A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONTROLE DE MÉRITO (OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA) DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO: Análise jurisprudencial e da atuação dos limites do controle jurisdicional dos atos.

 

 

Robston Cesar de Lima Filho

Flavio Rêgo Cordeiro[1]

Hugo de Assis[2]

Sumário: Introdução; 1. Breves considerações de direito administrativo; 2.1. Aspectos históricos e conceituais sobre discricionariedade; 2.2. Aspectos discricionários do direito administrativo; 3. Os limites do controle jurisdicional do ato administrativo 4. Análise jurisprudencial do controle jurisdicional do mérito dos atos administrativos discricionários ; 5. Conclusão; 6. Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo principal discutir a possibilidade de utilização controle jurisdicional do mérito dos atos administrativos discricionários. A questão se coloca em debate, uma vez que a doutrina e a jurisprudência trataram por muito tempo sobre os casos de controle jurisdicional somente no que diz respeito a seu aspecto legal. Nesse sentido, será realizada uma pesquisa aprofundada acerca desse tema, analisando os argumentos doutrinários antagônicos e favoráveis, bem como os diversos posicionamentos jurisprudenciais, tendo em vista questionar esse viés e questionar os atos discricionários de mérito, tendo como base os princípios constitucionais.

 

INTRODUÇÃO

O mérito dos atos administrativos discricionários é entendido por grande parte da doutrina e da jurisprudência atual como isento de controle jurisdicional pelo Poder Judiciário. Ocorre que muitas vezes o administrador faz uso desses atos sem respeitar os princípios e as regras do Direito, buscando seus interesses próprios em detrimento do interesse comum. Com isso a imunidade do mérito administrativo deve ser questionada. Para uma análise adequada de como exercer o controle jurisdicional externo e interno, primeiro serão feitas considerações a respeito do direito administrativo, abordando aspectos históricos, seu surgimento e conceito segundo doutrinadores consagrados. Posteriormente conceituar-se-á a discricionariedade, abordando também seu aspecto histórico e sua relação com os atos administrativos. O ponto crucial do trabalho está na abordagem do mérito do ato administrativo discricionário, que será analisado conforme a doutrina e a jurisprudência sob a luz dos princípios constitucionais, sobretudo o princípio da legalidade que é o grande pilar do Direito Administrativo, aonde serão analisados posicionamentos divergentes sobre o tema.

1. BREVES CONSIDERAÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO

O surgimento do direito administrativo se deu juntamente com o surgimento do estado democrático de Direito. Ainda assim, antes desse marco, havia normas administrativas mesmo que não vinculadas a um ramo autônomo do direito. Eram normas avulsas sem princípos informativos próprios. Legislavam elas sobre administração do Estado de direito e seu funcionamento diante da necessidade de disciplina entre órgãos e agentes que fariam as vezes do Estado desempenhando funções administrativas. Dizia Di Pietro, que como anteriormente se via o poder concentrado na mão de um soberano era inviável a administração dispor de normas que definissem os limites de sua atuação. Segundo Di Pietro, “nesse Estado, a Administração encontra-se legalmente incondicionada, sob o preceito jurídico do direito ilimitado para administrar. A vontade do soberano era lei e seus atos estavam acima de qualquer ordenamento jurídico.” (DI PIETRO, 2007).  Nessa época a última palavra sempre emanava da alteza real no que discerne a tomada de decisões.

O certo é que o Direito Administrativo, com o surgimento do Estado de Direito tornou-se um ramo autônomo do direito, com suas normas sendo aplicadas a Administração Pública se baseando no princípio da legalidade e da separação de poderes. Mais precisamente, ganhou destaque em 1934 com a Constituição da época, como conseqüência do Estado Social. Nessa época há o aumento da máquina estatal, com a criação de novas pessoas jurídicas e aumento de funcionários públicos. Di Pietro ressalta que como conseqüência o Direito administrativo obteve: “a unidade de jurisdição, o controle jurisdicional feito sobre a administração pública e jurisprudência adotada como fonte do direito” (DI PIETRO, 2007).  O autor ressalta ainda que o Direito brasileiro acolheu o direito francês, uma vez que a ideia do ato administrativo envolve a auto-executoriedade, as teorias sobre responsabilidade civil do Estado, o conceito de serviço público entre outras características semelhentas a esse direito europeu.

