A CONSTRUÇÃO DA LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO

Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Universidade de Araras, como requisito para a obtenção do certificado de especialização em Educação com Enfoque em Alfabetização, Aprendizagem e Linguagem.

Orientadora: Profa Dra. Roseana Corrêa Grilo

“Os homens são anjos nascidos sem asas; é o que há de mais bonito: nascer sem asas e fazê-las crescer.”

José Saramago

RESUMO

Ler é construir significados, fazer a interpretação não só dos sinais gráficos, mas de tudo que nos rodeia. É além de tudo, a comunicação que o indivíduo faz com outras culturas, outras épocas, com o restante da humanidade. Aprender a ler e escrever é apropriar-se de um conhecimento cultural amplo, é ser capaz de reconstruir os pensamentos, a forma de se ver e ver o mundo, na sociedade em que se vive. Existem várias formas de leituras e cada uma tem seu grau de importância na formação do ser leitor. Cabe ao educador colocar o aluno como centro de uma prática pedagógica eficiente, que desperte e cultive o desejo de ler, para que este seja capaz de elaborar novas idéias, concepções e hipóteses fazendo da aprendizagem um exercício significativo, formando assim leitores competentes. O indivíduo que se apropria da leitura conquista sua independência, autonomia, tornando-se capaz de atuar sobre sua realidade, construindo sua história.

Palavras-chave: leitura, prática pedagógica, leitor competente, aprendizagem.

ABSTRACT

Reading is building meaning, interpreting not only graphic symbols, but also everything around us. It is, above all, the communication one has with other cultures, other times, and the other human beings. Learning how to read and write is to acquire a vast cultural knowledge, being able to rebuild ideas and thoughts, the way we see the world, and ourselves in the society we live in. There are many ways of reading and each person has its importance in the construction of an efficient reader. It is the educator’s role to consider the student as the center of an effective pedagogical practice that can activate and cultivate the pleasure of reading so that the student is able to build new ideas, conceptions and hypothesis, making the learning process a meaningful exercise and forming competent readers. One who rules his own reading abilities conquers his independence and autonomy, becoming capable of dealing well with his reality and building his own history.

Keywords: reading, pedagogical practice, competent reader, learning.

INTRODUÇÃO

Em que consiste a leitura? O que é necessário para aprender a ler?

Estas e outras perguntas têm sido feitas pelos educadores ao se interrogarem sobre o insucesso de nossas crianças. Não é objetivo deste estudo responder a todas essas questões, mas apenas abordar a concepção da leitura e sua importância na vida do ser humano. A leitura é uma fonte importantíssima de aprendizado, e uma pessoa que ouve e lê tem uma capacidade maior de fixação em comparação a outra que apenas ouve. Deve se tornar um costume, se instalar por meio de situações prazerosas.

A linguagem, um atributo do ser humano, é definida como o uso da palavra articulada ou escrita, como meio de expressão e comunicação entre pessoas.

Falar não é apenas uma questão cultural e política, mas em se tratando de crianças, uma necessidade do crescimento psicológico. A linguagem verbal exercita o pensamento, socializa, desenvolve o pensamento simbólico e operatório, coloca a criança em conflitos com as outras, organiza sua mente, interpreta o mundo, expressa sentimentos. Quanto mais a criança cresce, mais a linguagem assume um papel preponderante.

Começaremos a explicar o que significa ler. Pode-se dizer que todas as atividades da criança são leituras da experiência, ou seja, quando ela leva um objeto à boca, quando agarra, puxa e encaixa objetos, quando ouve e imita sons, etc., está LENDO o mundo que a cerca.

Este estudo é muito importante para a compreensão de que o caminho para formar leitores competentes é, sem dúvida, estimular as crianças a gostarem de ler desde pequenas. A exemplo de outras habilidades adquiridas, como jogar futebol ou nadar, ler é uma atividade que necessita ser desenvolvida, incentivada e inserida aos poucos na vida dos pequenos, mesmo quando ainda não são alfabetizadas. A leitura deve ser apresentada como uma ação lúdica e de diversão, primeiro passo para ser prazerosa.

A necessidade de aprendizagem da leitura, em um determinado momento, passa a ser uma imposição social, pois amplia o campo de ação do ser humano e aumenta suas possibilidades de assimilar o mundo de organizá-lo. Neste momento se aprende a ler facilmente.

Da mesma forma que a linguagem oral, a linguagem escrita é resultado de uma produção social, é síntese de um esforço coletivo dos homens ao longo da história da humanidade. É parte dos bens culturais produzidos ao longo dos séculos.

A análise do ato de ler torna-se fundamental em um mundo onde a escrita é vista de maneira absolutamente positiva e indispensável na circulação de idéias. Em nossa cultura, com base grafocêntrica, o acesso à leitura é considerado como algo essencial, uma vez que torna possível ao individuo a obtenção de benefícios indiscutíveis: aquisição de conhecimentos e de aprimoramento cultural, forma de lazer e de prazer estético, ampliação das condições de interação e de convívio social, entre outros.

OBJETIVOS

1. OBJETIVO GERAL

Este trabalho tem como principal proposta realizar um estudo sobre a construção da leitura na alfabetização.

2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Discutir sobre a concepção de leitura e a relação entre ela e a escrita.

Levantar as diversas formas de leitura existentes no processo de alfabetização.

Rever e discutir a questão da leitura e da prática em sala de aula, para dar uma contribuição no contexto amplo do tema discutido.

METODOLOGIA

Este estudo resultou de uma pesquisa bibliográfica baseada no levantamento de vários autores, como destaque: Emília Ferreiro, Paulo Freire, Ângela Kleiman, Vigotsky, entre outros.

CAPÍTULO 1

CONCEPÇÃO DE LEITURA

O que é ler?

Aparentemente, parece uma pergunta fácil, mas não é.

Na consulta a um dicionário encontramos a seguinte definição:

Ler VT 1. Percorrer com a vista (o que está escrito), proferindo ou não as palavras, mas conhecendo-as. 2. Ver e estudar (coisa escrita). 3. Decifrar e interpretar o sentido de. 4. Perceber. 5. Adivinhar. Int. 6. Ver as letras do alfabeto e junta-las em palavras. 7. Proc. Dados. Transferir dados de um periférico para o programa em execução.

Segundo Orlandi (1998, p.120), ler é saber compreender, interpretar, e essa interpretação não é única, depende de cada pessoa, do seu contexto de vida, de sociedade, de trabalho, de família, de época, etc. Um texto para ser “legível” depende desses fatores e também depende do leitor virtual que se insere dentro do texto, pois, se a relação entre leitor virtual (leitor para quem o autor destina o texto) e leitor real (pessoa que lê o texto) é muito distante, fica difícil haver a compreensão. A leitura nada mais é do que uma forma de absorver a cultura.

Para Resende (2000, p. 17-25), ler é uma atividade complexa, pessoal, subjetiva, que não pode ser estudada apenas com a observação porque depende de um conjunto de atitudes internas, cognitivas e mentais, que não se mostram aos nossos olhos.

Ler não é apenas decifrar letras, passar os olhos por algo escrito, fazer versão oral de um escrito, é um meio de interrogar uma escrita, formular um juízo sobe ela. Ler é estabelecer uma comunicação com textos impressos, por meio da busca da compreensão. É o processo de construir significado a partir dos textos. (KLEIMAN, 1993, p. 28).

A leitura é uma extensão da escola na vida social do indivíduo. É o objetivo da escrita, portanto, quem escreve, escreve para ser lido. É uma atividade subjetiva, pois, há a reflexão, interiorização e assimilação do pensamento. Atividade que funde significado com significante em convencionalidade pelos elementos lingüísticos, culturais, ideológicos e filosóficos do leitor.

A leitura denominada de leitura lingüística é uma decifração e uma codificação. O leitor deverá, primeiramente, decifrar a escrita, em seguida decodificar todas as implicações que há no texto e, finalmente, refletir sobre todo o processo, para então formar o próprio conhecimento e opinião a respeito do que leu. É definida como sendo a atribuição de significados à imagem gráfica, sendo o sentido que o escritor lhe atribuir e a relação que o leitor estabelecer com sua própria experiência. Ler é reagir com os sentidos (ver e ouvir os símbolos gráficos) e com a emoção (apreciar, concordar, discordar, identificar-se, satisfazer-se).

Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa poder ter acesso a escrita, construindo na íntegra partes das novas informações ao que já se é. Ler é explorar a escrita de uma maneira não linear.

Está longe de ser uma tarefa fácil. Dá muito mais trabalho do que ver televisão, ouvir música ou pensar na vida. Qualquer leitura exige o domínio da língua e suas nuances, além de tempo e concentração, determinação e conhecimento sobre o tema (ou vontade para aprender e descobrir). Mas ler é o único jeito de se comunicar de igual para igual com o restante da humanidade, seja no tempo – por meio de textos escritos por gente que já morreu –, seja no espaço – ao ver, em jornais, livros e revistas, o que pessoas de todas as partes do mundo acham de eventos que estão ocorrendo neste exato momento. É nos escritos que desvendamos outras culturas, que hábitos e histórias diferentes se revelam para nós, que compreendemos, de fato, o sentido da expressão diversidade (de idéias, vivências, sonhos, experiências).

É por isso que ler seja talvez a coisa mais importante que a escola tem a ensinar – e não só aos alunos. Infelizmente, porém, muitos professores brasileiros não sabem como embarcar nessa expedição. A maior parte das escolas só trabalha com textos didáticos e literários e muitas vezes de maneira burocrática, sem sentido para os alunos, afirma a pedagoga argentina Lerner (2002, p.17 - 30). É essencial que diretores e professores se envolvam diretamente em atividades de incentivo à leitura, pois a pesquisa realizada por Bencini (2006, p.31 -37) mostra que o brasileiro lê menos de dois livros por ano (ver gráficos I e II).

Em aspectos gerais, ler é muito mais que decifrar. A leitura é determinada por uma série de fatores extralingüísticos, com a história social e psicológica de cada leitor, suas expectativas e interesses, a situação em que se encontra enquanto lê, e as relações com outras formas de linguagem que possua que podem levar a diferentes interpretações.

GRÁFICO 1: Perfil dos leitores brasileiros de 15 a 64 anos

Fonte: Elaborada pelas autoras deste estudo, com base em dados do artigo: Todas as Leituras, de Roberta Bencini, Revista Nova Escola, nº. 194, agosto/2006, p. 31 – 37.

GRÁFICO 2: Quantos livros uma pessoa lê por ano

Fonte: Elaborada pelas autoras deste estudo, com base em dados do artigo: Todas as Leituras, de Roberta Bencini, Revista Nova Escola, nº. 194, agosto/2006, p. 31 – 37.

1.1 Oralidade, leitura e escrita

Ao ingressar na escola, seja qual for sua idade, a criança traz consigo as marcas de seu meio cultural. Como está inserida em um meio familiar e comunicativo, ela carrega um conjunto de representações simbólicas que lhe foram transmitidas por seus pais, avós etc.por meio de narrações.

A linguagem oral, que o aluno chega à escola dominando, no que diz respeito a demandas de seu convívio imediato, é o instrumento por meio do qual se efetivam tanto a interação professor-aluno como quanto o processo de ensino-aprendizagem. É com base nesta experiência que o aprendiz descobrirá o sistema da escrita e estenderá o domínio da fala para novas situações e contextos.

Deve-se valorizar a função da oralidade na formação simbólica do indivíduo. Ouvir histórias e relatos auxilia no processo de alfabetização que é entendido como processo em que a criança deve aprender a ler o mundo, através de todas as suas formas de comunicação.

A oralidade, leitura e escrita são atividades integradas e complementares sendo que o primeiro contato da criança com o texto se dá através da narração oral, independente de estar ou não vinculada ao livro.

Ler, escrever e falar de acordo com as regras e necessidades socialmente estabelecidas requer a articulação de uma série de habilidades e competências básicas que, não podendo ser aprendidas espontaneamente, precisam ser ensinadas.

O processo de aquisição da língua escrita deve ser entendido como processo de aquisição e desenvolvimento de habilidades de comunicação e interação por meio da leitura e da escrita.

Fonte de conflitos, no aprendiz, levando-o a produzir diversos erros ortográficos está ligada ao fato de a criança acreditar na existência de uma espécie de transcrição fonética ¬(modo de falar determinando o modo de escrever). Para superar tais conflitos a criança necessitará compreender as diferenças entre falar e escrever o que significa entender que as palavras podem ser pronunciadas de uma forma e escritas de outra.

As atividades de leitura e escrita devem ter significado efetivo para o aluno e fundamentar-se não só nas semelhanças, mas, sobretudo nas diferenças entre a linguagem oral e a linguagem escrita, tanto no nível de sistema fonológico-sistema ortográfico quanto no nível das relações gramática da língua falada-gramática da língua escrita.

1.2 A importância da leitura na Sociedade Contemporânea

(...) A leitura não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão de natureza, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade. (ORLANDI, 1988/89, p.120).

Se hoje, ler e escrever são entendidos como operações essenciais em nossa sociedade, no passado, no entanto, nem sempre isso ocorreu.

Temos o exemplo de Platão que se insurgiu contra a escrita e evidentemente, contra a leitura – a qual, segundo ele, traria o esquecimento às mentes – enquanto exaltava e enaltecia a completude e excelência do discurso oral.

O aperfeiçoamento da imagem, por exemplo, provocou inquietações e levou mesmo à previsões catastróficas em relação ao futuro da leitura e do livro.

Onde está o bom senso? Nenhum desses livros têm a ver um com o outro. Você fica trancada durante anos com uma condenada Torre de Babel. Esqueça-os! As pessoas desses livros nunca existiram. (...) Um livro é uma arma carregada na casa do lado. Queime-o. Tire o projétil da arma. Domine a mente do homem. Quem sabe qual poderia ser o objetivo do homem que lesse muito. (BRADBURY, 1998, p. 68)

Temia-se que a era de Gutemberg estivesse prestes a ser tragada pelo poder incomensurável das transmissões eletrônicas, do laser, dos satélites.

A afirmação oposta, de que a imagem estimula a leitura também é válida. (MILANESI, 1990, p.220). Em realidade, hoje o que mais se verifica é que visual e escrita interagem na busca de respostas, sendo que a leitura e a escrita aliam-se ao cinema, a TV e ao vídeo na tentativa de captar e explicar melhor este nosso mundo que se expande mais e mais a cada dia.

Entre grupos letrados, a leitura instaura-se como processo de natureza histórica, revelando-se ainda como um tipo de atividade integradora e imprescindível à vida social.

Não lê, não se enriquece, não se transmite. Quem não lê, não escreve. Assim, o homem do século XX, bicho de concha, criatura intransitiva, se enfurna dentro de si próprio, ilhando-se cada vez mais, minado pelas duas doenças do nosso tempo: individualismo e solidão. (LANES, 1978, p.79).

Portanto, uma sociedade que domine a leitura e a escrita tem conseqüentemente o dever de estender e garantir politicamente o domínio de tais atividades a todos os seus cidadãos. Uma nação se faz com homens e livros. Assim acreditava o escritor Monteiro Lobato (1882-1948), para quem a cultura tinha fundamental importância na construção e no desenvolvimento de um povo.

Diferentemente do que até há algum tempo se pensava, a leitura não se constitui em ato solitário, nem em atividade monológica do indivíduo, pois este indivíduo, ao ler um texto, um livro, interage não propriamente com o texto, com o livro, mas com leitores virtuais criados pelo autor e também com esse próprio autor.O texto passa assim a exercer uma mediação entre sujeitos, estabelecendo relações plurais entre leitores reais ou virtuais, na medida em que esse leitor imaginário criado pelo autor, dialoga com esse leitor real, que lê o texto e dele se apropria.

