A Conversão de Santo Agostinho

O novo membro da igreja Católica

(Sérgio Mendes)

Após ter se decepcionado com Fausto, bispo maniqueísta, de quem ele esperava obter as respostas para todas as perguntas que o angustiavam, Agostinho começou a se desiludir com o maniqueísmo, seita a qual seguiu durante vários anos para desgosto de sua mãe. Depois de perceber que esta seita não possuía as verdades as quais ele buscou durante toda sua vida, começou a se distanciar dela aos poucos.

Mesmo desiludido, Agostinho, não se afastou totalmente do maniqueísmo e esperou até encontrar algo que sanasse seu desejo pela verdade.

"Com efeito, não encontrando solução melhor, decidira contentar-me temporariamente com ela, até encontrar algo mais claro que merecesse ser abraçado". [1]

Agostinho deixou Cartago e foi ensinar em Roma. Soube que lá os alunos tinham mais interesse em aprender e respeitavam os seus mestres, isto foi um dos principais motivos para sua mudança, além também do estimulo dado pelos amigos que prometiam que lá ele ganharia bem mais e seria mais respeitado.[2]

Em Roma começou a ensinar retórica e aos poucos foi ficando conhecido graças a seus alunos. Mas os estudantes romanos, apesar das qualidades que ele desejava encontrar e que realmente possuíam, tinham um defeito que para Agostinho era imperdoável, costumavam trocar de professor com certa Constancia para não pagar pelas aulas.[3] Ao saber que Milão tinha pedido que Roma os enviasse um professor de retórica, Agostinho falou com alguns amigos e conseguiu o emprego em Milão.[4]

"Assim que cheguei a Milão, encontrei o bispo Ambrósio, conhecido no mundo inteiro como um dos melhores, e teu fiel servidor. Suas palavras ministravam constantemente ao povo a substância do teu trigo, a alegria do teu óleo e a embriaguez sóbria do teu vinho". [5]

Ambrósio era bastante conhecido pelos seus discursos, e logo Agostinho decidiu acompanhar seus discursos para averiguar sua eloqüência e para ver se merecia toda esta fama e ver. Agostinho se impressionou com a eloqüência com a qual Ambrósio falava e não se preocupou com seu conteúdo.

"Eu me encantava com a suavidade de seu modo de discursar; era mais profundo, embora menos jocoso e agradável que o de Fausto quanto a forma. A respeito do conteúdo, porém, não era possível qualquer comparação: perdia-se esse último entre as falsidades dos maniqueus, ao passo que o outro ensinava a doutrina mais sadia da salvação".[6]

"Seus discursos eram sempre dirigidos ao que era essencial e determinante para a vida prática; eram simples e realistas em vez de eruditos, mas sem perder de vista a plena integridade do homem".[7]

Ambrósio foi consagrado Bispo no final do ano de 374. Foi eleito de forma um tanto que inesperada: enquanto os nicenos e os arianos tentavam fazer com que seus favoritos fossem escolhidos para bispo de Milão após a morte de Auxentio, Ambrósio tentava fazer com que não houvesse mais brigas entre esses dois grupos e acabou sendo eleito para o cargo.

Sua inteligência e simplicidade encantavam Agostinho, que, como vemos na sua obra Confissões, foi muito influenciado por este bispo por quem tinha muita admiração. Assistindo os sermos de Ambrósio, aos poucos Agostinho foi percebendo que o que antes havia atacado com veemência agora não parecia ser tão errado, viu que a fé católica era diferente do que ele imaginava.

"Comecei então a notar que eram defensáveis suas teses, e logo vim a perceber não ser temerário defender a fé que eu supunha impossível opor aos ataques dos maniqueus".[8]

Com sua dúvida ainda existente, Agostinho abandona as idéias e a seita maniqueísta. Embora não tenha virado cristão imediatamente, o fato de ter deixado de ser maniqueísta alegrou muito sua mãe, Mônica.

"Assim, duvidando de tudo, à maneira dos acadêmicos – como se imagina comumente – flutuando entre todas as doutrinas, resolvi abandonar os maniqueus".[9]

O foi medo que fez com que Agostinho não se convertesse imediatamente ao cristianismo. Ele não queria cometer o mesmo erro que cometeu com o maniqueísmo, e resolveu que deveria esperar até que estivesse totalmente seguro de que esta era o caminho a ser seguido.

