LUCIANO INÁCIO DE MELLO - 042140028



A CONSTITUCIONALIDADE DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
PARA NEGROS NO BRASIL


RESUMO


O foco do trabalho busca comprovar que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que o Brasil assinou, confirmam a constitucionalidade de das ações afirmativas, visto que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou a recepção dos tratados internacionais que versavam sobre direitos humanos e garantias fundamentais estendendo, o rol exemplificativo de seu art. 5º em seu §2º, entendimento confirmado pela Emenda Constitucional 45 que inseriu o §3º, que criou
procedimento especial, paritário ao de Emenda Constitucional para o aceite do Congresso Nacional acerca de novos Tratados Internacionais de Direitos Humanos a serem assinados pelo Estado brasileiro.
Notadamente referir-nos-emos à Convenção Internacional sobre Toda Forma de Discriminação Racial, e seus protocolos facultativos, que possibilitam a adoção de medidas positivas, como instrumento para acelerar o processo de integração dos negros aos bens e benefícios relativos às oportunidades de ascensão social da sociedade brasileira, sem que se constitua em uma afronta ao Principio da Igualdade, mas sim em desdobramento deste, visto que busca igualar as condições e oportunidades ofertadas a essa parcela da sociedade estigmatizada por mais de 350 anos de escravidão sistemática




















SUMÁRIO

TABELAS, SÍMBOLOS E ABREVIAÇÕES

INTRODUÇÃO...............................................................................................................6

I ? AS AÇÕES AFIRMATIVAS NA ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS
A ? Origem e definição de ação afirmativa..............................................................................................7
B ? As ações afirmativas como Direitos Humanos........................................................10
II ? OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS E SUA POSIÇÃO NO ORDENEMENTO BRASILEIRO

A ? Internalização dos Tratados Internacionais no ordenamento jurídico
Brasileiro.........................................................................................................................10

B ? O status diferenciado dos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos..........................................................................................................................15

III ? OS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE AÇÕES AFIRMATIVAS
PARA A POPULAÇÃO NEGRA QUE O BRASIL É SIGNATÁRIO..........................20

A ? Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência
Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata.......................................................................................................20

B ? Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial...................................................................................................25
29
IV ? AÇÕES AFIRMATIVAS PARA AFORDESCENDENTES NO BRASIL;NECESSIDADE

...............................................................................................................................
V ? CONCLUSÃO

....................................................................................57

Referência biográfica.......................................................................................................43

ANEXO: ........................................................................................................................ 46




LISTA DE TABELAS, ABREVIAÇÕES E SÍMBOLOS
UTILIZADOS NA MONOGRAFIA.


I ? Tabelas:
Tabela 1 ? Distribuição da população por cor ou raça, 1999. Fonte:
IBGE 44
Tabela 2 ? Anos de estudo por cor, 15 anos e mais. Brasil, 1988 e
1996. Fonte: Hasenbalg & Silva, 1999 55
Tabela 3 ? Distribuição dos ocupados por nível de instrução segundo
raça e sexo. Região Metropolitana de São Paulo, 1998. Fonte:
DIEESE 57

II ? Abreviações e símbolos:
Art. ? artigo
.§ - parágrafo
CRFB ? Constituição da República Federativa do Brasil
ADIN ? Ação Direta de Inconstitucionalidade
RJ ? Rio de Janeiro
PROUNI ? Programa Universidade para Todos
UERJ ? Universidade do Estado do Rio de Janeiro
STF ? Supremo Tribunal Federal
EDUCAFRO ? Educação e Cidadania para Afrodescendentes e
Carentes
CONFENEN ? Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino


















INTRODUÇÃO

O tema "A Constitucionalidade das Ações Afirmativas, a partir dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos que o Brasil é signatário,com base no art. 5º, § 2º" pretende inovar na acalorada discussão que se bate a doutrina e a jurisprudência pátria acerca da temática das ações afirmativas, acentuadamente as ações voltadas para os negros brasileiros.
O foco do trabalho visa comprovar que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que o Brasil assinou dão conta de assinalar a constitucionalidade de tais medidas positivas, como as ações afirmativas também são conhecidas, visto que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou a recepção dos tratados internacionais que versavam sobre direitos humanos e garantias fundamentais estendendo, o rol exemplificativo de seu art. 5º em seu §2º e §3º.
Notadamente referir-nos-emos à Convenção Internacional sobre Toda Forma de Discriminação Racial, e seus protocolos facultativos, que possibilitam a adoção de medidas positivas, como instrumento para acelerar o processo de integração dos afrodescendentes aos bens e benefícios relativos às oportunidades de ascensão social da sociedade brasileira, sem que se constitua em uma afronta ao Principio da Igualdade, mas sim em desdobramento deste,
visto que busca igualar as condições e oportunidades ofertadas a essa parcelada sociedade estigmatizada por mais de 350 anos de escravidão sistemática
A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho monográfico, foi a pesquisa dos Tratados Internacionais acerca do tema racial, do quadro teórico em relação á internalização destes tratados, em especial àqueles autores que cotejam a força constitucional destes instrumentos, com base em autores que discutem a questão nos planos do direito internacional público, direito constitucional e até mesmo direito administrativo.
No primeiro capítulo "As ações afirmativas dentro da visão dos Direitos Humanos", visa verificar se as ações afirmativas são um direito internacionalmente reconhecido como um direito humano, dentro da concepção de direitos humanos, construída a partir do pós-45..
Discutimos primeiramente o conceito e origem das de ações afirmativa em si, traçando um breve histórico, quadro teórico, e alguns exemplos de ações afirmativas implementadas no exterior e no Brasil
No transcurso deste capítulo apresentaremos a visão da Sociedade Internacional acerca das ações afirmativas, é considerado um direito humano? Qual é a sua função? Qual o bem jurídico que a Sociedade Internacional pretendeu tutelar ao estabelecer as ações afirmativas como Direito Humano?
No segundo capítulo trataremos da discussão de como os Tratados de Direitos Humanos se posicionam no ordenamento jurídico brasileiro, sendo pertinente a abordagem geral de como os Tratados Internacionais ingressam no ordenamento jurídico, tratando do processo de assinatura, ratificação, etc., e da especialidade de tratamento de ingresso dos
Tratados internacionais de direitos Humanos, a partir da Emenda 45 que acrescentou o §3º ao art. 5º, exigindo quorum qualificado para a aprovação dos tratados internacionais de direitos humanos, reforçando o entendimento acerca de seu patamar constitucional.
No terceiro capítulo abordaremos os textos dos tratados internacionais de direitos humanos que o Estado brasileiro é parte na Sociedade Internacional a respeito da questão racial e quais as obrigações assumidas, e se estão aí albergadas as ações afirmativas
O destaque principal será dado à Convenção sobre a Erradicação de Todas as Formas de Racismo / Discriminação Racial e seus protocolos de ação. Também merecerá atenção a Declaração sobre Racismo e Xenofobia, de Durban, África do Sul, em 2001, pois encerra várias disposições acerca das ações afirmativas, com inclusive muitas delas de aplicação no Brasil, como,por exemplo, a recente lei que obriga as escolas a ministrarem o conteúdo de
História da África e dos Afrodescendentes no Brasil, em todas as escolas do país. ações afirmativas, com inclusive muitas delas de aplicação no Brasil, como,por exemplo, a recente lei que obriga as escolas a ministrarem o conteúdo de História da África e dos Afrodescendentes no Brasil, em todas as escolas do país.
No quarto capítulo, traremos um pequeno debate acerca da necessidade da adoção das ações afirmativas para a população negra no Brasil,com base em alguns especialistas no assunto, apresentando alguns dados sobre a situação do negro brasileiro, realizados em estudo dirigido pelo IPEA ?Instituto de Política Econômica Aplicada, órgão governamental, que orientou o grupo de trabalho da delegação brasileira na supracitada Conferência de Durban, e especialmente no artigo publicado pela Professora Rosana Heringer, acerca das condições atuais do negro brasileiro na sociedade
Em nossas considerações finais, apresentamos uma abordagem geral do sentido do trabalho e sobre o impacto já produzido da implementação das ações afirmativas nos EUA e uma breve provocação acerca do mesmo tema no Brasil.

