A Contribuição do Inquérito Policial para a Promoção da Ação Penal

 

Autor: Victor Felippe Azevedo

 

Introdução

            O inquérito policial é um dos importantes instrumentos de promoção de provas utilizados pelos juízes e promotores de justiça para dar legitimidade à ação penal. O Estado possui limitações no seu poder punitivo e na forma de aplicação das sanções, visto que, deve observar as normas previstas pelo Código Penal e de Processo Penal. Por ser inquisitorial, há na fase do inquérito o cerceamento da defesa do suspeito, necessitando desta maneira que a fase investigativa seja muito bem instruída e desenvolvida, visto que, o acusado que goza de presunção constitucional de inocência até o trânsito em julgado. Reforça essa garantia a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:

Observe-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada e proclamada aos 10 dias do mês de dezembro de 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, para a qual o Brasil concorreu com a sua presença e voto, peremptoriamente declara no inc. I do art. 11: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, conquanto não se prove sua culpabilidade, conforme a lei, em julgamento público, e em que se lhe hajam assegurado todas as garantias necessárias para a sua defesa”. (TOURINHO, 2002, p. 503).

Portanto, o Estado deve atentar para todos os meios necessários para a correta produção de provas buscando obter justa condução de todas as etapas integrantes da efetivação do direito penal.

Objetivo

Explicitar a importância do inquérito policial para promoção da ação penal. Demonstrar sua utilidade para a formação da convicção dos magistrados e promotores de justiça. Avaliar inseguranças causadas por uma fase investigativa deficiente.

Do Inquérito Policial

Dentre as várias dificuldades encontradas no direito penal brasileiro, uma das mais preocupantes se revela no precário método de investigação na fase do inquérito policial. Tal afirmação não está somente fundamentada em críticas sustentadas nas aulas de direito, mas também, pelo fato de ter servido como jurado durante um mês com a incumbência de condenar ou absolver réus muitas vezes com dúvidas que poderiam ser dirimidas por uma investigação criminal completa.

Anterior ao oferecimento da denúncia, embora não obrigatório, o inquérito policial é frequentemente utilizado pelo promotor de justiça e pelo julgador para fundamentar suas convicções acerca do delito, pois, a autoridade policial é, geralmente, a primeira a ter conhecimento do fato criminoso e a primeira a coletar dados importantes do ocorrido, como a inquirição de testemunhas, análise de materiais, buscas pelo suspeito, entre outros que às vezes são impossíveis de serem averiguados na fase judicial. Conforme também esclarece Mirabete (2006, p. 60):

Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais etc.

Verifica-se, portanto, a importância de uma investigação concisa para que esta sirva de base às decisivas fases processuais, apesar do inquérito não poder ser o único meio probatório utilizado pelo juiz para fundamentar uma condenação.

Precariedade da Fase Investigativa

Os dados demonstram a ineficácia da investigação criminal, uma vez que, a maioria destes trabalhos, se concluídos, são diretamente arquivados pela impossibilidade de apuração da materialidade e /ou autoria do fato delituoso ou pela extinção da punibilidade em razão da prescrição. Há, portanto, prejuízo tanto no oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, como também, na análise do mérito pelo juiz. É difícil apontar o (s) responsável (eis) por tais falhas, pois tomando-se como culpada, por exemplo, a polícia judiciária, deve-se levar em consideração a precariedade da estrutura de trabalho que muitos peritos têm de lidar, conforme mostrou a entrevista do fantástico exibida no dia 02/10/2011. Neste caso, pode-se atribuir, também, a responsabilidade pela a falta de infraestrutura à administração pública e não somente à polícia. Obviamente, na impossibilidade de uma etapa pré-processual consistente, não há como imputar apenas ao Ministério Público ou aos órgãos do judiciário a culpa pela demora, imprecisão ou ineficácia da fase processual. Como exigir celeridade do judiciário quando não se tem uma segurança para uma acusação justa?

Consequente Insegurança

Há no país uma discussão acerca da efetividade das leis brasileiras, principalmente no que tange à quantificação da pena e sua forma de aplicação. Certamente é confortável para o cidadão que não infringe as leis desejar que o infrator seja excluído de seu convívio social, defendendo o máximo da pena ou até mesmo a pena de morte, sem se preocupar com a condição humana do apenado. É a exteriorização do direito penal do inimigo. O Brasil detém vasta extensão territorial e, como em qualquer nação em desenvolvimento, possui profundas desigualdades sociais que se convertem em insegurança, em muito influenciada pelas fracas políticas públicas. O aumento da criminalidade é um problema que está longe de ser resolvido e uma evidência de tal fato se revela na superpopulação carcerária existente.

