A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E O CONTROLE DE MÉRITO (OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA) DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DO TJ/MA EM FACE DO TJ/MG

Sumário: Introdução; 2 Aspectos Gerais do ato administrativo discricionário e oportuno; 3 Novas tendências do controle judicial do mérito do ato administrativo; 4 Análise dos julgados do TJ/MA e do TJ/MG; Considerações finais; Referências.
RESUMO
No presente estudo pretende-se examinar o direito administrativo e o controle de mérito dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário com base em uma análise jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Maranhão em contrapartida com os julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Em relação aos atos administrativos, estes apresentam elementos não regrados no Ordenamento Jurídico, no qual, depende do juízo de conveniência e oportunidade do administrador público que são denominados de mérito do ato administrativo. Em tempos remotos, no Brasil, o mérito dos atos administrativos era alheio e intocável pelo Poder Judiciário, ou seja, era imune à apreciação jurisdicional. Isso ocorria por entenderem que a competência era exclusiva do Poder Executivo, desta forma, o controle jurisdicional estava limitado a analise da sua legalidade. Contudo, um novo parâmetro vem se estabelecendo na doutrina e na jurisprudência brasileira, por meio na concepção do Estado democrático de Direito, que deixou de lado o formalismo do positivismo jurídico. Entretanto, mesmo com o advento da Constituição Federal Brasileira a doutrina e jurisprudência ainda resistem a uma efetiva fiscalização desses atos pelo Poder Judiciário, porém, o povo anseia a satisfação de suas garantias, que não raras vezes são ignoradas quando da atuação da Administração Pública e por esses e outros motivos que um controle judicial mais efetivo e com base nos princípios constitucionais, poderá realmente garantir os direitos consagrados na Carta Magna.
Palavras-chaves: Ato Administrativo Discricionário; Controle Judicial do Mérito do ato Administrativo; Tribunal de Justiça do Maranhão; Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
1Aluna do 7º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.
2 Aluna do 7º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco
3 Professor mestre, orientador.
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INTRODUÇÃO
O mérito dos atos administrativos discricionários é entendido por maioria da
doutrina e da jurisprudência contemporânea como sendo imune ao controle exercido pelo
Poder Judiciário. Porém, o que se percebe é que o ato administrativo discricionário por muitas
vezes é utilizado de má forma pelo administrador público. E a preocupação maior é que essa
imunidade venha ocultar muitos atos que venham prejudicar o erário público e como
consequência, a coletividade. Além disso, o Estado sendo Democrático de Direito, engloba o
princípio da juridicidade, no qual, não observa um Direito composto apenas por regra, mas
também por princípios, e estes passam a condicionar o exercício do mérito administrativo,
contudo, nem sempre são observados e cumpridos em sua integridade. Diante disso, é
possível questionar essa imunidade jurisdicional do mérito administrativo.
O Brasil vive um momento em que as suas instituições políticas e o próprio Poder
Público sofrem algum descrédito por parte da sociedade, diante da falta de compromisso
adequado com os interesses e necessidades da sociedade. É comum diariamente ter
conhecimento pelos meios de comunicação, sobre notícias a respeito do desvio de poder no
setor público. Ainda mais, o dinheiro público tem sido mal utilizado, a lei determina que o
dinheiro público seja empregado em atividades para beneficio da coletividade, de acordo com
o estipulado no orçamento anual. Todavia, o que se vê é a sua utilização de forma indevida; o
desvio da finalidade à qual está atrelado. Desta forma, é válido afirmar que os atos
administrativos discricionários devem ser apreciados pelo Judiciário, de forma densa, tendo
em vista o crescente cometimento de atos arbitrários, como uma forma de resguardar o
interesse público. Advirta-se, no entanto, que esse controle deve obedecer aos parâmetros
dispostos pelo direito.
Neste intuito, o devido trabalho abordará, primeiramente, sobre a definição de
Direito Administrativo, realizando uma analise histórica, o seu surgimento e sua evolução.