I ? AS AÇÕES AFIRMATIVAS NA ÓTICA DOS DIREITOS
HUMANOS

A ? Origem e definição da ação afirmativa
As ações afirmativa tem origem conhecida internacionalmente na Índia, da década de 1940 , onde foi implementado o primeiro sistema de cotas em beneficio de representantes de castas inferiores no parlamento por motivos religiosos no qual um grupo de castas Romano o considerava classificadas como impuras tinham grande atraso sócio ? econômico e em outros diversos parâmetros dentro da sociedade indiana, quando adveio a Constituição do pós ? independência, em relação ao domínio inglês, era flagrante a necessidade de propostas concretas que levassem aquele grupo marginalizado da sociedade, através da desigual ação de oportunidades em obras e empregos públicos, etc., à condição de igualdade material, ou ao menos a busca dela como princípio de justiça.
procedentes do regime de castas e da hierarquia..
Segundo Vilhena, ela foi inventada pela Constituição indiana, por iniciativa de Mahatma Gandhi e Jawaharlal Nehru, líderes indianos, para que o Estado tomasse medidas claras para reverter um processo secular de estratificação dos mais perversos que existem na humanidade. "Estamos aprendendo com os indianos, e isso é algo de que sentimos necessidade se quisermos mudar a nossa sociedade",
Frise-se oportuno que Na Índia, logo após a sua independência, em 1947, foram
adotadas políticas preferenciais que pretendiam beneficiar os chamados
"intocáveis", por intermédio de medidas corretivas das desigualdades sociais
Todavia é forçoso reconhecer a importância do papel dos Estados Unidos da América, na internacionalização das ações afirmativas como ação política de intervenção estatal na sociedade, sendo a primeira politica . A conquista dessas medidas deu-se no contexto histórico do movimento pelos direitos civis, organizado pelo chamado movimento negro (expressão longe de traçar uma unidade de ações ou ideologias, é assim chamado por trazerem a discussão da marginalização do negro para o debate público) que vindicavam maior participação na economia, na política, e em outros campos da sociedade, ao mesmo tempo em que exigiam o fim do regime segregacionista que vigorava em alguns estados norte-americanos..
A expressão affirmative action foi utilizada pela primeira vez
no governo do Presidente norte-americano Jonh F. Kennedy, por intermédio
da Executive Order n. 10.925 de 6 de março de 1961 que estabeleceu a
Comissão Presidencial sobre Igualdade de Emprego e vedava a prática de
discriminação em desfavor de funcionário ou candidato a emprego, em
funçào de sua raça, credo ou naturalidade nos contratos firmados com a
Administração Pública, in littere:
"Seção 301 [...] o contratante não discriminará nenhum
empregado ou candidato a emprego por causa de sua raça, credo, ou origem
nacional. O contratante adotará ação afirmativa para garantir que os
empregados sejam contratados,..." (grifo nosso)2

Após a morte Kennedy, o presidente Lyndon Johnson (1963-69) foi quem mais avançou na elaboração de mecanismos ao combate pela desigualdade. Com a Ordem Executiva 11246/65, Johnson elaborou mecanismos para estimular as firmas contratadas pelo governo a implementarem políticas de ações afirmativas para garantir igualdade de oportunidades para membros de minorias e pessoas portadoras de deficiência física. É famoso o discurso do Presidente Johnson na Howard University ? a universidade da elite negra em Washington ?, onde dizia que não se pode pegar alguém que esteve preso pelos pés por muito tempo, botá-lo na linha de largada e dizer: pronto, agora você pode competir com todos os outros. Em seu discurso Johnson afirmava que não bastava que os portões da oportunidade fossem abertos a todos, mas que todas as pessoas estivessem habilitadas a passar por entre eles.
No Brasil, a partir da Carta de 1988, várias medidas positivas que o legislador constituinte originário consagrou em seu texto para que se buscasse a igualação de direitos e oportunidades na sociedade brasileira, como por exemplo, o percentual de reserva de vagas no mercado de trabalho a serem destinadas a deficientes físicos (art. 37, VIII)..
Proporemos a exposição de alguns autores de relevância significativa na temática das ações afirmativas e depois traçaremos uma linha comum entre os pensamentos destes autores, com o objetivo de elencar alguns requisitos de existência das ações afirmativas
Iniciaremos com a definição trazida pelo jurista Direito da Hédio Silva Jr,
Noutros termos: numa sociedade como a brasileira,
desfigurada por séculos de discriminação generalizada, não é suficiente que o
Estado se abstenha de praticar a discriminação em suas leis. Vale dizer,
incumbe ao Estado esforçar-se para favorecer a criação de condições que
permitam a todos se beneficiar da igualdade de oportunidades e eliminar
qualquer fonte de discriminação direta ou indireta. A isso se dá o nome de
ação afirmativa, ou ação positiva, compreendida como comportamento ativo
do Estado, em contraposição à atitude negativa passiva, limitada à mera
intenção de não discriminar. 3
1. SILVA, Sidney Pessoa Madruga da. Discriminação positiva


1. SILVA, Sidney Pessoa Madruga da. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade
brasileira. ? Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 64
2 Ibid. p. 66
3 SILVA JR., Hédio. Ação afirmativa para negro (as) nas universidades: a concretização do princípio
constitucional da igualdade. In: SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves; SILVÉRIO, Valter Roberto
4 MENEZES, 2001. AÇÕES AFIRMATIVAS E A POLÍTICA DE COTAS RACIAIS DENTRO DOSISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO Daniela Sanchez Ita Ferreira1Dionisio de Jesus Chicanato2
.5. (SISS, 2003, p. 114). Constitucionalidade das políticas de ações afirmativas em favor dos afrodescendentes Bruno César Moura Brandão*
http:WWW.ifsc.ufrj.br/habitus//acoesafirmativashtm
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=121147


A exposição acima nos coloca em claro a diferenciação entre a ação afirmativa e meramente passividade do não discriminar do Estado, salientando que as ações afirmativas buscam uma intervenção concreta em objetivo da igualdade material, a partir do substrato histórico, e infelizmente atual da discriminação e do preconceito contra o
negro na sociedade brasileira. Todavia peca o autor por descuidar de abarcar neste conceito as ações afirmativas também empreendidas por particulares e outros setores da sociedade que também, reconhecendo quadro geral desfavorável ao negro, atua de forma eficaz na sociedade objetivando reduzir as desigualdades, como veremos em outras conceituações a seguir:.
A aquisição originária é a que dá origem a uma propriedade ativa onde havia
um vácuo jurídico, decorrente de uma inércia do domínio, portanto, propriedade sem a função social que a Constituição Federal exige .
As chamadas políticas de ação afirmativa são muito recentes
na história da ideologia anti-racista. Nos países onde já foram implantadas
(EUA, Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia,
Malásia, entre outros), elas visavam oferecer aos grupos discriminados e
excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens
devidas à sua situação de vítimas do racismo e de outras formas de
discriminação. Daí as terminologias de equal opportunity policies, ação
afirmativa, ação positiva, discriminação positiva ou políticas compensatórias.

Segundo nosso Ministro Joaquim Barbosa Gomes atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como : um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. "
_____________________________________________________________________________________
(org.). Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica ? Brasília:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003. p. 103.
4 Constitucionalidade das políticas de ações afirmativas em favor dos afrodescendentes Bruno César Moura Brandão*
5 (GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: O Direito como instrumento de transformação social ? A experiência dos EUA ? Rio de Janeiro. Renovar, 2001

Ainda repassando as definições que se reportam ao Direito Internacional Comparado, Sidney Madruga também acrescenta a definição de ação afirmativa baseada nos direitos humanos da Comunidade Européia, fundamentadas nas idéias da eminente jurista lusa Maria José Morais Pires.
Conforme explica Maria José Morais Pires, a discriminação
positiva traduz-se na adoção de normas jurídicas que prevêem um tratamento
distintivo para certas pessoas ou categorias de pessoas, visando garantir-lhes
uma igualdade material em relação aos outros membros da sociedade. São
normas temporárias e que vigoraram enquanto se verificar a situação
desfavorável, devendo deixar de vigorar logo que ultrapassada a
desigualdade.,
Esta definição é a que mais se aproxima da definição trazida pelo artigo I, item 4 da Convenção contra Todas as Formas de Discriminação Racial, que será abordada com mais profundidade ainda neste trabalho, no terceiro capítulo.
Ainda, antes de nossas considerações finais acerca do conceito de ações afirmativas e dos seus pressupostos de existência, ou suas principais características, é interessante apresentar a definição de ações afirmativas elaborada pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a Valorização da População Negra, criado em 20 de novembro de 1995, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Medidas especiais e temporárias, formadas ou determinadas
pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar
desigualdades históricas acumuladas, garantindo a igualdade de
oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela
discriminação e marginalização, decorrente de motivos raciais, étnicos.
Um olhar mais aguçado sobre as ações afirmativas é arefutabilidade de toda e qualquer definição que pretenda circunscrever o Estado como único agente formulador de políticas públicas, visto que no exterior e mesmo no Brasil, universidades, membros do chamado Terceiro Setor, reconhecendo a necessidade e a urgência das ações afirmativas como meio de luta concreta contra a desigualdade racial tem se destacado no provimento dessas ações. Como, por exemplo, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ? PUC ? Rio - que já tem há mais de dez anos promove um programa de bolsas sociais para jovens negros e pobres oriundos de pré-vestibulares comunitários, como a EDUCAFRO. O mesmo projeto de pré-vestibulares comunitários é um outro exemplo de ação afirmativa não estatal muito bem sucedida, que é organizada por jovens universitários das periferias, que com apoio estrutural dos franciscanos, voluntariamente ministram aulas para outros jovens carentes, multiplicando uma força de conscientização de classe social e auto-reconhecimento, instrumentalizando na
base a luta contra o racismo e o preconceito. Tendo relevante interesse para a temática deste trabalho, segue como anexo à obra, um texto de autoria dos franciscanos apresentando o que é a EDUCAFRO e seus objetivos, mostrandos e convictamente como proposta de ação afirmativa fundada na organização da sociedade civil.

