A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS IDENTITÁRIOS PERMEANDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO

 

Autoria: Nilcéia Bastos Sereno

 

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               RESUMO:   O presente artigo científico propõe-se a estabelecer um diálogo entre diversos pensadores a fim de perceber a forma como o conhecimento permite a formação da identidade humana conduzindo os indivíduos à construção de uma condição existencial plena. A integralidade humana, sua realização plena no que diz respeito ao aspecto afetivo, físico, moral, está diretamente ligado ao uso de seus atributos intelectuais.   Adquirir saber  implica  em adquirir  poder para  lutar por legitimização dos direitos.  Diante disso,  se estabelece a proposta de  visitar teorias direcionadas à compreensão do papel do conhecimento  enquanto agente importante na construção da subjetividade humana.  Projetando-se para além da acumulação de um saber  enraizado no enciclopedismo, vislumbra-se a construção de um saber que promova a formatação da identidade dos sujeitos. Há um olhar para o Sistema Educacional  por ser este um agente  que tem como especificidade a formação do conhecimento  e exercício da cidadania.

 

Palavras chave: identidade-emancipação-conhecimento-educação

 

 

 

                    Estabelecer uma reflexão  a respeito dos postulados teóricos de pesquisadores de destaque no cenário acadêmico, estabelecendo um recorte nos escritos que contemplam a construção do conhecimento enquanto agente de promoção da dignidade humana, é  a principal proposta do presente trabalho. Ressalta-se que o  objetivo primeiro da educação é formar cidadãos críticos, capazes de se conduzirem de forma autônoma. Mais do que transmitir conhecimento enciclopédico, nos deparamos com o desafio de fazer do processo educacional um instrumento eficaz na construção da identidade humana. Com fim de se trazer um olhar investigativo sobre as questões que envolvem o sucesso na construção da subjetividade, este artigo propõe-se a estabelecer um diálogo entre teóricos que deixaram relevantes postulados envolvendo a importância da aquisição do conhecimento como forma de se assegurar a construção da identidade dos sujeitos.

                   Desde os filósofos da antiguidade como Sócrates e Platão, até os mais prestigiados pesquisadores da atualidade, muitos vêm dedicando esforços pesquisando a respeito da importância da aquisição de conhecimento. Marx mostra que o imaginário humano poderia produzir um falso conceito sobre determinada situação, desta forma, injustiças sociais seriam perpetuadas, pois a verdade dos fatos estaria oculta, mascarada pela ideologia. A legitimização das desigualdades sociais se estabeleceria de forma cristalizada, enraizada nas práticas cotidianas dos indivíduos. As injustiças estariam veladas, ocultas, as vozes dos  sujeitos de menor prestígio social estariam apagadas, sufocadas por discursos que fortalecem o poder dos indivíduos portadores de maior prestígio social.

                   O desenvolvimento do pensamento crítico permite aos sujeitos enxergarem além das aparências podendo contemplar a realidade dos fatos. Considerando que o sistema educacional, na maioria das vezes, limita-se a reeditar  formas tradicionais na sua orientação pedagógica, este artigo estabelece a hipótese de que a reformulação de estratégias diferenciadas na forma de se trabalhar os conteúdos promoveria maior autonomia dos sujeitos.

                    Tecendo considerações a respeito da posição dos  indivíduos frente ao conhecimento, Wright Mills, em seu livro a Imaginação Sociológica publicado em 1965, nos mostra que os homens não têm consciência de suas vidas em relação  ao curso da história  mundial. A compreensão da própria biografia em paralelo à história da humanidade permitiria aos indivíduos a transformação de sua existência colocando-o no centro  do fazer histórico numa dada época. Para o autor, a maioria dos homens não possui o conhecimento intelectual necessário para compreender os acontecimentos em seu entorno, não possui o conhecimento básico para  sentir o jogo que processa entre os homens e a sociedade, a biografia e a história, o ‘eu’ e o mundo.

               Mills afirma que quem possui imaginação sociológica sabe estabelecer relações entre a história e as biografias. Compreendendo o processo sócio-histórico do qual faz parte, a pessoa pode redimensionar o processo existencial construindo sua subjetividade. O processo de construção de identidades nasce a partir do conhecimento que o indivíduo possui da história da humanidade e da sua própria história.

                 Para Sócrates, o grande desafio proposto ao homem seria o de conhecer a si próprio. Este processo conhecido em grego como gnothi seauton nos possibilita inferir que a partir da formação das consciências, da  construção da pessoalidade humana, seria possível a formação de uma sociedade mais justa. Weber assevera que a formação de consciências não se dá na coletividade, e sim na individualidade humana.