Assim, leitor e leitura não existem isoladamente. Antes, constituem-se, erigem-se mutuamente nesse ato de produção. Tal leitor é sempre parte de um grupo social, ele certamente carreará para esse grupo elementos de sua leitura, do mesmo modo que, para a leitura, trará aquelas vivências advindas do social; trará para o texto sua experiência prévia de vida e também suas visões individuais de mundo. Enfim, preencherá o texto com sentidos que expressem as circunstâncias sócio-históricas e pessoais de seu tempo e de seu entorno.

Leitor e leitura atuam na construção de um processo social de mão dupla, desenvolvendo um tipo de ação que se dá em espaço muito amplo, pois os inumeráveis sentidos atribuídos a um texto e dele também absorvidos entram em consonância com a história de vida de cada um e, ainda em consonância com o imaginário pessoal e coletivo dos indivíduos. Nada pode tomar o lugar da leitura, porque precisamos de estímulos. (BRADBURY, 1998, p. 48).

Nossa sociedade hoje precisa não só garantir a permanência do processo de interlocução que se instaura entre leitores e leituras, mas também delinear mais nitidamente os espaços em que tal atividade seja sistematicamente produzida.

Uma biblioteca e seu ambiente podem despertar nossa criatividade, porque podemos andar pela biblioteca e descobrir certos livros que representam nossa vida, nossa alma, nossos pensamentos. Quando você lê esses livros, eles podem abrir sua mente e permitir que se traga à tona o tipo de indivíduo que é.(BRADBURY, 1998, p.48)

Em nossa modernidade houve uma sensível mudança nos próprios moldes de leitura. Se antes se lia, talvez mais, só na escola ou no espaço privado do quarto, observa-se hoje, porém, que o exercício de ler ocorre menos na escola, na casa e mais em lugares públicos. Lê-se de tudo em toda parte: jornais, revistas, outdoors, livros, horóscopo, panfletos; lê-se nos ônibus, nas filas, ante as bancas de jornais. Quem lê são indivíduos de todas as faixas etárias e das diferentes classes sociais. E este novo leitor que lê no meio dos outros está em perfeita osmose com seu entorno: ele não mais está só na imensidão do mundo. E seu ler encontra-se muito bem ancorado no reconhecimento de um grupo social.

Assim a leitura, de várias naturezas, mesmo que dispersa por entre tantos moldes, reforça mais sua enorme importância e necessidade, já que é sempre produzida no espaço social de uma interlocução real e virtual, acontecendo quase que sob a forma de uma conversação que se tem, como ensina Proust (1990, p. 26), (...) com indivíduos muito mais interessantes que aqueles que podem ter a chance de conhecer a nossa volta.

CAPÍTULO 2

LEITURA E ESCRITA

Para que a leitura e a escrita tornem-se um objeto de prazer, deve-se relacioná-las com questões que remetam ao aluno algum sentido social. Além de transmitir a informação, ela precisa mostrar ao aluno uma gama de sentidos ao seu mundo particular; fazer sentido a aquilo que ele já conhece de alguma forma.

Um lugar apropriado para o ensino da leitura e escrita é a pré-escola. É onde a criança não aprende a ler e a escrever, mas descubra habilidades durante a situação da brincadeira, onde as letras podem se tornar elementos da vida da criança, como por exemplo, a fala. A criança deve sentir necessidade de ler e escrever no seu brinquedo.

A leitura deve ter sentido para o leitor, de experiências anteriores, para que este selecione aquilo que deseja saber. É um trabalho de inteligência e posse da linguagem.

Na escrita, que é mais que decodificação de idéias, o leitor seleciona o que se quer escrever e quando o indivíduo a conhece, pode aplicá-la com maior segurança.

Para Vigotsky (1988, p.116), é através da aquisição da linguagem falada que a criança se apropria de formas mais complexas de se relacionar com o mundo que a cerca. Aprender a escrever e ler é um novo e grande salto para o desenvolvimento do indivíduo.

Algumas pesquisas demonstram que este processo ativa uma fase de desenvolvimento dos processos psicointelectuais inteiramente nova e muito complexa, e que o aparecimento destes processos origina uma mudança radical das características gerais, psicointelectuais da criança.

Esse domínio propicia outras formas de organização e permite o ingresso à cultura. Causa diferentes modos de pensar e de se relacionar com as pessoas.

Para aprender a ler, o não-leitor deve se relacionar com os textos que leria se soubesse ler, para viver o que vive. O ambiente deve comportar-se com o não-leitor como se ele já possuísse os saberes que deve adquirir. (FOUCAMBERT, 1994, p.24)

Não existe uma idade ideal para o aprendizado da leitura. As crianças aprendem a ler participando de atividades de uso da escrita com as pessoas que dominam esse conhecimento. Aprendem a ler quando acham que podem fazer isso.

A criança deve ver na leitura algo interessante e desafiador, uma conquista capaz de proporcionar autonomia e independência.

Assim, como as hipóteses sobre a escrita são construções que sucessivamente vão se aproximando da escrita convencional, a criança elabora hipóteses sobre o que se pode ler. Hipóteses de leitura são concepções e idéias que o aprendiz tem em relação à compreensão do código lingüístico. As hipóteses de leitura indicam que as idéias sobre o que se pode ler evoluem de acordo com oportunidades de contatos com a escrita.

Aprender a ler e a escrever é apropriar-se de um conhecimento cultural amplo para tornar-se usuário da leitura e da escrita no meio em que vive. Leitura e escrita são ferramentas para a compreensão e realização da comunicação, chave para a apropriação dos saberes já conquistados pela humanidade.

2.1 Alfabetização

ALFABETIZAÇÃO: Processo de contínua descoberta, reconhecimento, relacionamento, interpretação e interiorização do universo da língua escrita. A criança, para aprender a falar, atua como sujeito do processo de aquisição da fala, formula hipóteses, interage com quem esta a sua volta e aprende a falar. Na alfabetização, a criança também deve atuar como sujeito do processo de aquisição da língua escrita. Será um ser ativo na aprendizagem da leitura e escrita mediante a interação com o meio ambiente e com o outro. (FERREIRO, 1991, p. 37).

Na escola brasileira, não raramente, o ensino da língua escrita aparece vinculado à vida estudantil: ler para aprender e escrever para comprovar o aprendizado. Embora esse seja um alvo perfeitamente legítimo (e até desejável!), a ênfase atribuída aos fins tipicamente escolares mascaram o alcance da conquista da escrita, tornando-a artificial e, muitas vezes, sem significado ou motivação.

Por outro lado, quando, ao lado da dimensão instrumental, atribuímos à escrita a condição de legítimo conhecimento, a alfabetização deixa de ser uma etapa inicial e preparatória da escolaridade e assume definitivamente uma razão mais próxima da vida e, portanto, verdadeiramente educativa: uma conquista indispensável ao estudante, fundamental ao cidadão e essencial ao ser humano.

É no conjunto das práticas sociais que a escrita revela-se na plenitude de seu potencial, no contexto de nossa sociedade, alfabetizar é também dar voz ao sujeito, assim como favorecer meios críticos de participação social. A relevância e vitalidade da língua escrita transparecem em múltiplos usos, gêneros e funções: a comunicação, o documento, a previsão, o diagnóstico, o relatório, a notícia, o auxílio à memória, o divertimento, a tradução, a reivindicação, a informação, a propaganda, a expressão afetiva, o devaneio.

Aliadas às outras formas de expressão, comunicação e representação simbólica (oralidade, arte, música, som, movimento e gestualidade), as práticas da escrita contribuem para a evolução do individuo.

Assim pode se dizer que a alfabetização, mais do que simples técnica de associar letras e palavras justifica-se pelo seu potencial educativo na formação do falante, já que o processo de construção da escrita não só parte da oralidade, como também acaba por redimensioná-la (o sujeito que escreve, tende a melhor organizar a sua fala);

A alfabetização requer um longo período de aprendizagem, que está longe de se esgotar nos primeiros anos da escolaridade. O que está envolvido nessa trajetória de construção cognitiva é a crescente tomada de consciência a respeito da língua e do seu papel em possibilidades de uso e formas de expressão cada vez mais ajustadas. Do ponto de vista educativo, a alfabetização faz parte do processo de desabrochar do homem, o que justifica o cuidadoso investimento pedagógico considerado em estreita sintonia com a progressão do conhecimento.