O objeto do direito administrativo citado também por Maria Sylvia Z. Di Pietro é de caráter descritivo e tem como função reger as relações jurídicas que se desenvolvem do trabalho que tem a Administração Pública, impondo limites aos estatutos, “estruturando serviços públicos,  definindo procedimentos referentes a sua atividade, fixando prerrogativas e obrigações(...) tudo com base na lei e no regulamento” (DI PIETRO, 2007).  Observa ainda a autora que o objeto será o regimento, com seu complexo de normas e princípios jurídicos, através da organização pública em diversos aspectos seus, e sua relação com os particulares.

Surgem então as conceituações de Direito Administrativo. Diversos critérios são utilizados. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello acredita que o direito administrativo compreende normas e princípios jurídicos que disciplinam a atividade concreta do Estado com o objetivo de consecução de fins de utilidade pública. Maria Sylvia Z. Di Pietro também tem sua definição: “ o ramo do direito publico que tem objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública” (DI PIETRO, 2007, p. 43).

No sentido subjetivo, a Administração pública designa órgãos e agentes públicos que exercem suas atividades administrativas, já no sentido objetivo designa a própria atividade administrativa, executada, sobretudo, pelo poder executivo.

 

2. O CONCEITO SOBRE DISCRICIONARIEDADE

Quando ainda se tinha um governo absolutista, o poder discricionário da Administração Pública se dava como arbítrio do monarca. Sua vontade era respeitada em último lugar. A lei não restringia a atividade administrativa, tampouco tinha o papel de controle judicial.

No Estado de direito, a discricionariedade assume papel de poder político. Com as veias liberais que ostentam a forma de governar, a lei passa a ser uma garantia de resguardar os direitos do homem, impondo limites contra abusos da Administração Pública. Primeiramente a Administração era restringida pelos direitos subjetivos dos particulares, mas ainda assim a liberdade do Estado continuava com a atuação independente de vinculação à lei e incompatível com o controle judicial. Naquela época, conforme ressalta Di Pietro, o conceito de legalidade não era aplicado a Administração Pública conforme é aplicado hoje. Atualmente limita-se a Administração agir conforme dispõe a lei. “O conceito de legalidade era mais liberal também, permitindo que a legalidade fosse utilizada no espaço livre da lei, compreendendo os pontos que a lei não proibiu”. ( DI PIETRO, 1991).

Somente na fase do Estado de Direito que representa o Estado Social, a limitação trazida pela lei vem à tona, constituindo um poder jurídico. É evidente a influência do positivismo jurídico, que se vê até hoje em nossa legislação, no que se refere a discricionariedade administrativa. Só pode a Administração fazer o que se permite em lei desde então, restringindo seu poder de atuação. Para Di Pietro, essa forma de discricionariedade “constitui um retrocesso” (DI PIETRO, 1991, p. 28), uma vez que se dá pouca relevância às jurisprudências e aos princípios do direito.

No Estado Democrático de Direito, tem-se essa preocupação. Tanto com o sentido positivista da lei, mas também com os princípios, parte deles positivados. Mas ainda que não positivados a Administração deve se submeter à eles. Essa nova forma de atuação da Administração intensifica o controle por parte do poder judiciário sobre os atos discricionários emanados.