Frei David, vem fazendo há muitos anos, uma política de ações afirmativas para negros e carentes através da
Educafro ? Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes, rede de cursinhos pré-vestibulares comunitários, é uma entidade do movimento negro, sem fins lucrativos que luta por justiça. A Educafro visa converter as estruturas institucionais que secularmente oprimiram o povo pobre e negro, de modo que estas instituições estejam a serviço dos excluídos.
Frei David, vem fazendo a muitos anos uma política de ações afirmativas para negros e carentes

Temos então como principais características das ações afirmativas:

1. A concessão de vantagens ou benefícios especiais a determinado grupo ou segmento social;
2. É fundamentada no passado de desvantagem de
oportunidades sistemática, ou operacionalizada pelo
governo ou autorizado por este, sendo assim é instrumento
de promoção da igualdade material;

3 Outro axioma que necessariamente advém desta
desigualdade material e das ações para extingui-la, ou pelo
menos minimizá-la, é a temporalidade como requisito de
validade da ação afirmativa em si, pois que seria
injustificável a manutenção de ações que dá vantagens a
um grupo que já alcançou em números gerais a igualdade
material em si, a temporalidade pode vir de modo
expresso ou implícito na ação afirmativa, estabelecendo,
prazos e metas para que se cumpra tal finalidade
pretendida coma aquela determinada ação;

4 E, finalmente, como se destinam à equalização de
oportunidades na sociedade, as ações afirmativas são
direcionadas precipuamente aos campos da educação e do
emprego.

B ? As Ações Afirmativas como Direitos Humanos
Inicialmente, gostaríamos de iniciar esta parte do capítulo com uma concepção do jus filósofo pós-positivista Robert Alexy acerca da fundamentabilidade dos direitos humanos, trazida a nós pelo já festejado autor Sidney Madruga..
Robert Alexy, ao tratar da fundamentabilidade dos direitos
do homem, designação esta adotada pelo autor com base na Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948, define que, em primeiro lugar
deve haver interesses e carências as quais, em geral, podem e devem ser
protegidas e fomentadas pelo direito. Em segundo lugar, esse interesse, ou
essa carência, passa a caracterizar-se como um direito fundamental quando
sua violação ou não-satisfação significa a morte ou o sofrimento grave ou toca no núcleo essencial da autonomia compreendendo-se aqui não só os
direitos de defesas liberais clássicos, como também os direitos sociais que
visam ao asseguramento de um mínimo existencial
A comunidade internacional, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, vem realizando grandes conferências mundiais que trazem como foco central a questão da exclusão em diversos campos, e a operacionalização da inclusão, com o objetivo de solucionar o problema,senão, ao menos de reduzi-lo, apontado as ações afirmativas como meio possível e recomendado para acelerar a promoção desses grupos. Para melhor exemplificar, temos a célebre aclamação do principio da igualdade, esculpido no item 8 da Conferência Internacional dos Direitos da Mulher, realizada em1995, em Pequim / Beijing, decidindo a sociedade internacional acolher a igualdade como uma meta a ser alcançada através de ações concretas de intervenções na sociedade, buscando tutelar aqueles que a sociedade hodierna exclui e segrega.
Nós reafirmamos o nosso compromisso relativo: (...) 8. À
igualdade de direitos e à dignidade humana inerente a mulheres e homens e
aos demais propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas,
na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros instrumentos
internacionais de direitos humanos, em particular na Convenção sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e na
Convenção sobre os Direitos da Criança, como também na Declaração sobre
a Eliminação da Violência contra as Mulheres e na Declaração sobre o
Direito ao Desenvolvimento.9 (Grifo nosso).
Quando se refere à igualdade de direitos, notadamente se faz referência à igualdade material, e não à igualdade formal, passiva, mas sim aquela igualdade ativa, que propugna medidas urgentes e fortes para reverter o quadro de desigualdade instalado. De basilar relevância se descortina o termo. por nós grifado, pois que, demonstra, afirma, propugna que a interpretação do sentido da igualdade como direito humano, é atingir uma igualdade de
oportunidades, e que somente tem sentido esta interpretação, para que se alcancem os fins almejados por toda a construção teórica e filosófica, de todo o arcabouço dos direitos humanos erigidos pela comunidade internacional, através de seus mais diversos instrumentos. Vejamos o item 7 da mesma Conferência.
7. Comprometemo-nos (os governos participantes da
Conferência), sem qualquer reserva, a combater estas limitações e obstáculos
e a promover o avanço e o fortalecimento das mulheres em todo o mundo e
concordamos que isto requer medidas e ações urgentes, com espírito de
determinação, esperança, cooperação e solidariedade, agora e ao longo do
próximo século. ? (parêntesis e grifo nosso). 10
Temos, então, que a Comunidade Internacional consolida o instrumento das ações afirmativas como meio de promoção da igualdade, quando expressamente afirma a necessidade de promoção do avanço das mulheres e ressalta que esta promoção requer (= exige, clama, urge) "medidas e ações urgentes".
_____________________________________________________________________________________
8 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático: para a relação entre os
direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217. p. 55-57, jul./set.
9 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Pequim adotada pela quarta
conferência mundial sobre as mulheres: ação para igualdade, desenvolvimento e paz. Pequim: 1995.
Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/pequim95.htm. > Acesso em: 09, mai.
2006

Importante perceber que essas ações de promoção da igualdade não são tomadas de mero impulso, mas de um reconhecimento da comunidade internacional da desigualdade posta, e da missão para o crescimento da humanidade como um todo de combater tal infâmia: ter grupos privilegiados nos acessos aos bens de formação de capital, principalmente de cunho social ou intelectual. Para tanto, tornemos a frisar é necessário o reconhecimento desta desigualdade injusta e odiosa na sociedade, observemos ainda mais alguns pontos da supra mencionada Conferência de Pequim/Beijing

1. Nós, os governos que participamos da 4a.
Conferência Mundial da Mulher,
2. Reunidos em Beijing, em setembro de 1995, ano do
cinqüentenário da fundação das Nações Unidas,
3. Decidimos promover os objetivos de igualdade,
desenvolvimento e paz para todas as mulheres do mundo, nos interesses de
toda a humanidade,
4. Reconhecendo as aspirações das mulheres do
mundo inteiro e tomando nota da diversidade das mulheres e de suas
funções e circunstâncias, rendendo homenagem às mulheres que abriram o
caminho, e, inspirados na esperança que reside na juventude do mundo,
5. Reconhecemos que a situação da mulher avançou
em alguns aspectos importantes nos últimos dez anos, embora os progressos
não tenham sido homogêneos, e, embora as desigualdades entre mulheres e
homens persistam e continuem ocorrendo obstáculos importantes que
provocam graves conseqüências para o bem estar de todos os povos,
6. Reconhecemos também que esta situação tenha sido
agravada por uma pobreza cada vez maior, que afeta a vida da maior parte
da população mundial, e têm suas origens no âmbito internacional, (...).11
Temos, então, que o reconhecimento da necessidade da ação afirmativa passa-se a partir de um histórico de desvantagens históricas que ainda hoje pousam sua penumbra sobre a humanidade e, que como aspiração da coletividade humana, devemos erradicar os malefícios de uma sociedade calcada em tais desigualdades, o instrumento de promoção da igualdade cristaliza-se em direito humano consagrado assim pela comunidade internacional..
Como nosso trabalho se propugna a trabalhar a constitucionalidade das ações afirmativas que tem viés racial, aprofundaremos nos instrumentos internacionais que normatizam as ações dos Estados na promoção da igualdade racial, no capitulo III deste trabalho monográfico.

II - OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS E SUA POSIÇÃO NO ORDENAMENTO
BRASILEIRO

A) Internalização dos tratados internacionais no ordenamento jurídico
brasileiro
Neste capítulo abordaremos qual é o posicionamento da doutrina e da jurisprudência acerca do posicionamento dos tratados internacionais de direitos humanos, no ordenamento jurídico pátrio, iniciando nossos estudos uma breve fotografia do atual modelo de internalização dos tratados internacionais de modo geral e seu posicionamento na pirâmide hierárquica de nossa legislação, seguindo o padrão da pirâmide idealizado pelo eminente
jurista Hans Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito. 12interrupção, ou seja, de forma contínua e também de forma mansa e pacífica.
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969,buscou definir o conceito de tratado internacional, e em seu art. 2º, estabeleceu que tratado é um "acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular" (art. 2.º, § 1.º, a).13.
O saudoso civilista Clóvis Bevilácqua legou-nos a seguinte definição acerca dos tratados internacionais. "Tratado internacional é um ato jurídico, em que dois ou mais Estados concordam sobre a criação, modificação ou extinção de algum direito, completando que a definição" 14. Continuou ainda o grande mestre..

possuírem a posse da coisa, os mesmos tem a obrigação de restituí-la vencido o prazo acordado. A definição acima exposta abrange todos os atos jurídicos
bilaterais ou multilaterais do direito público internacional, que, realmente

12 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 427 p.
13 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre o Direito dos Tratados. Viena: 1969.
Disponível em: < http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>. Acesso em: 15, mai. 2006.
14 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito Público Internacional, Tomo II, 2.ª ed. Rio: Freitas Bastos, 1939, p.13.

