto, perderam, com o tempo, toda a significação. Os imperadores e governantes iniciaram um movimento que transformava estes acontecimentos em um lugar para granjear a simpatia popular. Certamente foi nos jogos que este espaço se tornou ainda mais fértil.

Desde a antiguidade, qualquer grande evento está condicionado a vários paradoxos, obviamente, minimizados por ideais vigentes. A consciência geral da nossa civilização está subjugada por um modo de vida completamente contraditório e, no entanto, confortável. Estas duas simples verificações acabam por nos conduzir ao plano da cultura. O que nossa cultura deseja? O que nossa cultura e nosso passado nos faz desejar?

Em março de 2002, o célebre escritor português ganhador do prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, em pronunciamento ao Fórum Social Mundial, cria uma alegoria sobre um único camponês que tocou o sino da sua aldeia para anunciar a morte da justiça.

No discurso "Este mundo da injustiça globalizada", José Saramago abre uma reflexão sem outros precedentes naquele evento. Laureados pela cultura Greco-romana, nossos dias vivem já em um automatismo que só poderia ser realmente velado se vivêssemos em uma sociedade perfeitamente estável e justa. Sobre a base desta posição de conforto senta-se a democracia, em sua figura intocável e indiscutível por natureza,.

No âmago desta história, criada por Saramago, reside todo o problema da civilização. Felizmente, hoje, já existe a consciência de finitude dos recursos do nosso planeta. Discute-se, não tão veementemente como outros temas, a necessidade de criarmos, para tão logo, uma sociedade que consiga sustentabilizar-se. Não se trata apenas de pensarmos em subsistência, mas de continuarmos a progredir sem que para isto os recursos da natureza sejam completamente sacrificados. Deveras uma tarefa próxima da utopia.

A Copa do Mundo de Futebol, sob este ponto de vista, nos é um modelo excelente para exemplificar a contravenção do modo de vida que temos. O quanto, afinal, nos custa a realização de um evento destes? Para que ou quem serve um evento destes? Qual a transformação que isto acarretará no mundo em que vivemos?

Impacto imediato e posterior da realização da Copa do Mundo

A FIFA, sigla para Féderation Internationale de Football Association, encontra-se assentada sob recursos que ultrapassam a cifra de 1 bilhão de dólares, segundo a própria instituição. Sozinha, esta cifra supera o PIB (Produto Interno Bruto) de pelo menos 20 países dos 207 filiados. Dos ganhos reais com a copa, segundo o site da própria Instituição, 75% é revertido em investimento no próprio esporte. Para a população em geral é um feito histórico e marcante quando seu país é escolhido para a realização do torneiro máximo, de quatro em quatro anos, a Copa do Mundo de Futebol Masculino.

Cabe aos associados à instituição escolher a sede, como um verdadeiro ato de benevolência aos seus súditos.

Este deve ser o maior legado para a população de um país. O que os sociólogos costumam nomear de efeito econômico da felicidade.

 A sensação de felicidade nacional, de propósito em direção de um objetivo comum, criando uma unidade nacional capaz de causar impactos sociais e econômicos, desde que bem aproveitada pela classe política do país, para o bem do país. Algo muito parecido com o efeito dissimulador que a política romana Panis et Circenses causava na antiguidade.

No entanto, não se pode descartar que, em geral, o evento mostrou-se capaz de mudar, também, a paisagem e a vida dos países que o sediaram; consequentemente, produzindo imensas oportunidades de crescimento e desenvolvimento em todas as áreas. Em pesquisa realizada pela parceria entre a Ernst & Young com a Fundação Getúlio Vargas, demonstrou-se que, tanto quanto possível, por experiências comparáveis, que os resultados podem ser positivos, econômico e socialmente, para o país. No entanto, na análise estão resguardadas às responsabilidades governamentais, que são imensas e o nosso histórico, a ineficiência figura mais que o sucesso.

Segundo o mesmo estudo, os setores com maior impacto de crescimento e desenvolvimento é o de Telecomunicação e Mídia, Estádios e Hoteleiro, nesta ordem, sendo seguidos então por Urbanização, Segurança e Rodovias. A geração de empregos imediata é grande e deverá abrir grande contingente de carteiras assinadas nos setores terciários e secundários da economia.

Contudo, há riscos eminentes que não podem ser ignorados. Para o meio ambiente, obviamente, haverá um preço. Devemos considerar desde a emissão de gases causada pela demanda de transportes até os recursos utilizados para a construção dos estádios. Mesmo que se tomem todas as precauções necessárias de planejamento que venham a minimizar os impactos ambientais, eles nunca serão nulos. Há um custo ambiental para isto, imensurável para o futuro. Deve-se lembrar também que após construída, toda a infraestrutura, continuará a gerar custos. No pós - Copa do Mundo, a Coreia do sul e o Japão demoliram estádios justamente por terem tornado-se inviáveis economicamente, e já recentemente, na África do Sul cogita-se recorrer à mesma iniciativa, uma vez que não encontrou-se financiador ou clube dispostos a pagar os 4,6 milhões de euros anuais estimados para a manutenção da arena. E neste ponto deve-se residir uma reflexão.