Em uma segunda abordagem será exposto à definição de discricionariedade administrativa,
realizando uma analise quanto à sua evolução histórica, seus conceitos e dos aspectos do ato
administrativo que são passíveis de discricionariedade. Posteriormente, analisar-se-á o mérito
administrativo, o seu conceito e à sua tangibilidade pelo Poder Judiciário. Também será
explanado sobre o controle jurisdicional, o seu conceito, limites sistemas de controle e meios
de controle. Além disso, serão analisados os princípios que rodeiam o tema em questão. E por
fim, serão analisadas dos Tribunais de Justiça que são o do Maranhão e de Minas Gerais,
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realizando uma abordagem comparativa entre os julgados desses tribunais em relação ao tema do artigo propriamente dito.
2 ASPECTOS GERAIS DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO E OPORTUNO
O Direito Administrativo nasceu como um ramo autônomo nos meados dos séculos XVIII e XIX, juntamente com o surgimento do Estado de Direito. Mas, antes mesmo desse período, já era possível identificar as normas administrativas onde quer que existisse um Estado estando vinculadas a este. Contudo, não havia uma separação dos ramos do direito, as normas daquela época eram todas inseridas em um só ramo do direito, além disso, as normas eram esparsas, e não apresentavam princípios informativos próprios. As normas de Direito Administrativo são relativas ao funcionamento da Administração do Estado, diante da necessidade de normas que disciplinem seus órgãos e agentes, que agirão em seu nome, e o cumprimento de suas funções administrativas.
Na Idade Média, o direito administrativo não foi possível seu surgimento, devido à incompatibilidade deste com a forma absolutista de poder, em que todo poder emana do soberano, e por isso, o Estado era chamado de Estado de Polícia, neste estado a administração era legalmente incondicionada, sob o preceito jurídico do direito ilimitado para administra, ou seja, o rei que decidia tudo, sua vontade era tida como lei e estava acima de qualquer ordenamento jurídico. E foi nesse estado que o Direito Administrativo, assim como outros ramos do direito, encontrou condições propícias a sua formação como ramo autônomo. Outros países e seus direitos também contribuíram para a formação do Direito Administrativo, como o direito francês, italiano e o alemão. O conteúdo do Direito Administrativo está atrelado conforme o tipo de Estado, o lugar e época.
Em outra época, o Estado Liberal visava maneiras que restringia a atuação dos seus governantes, que por sua vez, tinham finalidade de assegurar a ordem pública, atuando apenas nas atividades essenciais como segurança interna e externa, e justiça. O Estado Liberal tinha como finalidade o respeito pelas liberdades do cidadão, Já no Estado do Bem-Estar, o Direito Administrativo teve seu conteúdo bastante ampliado, devido à constituição de um Estado muito mais atuante na esfera privada. O Estado passa a intervir no domínio econômico e a desenvolver atividades na área da saúde, educação, assistência e previdência social. O objetivo é assegurar a justiça social e o bem-estar coletivo, limitando o exercício dos direitos
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individuais. Consequentemente constituiu-se um Poder Executivo mais fortalecido e a sua preferência pelas "prerrogativas públicas", ao invés da liberdade e direitos individuais4.
No que tange à discricionariedade e sua definição, constitui que toda a atividade administrativa é prevista em lei, e se algum aspecto não for abordado em lei, àquele que não está previsto em lei será apreciado com a liberdade de avaliação ou decisão pela Administração Pública, só que essa liberdade de decisão é conferida na própria lei. Ou seja, significa que a Administração Pública tem a liberdade de atuação, contudo, conforme nos limites traçados por lei. Diante do leque de opções possíveis deixados pela lei, a Administração deve realizar sua decisão através de critérios de oportunidade e conveniência.
No que se refere à conveniência, segundo Moreira Neto citado por Gasparini, pode-se entender que ocorre quando o “conteúdo jurídico de um ato convém à produção de um resultado que, em tese, está adequado ao atendimento de sua finalidade” (MOREIRA NETO, 1991 apud GASPARINI, 2003, p. 91). Já oportunidade, para o respeitável doutrinador, ocorre quando “considerados os pressupostos de fato e de direito, o momento da ação é o adequado à produção desse resultado que, em tese, atende sua finalidade” (MOREIRA NETO, 1991 apud GASPARINI, 2003, p. 91).