Conforme mencionado anteriormente, toda atividade administrativa é facultada por lei, se o ato não atingir o regramento em todos seus aspectos, esses aspectos que não foram atingidos serão submetidos a avaliação da própria Administração, em uma espécie de avaliação.  “A atuação administrativa nunca será totalmente livre, discricionária, já que alguns de seus aspectos são sempre passíveis de limitação, a exemplo da competência.” (DI PIETRO, 1991, p. 197). A apreciação do administrador se reflete nas opções que este tem em escolher entre as opções disponíveis a depender do que for mais conveniente. “O aspecto do ato administrativo que enseja liberdade de apreciação é denominado mérito” (MEDAUAR, 2006, p. 150). Dessa maneira, essas opções devem ser avaliadas pelo administrador conforme os princípios e normas do Direito, não estando livres a subjetividade do mesmo.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a discricionariedade só existe diante do caso concreto. Já Marya Silvia Z. Di Pietro afirma que a discricionariedade sofrerá uma redução mediante o caso concreto, se comparada com essa tese, na lei (MELLO, 2005, p. 398; DI PIETRO, 2007, p. 197). José Cretella Júniro afirma que: “a discricionariedade encontra-se como faculdade dada pela lei ao administrador, para que este verifique critérios de oportunidade e conveniência no momento da edição do ato, podendo não atuar caso julgue mais conveniente” (CRETELLA JÚNIOR,          1997, p. 241). Celso Antônio Bandeira de Mello também fala em outro ponto de vista, como a faculdade que é dever atribuído ao administrador pela lei, o qual não pode se abster de cumprir. Essa visão de Mello parece uma definição mais correta, uma vez que pode o administrador agir ou não, de acordo com o que for mais oportuno ao caso concreto, sem nunca deixar de agir se a lei assim o determinar. A discricionariedade existe, portanto, em cada caso concreto e age em benefício do interesse público uma vez que permite ao administrador tomar a escolha mais sábia diante do caso concreto.

 

3. ASPECTOS DISCRICIONÁRIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Já foi comentado que a discricionariedade é uma característica inerente da administração pública. Mas não se foi discutida em que hipóteses o ato administrativo pode gozar dessa discricionariedade. Quando a administração se vê obrigada a agir, no entanto, o administrador não terá liberdade para se omitir do ato. Celso Antônio Bandeira de Mello a vê  da mesma forma, “ a discricionariedade como um dever, não podendo a Administração Pública deixar de cumpri-la quando determinada conduta em lei” (MELLO, 2005).

Três correntes, no entanto, explicam a finalidade do ato administrativo discricionário. Marya Silvia Di Pietro fala a respeito dos dois primeiros entendimentos. No primeiro, resumidamente a finalidade está sempre voltada para a busca do interesse público. No segundo “a finalidade é vinculada em sentido amplo, que será sempre o interesse público. Já em seu sentido estrito, a finalidade é discricionária, por ser um resultado específico, dependente de cada ato administrativo” (DI PIETRO, 2007, p. 199). A última corrente é trazida por Celso Antônio Bandeira de Mello. Diz ele:

 

“a finalidade pode ser discricionária mesmo em sentido amplo, quando a lei se refere a ela usando noções indeterminadas, imprecisas, não estabelecendo critérios objetivos para que o administrador saiba, no caso concreto, qual finalidade será perquirida. É o caso da utilização de conceitos jurídicos indeterminados para definir interesse público de determinada norma jurídica, por exemplo, bem comum, ordem pública, pena adequada e outros” (MELLO, 2005).

 

 

A forma do ato administrativo costuma ser vinculada já que a lei descreve exatamente a maneira como deverá o ato ser emitido. Se a lei dispuser de mais de uma forma, o administrador deve julgar escolher pela mais conveniente para se atingir a finalidade que ele almeja. Já o objeto pode ser vinculado ou discricionário. Se a lei disser que determinado ato só tem um objeto possível para que se atinja certa finalidade, assim o será. Se a lei dispuser que existem várias possibilidades para atingir este fim. Celso Antônio B. de Mello leciona que “só é possível se inferir a existência ou não de discricionariedade após exame conjunto de dois aspectos: a própria norma jurídica e o caso concreto” (MELLO, 2005).