As pesquisas psicogenéticas, descrevendo as sucessivas etapas do processo de aquisição da escrita, têm sido de extrema valia na revisão das práticas de ensino. O estudo dos processos cognitivos acabou por demonstrar que entre o que se ensina e o que se aprende, há uma relativa disparidade conforme o processo interno (absolutamente pessoal) de assimilação.

Por isso, o grande desafio do ensino construtivista é considerar o ponto de vista de cada aluno, entender como os indivíduos interpretam as informações e lidam com elas, como assimilam e valorizam as experiências vividas dentro e fora da escola e, finalmente, como eles evoluem nas diferentes competências para ler, escrever, compreender, interpretar, compor.

A construção da escrita é complexa e em sua estrutura, é possível estabelecer:

A construção e o fortalecimento do universo simbólico na prática de múltiplas formas de representação, incluindo os jogos simbólicos, a fala, a escrita e a assimilação de formas de notação e simbolismo em campos específicos do saber tais como a matemática, a geografia, etc.;

A relação entre a oralidade e a escrita que pressupõe o reconhecimento dessas diferentes formas de linguagem e de suas variações de usos, para compreendê-la nos seus múltiplos papéis sociais. Este processo cognitivo evolui da descoberta do sistema de escrita (as letras, a representação alfabética) à compreensão de seu caráter convencional;

A relação entre o fonema e a grafia, tendo em vista a complexidade que as letras representam os sons (letras sem sons, fonemas com mais de uma letra, uma letra com diferentes sons, um fonema com diferentes grafias) e também o uso de símbolos ou abreviaturas tão freqüentes nas leituras cotidianas. Na escrita e na sistematização das suas variações quantitativas e qualitativas, a compreensão da escrita é um todo constituído por unidades, dispostos de uma determinada maneira. Nesse processo, a criança lida com hipóteses de quantidade (com quantas letras se escreve) e de qualidade (hipóteses pré-silábica, silábica, silábica-alfabética, alfabética e ortográfica), tendo em vista a diferenciação entre palavras;

A compreensão dos atos relacionados à leitura (ler em voz alta, ler silenciosamente, contar, comentar) e à escrita (escrever, desenhar letras, rabiscar, copiar, traduzir), a correspondência dos enunciados lidos com os segmentos escritos no texto, e a leitura em toda a sua complexidade, processada por diferentes critérios e referenciais visuais ou não visuais: decodificar, antecipar, interpretar, compreender, etc.;

As relações entre imagens e texto, desenhar e escrever, processo cognitivo no qual, a partir da distinção entre os atos de desenhar e escrever, a criança descobre as relações possíveis entre a imagem e o texto;

O conhecimento dos portadores de texto nas suas relações com funções, gêneros, estilos, componentes visuais e composição estética para a conquista da postura de leitor-produtor consciente, autônomo e criativo, capaz de ajustar sua produção aos objetivos pretendidos.

O trabalho pedagógico desenvolvido na Alfabetização

Ao se considerar os processos cognitivos envolvidos na língua escrita, buscando uma sintonia na relação ensino-aprendizagem, significa colocar o aluno como centro da prática pedagógica. Ao invés de incutir informações e controlar a sua evolução, cabe ao professor despertar interesses, apoiar o desenvolvimento, estimular o ambiente rico em experiências ou interações e promover a ação pedagógica facilitadora para a elaboração de novas idéias, concepções e hipóteses.

Algumas atividades fundamentais para a conquista da língua escrita:

Atividades simbólicas: brincar de casinha, de trânsito, dramatização, desenho, mímica, maquetes, códigos, mapas, plantas de casas, gráficos;

Atividades de conhecimento e de fantasia: pesquisas, vivências de fantasias, histórias, filmes, visitas, passeios, estudos do meio, dinâmicas para troca de informações, (afinal, é preciso ter o que escrever).

Atividades técnicas, artísticas matemáticas e científicas: pesar, medir, classificar, seriar, agrupar, esquematizar, comparar, elaborar calendários, tabelas, gráficos;

Atividades orais: seminários, debates, teatro, contar e reproduzir histórias, reconstituir diálogos, discutir livros, debater posições contrárias;

Atividades de leitura: rodas de história, pseudo-leitura (fingir a leitura), leitura individual, em duplas, em grupo, coleção de revistinhas, jogral, jornal falado, leitura em diferentes suportes (livros, jornais, embalagens, poesias, etc.);

Atividades de produção: pseudo-escrita (fingir que escreve), escrita com escriba (feita por outra pessoa), escrever em diferentes suportes e com diferentes objetivos, compor um livro, fazer jornal, registro de atividades, escritas livres, individuais ou coletivas;

Atividades com palavras: escrever o nome, aquisição de outras formas de palavras estáveis, bingo de palavras, jogo de memória, cruzadinha, caça-palavras, rotular;

Atividades com textos: procurar palavras ou frases em um texto, cortar/ordenar os parágrafos de um texto, ampliar/reduzir textos, refazer textos;

Atividades com gêneros: listas, poemas, convites, contos, biografias, advinhas, relatos, questionários, escrever de diferentes pontos de vista, escrever em outro estilo;

Atividades com imagens: contar/escrever histórias através de desenhos ou conjunto de figuras, ilustrar um texto, escrever um título para uma imagem, histórias em quadrinho;

Atividades de correção e convencionalidade: brincar com letras/números, escritas/correções coletivas, autocorreção, dicionário, construir uma gramática, trabalhos de “tradução” de diferentes tipos de letras (bastão, cursiva), atividades lúdicas para correção, dedução e sistematização de regras, reescrita de textos;

Atividades de consciência metalingüística: dicionário dos termos regionais, pesquisar sobre as diferentes formas de se falar, os diferentes dialetos e formas de pronúncia ou sotaque, imitar falas;

Atividades de análise e síntese da escrita (relação todo-partes): associar e separar letras de uma palavra, recriar palavras, antecipar quantidade ou variedade de letras, jogo de forca, escrever palavras com letras ou sílabas sorteadas.

As atividades acima sugeridas, na prática, levam a criar alternativas de reflexão acerca da língua e estimular o desempenho lingüístico. Ao professor, fica o desafio de construir a prática em sala de aula, tendo em vista o respeito à infância, à valorização das características sócio-culturais e a consideração da diversidade de seus alunos. E o compromisso de fazer da aprendizagem um exercício significativo.

2.2 Tornando-se um leitor

(...) é impossível pensar na leitura da palavra sem reconhecer que ela é precedida pela leitura de mundo...: que o bicho gente, muito antes de desenhar e fazer a palavra escrita, falou, disse a palavra e muito tempo antes de escrever, leu o mundo dele, leu a realidade dele. (FREIRE, 2001, p.136).

Ler é uma atividade subjetiva, que depende de atitude interna, cognitiva e mental.

Leitura pode-se dizer que é uma associação de informações visuo-cognitivas que ao entra em contato com um texto, produz sentido ao leitor. Passamos a vida toda a decifrar o mundo através das letras. Lemos mais que escrevemos: placas de ônibus, rótulos, números, nomes, etiquetas, documentos, etc. Reconhecemos o mundo e a nós mesmos pela leitura.

Leitor é alguém capaz de, em pouco tempo, usufruir um conhecimento que se fosse transmitido oralmente ou por imagens, demoraria muito mais tempo para ser assimilado.

Para tornar-se um leitor a criança deve ver formas de empregar a leitura e ampliar seus objetivos e interesses. Se a linguagem escrita tem significado para a criança, ela aprenderá da mesma forma que aprendeu a utilizar a linguagem falada.

A leitura deve ser como uma experiência amorosa: cheia de surpresas e prazer. Algo que fica impregnado, que penetra intimamente em nosso ser, que nos dê felicidade.

