Em 1995 Bill Gates publicou seu primeiro livro, intitulado “The Road Ahead”, traduzido no Brasil como “A Estrada do Futuro”. Nesse livro, o autor fazia algumas previsões das possibilidades que a informática iria trazer à sociedade, em sua visão, seria uma revolução tão importante quanto a invenção da imprensa por Gutenberg ou a Revolução Industrial, a informática viabilizaria e consolidaria a atual Era da Informação.

A tecnologia desenvolvida pela informática mudaria o conceito de “documento”, no momento em que toda informação fosse convertida para forma digital. O significado de documento deixaria de representar apenas o que poderia estar impresso em um papel e passaria a representar qualquer tipo de informação codificada na forma binária como um artigo de jornal, textos pessoais, imagens e em um sentido mais amplo, esse conceito poderia abranger programas de televisão, músicas ou um vídeo game interativo. (GATES, 1995).

Desta forma, o autor explicava que a “estrada da informação” permitiria inovações na maneira de licenciar a propriedade intelectual, já que músicas ou programas de computador poderiam ser vendidos na forma de arquivos digitais. Assim sendo, o consumidor não mais precisaria de CDs, fitas cassete ou qualquer outro tipo de objeto físico, já que a música poderia ser armazenada como bits de informação. O ato de “comprar” música ou disco significaria de fato o direito de acesso a determinados bits.

Em síntese, o que pode ser verificado na atualidade é que as novas tecnologias transformaram a capacidade de se fazer cópias. O que no passado era exclusividade de especialistas técnicos passou a ser prerrogativa de qualquer indivíduo, daí a comparação à revolução promovida por Gutenberg ao criar a imprensa. (DINIZ, 2010)

Constatando essa possibilidade, no capítulo 8 do referido livro, Bill Gates cria o conceito “capitalismo sem força de atrito”, baseando-se no clássico de Adam Smith “A riqueza das nações”, que em 1776 havia teorizado que se cada comprador soubesse o preço de cada vendedor, e cada vendedor soubesse quanto cada comprador estaria disposto a pagar, todos no “mercado” poderiam tomar decisões totalmente informadas e os recursos da sociedade seriam distribuídos com eficiência. O autor faz uma ressalva ao dizer que não atingimos o ideal de Smith, pois compradores e vendedores em potencial, raramente têm informações completas um sobre o outro.

O “capitalismo sem força de atrito” seria, em síntese, a redução de custos envolvidos na distribuição de um produto ou serviço, pois, a informação do produto mais barato seria facilmente disponibilizada. Como exemplo extraído do próprio livro: “[...] quando a estrada tornar a localização geográfica menos importante, veremos bancos eletrônicos on-line que não terão agências - sem tijolos, argamassa e com tarifas baixas.” (GATES, 1995).

Nesse contexto, o presente artigo busca desenvolver a temática da pirataria digital como principal fator de pressão para o desenvolvimento de um “capitalismo sem força de atrito”. Como exemplo, no final dos anos 90 surgiu o Napster, um programa para baixar músicas no computador que registrou expressivo número de 37 milhões de usuários. Estes usuários, em sua grande maioria, baixavam trabalhos protegidos por direitos autorais. (JENSEN[1] apud DINIZ, 2010)

A violação à propriedade intelectual no ciberespaço colocou em xeque os mecanismos tradicionais de controle, forçando a regulação por instrumentos igualmente inovadores. Desta forma, o mercado buscou se adaptar, lançando produtos que traziam comodidade ao usuário também resolvia, em parte, o desvio de receita criado pela pirataria. Em regra, o mercado sempre se adapta e se regula de forma muito mais célere que o Direito.

Como exemplo de alguns mecanismos de proteção criado pelo próprio mercado, há o iTunes da Apple que atende as exigências dos detentores dos direitos autorais e, de acordo com o site Engadget, atualmente domina 25% do mercado de música, ou seja, uma em cada quatro músicas vendidas nos Estados Unidos da América é feita por esse site. O Wal-Mart que possui milhares lojas físicas espalhadas pelo território americano detém apenas 14% desse mercado, configurando-se a tendência descrita por Bill Gates, de que a localização deixaria de ter importância. Restringindo esse mercado de música a apenas o mercado virtual, o iTunes detém 69% das vendas, em segundo lugar está a Amazon com apenas 8%, ficando evidente uma provável tendência ao monopólio.