Para o autor, a norma jurídica designará discricionariedade quando essa não for muito precisa. Quando houver uso de conceitos jurídicos indeterminados, quando irredutíveis a objetividade, quando não se descreve objetivamente a situação entre outras situações. E somente diante do caso concreto haverá discricionariedade, assim sua análise é imprescindível. O autor ressalta que mesmo que os conceitos jurídicos indeterminados possuam um “núcleo significativo certo”, esse núcleo é uma “zona de certeza positiva ou negativa” que permite ao administrador eleger a única opção dada pela lei diante do caso concreto. Alguns doutrinadores também divergem sobre se esses conceitos jurídicos indeterminados são ou não fonte de discricionariedade. É mais aceitável crer que, conforme ressalta Celso Antônio B. de Mello, esses conceitos podem gerar discricionariedade administrativa, se analisados simultaneamente no caso concreto. Di Pietro também concorda com Bandeira de Mello nesse ponto.

4. OS LIMITES DO CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO

Faz-se mister, primeiro conceituar o controle jurisdicional. A atividade administrativa pode, ainda que intencionalmente por abuso de autoridade administrativa, gerar algum dano aos direitos individuais dos administrados. Cabe ao prejudicado buscar seus direitos através do judiciário ou através de recursos na via administrativa. Para M. Seabra Fagundes, a finalidade do controle jurisdicional da atuação administrativa é proteger o indivíduo em face da Administração Pública, como meio de “contê-la na ordem jurídica, de modo a assegurar ao indivíduo o pleno exercício de seus direitos” (FAGUNDES, 2002, p. 114). O reexame jurisdicional poderá ser feito pelo judiciário mediante provocação, como meio de controle jurisdicional do ato. “O controle externo dos atos da Administração Pública é essencial ao Estado Democrático de Direito, garantindo que esses atos possam ser apreciados e caso, desrespeitem o Direito, invalidades. (DI PIETRO, 2007, p. 189). É fundamental o papel que assume o poder judiciário para que a Administração não fique impune e isenta do controle externo de seus atos. São assegurados contraditório e ampla defesa em processos judiciais ainda que se observe alguns privilégios no que concerne a pessoa da Administração.

 

O controle jurisdicional é um controle externo, feito a posteriori, podendo ser repressivo ou corretivo. Assim como nos demais procedimentos formais existentes no Judiciário, este correrá com observância dos princípios do devido processo legal, juiz natural, contraditório, ampla defesa, entre outros. E decisão é dotada da força da coisa julgada, impondo-se a Administração Pública (MEDAUAR, 1993, p. 160 e 167).

 

 

Não é necessário esgotar-se as vias administrativas para ingressar no poder judiciário. O lesado de seu direito pode ingressar diretamente no judiciário.

Não existe conflito entre os doutrinadores no que diz respeito ao entendimento de que qualquer a natureza do ato administrativo, mesmo os discricionários, podem ser alvos de controle jurisdicional em se tratando da legalidade. A legalidade deve ser analisada em todos os seus aspectos. Desde a edição do ato até a sua executoriedade, se houve ou não abuso de poder. A forma dos atos também pode ser objeto de controle jurisdicional.  Conforme afirma Cretella Júnior:

O controle jurisdicionalda Administração, na quase totalidade dos casos, incide sobre os elementos estruturais do ato administrativo, porque a anatomia, estrutura ou elementos construtivos do ato são traços que, ao primeiro exame, podem revelar o defeito ou o vício da medida estatal, eivada de legalidade. (...) se o defeito é forma, impõem-se a imediata correção. (CRETELLA, 1997, p. 213).

 

Os atos normativos, como é sabido, só podem ser atacados por meio de ações diretas de inconstitucionalidade. Os atos políticos eram equiparados com os atos discricionários. Eles costumavam a ser isentos de controle jurisdicional. Atualmente parte da doutrina majoritária atual entende que “os atos políticos podem sofrer controle jurisdicional, desde que causem lesão aos direitos individuais ou coletivos” (MEDAUAR, 1993, p. 175). Para Di Pietro  a apreciação desses atos também se justifica quando estes atentam contra direitos previstos no art. 5º da CF, inc. XXXV. Há um posicionamento que defende que o Poder Judiciário deve se ater a analisar os atos administrativos somente sob a óptica do abuso de poder, no entanto, é minoritário. Autores como Hely Lopes Meireles e Cretella Júnior acreditavam ter o mérito do ato administrativo imunidade jurisdicional. Para eles, o mérito estaria sob competência exclusiva do Poder Executivo, já que dependia somente da análise subjetiva do administrador (MEIRELLES, 1989; CRETELLA JÚNIOR, 1997, p. 336).