"Parecia-me, nesse momento de dúvida, que não devia permanecer nessa seita, que eu colocava em plano inferior a alguns filósofos, se bem que recusasse terminantemente confiar a seus cuidados a fraqueza da minha alma, por ignorarem eles o nome de Cristo. Resolvi então permanecer como catecúmeno na Igreja católica, conforme o desejo de meus pais, até que alguma certeza viesse apontar-me o caminha a seguir".[10]

Até ser batizado, na Páscoa de 387, Agostinho estudou a fé católica, assistiu a diversos sermões de Ambrósio, ficou sabendo de histórias de outras pessoas que antes se posicionavam contra a igreja, e agora tinham sido batizadas[11]. Quanto mais ele conhecia, mas ele via que tinha encontrado a verdade. Porém, ainda hesitava em ser batizado, pois tinha medo de abandonar as vontades da carne.

"Ficava preso às mais insignificantes bagatelas, às vaidades das vaidades, minhas velhas amigas que me solicitavam a natureza carnal, murmurando: 'Tu nos vais abandonar?' E também: 'De agora em diante, nunca mais estaremos contigo'. E ainda: 'De agora em diante, não poderás mais fazer isso e aquilo'! [...] Sentia-me envergonhado por ainda dar ouvidos ao sussurro daquelas tolices, e indeciso hesitava".[12]

Como havia participado da seita maniqueísta durante muitos anos, e conhecia bem sua filosofia e como eles atacavam a igreja católica, Agostinho começou a revidar os ataques maniqueus da mesma forma que estes atacavam a igreja. Usou a própria filosofia maniqueísta para desmenti-los. Em seu livro Confissões ele dedica alguns dos capítulos para atacar os maniqueístas, como no capítulo "Contra os maniqueus"[13] onde ele fala sobre a dualidade maniqueísta onde a pessoa sempre tem duas opções para escolher, uma boa e outra má, nunca duas boas ou duas más.[14]

Ainda indeciso sobre qual rumo tomar em sua vida, se deveria ou não se entregar totalmente à fé cristã. Seu espírito se consumia cada vez mais com esta incerteza, e então pediu que Deus o mostrasse o caminha ao qual deveria tomar:

"E tu, Senhor, até quando? Até quando continuarás irritado? Não te lembres de nossas culpas passadas! Sentia-me ainda preso ao passado, e por isso gritava desesperadamente: 'Por quanto tempo, por quanto tempo direi ainda: amanhã, amanhã? Por que não agora? Por que não pôr fim agora à minha indignidade?'".[15]

Não sabe Agostinho se por vontade divina, ou por outro motivo, ele escutou a voz de uma criança cantarolando "toma e lê, toma e lê"[16]. Ele tomou isso como uma mensagem divina e foi para a bíblia e leu o primeiro capítulo que viu.

"Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne (Romanos 13, 13)".[17]

Depois disto, todas os seus medos e incertezas passaram e ele finalmente resolveu que iria ser batizado. O batismo levou alguns meses para acontecer, mas durante este tempo Agostinho aprofundou seus conhecimentos sobre o catolicismo e foi passar um tempo numa propriedade de seu amigo Verecundo. Pediu que Ambrósio o indicasse algum livro, e este o indicou o livro de Isaías.

"Agostinho entregou-se a essa leitura, mas era um pão duro para os seus dentes... de leite. Continuou então com as cartas de São Paulo. O convertido do caminho de damasco era cioso do convertido sob a figueira de Milão!".[18]

Antes de partir ele havia abandonado sua cadeira de retórica, ele achou que não mais deveria ser um "comerciante de tagarelices"[19].

Em Cassiciaco, Agostinho começou a "sentir o gosto" da vida monástica. Produziu bastantes obras nesta época, alguns dos seus Diálogos foram feitos e copiados nestes meses que passou na casa de Verecundo com seu filho, sua mãe e vários amigos.