Para que a criança em fase de alfabetização, tenha esse lado mágico fixado nela, sabemos o quanto é importante o lúdico, o jogar com as letras; ela, cognitivamente, reordena sua linguagem, a transforma e a cria e redescobre a função da leitura. A leitura é um espaço de liberdade e imaginação: é o lugar da aventura. (ARRIGUCCI, 1999, p. 19)

Ensinar a ler é ensinar a inventar, a pensar a partir da leitura. Nesse diálogo mudo, construímos a imagem do outro, da linguagem; redescobrimos o mundo, o pensamento.

A leitura é o objeto da escrita, uma depende da outra, pois quem escreve, escreve para ser lido. É um processo de descoberta pessoal, pois duas pessoas que lêem um mesmo texto, raramente fazem-na igual, pois é uma atividade de reflexão, interiorização e assimilação de pensamento.

Nenhuma criança começa a alfabetização na total ignorância da leitura. Ela recebe muito antes, informações que a levam a compreender, a decifrar e a distinguir, desenhos, letras, números, etc.

Quando uma criança lê ou ouve uma história, desenvolve sua criticidade, cria sua opinião e de acordo com Arrigucci (1999, 24), ensinar os outros a ler, nós sabemos o quão é difícil. Com efeito, ensinar a ler, no sentido mencionado, é ensinar a inventar sem trair, ensinar a pensar a partir do fascínio da leitura.

É através da leitura que se reconstrói os pensamentos. A forma de ver e se ver no mundo, na sociedade em que se vive. É lendo que se torna leitor e adquire gosto pela leitura. Nesse sentido, cabe à escola, formalmente viabilizar de forma prazerosa, o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, para que seus objetivos e interesses sejam ampliados.

Ser leitor é condição necessária para usufruir e participar da democracia. Uma democracia somente merece este nome se seus participantes tiverem acesso à cultura, ao conhecimento. E a melhor forma de se ter esse acesso, é lendo.

CAPÍTULO 3

DIVERSAS FORMAS DE LEITURA

Há várias possibilidades de leitura. Cabe, porém, ao educador adequar cada tipo de leitura às diferentes situações vivenciadas.

Sendo a leitura uma atividade de produção de sentido, não é possível delimitá-la.

O bom leitor é aquele que sabe que há outras leituras, que o sentido pode ser outro. (...) é preciso deixar muito claro que se não existe uma injunção – religiosa ou natural – que fixe apenas um sentido verdadeiro às palavras – o sentido literal –uma única interpretação – a interpretação objetiva – se os sentidos podem sempre ser vários e podem ser outros, isso não significa que o sentido possa ser qualquer um e que todas as interpretações sejam equivalentes. Isto é, existem sentidos que se apresentam como sendo objetivos, mas é fundamental reconhecer que essa literalidade e essa objetividade são produtos da história, são construídas historicamente, e não o resultado de uma relação natural, necessária, entre as palavras e as coisas nomeadas. Existem sentidos sedimentados que constituem o domínio da memória, do já-dito, que por efeito ideológico se apresentam como o conjunto de evidências, de informações, de realidades reconhecidas e aceitas por todos, as quais são codificadas pela língua de maneira transparente e às quais os sujeitos devem fazer referência, da maneira mais clara possível. (...) É pela inscrição nessa história de formulações, de interpretações, que um sujeito pode significar – pode falar, ler, interpretar – e que os sujeitos podem se comunicar. (Orlandi, 1998, p.124)

Entre os fatores de maior importância para a aprendizagem da leitura podemos citar os conhecimentos adquiridos informalmente no dia a dia, a capacidade de usar a linguagem e de conhecer suas características, a inteligência, a dinâmica familiar, as condições afetivas, o interesse e motivação para novas aprendizagens assim como oportunidades para aprender e a qualidade da instrução escolar que está sendo oferecida.

A leitura deve fazer parte do cotidiano do ser humano, não se limitando a finalidades meramente acadêmicas.

3.1 Leitura de mundo

O ato de ler começa antes de os alunos se concentrarem para dar sentido a cada uma das partes de um texto. Ele é iniciado com a exploração, com a ativação dos conhecimentos prévios dos educandos, que certamente vão interferir na compreensão do que se está lendo.

Ler o mundo na era globalizada implica perceber sua complexidade, mais do que em qualquer era anterior. A leitura do mundo conduz à criticidade, entendida como apropriação crescente pelo ser humano e sua posição no contexto em que vive.

Para Paulo Freire (1997, p. 90), a leitura do mundo consistiu em caminho para a humanização. Freire defendia uma educação que desenvolvesse a consciência crítica, que promovesse a mudança social. E não haveria mudança sem a compreensão crítica da realidade vivida, ou seja, sem a leitura do mundo.

Como educador, preciso ir lendo cada vez melhor a leitura do mundo que os grupos populares com que trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior de que este é parte (...) Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo de leitura de mundo que precede a leitura da palavra. (FREIRE, 2001, p. 85 - 91)

Para exercer a cidadania ativa é preciso reconhecer o seu papel na sociedade, inserir-se criticamente na realidade. Portanto, na perspectiva de uma outra globalização, faz-se necessário ler o mundo para desnaturalizar a malvadez da globalização capitalista, para construir a consciência coletiva sobre as ameaças que pesam sobre o planeta e sobre todos os seres humanos e para agir buscando o fortalecimento do processo de planetarização, de construção da cidadania planetária.

As leituras de mundo são informadas por diferentes perspectivas: religiosa, moral, sobrenatural, intuitiva, filosófica, ideológica ou científica. Um mesmo objeto de conhecimento pode ser sujeito a diferentes leituras: a do religioso, do cientista, do poeta. Estas leituras de mundo não refletem apenas diferentes pontos de vista: elas produzem diferentes impactos.

Às dialéticas da vida nos lugares, agora mais enriquecidas, são paralelamente o caldo de cultura necessário à proposição e ao exercício de uma nova política. Funda-se, de fato, um novo mundo. Para sermos ainda mais precisos, o que afinal, se cria é o mundo como realidade histórica unitária, ainda que ele seja extremamente diversificado.

3.2 Leitura do cotidiano

O ato de ler, na atualidade, vem se disseminando pelo cotidiano dos indivíduos que lêem. Lê-se em casa, no ônibus, no escritório, na rua, no banco, na escola, e em muitos outros lugares. São inúmeras as circunstâncias da vida em que o cidadão precisa ler.

Sendo assim, aprender a ler não é só uma das maiores experiências da vida escolar, mas uma vivência única para todo ser humano, pois ao dominar a leitura abrimos a possibilidade de adquirir conhecimentos, desenvolver raciocínios, participar ativamente da vida social, alargar a visão de mundo, do outro e de si mesmo.

A leitura é uma atividade de procura do passado, de lembranças e conhecimentos do leitor. O que orienta o ato de ler é a direção, a elaboração do pensamento e sua imagem de mundo.

Ler em si não é viver. Ler é conseguir o devido combustível de idéias para viver em sociedade. E essa conquista passa necessariamente pela objetividade do ensino e pela qualidade da escola. Isso não é uma inferência, mas um fato real ou, no mínimo, uma previsão mais do que acertada. (SILVA, 2002, p. 28)

Em ambientes onde o acesso á notícias publicadas em revistas e jornais é constante, o interesse e o gosto pela leitura descontraída e dinâmica se tornam um acontecimento natural.

Essa prática aproxima os pequenos do mundo cotidiano – distante das metáforas da literatura – e ajuda a formar leitores assíduos e interessados pelos fatos reais do dia a dia. Jornais e revistas cumprem a função básica de produtores de conhecimento. Como a informação é a matéria-prima do trabalho escolar, não há como falar em educação sem ler essas publicações todo dia.

Nenhuma leitura dá tanta oportunidade de desenvolver o senso crítico. Há uma distância enorme entre o que acontece dentro e fora da escola. A exploração do texto jornalístico contribui para aproximar essas realidades. E ainda ajuda a formar jovens mais críticos e com opiniões próprias, capazes de brigar por seus direitos.