A realização de tal evento não devolve ao meio ambiente e a sociedade o que tira dela. Neste ponto estamos falando da manutenção do mesmo estilo de vida que decorre desde o Império Romano. Para aplacar necessidades vitais mais urgentes as instituições governadoras lançam mão a projetos megalomaníacos que causam estardalhaço e influência efêmera na população e confunde seus desejos e necessidades. Os argumentos que dizem que esta causa viabiliza obras de infraestrutura para um país, parecem ignorar o fato de que com ou sem evento estas obras deveriam ser feitas e não com este propósito.

Não há mais como pensar em sustentabilidade sem reconhecer que a maneira como ainda vivemos torna incontornáveis os caminhos mais coléricos desejados pelos ambientalistas. Nossa época encontra-se tão confortavelmente debruçada sobre seu próprio ego que ninguém, a não ser vozes emudecidas de uma minoria irrelevante, atreve-se a perguntar pelo real motivo de realizarmos um evento deste porte. A Copa do Mundo de futebol é o reflexo perfeito de uma sociedade que sobrevive e se mantém sob os mesmos ideais antigos que não permitem que o mundo se torne justo e igualitário. Para isto basta citarmos o fato de que a Copa do Mundo mais importante é a de futebol masculino, cabendo às mulheres coadjuvar como torcedoras e admiradoras. Se pensarmos que o evento foi criado em meados dos anos 30 do século passado e a maioria dos países ocidentais só abriu espaços ao sufrágio feminino pouco antes ou pouco depois disto (e ainda há países em que estes direito não existe, e fazem parte da FIFA), não é de se espantar que as bases fundamentais do evento máximo do esporte mais popular do mundo sejam misóginas e injustas.

De fato é dificilmente reconhecível a admissão deste tipo de argumento, o que, no entanto, poderá ser visto pelas gerações futuras como um dos motivos de entraves ao progresso da humanidade. Nisto ainda estão intrincados pensamentos religiosos e não científicos, que dificilmente são discutidos ou contestados. Se hoje é absurdo pensar que somente o homem tem direito a estudar e que este direito é um crime para as mulheres, há um tempo não era exatamente assim.

Estes pontos inclusivos ao artigo são somente para ressaltar que não nos é totalmente explicados os reais ganhos que nossa sociedade tem com a realização deste tipo de manifestação cultural, a não ser a constatação de que servem para a manutenção do mesmo estilo de vida que já é reconhecidamente problemático. E que é à custa do meio ambiente finito que temos.

Em O discurso da Servidão Voluntária, o filósofo francês Etienne de La Boétie, demonstra como continuamente estamos sujeitos a um vício que torna o caminho do progresso incontornável, o vício de servirmos aos mesmos fins e ideais por força da incapacidade de perguntarmo-nos o porque.

 

"É verdadeiro dizer que no início serve-se contra a vontade e à força; mais tarde, acostuma-se, e os que vêm depois, nunca tendo conhecido a liberdade, nem mesmo sabendo o que é, servem sem pesar e fazem voluntariamente o que seus pais só haviam feito por imposição. Assim, os homens que nascem sob o jugo, alimentados e criados na servidão, sem olhar mais longe, contentam-se em viver como nasceram; e como não pensam ter outros direitos nem outros bens além dos que encontraram em sua entrada na vida, consideram como sua condição natural a própria condição de seu nascimento [...] Entretanto, o hábito, que todas as coisas exercem um império tão grande sobre todas as nossas ações, tem principalmente o poder de ensinar-nos a servir: é ele que, a longo prazo (como nos contam de Mitridates, que acabou habituando-se ao veneno), consegue fazer-nos engolir, sem repugnância, a amarga peçonha da servidão"

 

Conclusão

A realização da Copa do Mundo de Futebol, sob este ponto de vista, não é justificável. O relatório encomendado pela Ernest &Young, com a cooperação da Fundação Getúlio Vargas, é um exemplo do otimismo geral e comoção que isto causa em um país, mas não explica, diretamente, como a Copa do Mundo poderá mudar o futuro e o presente. As previsões mais otimistas ou mais pessimistas continuarão a existir.

Nas últimas três edições do evento o déficit, divulgado pelas agências de notícias do mundo, parece ser maior do que os ganhos reais prometidos e alcançados. Os PIB’s dos países envolvidos não foram afetados positivamente. Os empregos gerados tiveram duração tão efêmera quanto o evento. O que sobra? Os chamados elefantes brancos da arquitetura. Enormes construções modernas ocupando espaço nos centros urbanos e dívida pública para os contribuintes dos países. Quem ganha? Os patrocinadores envolvidos, a própria FIFA, que além de obrigar o país sede a se adaptar as suas exigências estruturais e gastar com o evento, fica com a maior parte do lucro gerado.

Estamos vivendo o limiar de uma história de gastança e desperdício. Estamos muito próximo de um colapso ambiental com todas suas conseqüências para as atuais e futuras gerações. Faz-se necessário repensarmos nosso modo de vida, nosso consumo nossas práticas e manifestações culturais, toda ação que possa vir a dilapidar o patrimônio natural, necessariamente, haverá de ser cuidadosamente estudado antes de qualquer intervenção humana. Caso contrário, em poucas décadas a vida como a conhecemos não mais será possível.

 

 

 

 

Walter Prado Sampaio

Tecnico em Mineração

Tecnologo em Gestão Ambiental

 

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