                   Como nos  mostra Penha (1994, p.33) em citação de Triches,

 ( 2006) o filósofo grego vai além de exortar o homem a conhecer a si mesmo. O alcance de seus postulados é mais amplo: há um convite à reflexão a respeito da condição humana. O conhecimento de si vai além de um saber fundamentado no enciclopedismo. Acumular conhecimento sobre a natureza das coisas, sem que se saiba sobre a alma humana, seria algo marcado pela incompletude. O saber deve promover o homem e a mulher à conquista de condições existenciais que permitam assegurar condições existenciais dignas. A emancipação do indivíduo, sua promoção enquanto pessoa, deve ser a razão primeira de todo processo educacional. Os gregos identificam como areté o conhecimento fundamentado na ética.  Areté consiste em fazer com que uma coisa boa, perfeita se torne algo melhor ainda. Significa aquela atividade ou modo de ser que aperfeiçoa cada coisa, fazendo-a ser aquilo que deve ser.

                    Segundo Vyghotsky, em citação de Paula (2006, p.38) , o desenvolvimento motor, cognitivo e social vai sendo construído através das interações. No contato com os semelhantes e na atuação sobre os objetos que cerca os seres, como postula Piaget, há construção do conhecimento. Mesmo o conhecimento de si, nasce na medida em que os indivíduos exercitam a prática do convívio mútuo.

                     Para Kruppa (1994, p. 23) O processo educativo que procura tornar o indivíduo um membro da sociedade é chamado socialização. Através da relação intergrupal os indivíduos interferem na vida uns dos outros podendo modificar-se mutuamente através do convívio social. Enquanto agentes ou atores sociais, os sujeitos ao mesmo tempo em que se aproximam da conduta do grupo em que vivem assimilando determinados padrões sociais, agem também sobre o grupo podendo modificá-lo.

                     A modificação dos atores sociais ocorre por influência dos fatores históricos que marcam a sociedade num dado momento. O indivíduo consciente do processo histórico que o envolve,  possibilita a si mesmo  ser produtor e produto da vida social. Os acontecimentos da história mundial condicionam a vida dos indivíduos.  Compreender que as oportunidades na vida estão circunscritas e dependentes dos acontecimentos que envolvem os homens faz com que os mesmos assumam uma posição participativa. Fator importante para a modificação dos acontecimentos sociais diz respeito ao processo político. O exercício pleno da cidadania permitiria aos sujeitos interferirem de forma decisiva no curso da história.

                    O processo de politização permite que as pessoas inscrevam-se no curso da história enquanto agentes do processo democrático. O exercício pleno da cidadania permite que os direitos da pessoa sejam assegurados. Na organização participativa da ordem democrática, há um nítido processo de construção identitária. A busca da humanização está diretamente ligada à busca do conhecimento. Pelo saber, é possível subverter a ordem social estratificada na exploração dos mais fracos pelos mais fortes.

                     Mills, ressalta ainda a forma como o passado sócio-histórico delimita contornos em relação às gerações presentes influenciando nas escolhas pessoais.  O conhecimento a respeito da importância de cada ser na construção da história dos diversos povos ao longo dos tempos, permite aos indivíduos fazerem uma (re)leitura a respeito da própria atuação no interior do grupo social do qual faz parte. A compreensão da importância de cada um para a sociedade como um todo, leva as pessoas a  (re)escreverem a própria vida.

                  Segundo Marilena Chauí (1994), “...conhecimento do conhecimento das ações humanas, conhecimento da transformação temporal dos princípios do saber e do agir, conhecimento das mudanças das formas do real ou dos seres, está na História e tem uma História”. Cotidianamente os indivíduos são impulsionados a fazerem escolhas. Escolhas efetuadas após análises das diversas possibilidades produtivas, diante de uma dada situação,  permitem mudanças nas condições materiais possibilitando alteração na realidade e na forma como se relaciona com os demais atores sociais. Podemos historicamente alterar as condições em que fomos formados. Do ponto de vista considerado neste artigo, as ações fortuitas, nascidas do acaso, perdem-se no tempo. Ao passo que as decisões marcadas por um processo consciente produzem efeitos que se propagarão no tempo e se inscreverão na história. Através do conhecimento as pessoas podem dar novos contornos à realidade que permeia seu entorno  além de alterar sua própria subjetividade.

                    Chauí mostra a necessidade de se conhecer a importância do conhecimento  como forma de estabelecer a harmonia no convívio social. O saber permite a reorganização da realidade circundante,  proporciona meios para  (re)construção da subjetividade. Pode-se dizer que o universo interior passa a ter novas paisagens. A identidade humana pode ser plasmada como matéria suscetível de  receber novos contornos,  como  substância a qual  se podem aplicar diferentes feituras.  

                  Lembrando o poeta latino Pico Delamirando, o homem pode ser escultor de si mesmo. Matéria suscetível de sofrer a ação humana  e se transformar, a realidade ganha os contornos definidos pela capacidade inventiva do ser humano: este eterno

agente de mudanças.

                   À luz dos postulados teóricos esboçados acima, podemos afirmar que se faz necessário a  (re)organização dos conteúdos no interior do ambiente educacional, as abordagens efetuadas precisam considerar o entorno socioeconômico. Um olhar que contemple situações pertinentes ao universo dos sujeitos, práticas pedagógicas que ensejem reflexão sobre temáticas que possam promover a compreensão a respeito da realidade social que os cerca, irá promover a formação da identidade permitindo a construção da autonomia.

 

 

 

 

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