Na visão do autor Celso Antônio Bandeira (2010, p. 432-433) sobre a discricionariedade, este afirma que a discricionariedade pode ser definida como „‟a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. ‟‟
Neste viés, os atos discricionários são aqueles em que a Administração pode agir com liberdade de escolha de seu conteúdo, destinatário, conveniência, oportunidade e modo de realização. O administrador pratica o ato com certa margem e liberdade de avaliação/ decisão, conforme os critérios supramencionados. Esse ato não se constitui como um poder particular para a Administração Público, sendo uma faculdade de escolha do comportamento mais conveniente ou oportuno, no contexto fático em concreto, quando o agente esteja autorizado pelo Ordenamento Jurídico. Sendo assim, a discricionariedade é a condição para que haja a execução do interesse público, interesse da coletividade visando alcançar o bem comum, insuficientemente definido numa norma jurídica5.
4 OLIVEIRA, Clarisse Angélica Santos. O controle de mérito dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário. Disponível em: < http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2008/Discentes/Clarissa.pdf >.
Acesso em 06 de out. de 2013.
5 ARAUJO, Roseane Rangel. Os limites do Controle Judicial do ato discricionário. Disponível em:< http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/K218449.pdf >. Acesso em 06 de out. de 2013.
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A lei não é capaz de prever em seu texto todas as hipóteses de atuação administrativa. Por esse motivo, o próprio legislador deixou certa margem de atuação diante de um caso concreto, de modo que cabe a autoridade optar por uma dentre várias soluções possíveis, sendo todas elas válidas perante o direito (DI PIETRO, 2010, p. 212). Nesse tocante, surge o poder discricionário. Segundo o doutrinador Mello:
Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de suprir o dever de adotar a solução mais adequada a satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente (MELLO, 2010, p. 48).
O ato administrativo deve conter manifestação de vontade, provir de agente competente, ter finalidade pública e forma legal:
Ato administrativo é toda a manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria (MEIRELLES, 2003, P.153, 154).
Sob diversos enfoques, o ato administrativo é delineado, denotando que a definição de sua natureza jurídica ainda é controvertida, o que dá azo à discussão a cerca do controle do mérito pelo Judiciário. Parte da doutrina assimila este conceito como declaração do Estado, abrangendo os três poderes ou quem lhe represente, outro segmento aduz ser ele declaração jurídica, pois produz efeitos de direito, complementar à lei e, em caráter excepcional, da própria constituição, provinda de qualquer elemento, no exercício da atividade pública, investido com prerrogativas estatais, tão somente sob a regência do Direito Público e assim por diante.
No que se trata sobre os elementos contidos no ato administrativo, estes são definidos como motivo e objeto, no qual, caracterizam a definição do interesse público. Consequentemente, todo ato administrativo praticado deve sempre está vinculado a uma finalidade, e é justamente nesse elemento que a Administração Pública encontrará seus limites. Vale destacar, que não é possível realizar a separação do elemento motivo da finalidade e do interesse.
No que diz respeito às limitações da Administração, estes estão relacionados com o controle jurisdicional. Pois, esses limites estabelecidos vêm definir a esfera onde a Administração pode decidir segundo seus critérios, que por sua vez, não são apreciados pelo judiciário. Mas, na atividade discricionária o controle judicial pode ser exercido, contudo, terá que se basear nos limites definidos pela lei. O que ocorre é que muitas vezes a Administração
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Pública utiliza-se de maneira errada a discricionariedade, isso acontece quando o administrador incide em quaisquer condutas que indiquem desvio de poder, interesse pessoal, corrupção, entre outros. Nesses casos supracitados, os atos serão considerados arbitrários, devendo, portanto, ser banidos no sistema jurídico. E por consequência, o uso indevido da discricionariedade permite que o ato seja passível de revisão pela própria Administração e pelo Poder Judiciário. Por outro lado, o controle jurisdicional dos atos discricionários é alvo de grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais no que se refere ao controle de mérito, como será visto a seguir.
3 NOVAS TENDÊNCIAS DO CONTROLE JUDICIAL DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO
A doutrina clássica, embasada nas lições do autor Fagundes, estabelece uma dicotomia entre a legalidade e o mérito do ato administrativo. Assim explica o respeitável doutrinador citado:
O mérito está no sentido político do ato administrativo. É o sentido dele em função das normas da boa administração, ou, noutras palavras, e, ao mesmo tempo, o ajuste aos interesses privados, que toda medida administrativa tem de levar em conta. A análise da legalidade (legitimidade dos autores italianos) tem um sentido puramente jurídico. Cinge-se a verificar se os atos da Administração obedeceram às prescrições legais, expressamente determinadas, quanto à competência e manifestação da vontade do agente, quanto ao motivo, ao objeto, a finalidade, e a forma. (FAGUNDES, 2010, p. 180 - 182).