3.3 Leitura na escola

Embora as estratégias cognitivas da leitura não possam ser modeladas, uma vez que o conhecimento que a elas subjaz não está sob o nosso controle e reflexão conscientes, podemos, mediante o ensino, promover condições para que o leitor desenvolva as habilidades em que estão apoiadas. Tais condições consistem essencialmente, na análise de aspectos locais do texto que envolvam nosso conhecimento lingüístico sobre a estrutura da língua e no ensino do vocabulário. Quanto a este último, na aula leitura enfatiza-se um método de descoberta e adivinhação, bem como uma atividade para aprender a conviver com palavras desconhecidas e com palavras cujo significado é difuso e vago. Quando esta atitude estiver bem enraizada no leitor, espera-se que ele, se deparando com palavras desconhecidas num texto, mas sabendo por que e para que está lendo, consiga decidir qual grau de conhecimento necessário para compreender este texto. (KLEIMAN, 1993, p. 80).

É possível ler na escola? Essa pergunta pode parecer estranha: por que colocar em dúvida a viabilidade da leitura em uma instituição cuja missão fundamental sempre foi precisamente a de ensinar a ler e escrever?

Ler é adentrar outros mundos possíveis. É questionar a realidade para compreendê-la melhor, é distanciar-se do texto e assumir uma postura crítica frente ao que de fato se diz e ao que se quer dizer, é assumir a cidadania no mundo da cultura escrita.

Na escola, a leitura é antes de tudo um objeto de ensino. Para que se constitua também em objeto de aprendizagem é necessário que tenha sentido do ponto de vista do aluno. Para que a leitura, como objeto de ensino, não se separe demais da prática social que se quer comunicar, é imprescindível representar ou reapresentar, na escola, os diversos usos que ela tem na vida social.

A desnaturalização que a leitura sofre na escola tem sido evidenciada de forma irrefutável. Todo tratamento que a escola dá à leitura é fictício, começando pela imposição de uma única interpretação possível. Esse tratamento que somente ela dá é perigoso porque corre o risco de “assustar as crianças”, ou seja, distanciá-las da leitura em vez de aproximá-las; ao colocar em juízo o contexto da leitura na escola, não é justo sentar os professores no banco dos réus, porque eles também são vítimas de um sistema de ensino; em certas condições a instituição escolar pode converter-se em um ambiente propício à leitura; essas condições devem ser criadas antes mesmo de as crianças aprenderem a ler no sentido convencional do termo – e uma delas é que o professor assuma o papel de intérprete e que os alunos possam ler através dele.

O essencial é fazer da escola um ambiente propício à leitura, é abrir para todos as portas dos mundos possíveis, é inaugurar um caminho que todos possam percorrer para se tornarem cidadãos da cultura escrita.

Ao analisar a prática escolar da leitura, chega-se a conclusão de que seu uso social é realmente escasso. Há discrepâncias entre a versão social e a versão escolar da leitura, que é tão útil na vida real, mas que aparece na escola como uma atividade gratuita, cujo único objetivo é aprender a ler.

Isso ocorre porque se ensina uma única maneira de ler – linearmente, palavra por palavra, desde a primeira até a última. Alguns leitores, às vezes, lêem exaustivamente, outras vezes exploram apenas certas partes do texto ou pulam o que não lhes interessa; em alguns casos lêem muito rápido e em outros lentamente; em certas situações controlam cuidadosamente o que estão compreendendo, enquanto em outras se entregam completamente ao prazer de ler.

Para o aluno, a leitura aparece desligada dos propósitos que lhe dão sentido no uso social porque a construção do sentido não é considerada uma condição necessária para a aprendizagem. A teoria oficial, na escola, parece considerar que o funcionamento cognitivo das crianças é totalmente diferente do funcionamento cognitivo dos adultos: enquanto estes aprendem somente o que lhes é significativo, as crianças poderiam aprender aquilo que lhes ensinam, independente de poder ou não atribuir-lhe sentido.

3.3.1. Ler para estudar

De todos os comportamentos leitores, o de ler para estudar é certamente o mais cobrado pelos professores desde os primeiros anos do Ensino Fundamental – ainda que muitos não saibam como ensiná-lo a seus alunos. Sem dúvida, aprender a ler textos informativos, artigos científicos, ensaios e livros didáticos (e paradidáticos) é uma habilidade fundamental para toda a vida, dentro e fora da escola. O jovem que, ao final da oitava série, não consegue compreender essas informações acaba se convencendo de que é incapaz e, muitas vezes, desiste definitivamente dos estudos.

Orientar a leitura desses textos é mais difícil, entre outras coisas, porque o próprio material de estudo é pouco atraente: muitas letras, poucas ilustrações, um conjunto de idéias que precisam fazer sentido (e elas quase sempre são novas para o leitor). O ritmo de trabalho é, necessariamente, mais lento, para alcançar o objetivo de localizar informações sobre um assunto específico e reler trechos difíceis. Entender isso é essencial para criar situações didáticas coerentes com a realidade. Desse modo, faz todo sentido pedir resumos, esquemas e sínteses para facilitar o entendimento. O foco não deve ser apenas a avaliação, mas principalmente o registro, pois, ao escrever e esquematizar, é preciso reelaborar o que foi lido. E isso é estudar.

CAPÍTULO 4

LEITURA E A PRÁTICA EM SALA DE AULA

O espaço da sala de aula deve ser de formação de leitores. Um espaço, portanto, com muitas leituras. Leituras das crianças e dos professores. Leituras de jornais, livros, de panfletos, de musicas, de poesias e do que mais se tornar significativo. Leituras de vários autores e com varias intenções. E com a leitura abundante da escrita do mundo que aprendemos a ler. (BARBOSA, 1990, p.69).

Ensinar a ler passa pela ação de despertar o gosto pela leitura que proporciona acesso ao conhecimento produzido ou em produção, prazer estético (contemplação do que é belo, do que nos emociona, do que nos mobiliza profundamente).

O aluno, antes de qualquer coisa, deveria estar convencido das vantagens de saber e de poder ler. O professor faria bem, então, em ajudar o aluno a construir uma representação positiva da leitura e dos poderes que ela confere ao cidadão. E, em cada situação particular da sala de aula, deveria explicitar para os alunos os objetivos de toda atividade de leitura. (ANTUNES, 2003, p.53)

A leitura corresponde a um ato de compreensão, ou seja, a uma busca daquilo que o texto pode significar. Segundo Zorzi (2003, p. 120), para que a leitura seja possível, há necessidade de se compreender os símbolos (significantes) e aquilo que eles simbolizam (significado). Assim sendo, uma criança que seja somente capaz de decodificar, simplesmente pronunciando as palavras sem alcançar o entendimento das idéias nelas contidas, não pode ser considerada como alguém que realmente lê. O ato de leitura, portanto, ultrapassa a simples pronúncia, mesmo que correta das palavras, envolvendo outras capacidades. Como, por exemplo, a capacidade de ler sem que o leitor tenha que se deter em palavra por palavra e, menos ainda, em letra por letra. Um bom leitor trabalha com grandes unidades de significado do texto e não com somatória de detalhes significantes.

4.1 O professor: um ator no papel de leitor

Na escola a função de decidir sobre a validade das interpretações costuma ser reservada ao professor, o direito e a obrigação de ler costumam ser privativos dos alunos.

Para que a instituição escolar cumpra sua missão de comunicar a leitura como prática social é imprescindível atenuar a linha divisória que separa as funções dos participantes na situação didática. Para comunicar às crianças os comportamentos que são típicos do leitor, é necessário que o professor os encarne na aula, ofereça a elas a oportunidade de participar de atos de leitura que ele próprio está realizando, que estabeleça com elas uma relação de leitor para leitor.

Ao adotar em aula a posição de leitor, o professor cria uma situação de ficção: procede como se a situação não tivesse lugar na escola, como se a leitura estivesse orientada por um propósito não-didático – compartilhar com os outros um poema que o emocionou, ou uma notícia de jornal que o surpreendeu, por exemplo. Seu propósito é, no entanto, claramente didático: o que se propõe com essa representação é comunicar a seus alunos certos traços fundamentais do comportamento leitor. O professor interpreta o papel de leitor e, ao fazê-lo, atualiza um significado da palavra ensinar que habitualmente não se aplica à ação da escola.