O controle jurisdicional de ilegalidade ou abuso de poder é função do Judiciário. Mas em função da divisão de poderes, e também do papel de cada poder o poder judiciário não pode o poder Judiciário interferir no Executivo, dessa forma, o mérito administrativo é imune ao Judiciário. É dessa opinião Cretella Júnior, “Se, em qualquer operação administrativa, ocorre injustiça, inoportunidade, irrazoabilidade, incoveniência, nada pode fazer o judiciário” (CRETELLA, 1997, p. 248). Para Di Pietro, o controle do ato administrativo envolve tanto legais como morais, segundo o art. 37 da Constituição Federal (DI PIETRO, 2007, p. 689). Assim ao se tratar de atos discricionários encontrariam-se limites para o mérito administrativo.

O poder judiciário também pode apreciar os motivos que levam ao ato administrativo discricionário, analisando sua edição, validade, e adequação em relação ao seu objetivo. Outro ponto importante são as possibilidades que tem o administrador na escolha do ato conforme dispõe a lei. Não pode ele fazer qualquer escolha. Deve levar em consideração princípios e regras do Direito. Se ele não observar a estes princípios e regras seu ato pode sofrer apreciação judicial.

Ocorre na verdade que os elementos discricionários do ato administrativo poderão sofrer apreciação jurisdicional se não forem observados os princípios da Administração Púbica, mesmo que alguns autores entendam que eles sejam imunes ao controle. Como meios de controle a constituição oferece os remédios constitucionais. São ações que visam ressalvar as garantias constitucionais prejudicas pelo ato administrativo em desacordo com as regras e princípios jurídicos.

5. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DO CONTROLE JURISDICIONAL DO MÉRITO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS

Não resta dúvidas que a doutrina oscila quanto a quais aspectos dos atos administrativos podem ser submetidos a controle jurisdicional. Depois de expor alguns pensamentos de doutrinadores renomados no assunto, sobretudo alguns que concordam e outros que discordam da análise do mérito administrativo, é importante que se analise jurisprudências dos principais tribunais de justiça do Brasil.

A relatora Ministra Eliana Calmon, na decisão de nº 429570/ GO, por exemplo se posiciona , em seu voto, a favor do controle jurisdicional do mérito administrativo. O recurso que ela julga foi julgado contra um acórdão proferido pelo TJ-GO, em sede de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público na capital do estado. A causa da propositura foi a omissão da Administração que não moveu esforços para promover obras em uma área devastada por erosões causando, assim, danos ao meio ambiente. Para a Ministra seria possível pela omissão analisar as aspectos intrínsecos do ato administrativo, que são entendidos como razões do ato administrativo discricionário. Não somente ao Judiciário cabe analisar os aspectos extrínsecos da Administração, os da legalidade, sendo possível analisar a discricionariedade administrativa quanto ao entendimento dos princípios. Segue o acórdão da decisão abaixo:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –  OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo. 2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la. 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.5. Recurso especial provido (STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570/ GO; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RST vol. 187 p. 219).

 

 

A ministra em seu voto, falou a respeito de como o Judiciário está preso ao princípio da legalidade e que a importância tão grande dada a esse princípio não deve ser vista com tanto exagero e literalidade.