Outro autor que explana sobre o mérito do ato administrativo, que vale destacar o seu entendimento é o Prof. Helly Lopes Meireles (2003):
O mérito do ato administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. Daí a exata afirmativa de Seabra Fagundes de que „o merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária.
Além disso, para Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 38), o mérito constitui:
Mérito é o campo de liberdade suposto na lei que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissível perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada.
Desta forma, o mérito do ato administrativo é a liberdade conferida pela norma jurídica de o administrador público poder realizar uma ponderação de interesses, um juízo subjetivo de valor a respeito da situação fática, verificando a melhor forma de proceder para o
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atendimento do interesse público. Nesse modo de atuar, o agente leva em consideração regras para uma boa administração, bem como parâmetros fixados pela lei e pelos princípios. Será avaliado se o momento é adequado, ou seja, se é oportuno para a prática do ato, sendo, por conseguinte, útil ao atendimento do interesse público e da finalidade específica do ato.
Tomando-se por base esse raciocínio, há o entendimento jurisprudencial e doutrinário predominante de que o Judiciário não poderá efetivar o controle do mérito, porque se está diante de uma zona em que foi conferida liberdade para o administrador tomar decisões com base em critérios de conveniência e oportunidade. Sendo assim, tem-se que a autoridade administrativa, sobre o caso concreto, deverá realizar uma ponderação de interesses, verificando em que situação deverá praticar o ato, para o fiel atendimento da finalidade específica, insindicável pelo Judiciário6. Em relação ao Controle pelo Judiciário dos atos administrativos, o autor Mateus Vianna de Carvalho (2013, p. 23), assevera da seguinte forma:
O controle pelo Judiciário dos atos administrativos é feito a partir da verificação de pertinência entre a previsão abstrata da norma e a execução do ato. Enfim, é o exame da legalidade referente à prática deste. Essa apreciação deve ser feita tomando-se a legalidade em sua acepção ampla, incluindo em seu sentido leis, atos normativos, normas constitucionais e princípios jurídicos. A função administrativa deve ser exercida em respeito, portanto, ao ordenamento jurídico como um todo, inclusive aos seus princípios informadores.
O que se percebe é que a doutrina e a jurisprudência divergem sobre o controle pelo judiciário dos atos administrativos, pois afirmam aqueles que defendem que cabe somente a Administração realizar o ato sem intromissão de outro poder, afirmam que não cabe ao judiciário uma apreciação profunda acerca dos atos administrativos discricionários, por não poder apreciar o mérito administrativo, se tratando desse entendimento, o judiciário não pode analisar os atos administrativos discricionários de forma ampla, porque estes são expedidos segundo o juízo de conveniência e oportunidade do administrador, o que se observa é que o agente público pode fazer o que bem entender que não será coibido diante daquela conduta. Em contrapartida, a autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 204) dispõe a respeito dessa situação:
Essa tendência que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, não implica invasão na discricionariedade administrativa; o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distingui-la
6 CARVALHO, Matheus Vianna de. Controle dos atos administrativos discricionários pelo poder judiciário: análise do mérito administrativo de acordo com os princípios constitucionais atinentes. Disponível em: <http://s3.amazonaws.com/manager_attachs/cms/downloads/2013/07/28-M%C3%A9rito_do_atpo_administrativo_revisado_BONI_IURIS.pdf?1374063413 >. Acesso em 06 de out. de 2013
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da interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência da vontade do intérprete) e impedir as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir discricionariamente.
Com base nisso, quando o Poder Judiciário é provocado para emitir o controle jurisdicional sobre os atos administrativos, este deve apreciar cada um dos seus elementos, desta forma, ao efetuar o controle, observa-se que o Poder Judiciário poderá praticar dois tipos de atos, que são: o vinculado ou discricionário. Este último refere-se, no qual, o magistrado irá efetivar o controle jurisdicional tendo por base a legalidade. E o primeiro, os atos devem ser apreciados no que tange à sua correspondência com a norma jurídica e o mérito.