Mostrar para que se lê, quais são os textos que atendem a certa necessidade ou interesse, e quais serão mais úteis para outros objetivos, mostrar qual é a modalidade de leitura mais adequada para uma determinada finalidade, ou como o que já se sabe acerca do autor ou do tema tratado pode contribuir para a compreensão de um texto. Ao ler para as crianças, o professor ensina como se faz para ler.

Quando o professor atua como leitor na sala de aula o faz em função de um objetivo didático: comunicar a seus alunos aspectos fundamentais do comportamento leitor, da natureza da língua escrita, das características especificas de cada gênero textual.

A leitura do professor é particularmente importante no início da escolaridade, quando as crianças ainda não lêem, por si própria, de forma eficaz. Durante esse período, o professor cria muitas e variadas situações nas quais lê diferentes tipos de texto.

Uma vez terminada a leitura, tanto no caso do texto literário quanto no do texto informativo, o professor põe à disposição das crianças, para que possam folheá-lo e possam se deter naquilo que lhes chamar mais a atenção, propõem que levem para casa esse livro e outros que achem interessantes. Faz propostas desse tipo porque quer que as crianças descubram o prazer de reler um texto do qual gostaram ou de evocá-lo, observando as imagens, porque considera importante que seus alunos continuem interagindo com os livros e compartilhando-os com os outros, porque não considera imprescindível controlar toda a atividade leitora de seus alunos.

O professor continuará atuando como leitor – embora certamente não com tanta freqüência como no início – durante toda a escolaridade, porque lendo materiais que ele considera interessantes, belos e úteis, poderá comunicar às crianças o valor da leitura. Entretanto, operar como leitor é uma condição necessária, mas não suficientes para ensinar a ler. Quando as crianças se confrontam diretamente com os textos, o ensino adquire outras características, são necessárias outras intervenções do docente. Essas intervenções são orientadas para que as crianças possam ler por si mesmas, para que avancem no uso de estratégias eficazes, nas suas possibilidades de compreender melhor o que lêem.

Em alguns casos, a responsabilidade da leitura será compartilhada. Essa modalidade se mostra apropriada, por exemplo, quando se aborda um texto difícil para as crianças. Enquanto estão lendo, o professor as incentiva para que continuem a leitura sem se deterem diante de cada dificuldade, sem a pretensão de entender tudo, buscando compreender qual é o assunto tratado no texto. A ajuda oferecida pelo professor consiste em propor estratégias das quais as crianças se apropriarão progressivamente, e que serão úteis para abordar textos que apresentem certo grau de dificuldade. Além disso, nessas situações, o professor incentiva os alunos a cooperarem entre si, com o objetivo de que a confrontação de pontos de vista leve a uma melhor compreensão do texto; devolve totalmente às crianças a responsabilidade d leitura, com o objetivo de que se esforcem por compreender e construam ferramentas de autocontrole.

Em síntese, tanto ao mostrar como se faz para ler quando o professor se coloca no papel de leitor, quanto ao ajudar as crianças sugerindo estratégias eficazes nos momentos de leitura compartilhada, como também ao delegar a elas a responsabilidade pela leitura, individual ou grupal, o professor está ensinando a ler.

4.1.1 Ensinar o prazer de ler

Existe coisa mais divertida do que ler para crianças? Magia, fantasia e imaginação são apenas alguns dos elementos presentes nesses momentos.

A experiência de ouvir e contar histórias sempre fascinou a humanidade. Encantado pela mágica do faz de conta, através dos livros o ser humano pode transformar-se em mil outros seres, esconder-se atrás deles e estar em todos os lugares e tempos. Com o outro, o indivíduo aprende quem é.

Por que, então, as escolas formam tão poucos leitores e o gosto pelos livros ainda é (quase) uma raridade em nosso país? Todos os estudos apontam que o vilão da história é sempre o mesmo: misturar a literatura com atividades didática.

Conhecimento e prazer fundem-se num texto. No entanto, dentro do currículo escolar, freqüentemente conhecimento e prazer se tornam dicotômicos. Tal problema vem de práticas pedagógicas que não formam o gosto pela leitura, não criam mecanismos que facilitem o acesso aos livros, não apresentam textos com qualidade. Esses problemas não estão circunscritos à escola, mas também ao âmbito cultural e político do país.

Afinal, se o negócio é ler por prazer, não há sentido em exigir tarefas que não têm relação com isso. O correto é apenas trocar idéias e privilegiar a construção de sentido dos textos, estabelecendo relações com a realidade dos alunos e com diversas artes.

Contudo, os caminhos trilhados pela escola nesse momento merecem ser mais conhecidos. O conflito entre obrigação e prazer se instaura no âmago da sala de aula, tornando estranho aos alunos um sedutor objeto de estudo. Há quem argumente que os textos são longos demais, há quem afirme que os alunos não se interessam mais por ler e, portanto, a leitura saiu de moda, há quem declare que o professor não sabe ensinar.

É preciso recuperar uma utopia que articule a leitura com a vida humana. É preciso colocar o ideal de ensinar num processo de aprendizagem em que todo aluno será inicialmente reconhecido como potencial leitor:

Formá-lo significa dar condições para ele descobrir que sua convivência com o texto e a escrita antecede sua relação com uma instituição reconhecida e legitimada pela sociedade a que chamamos literatura; está presente em boa parte dos momentos de sua vida; e talvez por ser destituída de mistério e sacralidade, trata-se de uma atividade boa e agradável. (ZILBERMAN, 1990, p. 49).

O aluno pode descobrir-se leitor porque lê jornais, revistas, etc., e descobrir que a leitura pode dar prazer, auxiliá-lo a vivenciar características de sua personalidade e de sua inserção na sociedade e na história. Muitas vezes, o professor acredita que, com métodos e técnicas que motivem o aluno a ler, esse o fará. São esquecidas as questões relacionadas com as identificações pessoais que cada leitor constrói frente a um texto: não se aceita sua preferência por um texto e não por outro: não se admite que alguns definitivamente não gostem ou não queiram ler texto nenhum.

Ensinar a leitura de um texto envolve despertar a sensibilidade do aluno, possibilitar o reconhecimento de sentidos, a decifração de signos e a reconstrução da linguagem. A literatura é parte fundamental da cultura e deve estar presente na escola e na vida do cidadão; pois, sua intenção fundamental é produzir prazer.

Os gêneros literários englobam: conto, poesia, teatro, canções, adivinhas, parlendas, histórias em quadrinhos, narrações, e, devem sempre estar presentes na sala de aula, em seus portadores reais.

Assim, ensinar não é mais capacitar o aluno com informações, mas desenvolver nele a capacidade de transformar informações em conhecimento, ampliando a rede de relações entre ensino e leitura.

Para responder aos problemas referentes à sala de aula, antes é preciso perceber que o aluno já vive uma cultura planetária. Antigamente os conhecimentos eram apreendidos somente na escola; hoje aprende-se sobretudo no mundo. O professor deixa de ser quem mais sabe sua disciplina, pois o aluno pode recorrer a outras formas de informação de fácil acesso: televisão, programas interativos e multimídia. Dessa maneira, o saber do professor sofre a revolução dos conhecimentos.

Caso pretenda formar o gosto pela leitura, o professor deverá ultrapassar as propostas dos meios de comunicação de massa, aos quais o aluno já tem acesso sem a sua interferência. Pretende-se que os alunos possam aprender em sintonia com a qualidade do que lhes é ensinado. Desloca-se o foco do ensino para a aprendizagem e o professor precisa trabalhar integradamente com razão e emoção, levando em conta a subjetividade do aluno e a sua própria. Constata-se que a inteligência possui múltiplas faces que, como redes de conhecimento, estão em permanente mudança interativa. Além disso, o aluno já está lendo e aprendendo a partir do que lê, provavelmente de forma assistemática.