Clandestina, por sua vez, é a posse adquirida às ocultas, sem o reconhecimento
do possuidor legítimo e sem a prática de violência física ou moral.

Convenções e doutrina do Direito Internacional Público têm apontado quatro procedimentos para que o Estado signatário se vincule expressamente ao texto pactuado. São, então, as quatro as fases pelas quais têm de passar os tratados: a) a das negociações preliminares; b) a da assinatura pelo chefe de Estado, ou agente credenciado pelo mesmo; c) a do referendum parlamentar por parte de cada Estado signatário do tratado; e, por fim, d) a da ratificação ou adesão do texto convencional, concluída com o depósito dos instrumentos. Somente esta última formalidade, tem o objetivo de vincular juridicamente os signatários, pois que, a partir da ratificação, deve o tratado internacional ser observado, nos limites de seus termos, ressalvados as reservas realizadas por cada Estado em relação ao texto, podendo o Estado que descumprir tal decidium, responder em caso de dano. 16.
Segundo o eminente internacionalista Celso Duvivier de Albuquerque Mello, a ratificação é o ato que jungirá ao Estado signatário o dever de cumprimento da convenção ou tratado ocasionadas por esbulhos breves não tem o condão de interromper o lapso prescricional, desde que o possuidor consiga reintegrar-se no prazo de um ano e um dia.

A ratificação é o instrumento que internaliza a convenção ou tratado
internacional no ordenamento jurídico interno, via aceitação do Poder Judiciário. Sua
ratificação, em sentido estrito, dá-se com a devolução assinada pelo chefe do Executivo, ou
chefe das Relações Exteriores credenciados para tanto. 17.

No direito pátrio exige se ainda mais dois procedimentos como requisitos de exigibilidade dos tratados internacionais no ordenamento jurídico, que é a promulgação por decreto presidencial e a publicação na integra do tratado no Diário Oficial da União, estes dois últimos procedimentos visam a dar cumprimento ao principio constitucional da publicidade dos atos administrativos, segundo redação dada pelo art. 37, caput, da CRFB de 1988
______________________________________________________________________
15 Idem
16 RANGEL. Vicente Marotta Integração das Convenções de Genebra no Direito Brasileiro. Revista do
Instituto de Pesquisas e Estudos Jurídico ? Econômico - Sociais, Ano II, n.º3. Bauru: Instituição
Toledo de Ensino, jan./mar. 1967, pp. 201-202
17 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional: uma introdução :
(Constituição de 1988 revista em 1994). 2. ed.rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2000 398 p.

É pertencente ao Executivo, sob auspício do Legislativo, o treaty making power no direito brasileiro. É responsabilidade privativa do presidente da República a capacidade de participar e assinar tratados internacionais, em nome do Estado brasileiro, tal competência advém esculpida no art. 84, inciso VIII da CRFB, podendo ser delegada tal competência ao Ministro das Relações Exteriores. Todavia é decerto que o constituinte pátrio adotou a teoria dos atos complexos, exigindo assim a formação da vontade dos dois poderes em consonância para a aceitação dos instrumentos jurídicos internacionais que o Brasil faça parte. Vez que, segundo a própria Constituição, art.49, inciso I o Congresso Nacional tem o dever precípuo de fiscalização sobre os atos do Executivo, representando o interesse nacional. 18.
A competência do Congresso Nacional somente se limita àatuação ad referendum, ou seja, é limitada a aceitar o texto na integra ou rejeitá-lo de plano, pois o Congresso não tem competência para efetuar reservas, nem tampouco ressalvas no texto do tratado ou convenção já assinado pelo Executivo. Se o Congresso Nacional concordar com o teor do tratado expedirá um decreto legislativo, que ainda assim não terá força para dar executoriedade ao tratado, mas tão somente autoriza o Executivo a depositar o instrumento de ratificação do mesmo. A partir da ratificação, como já fora supra mencionado pelo saudoso mestre Celso Mello, já obriga internacionalmente o Estado, restando apenas à promulgação do decerto presidencial no Diário Oficial da União para dar executoriedade interna ao tratado. 19


18 REZEK, Jose Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10. ed., inteiramente rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2005. 415 p.
19 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque, op. cit. P.115



Aos tratados internacionais, regra geral é atribuída sua posição no ordenamento jurídico pátrio equiparação à Lei Federal, segundo o entendimento sistemático da atribuição de competência dada ao Superior Tribunal de Justiça, segundo redação dada pelo art. 105, inciso III, alínea "a"da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em
única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão
recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
(grifo nosso)

Assinale-se também expressa menção desta equiparação normativa na

competência atribuída pela Carta de 1988 ao Supremo Tribunal Federal
.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe :

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
(grifo nosso)

B ? O status constitucional diferenciado dos tratados internacionais de
direitos humanos

A Constituição da República Federativa de 1988, teve em sua constituinte um forte clamor social pelos chamados Direitos Humanos, pois que se antecedeu à feitura da presente Carta, mais de vinte anos de forte ditadura militar, que sob o amparo de institutos forçosamente contrários ao estado democrático de direito, aos direitos humanos, e até mesmo da dignidade humana, como por exemplo, os mandamos de força incorporados através dos Atos Institucionais, que tinham eficácia até supra constitucional, suspendendo garantias fundamentais ao homem, como o habeas corpus, ao devido processo legal, etc., tal página de nossa história causou grande retrocesso na marcha dos avanços pelos direitos sociais no país.

Assim posto, a equiparação constitucional dos tratados internacionais em geral às leis federais, defere-se que o tratado já incorporado no ordenamento pátrio dá-se o efeito de executoriedade plena ao tratado internacional, até que seja declarado inconstitucional pelo Excelso Pretório,mediante acórdão proferido diante de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta, segundo redação da própria Carta de 1988, art. 102, III, "b".

No plano internacional, é a partir do fim da Segunda Grande Guerra que irá florescer o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a partir das descobertas das mazelas causadas pelo Holocausto do regime nazista, chegou-se a conclusão que era necessário um sistema proteção à pessoa humana em si, que a salvaguardasse em caso de perseguições em seu próprio Estado nacional. Isto fez com que o Direito Internacional acolhesse a pessoa, e não apenas Estados, como sujeitos de direitos no plano internacional. Desde então o tema tornou-se um dos principais pontos de discussão e normatização da comunidade internacional.

Da mesma forma que ocorre com o sistema de proteção
global, aqui, também, se encontram instrumentos de alcance geral e
instrumentos de alcance especial. Gerais são aqueles que alcançam todas as
pessoas, a exemplo dos tratados acima citados; especiais, ao contrário, são os
que visam apenas a determinados sujeitos de direito, ou a determinada
categoria de pessoas, a exemplo das convenções de proteção às crianças, aos
idosos, aos grupos étnicos minoritários, às mulheres, aos refugiados, aos
portadores de deficiência etc.
Tais sistemas, cabe observar, não são dicotômicos, mas
complementares uns dos outros, e ficando permitida ao indivíduo que sofreu
violação de direitos a escolha do aparato mais benéfico, tendo em vista que,
não raramente, vários direitos são tutelados por dois ou mais instrumentos de
alcance global ou regional ou, ainda, de alcance geral ou específico. Essa
diversidade de sistemas, assim, interage em prol da proteção da pessoa
humana. (grifo do autor)

Seguindo, também, forte corrente internacional, principalmente a partir do Congresso de Viena, de 1969, que em seu art. 27 proíbe. (8) expressamente que os Estados Partes dos Tratados Internacionais invoquem seu direito interno como justificativa para escusar-se do cumprimento detratado em que fora parte, os Estados passaram a dar relevância constitucional aos tratados de direitos humanos pactuados por aqueles Estados, já incluindo
no rol de garantias fundamentais um cláusula aberta de recepção dos tratados internacionais de direitos humanos diretamente no corpo de suas constituições,assim também desejou nosso poder constituinte originário quando da elaboração do § 2º do art. 5º da Constituição, em 1988.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte. (grifo nosso)
A brilhante jurista Flávia Piovesan, em sua obra "Direitos humanos e direito constitucional internacional" salienta ainda que os tratados internacionais de direitos humanos celebrados anteriormente à Carta de 1988 são recepcionados, segundo a norma constitucional supra, com status constitucional..
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil
é parte, conferindo-lhes natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos
constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo
de direitos constitucionalmente previstos, o que justifica estender a esses
direitos o regime constitucional conferidos aos demais direitos e garantias
fundamentais. (...) Há que enfatizar ainda que, enquanto os demais tratados
internacionais têm força hierárquica infraconstitucional, os direitos . enunciados em tratados internacionais de proteção aos direitos humanos
apresentam valor de norma constitucional. 21