O ato administrativo vinculado se encontra previamente regulado em todos os seus aspectos pelo sistema normativo, no qual, trata-se de uma garantia fornecida aos administrados e à própria Administração Pública, evitando-se que os agentes públicos atuem em descompasso com os fins legais, por sentimento de favoritismo ou perseguição. Quando se trata de atos administrativos discricionários a situação é diversa. Não se questiona o controle jurisdicional desses atos, já que em relação aos aspectos legais este será possível, sem discussão a respeito. Entretanto, no que se refere à possibilidade de o Poder Judiciário poder apreciar o mérito administrativo predomina na doutrina e na jurisprudência pátria a sua impossibilidade7.
O entendimento da doutrina e da jurisprudência é pacifica no que tange que o Judiciário não tem poder e competência para apreciar o mérito administrativo. Contudo, cresce diante da nova conjuntura do sistema positivo brasileiro, entendimentos doutrinários de que é possível uma análise profunda a partir dos princípios explícitos e implícitos do ordenamento jurídico, no qual os princípios passaram a assumir grande importância, a fim de se evitar arbitrariedades, desde que o mérito administrativo não seja modificado, nesse caso, não haveria a interferência de um poder em competência típica de outro.
Na verdade, o que se busca é informar que os atos administrativos, como instrumentos para o fiel cumprimento das finalidades públicas, devem ser praticados de acordo com o que determina o direito. Com isso, quer-se dizer, portanto, que não é dado ao magistrado substituir o juízo de conveniência e oportunidade do administrador público pelo seu, mas que cada ato administrativo deve ser executado nos estritos termos dispostos na
7 CARVALHO, Matheus Vianna de. Controle dos atos administrativos discricionários pelo poder judiciário: análise do mérito administrativo de acordo com os princípios constitucionais atinentes. Disponível em: <http://s3.amazonaws.com/manager_attachs/cms/downloads/2013/07/28-M%C3%A9rito_do_atpo_administrativo_revisado_BONI_IURIS.pdf?1374063413 >. Acesso em 06 de out. de 2013
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norma jurídica. Diante disso, pode-se afirmar que o controle jurisdicional sobre os atos discricionários recebeu conotação ampla, o que não se admite é a invasão do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, mas indispensável à análise dos limites desta discricionariedade, uma vez que tais limites correspondem, não ao mérito, mas sim à legalidade.
4 ANÁLISE DOS JULGADOS DO TJ/MA E DO TJ/MG
Com base na exposição e análise das diversas doutrinas referente ao Controle Jurisdicional do mérito no ato administrativo discricionário, citados anteriormente, e dos entendimentos diversos sobre o assunto, o que será posto em seguida é o posicionamento dos julgados provindos do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em contrapartida do Tribunal de Justiça local, estabelecendo uma análise dos critérios de cada decisão. Primeiramente, o julgado do Tribunal do Maranhão, que decidiu não dar provimento ao Recurso, ou seja, negou o Recurso por se tratar de mérito do ato administrativo e que é vedado ao Poder Judiciário adentrar ao mérito do ato impugnado.
Ilustrando, o TJ-MA, em 2008, em sede de Apelação Cível fixou:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUMENTO DE TARIFAS. ESTABELECIMENTO DE DIFERENTES FAIXAS DE CONSUMO. POSSIBILIDADE. LEI 8987/95. ABUSIVIDADE. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. I - E possível a cobrança de tarifa diferenciada que leva em conta o estabelecimento de faixas de consumo, conforme se depreende do art. 13 da Lei 8987/95, que regula as concessões e permissões de serviços públicos. II - O controle judicial dos atos administrativos se restringe ao âmbito da legalidade, sendo vedado ao Poder Judiciário adentrar ao mérito do ato impugnado. III - Recurso não provido.
(TJ-MA - AC: 221372006 MA , Relator: ANTONIO GUERREIRO JÚNIOR, Data de Julgamento: 29/10/2008, SAO LUIS). Por sua vez, o TJ-MG, em 2009, deu provimento a um recurso, tomando por base que a questão do recurso não era puramente a da natureza do ato administrativo, e sim dum cumprimento da lei, ou seja, era responsabilidade civil do Estado. Assentou a Exma. Ministra Eliana Calmon, desta forma: A pergunta que se faz é a seguinte: pode o Judiciário, diante de omissão do Poder Executivo, interferir nos critérios da conveniência e oportunidade da Administração para dispor sobre a prioridade da realização de obra pública voltada para a reparação do meio ambiente, no assim chamado mérito administrativo, impondo-lhe a imediata obrigação de fazer? Em caso negativo, estaria deixando de dar cumprimento à determinação imposta pelo art. 3º, da lei de ação civil pública?