Mesmo com as maravilhas trazidas pela atual tecnologia, nos encontramos na transição do que elas se tornarão em breve. Ainda é possível violar direitos autorais, pois, não é possível controlar de forma ativa o que está contido na memória de cada computador pessoal, tampouco há controle sobre a transmissão de arquivos entre dois computadores.

Na visão de Gates, os computadores serão muito mais baratos, portáteis e acessíveis. Isso acontecerá porque não haverá necessidade de armazenar dados no aparelho, estes estarão ligados diretamente a um servidor central que permitirá visualizar seu conteúdo de acordo com a demanda.

O caminho para se viabilizar uma efetiva proteção da propriedade intelectual vem ocorrendo, na medida em que mais serviços estão se tornando on-line, como exemplo, hoje é possível assistir vídeos na internet por streaming[2], acessar seu e-mail[3] a partir de qualquer computador, e futuramente, com o desenvolvimento da linguagem HTML5, será possível rodar diretamente de um servidor, um aplicativo que utilize ferramentas tridimensionais, como AutoCAD[4] e jogos modernos.

Quando grande parte do conteúdo digital estiver na rede, tornando-se completamente on-line, isso acontecerá naturalmente para os usuários, porque proporcionará comodidade ao acessar seus dados particulares através de qualquer aparelho eletrônico como computador, tablet, celular ou mesmo do automóvel. Quando isso ocorrer, podemos dizer que a possibilidade de haver violação à propriedade intelectual será praticamente reduzida à zero, pois, o sistema operacional e o conteúdo do usuário estarão no servidor, bastando uma simples atualização para corrigir uma eventual tentativa de burlar o sistema.

Defensores do site The Pirate Bay realmente acreditam que estão fazendo um bem para a humanidade ao disseminar “cultura” de forma gratuita para todos. Nesse site se pode baixar filmes que nem mesmo chegaram ao cinema. Como a pirataria incentiva o “capitalismo sem força de atrito” pode ser verificado pelo círculo vicioso que se estabelece.

A atividade empresarial tem que ser lucrativa, se os proprietários dos royalties deixam de receber o que deveriam, essa atividade deixará de ser explorada. Quando CDs de músicas eram vendidos, havia toda uma cadeia de produção que empregava muitas pessoas. A banda cedia à gravadora o direito de reproduzir sua música que mediante o recebimento de royalties, permitia a várias outras empresas espalhadas pelo mundo, o direito de reproduzir aquele conteúdo em CDs (no Brasil são feitos na Amazônia), esses CDs iam para um distribuidor, que eram comprados em por revendedores que, por sua vez, estavam localizados em pontos estratégicos para encontrar consumidores. Toda essa cadeia, principalmente a que empregava pessoas nos países em desenvolvimento, foi substituída pela fórmula: Banda, Gravadora, iTunes, Consumidor.

É natural que empregos desapareçam ao longo dos tempos, decorrentes do surgimento de novas tecnologias. Entretanto, a pirataria digital fez com que o mercado se adaptasse e, conforme demonstrado, o mercado continuará a se modificar até que não haja mais possibilidade de haver infração dos direitos autorais. O custo social é muito maior que apenas compreender que os que ganhavam muito agora passarão a ganhar um pouco menos, como se a pirataria fosse a saída para justiça social.

 

Referências Bibliográficas:

GATES, Bill; MYHRVOLD, Nathan et al. A estrada do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

DINIZ, Pedro Ivo Ribeiro. A tutela insuficiente do sistema internacional de proteção aos direitos autorais na era digital. Belo Horizonte, 2010.



[1] JENSEN, Christopher. The more things change, the more they stay the same: copyright, digital technology, and social norms. In: Stanford Law Review, 2003.

[2] Fluxo de mídia, é uma forma de distribuir informação na rede através de pacotes. Por exemplo: YouTube.

[3] Webmail o e-mail fica no servidor que possui uma interface para o usuário acessá-lo de qualquer lugar.

[4] Programa para fazer desenhos de engenharia tridimensionais.