Ainda sobre a posição hierárquica da supra mencionada jurista, a leitura sistemática da incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos deve ser a contrario sensu levando o intérprete a perceber que a intenção do poder constituinte originário foi incorporar os tratados em que o Brasil já era parte e aqueles que ainda viria a ser".
Em sua formação anterior às recentes nomeações, a partir danomeação da atual presidente do Supremo Tribunal Federal Ministra Ellen Gracie, e também anteriormente à edição da Emenda 45 a Carta de 1988, que será objeto de nossa analise ainda neste capítulo, o Excelso Pretório tinha alguns julgados (HC 72.131 ? julgado em 23/11/1995; RE 206.482 julgado em 27/05/1998; e 19/02/1999, todos eles julgando reconhecer como constitucional, segundo art. 5º LXVII, a prisão civil em caso de depositário infiel ? visto que no conflito em que há a autorização constitucional para a prisão civil para o caso em tela, há em frontal contraste com o art. 7º (7) da Convenção Americana de Direitos Humanos que veda o instituto da prisão civil, exceto a prisão por inadimplência de pensão alimentar) em que reconhecia o valor constitucional do Tratado Internacional de Direitos Humanos, todavia negava lhe validade no confronto direto entre a norma constitucional e o enunciado do tratado, não aplicando o principio da prevalência da norma mais benéfica ao cidadão, esculpido no art. 5º(2) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e também no art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Respectivamente, a saber

Art. 5º 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão
dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer

Estado Parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos
ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os
reconheça em menor grau. 23
Artigo 29 - Normas de interpretação
Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada
no sentido de:
a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa,
suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na
Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade
que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados
Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos
Estados;
c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser
humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;
d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos
internacionais da mesma natureza. 2
A autora supra mencionada defende posição diversa do STF,creditando que a Carta de 1988 conferiu posição hierarquicamente diferenciada aos tratados que versam sobre direitos humanos, que devem ser assim interpretados, quando em conflito com a norma constitucional interna, utilizando-se o já mencionado principio da prevalência
A escolha da norma mais benéfica ao indivíduo é tarefa que
caberá fundamentalmente aos Tribunais nacionais e outros órgãos
aplicadores do direito, no sentido de assegurara melhor proteção possível ao
ser humano. (...) Logo, na hipótese de eventual conflito entre o direito
internacional dos direitos humanos e o direito interno, adota-se a prevalência
da norma mais favorável à vítima. 25
Então, o grande encontro doutrinário acerca da posição hierárquica posicionava-se no seguinte aspecto: a) Os tratados internacionais de direitos humanos têm natureza constitucional, podendo em caso de conflito com preceito constitucional ser aplicado em detrimento deste, sob o fundamento do principio da prevalência da norma mais benéfica? ; ou b) a norma constitucional exerceria primazia sobre o tratado internacional de direitos humanos, entendimento este que foi formulado na antiga formação do STF?
Flávia Piovesan apresenta-nos argumentos fundamentados na própria sistemática da interpretação da CRFB de 1988, que estabelecem a constitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, podendo sim afastar norma constitucional, caso seja mais benéfica; então, assim, no art.1º, inciso III, prescreve a Magna Carta como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (obviamente incluindo em sua plena inteireza as garantias e direitos fundamentais de que é titular),
também em seu art. 4º, inciso II, há expresso posicionamento que o Estado brasileiro se regerá nas relações internacionais adotando para si, a prevalência dos direitos humanos.
A Emenda Constitucional número 45, de 8 de dezembro de 2004,
introduziu posicionamento significativo na sistemática de interpretação daposição hierárquica dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, pois deu exigibilidade de emenda constitucional para aprovação do Legislativo acerca da incorporação de tais tratados, dando posicionamento final, no embate jurídico acerca da eficácia constitucional dos referidos
tratados. Vejamos in litteris tal posicionamento:
_____________________________________________________________________________________
23 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto dos Direitos Civis e Políticos. Disponível em:
<www.aids.gov.br/legislacao/vol1_2.htm - 91k.> Acessada em 25 mai. 2006.
24 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Convenção Americana de Direitos Humanos.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeasjose.htm.> Acesso em 25 mai. 2006


§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. (grifo do autor)27
Todavia abre-se nova celeuma doutrinária: e os tratados internacionais de direitos humanos que foram incorporados ao ordenamento jurídico anteriormente à supra mencionada Emenda Constitucional? Pois se é positivo a equiparação entre os tratados internacionais de direitos humanos ao status de Emenda Constitucional, àqueles tratados que se submeterem ao quorum qualificado exigido pela norma, o que se deve interpretar acerca
daqueles outrora tratados já em vigor que não foram submetidos a tal trâmite?
Na obra "A internacionalização dos direitos humanos:Constituição, racismo e relações internacionais", o ex-Ministro das Relações Exteriores, no governo Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer faz constar que em relação aos tratados internacionais de direitos humanos já em vigor, a Emenda Constitucional 45 tem caráter de lei interpretativa, destinando-se a encerrar as controvérsias em relação ao assunto.

O novo parágrafo 3º do art. 5º pode ser considerado como
uma lei interpretativa destinada a encerrar as controvérsias jurisprudenciais
suscitadas pelo parágrafo 2º do art. 5º. De acordo com a opinião doutrinária
tradicional, uma lei interpretativa nada mais faz do que declarar o que préexiste,
ao clarificar a lei existente. 28
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. (grifo do autor)27

__________________________________________________________________________________________________________
25 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 64
26 Ibid. p.68
Segue mesmo lume interpretativo Flávia Piovesan que apresenta ainda que a formalidade exigida a partir da Emenda Constitucional 45, não desabona o caráter constitucional dos tratados já em vigor, pois que eles são materialmente constitucionais, segundo redação do art.5º, § 2º.
Reitere-se que, por força do art.5º, § 2º, todos os tratados de
direitos humanos, independente do quorum de sua aprovação, são
materialmente constitucionais, compondo o bloco da constitucionalidade. O
quorum qualificado está tão somente a reforçar tal natureza, ao adicionar um
lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados (note-se que a
eminente autora comete um pequeno equívoco ao afirmar "ratificados", visto
que o quorum exigido é para a aprovação no Congresso Nacional, a
ratificação é ato posterior `a citada aprovação, e somente pode sê-lo pelo
chefe do Executivo, ou membro do corpo diplomático por ele creditado
através do depósito do instrumento, estabelecido segundo normas
estabelecidas no próprio tratado) propiciando a "constitucionalização formal"
dos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno. Como já
defendido por este trabalho, na hermenêutica emancipatória dos direitos há
que imperar uma lógica material, e não formal orientada por valores, a
celebrar o valor fundante da dignidade humana. À hierarquia de valores deve
corresponder uma hierarquia de normas, e não o oposto. Vale dizer, a
preponderância material de um bem jurídico, como é o caso de um direito
fundamental, deve condicionar a forma no plano jurídico ? normativo, e não
ser condicionado por ela. 29
Por fim, vale ressaltar que ao se admitir a natureza constitucional dos tratados de direitos humanos, há que salientar que os direitos constantes nos tratados internacionais, como os demais direitos e garantias individuais consagradas pela Constituição, constituem cláusula pétrea e não podem ser abolidos por meio de Emendas à Constituição, nos termos do art. 60, § 4º.Atente-se que as cláusulas pétreas resguardam o núcleo material da
Constituição, que compõe os valores fundamentais da ordem constitucional
Todavia tal impedimento interno não obsta que o tratado seja denunciado na Ordem Internacional, deixando de ter força vinculativa perante os outros Estados Partes. A eminente jurista Flávia Piovesan diverge de nosso entendimento e afirma que os tratados incorporados através da Emenda 45 não podem ser denunciados dado o caráter de aprovação popular encetado em sua internalização, o que nos parece um equívoco, pois que cabe privativamente ao presidente estabelecer e denunciar tratados na ordem internacional, e não poderia ele estar jungido de seus poderes constitucionalmente estabelecidos pelo quorum de aprovação no Congresso Nacional
Diversamente dos tratados materialmente constitucionais
(anteriores à Emenda 45), os tratados material e formalmente constitucionais
não podem ser objeto de denúncia. Isto porque os direitos neles enunciados
receberam assento no Texto Constitucional, não apenas pela matéria que
veiculam, mas pelo grau de legitimidade popular contemplado pelo especial e
dificultoso processo de sua aprovação.... É como se o Estado houvesse
renunciado a essa prerrogativa de denúncia, em virtude da
"constitucionalização formal" do tratado no âmbito jurídico interno. 30
Concluamos este capítulo com a importante visão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mendes de Faria Mello sobre o calado constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
Consoante o parágrafo 2º desse mesmo artigo 5º, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados e, aqui, passou-se a contar com os
denominados direitos e garantias implícitos ou insertos nos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 31

O Ministro da nossa Excelsa Corte ainda grifa como exemplo de tal efetividade, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial como instrumento de possibilidade de executoriedade dos tratados internacionais de direitos humanos.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil em 26 de março de
1968, dispôs: Não serão consideradas discriminação racial as medidas
especiais - e adentramos aqui o campo das ações afirmativas, da efetividade
maior da não-discriminação - tomadas com o único objetivo de assegurar o
progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que
necessitem de proteção que possa ser necessária para proporcionara tais
grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício das liberdades ? no sentido
amplo ? fundamentais, contando que tais medidas não conduzam, em
conseqüência ? e, hoje, ainda estamos muito longe disso - , a manutenção de
direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após
terem sido alcançados seus objetivos . (grifos do autor)32