A sensação de impunidade, aliada ao sensacionalismo da mídia, leva ao medo e ao natural desejo de exclusão dos delinquentes. É certo de que os desviantes merecem a punição legal a fim de “pagar suas dívidas” para com a sociedade, entretanto, conforme afirmação muito utilizada no âmbito penal “colocar um inocente na cadeia é pior que deixar um culpado solto”. Esta frase é a mais utilizada dentro dos tribunais do júri e deixa a sensação de impotência inconsolável, visto que, não é fácil, mesmo buscando ser técnico, deixar um cidadão que possui uma vida voltada para a prática de crimes, solto por não haver provas suficientes para condená-lo. Relacionado ainda à falta de provas, outra dificuldade que pode ser notada diz respeito à responsabilidade do promotor de justiça, visto que, por diversas vezes pude verificar que na ausência de fatos concretos o acusador utilizava exclusivamente de sua experiência. Um exemplo real desta afirmação se deu em um dos julgamentos em que o Ministério Público também pedia pela absolvição do réu, onde a vítima tinha em seu corpo cinco perfurações de projéteis de arma de fogo. A dúvida quanto à autoria girava em torno, principalmente, do número de projéteis disparados, pois, o outro suposto autor, confesso, e irmão do réu, afirmava em depoimento que havia atirado apenas quatro vezes, contrariando desta maneira as provas produzidas na perícia feita pelo Instituto Médico Legal. Diante de tal divergência, e na falta de outras provas contra o indiciado, o promotor, para sustentar o pedido de absolvição, teve de fazer a análise dos projéteis para montar uma possível trajetória de maneira em que uma única bala fosse capaz de transfixar o corpo da vítima causando-lhe mais de uma perfuração. Tal procedimento deveria ter sido provado em laudo pericial completo, incluindo a trajetória do projétil feita por técnicos devidamente habilitados e com as ferramentas de aferição próprias. Há, portanto, clara dificuldade do Estado em produzir um julgamento completo e justo não somente nas provas que se referem aos crimes apreciados pelo tribunal do júri, mas sim a todas as transgressões tipificadas pelo Código Penal.

Conclusão

            Verifica-se que na maioria das vezes o inquérito policial é indispensável à fase processual. O inquérito é inquisitorial e é de dever do estado sua realização, retirando do suspeito a possibilidade de se defender nesta etapa da investigação, portanto, nada mais imparcial do que se produzir um trabalho completo a fim de que todos os meios, possíveis, de se comprovar a materialidade e circunstâncias do crime sejam garantidos. Importante ressaltar que o anteprojeto do Código de Processo Penal dá uma relevância ao inquérito, criando o juiz de garantias que pretende proporcionar maior legitimidade as investigações e o controle da legalidade dos atos praticados, além da tomada de decisões acerca das prisões provisórias, medidas cautelares, interceptações telefônicas, etc. Evidente que tal projeto é tema de muita discussão doutrinária, entretanto, mostra patente preocupação do legislador em relação à matéria.

            O Estado, portanto, deve tomar para si a responsabilidade de empregar investimentos em infraestrutura para melhorar a eficácia do inquérito policial e dar a sociedade garantias de justiça e proteção de direitos e garantias individuais previstas constitucionalmentes.

Referências Bibliográficas

1- ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Juiz de Garantia e Inquérito Policial.Disponível em:
<http://mg.trt.gov.br/download/artigos/pdf/170_juizdegarantia.pdf>.
2- CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Geral Vol. 1. Ed.
Saraiva. 2004.
3- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
4- GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do direito penal) . Revista Jurídica Unicoc. Disponível em:
<http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf>.
5- MENEGUELLI, Flávio Werneck. Inquérito Policial- Vamos expor as
feridas e debater (verdadeiramente) os problemas e soluções da impunidade que assola a sociedade brasileira. 29 jul. de 2008. Disponível em: <http://www.sindipoldf.org.br/colunistas/noticia.phpcod_colunista=2 id=123>.
6- MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. Atlas, 2006.
7- NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ª ed. Revista dos Tribunais. 2009.
8- Revista Eletrônica Fantástico: Falta de equipamentos para perícia deixa investigações inacabadas. 02 out. de 2011. Disponível em: <http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1674825-
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9- TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3. 24 ed. rev. atual. e ampl. Saraiva, 2002.