A Contratação de Escritórios de Advocacia por Inexigibilidade de Licitação, segundo o Superior Tribunal de Justiça 

Grande parte dos mais de cinco mil municípios que integram a federação brasileira não dispõe de quadro de servidores próprios e concursados. No entanto, há frequentes questões jurídicas envolvendo autoridades municipais, provocadas tanto por órgãos de controle das contas do município, quanto por órgãos federais e estaduais, em face de questionamentos na aplicação correta de recursos repassados por convênios ou outros instrumentos de transferência. Ocorrem também litígios trabalhistas com empregados, ações ajuizadas por fornecedores e, até mesmo, demandas ajuizadas pelos próprios cidadãos e pelo Ministério Público.      

            Em consequência desta multiplicididade de controvérsias, que acabam levando o município para o poder judiciário, tem sido frequente a necessidade de contratação de escritórios de advocacia. O problema ocorre que, como há prazos judiciais para a defesa, em muitas das ocasiões, a contratação tem ocorrido de forma célere, sem o devido processo licitatório. Para tanto, os agentes municipais se valem da hipótese de inexigibilidade de licitação, prevista no artigo 25, II, Lei 8.666/93:

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

            O problema começa com a exigência de serviço singular. Ou seja, a contratação apenas pode ocorrer se o objeto a ser prestado possui características tão complexas que demandem um profissional de elevada qualificação. Por exemplo, para construir um prédio de dois andares, um engenheiro está devidamente capacitado, mas para construir uma instalação que abrigará um reator nuclear, apenas poucos detém o conhecimento requerido.

            Esta condicionante, no entanto, tem sido desconsiderada por agentes políticos municipais nas suas contratações de advogados, o que implica a ilegalidade do procedimento adotado.

O Superior Tribunal de Justiça, apreciando questões desta natureza, tem jurisprudência consolidada quando à impossibilidade de contratação de advogados, por inexigibilidade, caso não estejam presentes a singularidade do objeto e a notória especialização.

            A evidenciar este entendimento, o DJ de 01 de fevereiro de 2006, trouxe publicado o Recurso Especial 436.869/SP, tendo por Relator o Ministro João Otávio de Noronha, em decisão que apresentava a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO PARA REALIZAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS, MAS NÃO SINGULARES. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. LICITAÇÃO DISPENSA.

  1. Os serviços descritos no art. 13, Lei 8.666/93, para que sejam contratados sem licitação, devem ter natureza singular e ser prestados por profissional notoriamente especializado, cuja escolha está adstrita á discricionariedade administrativa.
  2. Estando comprovado que os serviços jurídicos de que necessita o ente público são importantes, mas não apresentam singularidade, porque afetos à ramo de direito bastante disseminado entre os profissionais da área, e não demonstrado a notoriedade dos advogados - em relação aos diversos outros, também notórios, e com a mesma especialidade – que compõe o escritório de advocacia contratado, decorre ilegal contratação que tenha prescindido da respectiva licitação.
  3. Recurso Especial não provido.       

Em 2010, o tribunal, analisando questão semelhante, proferiu decisão no REsp 1210756/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14/12/2010, assim ementada:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE AVOGADO E CONTADOR POR NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. ART. 25 DA LEI Nº 8.666/93. ESPECIALIDADE E SINGULARIDADE. REQUISITOS NÃO CONFIGURADOS. CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO. OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 11 DA LEI 8.429/92.           

O STJ voltou a decidir sobre esta questão no ano de 2016. O DJ de 30 de maio  publicou o Ag Rg no Recurso Especial nº 1.425.230-SC, Relator Ministro Herman Benjamim, mantendo a jurisprudência da corte, em decisão assim ementada:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. ATIVIDADES GENÉRICAS QUE NÃO APRESENTAM PECULIARIDADES OU COMPELXIDADES INCOMUNS. AUSÊNCIA DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO DO CONTRATADO E DA SINGULARIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS. ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO POR OFENSA ÀS NORMAS ESPECÍFICAS E AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PORVENTURA RECEBIDOS. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

            Tratava-se de ação popular interposta por um cidadão contra o município de Jaraguá do Sul, Santa Catarina, pela contratação de escritório de advocacia, por inexigibilidade. O pedido foi denegado na primeira e segunda instâncias. O juiz de primeiro grau destacou que não houve comprovação de dano ao erário.

            No entanto, no STJ, o entendimento foi diferente. Apesar da não comprovação de dano financeiro, havia, sim, clara evidência de dano à moralidade pública, o que amparava a ação popular. Como destacado no voto do Relator:

  1. Por conseguinte, ainda que não se materialize o efetivo dano ao patrimônio público, permanece latente a afronta à moralidade administrativa, circunstância que enseja o reconhecimento da nulidade contratual e, consequentemente, a restituição dos valores porventura pagos ao escritório de advocacia.

                Quanto à singularidade do objeto, ressaltou o Relator que:

A leitura do objeto do contrato mostra, portanto, que as atividades nele descrita – recuperação de receitas sonegadas do ISS incidente sobre as operações de arrendamento mercantil ou leasing, são genéricas e não apresentam peculiaridades ou complexidades incomuns – nem exigem conhecimento demasiadamente aprofundado, tampouco envolvem dificuldades superiores às corriqueiramente enfrentadas por advogados e escritórios de advocacia. Por isso, podem ser satisfatoriamente executadas por qualquer profissional do direito, e não por um número restrito de capacitados.              

                 Com esta recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça manteve a sua postura de afastar possíveis entendimentos e interpretações, por parte dos contratantes, que, direta ou indiretamente, implicassem violação aos Princípios da Legalidade, Impessoalidade e da Moralidade, especialmente pelo caso envolver o pagamento a profissionais privados com recursos públicos.