Estando, pois, provado que a erosão causa dano ao meio ambiente e põe em risco a população, exige-se do Poder Público uma posição no sentido de fazer cessar as causas do dano e também de recuperar o que já foi deteriorado.O primeiro aspecto a considerar diz respeito à atuação do Poder Judiciário, em relação à Administração.No passado, estava o Judiciário atrelado ao princípio da legalidade, expressão maior do Estado de direito, entendendo-se como tal a submissão de todos os poderes à lei.A visão exacerbada e literal do princípio transformou o Legislativo em um super poder, com supremacia absoluta, fazendo-o bom parceiro do Executivo, que dele merecia conteúdo normativo abrangente e vazio de comando, deixando-se por conta da Administração o facere ou non facere, ao que se chamou de mérito administrativo, longe do alcance do Judiciário (...)Na espécie em julgamento, tem-se, comprovado, um dano objetivo causado ao meio ambiente, cabendo ao Poder Público, dentro da sua esfera de competência e atribuição, providenciar a correção. Ao assumir o encargo de gerir o patrimônio público, também assumiu o dever de providenciar a recomposição do meio ambiente, cuja degradação, provocada pela erosão e o descaso, haja vista a utilização das crateras como depósito de lixo, está provocando riscos de desabamento e assoreamento de córregos, prejudicando as áreas de mananciais. Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para ordenar que a Administração providencie imediatamente as obras necessárias à recomposição do meio. É o voto. (STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570/ GO; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RST vol. 187 p. 219).

 

Como conseqüência, passa-se a aumentar o controle do Poder Judiciário sobre o ato administrativo, exercendo seu juízo de legalidade e também coibindo abusos da Administração. Já esse acórdão, proferido pela Ministra Ellen Gracie, é contrário ao controle jurisdicional do mérito do ato administrativo discricionário:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 1. O art. 5º, LV, da CF ampliou o direito de defesa dos litigantes, para assegurar, em processo judicial e administrativo, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes. Precedentes. 2. Cumpre ao Poder Judiciário, sem que tenha de apreciar necessariamente o mérito administrativo e examinar fatos e provas, exercer o controle jurisdicional do cumprimento desses princípios. 3. Recurso provido. (STF - RMS: 24823 DF , Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 18/04/2006, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 19-05-2006 PP-00043 EMENT VOL-02233-01 PP-00017 LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 113-117 RT v. 95, n. 852, 2006, p. 154-156)

 

O mandado de segurança foi impetrado contra uma exoneração feita por meio de um processo administrativo. De modo contrário ao acórdão do STJ, se afirma aqui que não necessita o Judiciário analisar matérias de fatos e provas, sem entrar no mérito do ato adminisrativo. Mas conforme jpa foi abordado antes, a liberdade de apreciação é uma faculdade da Administração Pública, mesmo que isso diga respeito a análise do mérito e da discricionariedade do ato.

 

 6. CONCLUSÃO

Diante do exposto no trabalho concluiu-se pela possibilidade de controle jurisdicional de mérito e de atos administrativos discricionários. 

A liberdade de apreciação dada a Administração Pública, não justifica que essa pratique atos que desmoralizem ou cometem injustiças devido a uma possível isenção de controle jurisdicional sobre alguns aspectos. Devem ser sempre respeitados os direitos individuais e coletivos sem desvirtuar o interesse principal que é o interesse público, que está por trás de todos os atos da Administração.

O administrador quando exerce seu juízo de conveniência e oportunidade, ou de mérito, tem obrigação de observar os princípios constitucionais e as regras do Direito. Baseado nisso o controle jurisdicional será exercido tanto pela via judiciária quanto pela via administrativa, sem prejuízo de uma e outra.

A obrigação do poder Judiciário de zelar pela Constituição e da Administração por emitir atos que respeitem os princípios constitucionais perpassa não somente pelo interesse público, mas pelos direitos individuais e coletivos. A Administração deve, portanto, atender sempre os princípios do Direito, caso contrário o controle jurisdicional será a principal forma de fiscalizar possíveis abusos e desrespeitos. É inconcebível, pelo bem dos administrados, que qualquer excesso passe sem ser anulado ao submetido a uma avaliação judiciária ou administrativa.

           

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

http://www.mp.ms.gov.br/portal/manual_ambiental/arquivos/juris/REsp%20429570.pdf

CRETELLA JÚNIOR, José. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20 ed. Atlas, 2007.

FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense: 2002.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.



[1] Alunos do 7° período, do curso de Direito da UNDB.

[2] Professor orientador

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONTROLE DE MÉRITO (OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA) DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO: Análise jurisprudencial e da atuação dos limites do controle jurisdicional dos atos.