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O acórdão recorrido adotou entendimento de que não poderia fazê-lo por se tratar de ato administrativo discricionário, sobre o qual não cabe a ingerência do Judiciário. Não obstante, entendo que a ótica sob a qual se deve analisar a questão não é puramente a da natureza do ato administrativo, mas a da responsabilidade civil do Estado, por ato ou omissão, dos quais decorram danos ao meio ambiente. (TJ-MG 102230824678510011 MG 1.0223.08.246785-1/001(1), Relator: CARREIRA MACHADO, Data de Julgamento: 15/12/2009, Data de Publicação: 20/01/2010).
Portanto, o que se percebe é que os Tribunais divergem de entendimento a depender de cada caso concreto, localização e tempo. Cada tribunal tem seu entendimento diferente, o TJ/MA entende que o Poder Judiciário não pode adentrar nas decisões da Administração Pública. Já o TJ/MG entende que se tratando de cumprimento da lei, cabe ao judiciário apreciar tal questão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, percebe-se que em decorrência de todo processo de constitucionalização do direito administrativo e de judicialização, o papel do Poder Judiciário foi ampliado, com o intuito de suprir as ocultações dos outros poderes e concretizar as garantias estabelecidas pela Constituição Federal para como a sociedade. Como consequência, uma vez ampliado o poder do Judiciário, o ato discricionário da Administração Pública restou-se reduzida, pois o administrador ao praticar um ato administrativo deve observar não somente a lei em sentido estrito, mais também a Constituição como um todo.
Diante disso, alguns doutrinadores estão deixando de lado o entendimento que o mérito do ato discricionário seria algo intocável, o mérito passou a ser objeto de análise, desde que conjugado com os princípios consagrados na Constituição, como meio de se coibir abusos de poder ou eventuais negativas ao texto constitucional por parte dos agentes da Administração. Isto porque a discricionariedade não pode ser usada como um instrumento para a realização de atos abusivos pelos administradores públicos. É preciso que essa prática seja coibida.
No entanto, o que não pode ocorrer é que essa ampliação do controle jurisdicional não seja de maneira extrema, a ponto de substituir o papel do administrador. Justamente por isso, o Poder Judiciário, dependendo do caso concreto, poderá analisar os atos discricionários quanto estes estamparem alguma ilegalidade, abuso de poder, injustiça ou irrazoabilidade, e, em hipóteses excepcionais, poderá até mesmo proferir decisões mandamentais de modo a garantir os princípios e garantias constitucionais. Portanto, é possível a apreciação do Poder Judiciário com base em um controle para que a Administração venha realizar o papel devida a mesma conforme aborda os princípios e garantias na Constituição.
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REFERÊNCIAS
ARAUJO, Roseane Rangel. Os limites do Controle Judicial do ato discricionário. Disponível em:< http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/K218449.pdf >. Acesso em 06 de out. de 2013.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.
CARVALHO, Matheus Vianna de. Controle dos atos administrativos discricionários pelo poder judiciário: análise do mérito administrativo de acordo com os princípios constitucionais atinentes. Disponível em: <http://s3.amazonaws.com/manager_attachs/cms/downloads/2013/07/28-M%C3%A9rito_do_atpo_administrativo_revisado_BONI_IURIS.pdf?1374063413 >. Acesso em 06 de out. de 2013
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1997.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1003.
NASCIMENTO, Rodrigo Simão do. Controle Judicial do ato discricionário: o dogmatismo clássico e a nova visão com ótica aos princípios constitucionais. Disponível em: <http://www.revista.ajes.edu.br/arquivos/artigo_20120911114939.pdf>. Acesso em 08 de Out. de 2013.
OLIVEIRA, Clarisse Angélica Santos. O controle de mérito dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário. Disponível em: < http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2008/Discentes/Clarissa.pdf >. Acesso em 06 de out. de 2013.
RIBAS, Carolline Leal; CASTRO, Gustavo Almeida Paolinelli de. O controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Vn5ojtFsNVAJ:143.107.157.117/ojs/index.php/RDDP/article/download/8 2/46+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em 06 de out. de 2013.