Agostinho cada vez mais mostrava interesse na fé católica. Acreditava ter encontrado a verdade, algo pelo qual realmente valeria a pena lutar. Partiu em direção à Milão, com a intensão de se inscrever para o batismo, a inscrição deveria ser feita no dia 14 de março, primeiro domingo da quaresma. Ele, seu filho e seu amigo Alípio se dirigiram a Milão com a intensão de que fossem batizados, sua mãe foi com eles para poder presenciar o batismo de seu filho.

Eles foram batizados no dia 24 de abril de 387, em Milão, pelo bispo desta cidade, Ambrósio, que foi um dos responsáveis pela a conversão de Agostinho.

Mônica ficou muito feliz ao ver seu filho ser batizado, há muito anos ela rezava para que seu filho se tornasse católico, e muito ao ver seu filho batizado ficou realizada.

Pouco após ser batizado, Agostinho decidiu que deveria voltar a Tagaste com sua família, e então partiram de Milão. Ao chegar em Óstia, ficaram sem poder continuar viagem por causa do mau tempo, e então decidiram permanecer ali, até poderem viajar.

Em Óstia, Mônica e Agostinho tiveram um encontro místico onde tentaram descobrir a verdade sobre Deus.[20] Neste dia, enquanto conversavam Mônica revelou a agostinho que não mais possuía desejo de viver.

"Meu filho, nada mais me atrai nesta vida; não sei o que estou fazendo ainda aqui, nem porque ainda estou aqui. Já se acabou toda esperança terrena. Por um só motivo desejava prolongar minha vida nesta terra: ver-te católico antes de eu morrer".[21]

Poucos dias após isso, Mônica caiu de cama com febre, perdeu os sentidos algumas vezes. Seu estado de saúde era muito grave, e poucos dias depois veio a falecer. Seu funeral foi realizado em Óstia mesmo, longe do corpo de seu marido que se encontrava em Tagaste.

Depois de perder sua mãe agostinho volta para a sua cidade natal, e vai morar numa propriedade de sua família, onde funda um monastério, que vive com diversos outros católicos que desejavam seguir esta vida de abnegação. Seu filho Adeodato fazia também parte do mosteiro, e um dia pediu ao pai que fizesse um dos Diálogos com ele, que atendeu o seu pedido, e fez junto ao seu filho o Diálogo intitulado "O Mestre".

Depois de um tempo Adeodato também morre, e Agostinho passa a se dedicar cada vez mais à igreja. Em 391 torna-se sacerdote na cidade de Hipona e mais tarde torna-se bispo da mesma.

Bibliografia:

- AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo.

- CAMPENHAUSEN, Hans Von; Os Pais da Igreja, A vida e a doutrina dos primeiros teólogos cristãos; CPAD, 1º edição - 2005, Rio de Janeiro.

- KÜNG, Hans A igreja católica; editora Objetiva, 2002, Rio de Janeiro.

- CREMONA, Carlo, Agostinho de Hipona, A razão e a fé; editora Vozes, 1990, Petrópolis – RJ.

- GAMBRA, Rafael, Pequena História da Filosofia; Livraria Tavares Martins, 1978, Porto – Pt.

- MONDIN, Batista, Curso de Filosofia, Os filósofos do ocidente vol. 1, edições Paulinas, 1982, São Paulo



[1] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág. 115

[2] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.117.

[3] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.124

[4] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.125

[5] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.125

[6] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.125.

[7] Campenhausen, H. Von, Os Pais da Igreja, Pág. 251.

[8] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.126

[9] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.126

[10] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.126

[11] Agostinho leu sobre a conversão de são Paulo. Também ficou sabendo da conversão do filósofo Vitorino através de Simpliciano. Confissões, livro VIII – 2, 3.

[12] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.211

[13] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.209

[14] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.210

[15] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.213

[16] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.214

[17] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.215

[18] CREMONA, Carlo, Agostinho de Hipona, A razão e a fé; editora Vozes, 1990, Petrópolis – RJ. Pág. 110.

[19] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.220.

[20] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.237.

[21] AGOSTINHO, Santo, Confissões; Edições Paulinas, 2º edição – 1986, São Paulo. Pág.239.