30 Ibid. p. 77
31 MELLO, Marco Aurélio Mendes de Faria. Óptica Constitucional ? a igualdade e as ações
afirmativas. Revista de Direito UPIS / União Pioneira de Integração Social. V.1 (2003) ? Brasília:
UPIS, 2005. p.13
32 Ibid. p.11
Restando comprovada doutrinariamente e normativamente a força constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, no capítulo seguinte passemos ao exame dos instrumentos internacionais da qual o Brasil faz parte e que encerra compromisso no campo das ações afirmativas de matiz racial. Sendo o mais importante deles a supra mencionada Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial,
III ? OS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE AÇÕES
AFIRMATIVAS PARA A POPULAÇÃO NEGRA QUE O BRASIL É
SIGNATÁRIO

A ? Declaração e programa de ação adotados na III Conferência
Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata ? de 31 de agosto a 08 de setembro de 2001,
Durban ? África do Sul


A abordagem sobre a mundialmente conhecida Declaração de Durban, será no aspecto de apresentar alguns exemplos de ações afirmativas, e algumas delas já implementadas no plano de diversos entes federativos do país que estão constantes no texto da declaração sobre o recorte racial. Outro importante dado a ser levantado é que no texto da declaração estão presentes os principais argumentos justificadores da adoção das ações afirmativas, como por exemplo, o reconhecimento da atual desigualdade material e do histórico ou do uso ou tráfico da mão de obra escrava negra, etc.
Há que se considerar que a Declaração de Durban não tem força de tratado internacional, portanto não ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com a força normativa que assim cabe aos tratados internacionais de direitos humanos, como já visto no capítulo anterior, que é de imprescindível valia para sua análise, pois demonstra à comunidade internacional o posicionamento do Estado brasileiro sobre o tema, com óbvias e concretas
influências no plano jurídico ? normativo interno, como veremos a seguir.
A Declaração de Durban inicia postulando que a luta contra o racismo e a não discriminação, no sentido de promoção da igualdade, fazem parte do rol de propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e da Declaração dos Direitos Humanos. Neste sentido equivale dizer que tal referência faz menção a qualificar tal declaração como instrumento
internacional de direitos humanos, para os fins estabelecidos pela SociedadeInternacional, que é a promoção da paz mundial, fim das desigualdades, etc..Assim, diz a Declaração: "Reafirmando nosso compromisso com os propósitos e princípios contidos na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos". 33 Prossegue ainda: "Afirmando que o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata constituem a negaçãodos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas". 34.
Como a Declaração, como já dito, não tem força "cogente" no plano internacional, limitando-se a traçar compromissos de diretrizes gerais de atuação, o texto de Durban remete-se a plena adoção da Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação Racial, pois esta sim, formulada na segunda metade dos anos sessenta, traz obrigações práticas aos Estados no sentido de atuação estatal no combate ao racismo.

Convencidos da importância fundamental da adesão
universal à Convenção Internacional sobre todas as formas de Discriminação
Racial, assim como de sua ratificação universal e da plena implementação de
nossas obrigações emanadas da Convenção Internacional sobre todas as
formas de Discriminação Racial como principal instrumento para a
eliminação do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e de
intolerâncias correlatas.

A Declaração caminha no entendimento de que o princípio da igualdade, note-se bem não é a igualdade formal, mas sim a igualdade de oportunidades, é parte integrante dos direitos humanos, salientando que a desigualdade se apresenta concretamente na sociedade em diversos campos. entre eles o econômico, cultural, etc. E mais ainda reconhece que a participação igualitária pode contribuir para um "mundo livre do racismo...".

Tendo ouvido os povos do mundo e reconhecendo sua
aspiração por justiça e por igualdade de oportunidades para todos e cada um
no gozo de seus direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento, a
viver em paz e em liberdade e o direito à participação em condições de
igualdade, sem discriminação econômica, social, cultural, civil e política;
Reconhecendo que a participação igualitária de todos os
indivíduos e povos na formação de sociedades justas, eqüitativas,
democráticas e inclusivas pode contribuir para um mundo livre do racismo,
da discriminação racial, da xenofobia e de intolerância correlata; 36 (grifo
nosso)
O primeiro ponto das questões gerais da Declaração supra mencionada busca além de evidenciar quais os discrimines que leva os indivíduos, ou grupos de indivíduos a serem "negativamente afetados" ? segundo definição do próprio instrumento ? delimitando que os fatores principais de racismo são raça, cor, ascendência, etc.e tem-se até que outros podem agravar ou mesmo multiplicar a discriminação sofrida, como, por exemplo, a questão de gênero e a questão social

Declaramos que, para o propósito da presente Declaração e
Programa de Ação, as vítimas do racismo, discriminação racial, xenofobia e
intolerância correlata são indivíduos ou grupos de indivíduos que são ou têm
sido negativamente afetados, subjugados ou alvo desses flagelos;

2. Reconhecemos que racismo, discriminação racial,
xenofobia e intolerância correlata ocorrem com base em raça, cor,
descendência, origem nacional ou étnica e que as vítimas podem sofrer
múltiplas ou agravadas formas de discriminação calcadas em outros aspectos
correlatos como sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outro
tipo, origem social, propriedade, nascimento e outros; (grifo nosso). 37

O senso comum costuma afirmar que a questão da exclusão do negro no Brasil é uma questão de cunho social e não racial, negando à desigualdade social existente seu forte cunho racial, que está embutido perversamente nos números que retratam a desigualdade no Brasil, estes números são enfaticamente demonstradores do enunciado da presente Declaração, de que a questão social não é a causa única da discriminação no Brasil e no mundo - mas agrava a discriminação já preexistente que advém da cor da pele, da sua etnia. Todavia iremos abordar este tópico no próximo capitulo.


33 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração e programa de ação adotados na III
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata ? de 31 de agosto a 08 de setembro de 2001, Durban ? África do Sul. Disponível em:
<http://www.comitepaz.org.br/Durban_6.htm >. Acesso em: 22 mai. 2006.
34 Ibid.
35 Ibid.

Quando da leitura do capítulo "Origens, causas, formas e manifestações contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata", a Declaração enfatiza a desvantagem histórica e a grave violação aos direitos humanos sofridos quando da utilização sistemática da escravidão transatlântica e de suas conseqüências odiosas para o nosso presente..

Reconhecemos que a escravidão e o tráfico de escravos,
incluindo o tráfico transatlântico de escravos, foram tragédias terríveis na
história da humanidade, não apenas por sua barbárie abominável, mas
também em termos de sua magnitude, natureza de organização e,
especialmente, pela negação da essência das vítimas; reconhecemos ainda
que a escravidão e o tráfico de escravos são crimes contra a humanidade e
assim devem sempre ser considerados, especialmente o tráfico transatlântico
de escravos, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo,
discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata; e que os africanos e
afrodescendentes, asiáticos e povos de origem asiática, bem como os povos
indígenas foram e continuam a ser vítimas destes atos e de suas
conseqüências. (grifo nosso)38.

Nós como brasileiros, sendo um dos principais destinos, senão o principal, e sendo o último país a acabar com a escravidão como sistema legal,há pouco mais de 100 anos, como nos sentirmos ao ler tais postulados? Segundo a cientista social Rosana Heringer "O Brasil foi o último país do mundo a abolir o trabalho escravo de pessoas de origem africana, em 1888, após ter recebido, ao longo de mais de três séculos, cerca de quatro milhões de africanos como escravos (Heringer et al., 1989; IBGE, 1987)". 39
No capítulo referente á questão das vítimas do racismo,discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, o primeiro balizamento de como se dá a apresentação da vitimologia do racismo sistêmico de uma sociedade, é, segundo a dicção e a interpretação geográfica da Declaração, a apresentação dos dados referentes á distribuição dos itens básicos de suporte á dignidade humana como educação, emprego, e saúde.

Também expressamos profunda preocupação sempre que os
indicadores nas áreas, inter alia, da educação, emprego, saúde, moradia,
mortalidade infantil e expectativa de vida para muitos povos revelam uma
situação de desvantagem, particularmente quando os fatores que para isto
contribuem incluem racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância
correlata. 40


Trataremos no capítulo IV de apresentar alguns dados sobre a realidade brasileira no tocante a cor, para os dados referentes à educação, acesso à água potável / rede de esgoto, critérios de renda entre outros, trazidos pela Professora Doutora em Ciências Sociais Rosana Heringer, para confrontar com o texto da Declaração e mais tratar da real e urgente necessidade da adoção de ações afirmativas com recorte racial no Brasil
Importante alerta trazido à baila pela Declaração de Durban, é em relação ao reconhecimento da participação na promoção da tolerância à presença de uma forte população mestiça, todavia sem negar a discriminação em relação a esta mesma população mestiça, que dada a sutileza de tais ações discriminatórias podem servir de negação deste modelo próprio de racismo. Este preceito trava forte embate com nosso senso comum, de negação do racismo e de nossa "mesticialidade" desde os modernistas, passando por Ari Barroso, em "Aquarelado Brasil", e por aí em diante, sobrevivendo com mito no senso comum de parte da nossa sociedade até hoje.