O principal objetivo de qualquer atividade ou projeto de leitura por prazer é justamente desenvolver esse comportamento leitor: fazer com que os estudantes se tornem leitores autônomos e busquem novos livros.

4.3 Estratégias de leitura

Em se tratando da leitura, ainda que o primeiro ciclo seja o momento da aprendizagem do sistema de notação escrita, as atividades precisam realizar-se num contexto em que o objetivo seja a busca e a construção do significado, e não simplesmente a decodificação. O leitor iniciante tem também uma tarefa não muito simples nas mãos: precisa aprender a coordenar estratégias de decifração com estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação. Inicialmente, essa aprendizagem se dá pela participação do aluno em situações onde se leia para atingir alguma finalidade específica, em colaboração com os colegas, sob a orientação e com a ajuda do professor. (...) é preciso que os alunos leiam diferentes textos que circulam socialmente. A seleção do material da leitura deve ter como critérios: a variedade de gêneros, a possibilidade de o conteúdo interessar, o atendimento aos projetos de estudo e pesquisa das demais áreas, o subsídio aos projetos da própria área. (BRASIL, 1997, p.106).

Como podemos concluir, ensinar a ler vai muito além de ensinar a decodificar palavras em um texto. É um processo que deve orientar os alunos no emprego de estratégias de leitura, na busca da construção e re (construção) dos significados de um texto. Esses procedimentos são empregados pelos leitores quando observam, antecipam, criticam, avaliam, interpretam, enfim, ao fazer a leitura do mundo que os rodeia.

Ler é um ato, pois, que exige esforço mental ativo. Daí a importância de o professor intervir nesse processo, orientando, incentivando, ensinando novos procedimentos que facilitem a interpretação de um texto.

Um passo importante para isso refere-se à avaliação e ao ensino de estratégias de leitura. Avaliar os procedimentos de busca de sentido que os alunos já utilizam e incorporá-los à prática de leitura em sala de aula, bem como contribuir com o ensino de outros procedimentos, são ações importantes para a ampliação da competência discursiva dos alunos. Tais estratégias passam despercebidas pela consciência, ocorrem simultaneamente, podendo ser mantidas, modificadas ou desenvolvidas durante a apropriação do conteúdo.

As estratégias de leitura que precisam ser ensinadas e desenvolvidas referem-se a processos cognitivos que ocorrem na mente do leitor:

Seleção – Ao ler um texto qualquer, a mente da pessoa seleciona o que lhe interessa: nem tudo o que está escrito é igualmente útil. Escolhem-se alguns aspectos, chamados relevantes, e ignoram-se outros, que são irrelevantes para o entendimento do texto. Quando se lê um livro e ”pulam-se” certos trechos desinteressantes, faz-se uma seleção, isto é, presta-se atenção aos aspectos que interessam, ou seja, àqueles sem os quais seria impossível compreender o texto.

Antecipação – São hipóteses que o leitor levanta, antecipando informações com base nas “pistas” que vai percebendo durante a leitura. Essa estratégia ocorre, por exemplo, quando no início da leitura de um conto de fadas espera-se que apareçam personagens e lugares característicos desse tipo de texto: madrasta ruim, princesas e príncipes lindos e bons, fadas e bruxas, castelos, reinos, florestas encantadas etc. Além disso, o leitor espera encontrar palavras ou expressões iniciais e finais que marcam o conto de fadas: “Era uma vez”, “viveram felizes para sempre”, “uma linda e boa princesa”, “uma bruxa malvada” etc. Durante a leitura, comprova-se se as antecipações estavam corretas ou não. Se aparecerem termos, palavras ou personagens com características muito diferentes dessas, ocorre um estranhamento do leitor, que precisará voltar e analisar o que foi lido.

Inferência – São os complementos que o leitor fornece ao texto a partir de seus conhecimentos prévios. É tão freqüente o uso dessa estratégia que é comum o leitor não se lembrar se determinado aspecto estava implícito ou explicito no texto.

Auto-regulação – É a ponte que o leitor faz entre o que supõe (seleção, antecipação, inferência) e as respostas que vai obtendo através do texto. Trata-se de avaliar as antecipações e as inferências, confirmando-as ou refutando-as, com a finalidade de garantir a compreensão.

Autocorreção – Quando as expectativas levantadas pelas estratégias de antecipação não são confirmadas, há um momento de dúvida. O leitor, então, repensa a hipótese anteriormente levantada, constrói outras e retoma as partes anteriores do texto para fazer as devidas correções. É o caso do leitor, por exemplo, que volta para corrigir a palavra que leu errado.

Há uma relação recíproca entre usar estratégia de leitura e interpretar o texto. Emprega-se uma estratégia porque se está entendendo o texto; entende-se o texto porque se está aplicando a estratégia.

Pode-se dizer que leitor eficiente é aquele que:

Formula perguntas enquanto lê e se mantém atento;

Seleciona índices relevantes para a compreensão;

Supre os elementos ausentes, complementando informações;

Antecipa fatos;

Critica o conteúdo;

Reformula hipóteses;

Estabelece relações com outros aspectos do conhecimento;

Transforma ou reconstrói o texto lido;

Atribui intenções ao escritor.

Uma atividade possível com a leitura de textos é a discussão do assunto com os alunos, não só do conteúdo, mas até da forma. Pode-se pedir aos alunos que contem a mesma história com as próprias palavras. Isto é fazer uma interpretação criativa, não-repetitiva, do texto.

Às vezes uma simples leitura basta. Nem tudo o que se lê precisa ser discutido, comentado, interpretado. A leitura, às vezes, é como uma música que se quer ouvir e não dançar.

CONCLUSÃO

A leitura não é o simples processo de decodificação do sinal gráfico impresso no papel; é mais do que isso: é apreender a carga significativa de uma palavra quando inserida num dado contexto, e relacioná-la, imediatamente, à realidade. É um processo em que o leitor utiliza um trabalho ativo de construção de significado do texto e do que sabe sobre a língua.

Esse processo depende de várias condições: habilidade e estilo pessoal do leitor; objetivo da leitura; nível de conhecimento prévio do assunto tratado; nível de complexidade oferecida pelo texto.

O mundo moderno realiza um apelo constante aos recursos gráficos, seja através da escrita ou da imagem. Mesmo antes de entrar na escola, os educandos têm larga experiência com o mundo letrado.

Durante muito tempo acreditava-se na idéia de que uma pessoa considerada alfabetizada era aquela que sabia ler e escrever. Hoje sabe-se que de nada vale dominar o código alfabético se não houver conhecimento sobre as diferentes formas e os diferentes usos que a linguagem assume de acordo com sua finalidade.

Na concepção atual, fala-se em alfabetização integral ou letramento quando uma pessoa, além de saber ler e escrever, é capaz de fazer uso das diferentes linguagens que a escrita assume. Ou seja, o grande desafio dos educadores é capacitar os educandos a se tornarem usuários competentes da leitura e da escrita.

Partindo desta concepção e considerando que a capacidade de leitura é uma habilidade a ser conquistada gradativamente, é imprescindível que neste trabalho o educador assuma seu papel como mediador no contato com as diferentes práticas de leitura, como modelo de leitor competente, para atuar como leitor experiente e guia de seus educandos e, finalmente, como capacitador, auxiliando-os a desenvolver diferentes estratégias e adquirir cada vez mais autonomia.

Para formar leitores, há de se ter paixão pela leitura, deve-se entender a leitura como fonte de prazer e sabedoria. Está aí um desafio que os educadores têm que encarar como sendo primordial e que deve ser motivo de luta por aqueles que, por razões diversas, não tiveram oportunidade de vencê-lo.

Finalmente, é através da leitura que se tem acesso à cidadania; as melhores posições no mercado de trabalho; à orientação para um entendimento mais profundo da vida em sociedade; à construção de uma personalidade mais crítica e, portanto, mais livre, para que se busque a felicidade pretendida por todos. Ler é uma forma de aprender a pensar, tanto quanto é uma prazerosa maneira de desvendar o mundo e a si mesmo.

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