Pode-se afirmar que a Lei Áurea foi o momento da história brasileira que deu uma guinada forte para eliminação do trabalho forçado e introdução da verdadeira relação dotada de caráter empregatício, distante de características escravocratas. Tal afirmação é dada pelo fato da introdução de mão-de-obra assalariada por parte dos imigrantes, que desempenhavam as atividades que antes eram desenvolvidas pelos escravos. Mesmo antes da abolição legal da escravidão no Brasil, em 1888, alguns segmentos da classe dominante brasileira, sobretudo os cafeicultores do oeste paulista, demonstravam interesse pela adoção da mão-de-obra do trabalhador imigrante.

Os trabalhadores nacionais livres se recusavam ao trabalho nas lavouras porque possuíam uma ideia extremamente negativa a respeito deste tipo de trabalho. Conheciam de perto a relação existente entre senhores e escravos no Brasil, relação esta caracterizada pela superexploração e violência. Desta maneira, preferiam perambular livremente pelo país, realizar serviços esporádicos nas fazendas ou desenvolver atividades agrícolas de subsistência, ao invés de se sujeitarem ao trabalho degradante nas lavouras.

Assim é que, no século XIX, milhares de imigrantes (alemães, suíços, italianos, espanhóis, portugueses, entre outros) adentraram no Brasil trazendo na bagagem apenas alguns objetos de uso pessoal e na cabeça o sonho de “fazer a América”. Para a concretização da imigração em massa de trabalhadores europeus para o Brasil, um fator que muito contribuiu foi a intensa propaganda feita pelo governo brasileiro na Europa.

Durante um período incial de imigração, iniciou-se o sistema de imigração subvencionada ou subsidiada. Entretanto, mesmo após a imigração subvencionada, as condições de moradia, saúde e educação dos trabalhadores imigrantes continuaram muito ruins e o sonho de ter acesso a terra concretizou-se para bem poucos. Muitos deles, após certo tempo trabalhando nas lavouras de café, tomavam o rumo das cidades a procura de trabalho nas fábricas ou em outras atividades urbanas.

Além disso, a instrodução de trabalhadores assalariados não representou a melhoria na qualidade de vida de muitos trabalhadores rurais, uma vez que o desenvolvimento de um número considerável de fazendas continuou a se alimentar de formas de exploração semelhantes ao período da escravidão. Não apenas no momento da acumulação primitiva originária - historicamente realizada através de recursos naturais e da força de trabalho - mas ao longo do tempo, como forma de garantir uma margem de lucro maior ao empreendimento ou mesmo lhe dar competitividade para a concorrência no mercado.

Dois casos de utilização de formas de exploração semelhantes ao trabalho escravo, mas que não envolvem propriedade legal de um ser humano sobre outro, tornaram-se referência no pós-Lei Áurea. O primeiro é o dos nordestinos levados a trabalhar na florescente indústria da borracha na Amazônia. O segundo, o dos colonos estrangeiros trazidos para as fazendas de café do interior do Estado de São Paulo. Como pode-se citar no art. 14 do Código Criminal do Império, a permissão de castigos leves ou moderados aos escravos, castigos que foram proibidos pela lei nº 3.310 de 1886:

Art. 14. Será o crime justificável, e não terá lugar a punição dele: (...) 6.º Quando o mal consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos, e os mestres a seus discípulos; ou desse castigo resultar, uma vez que a qualidade dele, não seja contraria às Leis em vigor.

Desta forma, vê-se que o trabalho escravo continuou fazendo parte da história do Brasil, mesmo após uma lei que promulgou tantos comentários radiosos quanto ao seu conteúdo e seus possíveis resultados, a Lei Áurea deu liberdade aos negros e mulatos, mas não lhes garantiu alguns direitos fundamentais, como acesso a terra e à moradia, que os permitissem exercer uma cidadania de fato. Ao contrário, a falta de uma legislação complementar que vislumbrasse tal problemática contribuiu por condenar, usando termos políticos vigentes atualmente no Brasil, amplas camadas populares à exclusão social. 

Assim, o fim da escravidão não importou na melhoria na qualidade de vida de muitos trabalhadores rurais, uma vez que o desenvolvimento de um número considerável de iniciativas prosseguiu se alimentando de formas de exploração semelhantes ao da escravidão como forma de garantir uma margem de lucro máximo ao empreendimento ou mesmo lhe dar concorrência para o agrupamento do mercado.

referências

 lei nº 3.310 de 1886

LARA, Silvia Hunold. "O Castigo Exemplar" em Campos da Violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988

Manuel Pinheiro Chagas, As Colónias Portuguesas no século XIX [1811 a 1890], Lisboa, 1890

COSTA, Emília Viotti da. A abolição. 8ºed. ver. e ampl.. – São Paulo: Editora UNESP, 2008.