Reconhecemos, em muitos países, a existência de uma
população mestiça, de origens étnicas e raciais diversas, e sua valiosa contribuição para a promoção
da tolerância e respeito nestas sociedades, e condenamos a discriminação de
que são vítimas, especialmente porque a natureza sutil desta discriminação
pode fazer com que seja negada a sua existência. 41


39 HERINGER, Rosana. Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo
das políticas públicas. Cad. Saúde Pública. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2002000700007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 06 mai. 2006.
40 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração e programa de ação adotados na III
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância


No capítulo destinado às medidas de prevenção ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, a Declaração de Durban enfatiza o papel crucial para uma cultura da diversidade, baseada na educação dos mais jovens para que se cultive o reconhecimento e respeito da contribuição diversidade para os estados membros e para a humanidade.

Enfatizamos os vínculos entre o direito à educação e a luta
contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e o
papel essencial da educação, incluindo a educação em direitos humanos, e a
educação que reconheça e que respeite a diversidade cultural, especialmente
entre as crianças e os jovens na prevenção e na erradicação de todas as
formas de intolerância e discriminação. 42

Nesta orientação seguiu o legislador pátrio, na Lei 10.639 de 2003, a o estabelecer a obrigatoriedade do ensino de história da África e dos africanos no Brasil, em todos os níveis de ensino, com conteúdo voltado para os fins ressaltados na presente Declaração

Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar
acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro -Brasileira.
.§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil. (Grifo nosso) 43.

Correlata ? de 31 de agosto a 08 de setembro de 2001, Durban ? África do Sul. Disponível em:
<http://www.comitepaz.org.br/Durban_6.htm >. Acesso em: 22 mai. 2006.
41 Ibid.
42 Ibid.


Enfim, a Declaração de Durban, em capítulo intitulado"Estratégias para alcançar a igualdade plena e efetiva, abrangendo a cooperação internacional e o fortalecimento das nações unidas e de outros mecanismos internacionais no combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata destinado a indicar ações a serem realizadas pelos estados participantes para que se alcance "a igualdade plena e efetiva", traduz a hodierna interpretação da comunidade internacional acerca do princípio da igualdade. Preceituando firmemente para tanto a adoção de "medidas especiais" (ações afirmativas, segundo farta conceituação apresentada no primeiro capítulo desta obra) como meio de promoção dos povos marginalizados, integrando-os à sociedade.

Reconhecemos a necessidade de se adotar medidas especiais
ou medidas positivas em favor das vítimas de racismo, discriminação racial,
xenofobia e intolerância correlata com o intuito de promover sua plena
integração na sociedade. As medidas para uma ação efetiva, inclusive as
medidas sociais, devem visar corrigir as condições que impedem o gozo dos
direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar a participação
igualitária de todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos e religiosos em
todos os setores da sociedade, colocando a todos em igualdade de condições.
Dentre estas medidas devem figurar outras medidas para o alcance de
representação adequada nas instituições educacionais, de moradia, nos
partidos políticos, nos parlamentos, no emprego, especialmente nos serviços
judiciários, na polícia, exército e outros serviços civis, os quais em alguns
casos devem exigir reformas eleitorais, reforma agrária e campanhas para
igualdade de participação. (grifo nosso)44


43 CONGRESSO NACIONAL. Lei 10.639. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm > Acesso em 28 mai. 2006.
44 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração e programa de ação adotados na III
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância

O texto traz inclusive alguns exemplos onde pode/deve o ente estatal atuar no sentido de garantir a representação dos segmentos sociais vítimas de racismo, como, por exemplo, nas instituições de ensino, no emprego, etc.
Ainda em seu Programa de Ação, documento anexo à Declaração que visa a propor medidas práticas de combate ao racismo e a discriminação racial temos, a que Comunidade Internacional reunida em Durban traçou ainda como diretrizes ao combate a discriminação e a promoção da igualdade os seguintes posicionamentos:

Insta os Estados a facilitar a participação de pessoas de
descendência africana em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e
culturais da sociedade, no avanço e no desenvolvimento econômico de seus
países e a promover um maior conhecimento e um maior respeito pela sua
herança e cultura;

Solicita que os Estados, apoiados pela cooperação
internacional, considerem positivamente a concentração de investimentos
adicionais nos serviços de saúde, educação, saúde pública, energia elétrica,
água potável e controle ambiental, bem
como outras iniciativas de ações afirmativas ou de ações positivas,
principalmente nas comunidades de origem africana;

Solicita que os Estados reforcem as medidas e políticas
públicas em favor das mulheres e jovens de origem africana, dado que o
racismo os afeta de forma mais profunda, colocando-os em situação de maior
marginalização e desvantagem;

Incentiva os Estados a identificar os fatores que impedem o
igual acesso e a presença eqüitativa de afrodescendentes em todos os níveis
do setor público, incluindo os serviços públicos, em particular a
administração da justiça; e a tomar medidas apropriadas à remoção dos
obstáculos identificados e, também, a incentivar o setor privado a promover o
igual acesso e a presença eqüitativa de afrodescendentes em todos os níveis
dentro de suas organizações;

Correlata ? de 31 de agosto a 08 de setembro de 2001, Durban ? África do Sul. Disponível em:
<http://www.comitepaz.org.br/Durban_6.htm >. Acesso em: 22 mai. 2006.

Diretrizes importantes, como o incentivo público ao setor privado que promove a igualdade, destinação de recursos focalizados prioritariamente nas comunidades afrodescendentes (sabidamente àquelas comunidades remanescentes de quilombos), priorização da mulher e dos jovens negros como alvo das políticas públicas de ação afirmativa estão sendo implementadas em diversos setores do Poder Público pátrio.
Tratemos da análise da Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação Racial, pois visto que este instrumento foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, gerando obrigações para o ente estatal no plano externo e interno, e recepcionado como norma constitucional pela Carta de 1988, segundo art. 5º §2º e §3º.

B - Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial
Vamos iniciar a análise deste tratado internacional de direitos humanos, expondo os dispositivos legais pátrios que internalizaram este tratado, dando-lhe eficácia plena em nosso ordenamento jurídico.


DECRETO Nº 65.810, DE 8 DE DEZEMBRO DE 1969.
Promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação
de todas as Formas de Discriminação Racial.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, HAVENDO o
Congresso Nacional aprovado pelo Decreto Legislativo nº 23, de 21 de junho
de 1967, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação Racial, que foi aberta à assinatura em Nova York e
assinada pelo Brasil a 07 de março de 1966;

E HAVENDO sido depositado o Instrumento brasileiro de
Ratificação, junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, a 27 de março de
1968;
E TENDO a referida Convenção entrada em vigor, de
conformidade com o disposto em seu artigo 19, parágrafo 1º, a 04 de janeiro
de 1969;

DECRETA que a mesma, apensa por cópia ao presente
Decreto, seja executada e cumprida tão inteiramente como ela nele
contém.
Brasília, 08 de dezembro de 1969; 148º da Independência
e 81º da República.
Emílio G. Médici
Mário Gibson Barbosa (grifo nosso)

O Decreto Presidencial acima reproduzido é o diploma que internalizou a Convenção supra. Tal dispositivo legal traz em seu corpo os procedimentos anteriores que lhe dão eficácia plena, pois seguiu plenamente o rito constitucional previsto à época e mantido na atual Carta, que se segue: a data da assinatura do tratado; autorização do Congresso Nacional, mediante o Decreto Legislativo 23 de junho de 1967; o depósito do Instrumento, em 27 de
maio de 1968, como meio de materialização da ratificação; e a presente promulgação através do Decreto Presidencial 65.810 de 08 de dezembro de 1969. 45
O texto da Convenção apresenta ainda um instrumento de controle de sua aplicação aos jurisdicionados, e não somente aos Estados Partes da Convenção, a partir da ratificação da Declaração Facultativa, em que o Estado Parte reconhece competência ao Comitê, responsável de acompanhar as ações efetivas dos Estados, analisar denúncia de indivíduos ou grupo de indivíduos sob sua jurisdição sobre violação de qualquer parte do presente tratado. Segundo redação do art. XIV (1) a seguir.
Artigo

1. Os Estados Partes poderão declarar, a qualquer momento, que reconhecem
a competência do Comitê para receber e examinar comunicações procedentes
de indivíduos ou grupos de indivíduos sob sua jurisdição que se considerem vítimas de uma violação cometida por um Estado Parte de qualquer um dos
direitos enunciados na presente Convenção. O Comitê não receberá nenhuma
comunicação relativa a um Estado Parte que não houver feito essa
declaração. 46
__________________________________________________________________________________________
45 CONGRESSO NACIONAL. Decreto Presidencial 65.810 de 08/12/1969. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action> Acesso em 29 mai. 2006.

Esta declaração somente foi formalizada pelo Brasil em 2002 e em 2003 foi feito depósito do instrumento de ratificação, e promulgação do respectivo Decreto. A partir daí, se esgotados os recursos internos em caso de violação do tratado, a questão poderá ser levada por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos até a apreciação do Comitê, seguindo os trâmites estabelecidos na própria Convenção..

DECRETO Nº 4.738, DE 12 DE JUNHO DE 2003.
Promulga a Declaração Facultativa prevista no art. 14
da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, reconhecendo a competência do Comitê Internacional
para a Eliminação da Discriminação Racial para receber e analisar
denúncias de violação dos direitos humanos cobertos na mencionada
Convenção.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição
que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e
Considerando que pelo Decreto nº 65.810, de 8 de
dezembro de 1969, foi promulgada a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 7 de março de
1966;
Considerando que o Congresso Nacional aprovou por
meio do Decreto Legislativo nº 57, de 26 de abril de 2002, solicitação de o
Brasil fazer a Declaração Facultativa prevista no art. 14 da Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, reconhecendo a competência do Comitê Internacional para a
Eliminação da Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de
violação dos direitos humanos cobertos na mencionada Convenção;
Considerando que a Declaração, reconhecendo a
competência do mencionado Comitê Internacional para a Eliminação da
Discriminação Racial, foi depositada junto à Secretaria Geral da Organização
das Nações Unidas em 17 de junho de 2002;


46 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre Todas as Formas de
Discriminação Racial, de 21 de dezembro de 1965. Nova Iorque. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/discrimina/lex81.htm>. Acesso em 30 mai. 2006.

DECRETA:
Art. 1º É reconhecida, de pleno direito e por prazo
indeterminado, a competência do Comitê Internacional para a
Eliminação da Discriminação Racial para receber e analisar denúncias
de violação dos direitos humanos conforme previsto no art. 14 da
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, de 07 de março de 1966.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua
publicação.
Brasília, 12 de junho de 2003; 182º da Independência e
115º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Celso Luiz Nunes Amorim47 (grifo nosso)

Desta feita, resta completa toda a internalização da sistemática referente à proteção e salvaguarda internacional dos direitos dos jurisdicionados do Estado brasileiro, no tocante a não aplicação interna do disposto na Convenção.
Todavia, vez que integrada ao ordenamento jurídico pátrio, a adesão à Declaração Facultativa abre-se a faculdade de revisão da decisão que negar validade a dispositivo do tratado no plano interno, esgotada via recursal, junto ao Comitê estabelecido pela Convenção para observar seu cumprimento. Por exemplo, se no julgamento da ADIN n. 3197, proposta pela CONFENEN questionando a constitucionalidade da Lei Estadual do Rio de Janeiro
4151/2003, que estatuiu cotas fixas para ingresso de estudantes negros no exame vestibular para ingresso nas instituições de ensino superior mantidas pelo poder público estadual, o STF decidir negar constitucionalidade à adoção das ações afirmativas com recorte racial, afirmando existir conflito entre estas e o principio da igualdade estatuído no art. 5o da CRFB de 1988, qualquer indivíduo ou grupo de indivíduo poderá suscitar a apreciação do Comitê supra. Visto que a Convenção traz expressa menção da adoção das ações afirmativas
em seus dispositivos como meio eficaz de combate ao racismo e promoção da
igualdade.
No tocante às medidas propostas pela Convenção para acelerar a promoção da igualdade da população negra dos Estados Partes estão entre elas mencionadas expressamente as ações afirmativas, quando propõem a adoção de "medidas especiais" para a inclusão da população negra. E prescrevem ainda que estas medidas não devam ser consideradas como uma espécie de "discriminação ao reverso", como bem balizado pelo texto do instrumento,
mas deverão cessar após terem atingidas suas metas de equalização da proporcionalidade étnica às oportunidades oferecidas à sociedade, como por exemplo, os percentuais de negros nas universidades brasileiras deverão ter patamar equivalente à sua representação na composição étnica da sociedade.

Artigo:I
4. Medidas especiais tomadas com o objetivo precípuo de assegurar, de
forma conveniente, o progresso de certos grupos sociais ou étnicos ou de
indivíduos que necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os
direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdade de
condições, não serão consideradas medidas de discriminação racial,
desde que não conduzam à manutenção de direitos separados para
diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido atingidos os
seus objetivos. (grifo nosso)
Artigo:II
2. Os Estados Partes adotarão, se as circunstâncias assim o exigirem, nos
campos social, econômico, cultural e outros, medidas especiais e
concretas para assegurar adequadamente o desenvolvimento ou a
proteção de certos grupos raciais ou de indivíduos pertencentes a esses
grupos com o propósito de garantir-lhes, em igualdade de condições, o
pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Essas medidas não poderão, em hipótese alguma, ter o escopo de
conservar direitos desiguais ou diferenciados para os diversos grupos
raciais depois de alcançados os objetivos perseguidos. (grifo nosso) 48


47 CONGRESSO NACIONAL. Decreto 4.738, de 12 de junho de 2003. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action>. Acesso em 29 mai. 2006.
48 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre Todas as Formas de
Discriminação Racial, op. cit.

No art. II, a Convenção deixa a cargo do Estado Parte um juízo de análise das circunstâncias estruturais que acercam as populações discriminadas, para determinar a adoção de tais medidas especiais, ou não. É, portanto uma faculdade do Estado Parte adotar as medidas especiais, segundo fundada motivação.

O Estado brasileiro desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso vêm adotando ações afirmativas em diversos setores da administração pública, tais medidas foram aprofundadas no atual governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, com a instituição do PROUNI (Programa Universidade para Todos), que instituiu percentuais fixos de bolsas para estudantes negros nas universidades particulares que são filantrópicas, e a apresentação, por parte do Executivo, do projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional acerca da Reforma Universitária, que em seu texto expressamente inclui prazos para a adoção de cotas para negros para as universidades públicas federais, etc. E o Estado brasileiro como se constitui em uma República Federativa, os entes que compõem a Federação também têm possibilidade de adotar ações afirmativas, como o fez o estado do Rio de Janeiro, na Lei Estadual 4151, supra mencionada.
Então, para que a adoção de ações afirmativas, realizadas por qualquer ente federativo, da administração direta ou indireta, esteja em consonância com a sistemática exigida pela Convenção deverá constar em sua fundamentação as circunstâncias de convencimento da administração pública, os motivos que justificaram a implementação de tais medidas, prevendo expressa ou implicitamente as metas a serem alcançadas com tais ações, de modo que não se torne com o transcorrer do tempo em "direitos desiguais ou diferenciados para certos grupos", conforme texto da própria Convenção


IV ? AÇÕES AFIRMATIVAS PARA AFRODESCENDENTES NO
BRASIL: NECESSIDADE E ANÁLISE DA
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL 4151 - RJ.

A necessidade material de implantação das ações afirmativas para
afrodescendentes no Brasil

Conforme já fora apresentado, no primeiro capítulo e no capítulo anterior para que se tenha legitimidade, constitucionalidade as ações afirmativas para negros, ou para qualquer outro grupo que sofra desvantagens sistêmicas na proporcionalidade das oportunidades oferecidas à sociedade, devem apresentar as bases desta desvantagem em dados concretos para análise da Administração Pública e da sociedade. É necessária uma abordagem que compare os percentuais de representatividade da população discriminada como um todo, e depois fazer esta mesma comparação utilizando recortes específicos voltados para índices
internacionalmente reconhecidos de nível de vida e desenvolvimento humano como acesso à educação (nível superior, média de anos de estudo, etc.), saúde (acesso à água encanada, acesso a esgoto sanitário, expectativa de vida, etc.),mercado de trabalho (nível médio de renda, distribuição étnica de postos de trabalho, etc).

O Prof. Ricardo Henriques, elaborou uma das melhores análises da desigualdade racial no Brasil, este texto serviu de fonte principal para a atuação da delegação brasileira que participou da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata ? de 31 de agosto a 08 de setembro de 2001, Durban ? África do Sul.Na própria introdução do trabalho, produzido pelo IPEA ? Instituto de Política
Econômica Aplicada ? órgão governamental de cunho estatal, Ricardo Henrique presenteia qual o objetivo do estudo realizado.

Este trabalho é o primeiro de uma série produzida pelo IPEA,
no âmbito de um programa de pesquisa estabelecido em parceria com o
PNUD, que procura analisar, de forma exaustiva, os determinantes,
conseqüências e impactos socioeconômicos da desigualdade racial e gerara
propostas de desenho de políticas públicas no Brasil. Especificamente, o
texto busca ser apenas um relato sócio econômico da desigualdade racial no
Brasil, com base na análise das informações domiciliares extraídas das
Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (...)
Procura-se aqui descrever e analisar a magnitude e a
evolução da desigualdade entre brancos e negros expressos em diversos
indicadores socioeconômicos das condições de vida da população brasileira.
Nesse sentido buscamos, por um lado, entender o tamanho absoluto das
diferenças entre negros e brancos em um amplo conjunto de indicadores
socioeconômicos. (...)
O texto realiza, portanto, uma análise econômica do bemestar
das populações branca e negra, identificando o perfil e a intensidade da
desigualdade racial do Brasil ao longo dos anos 90. Analisam-se, em
particular, as dimensões associadas à estrutura populacional, pobreza,
distribuição de renda, educação, trabalho infantil, mercado de trabalho,
condições habitacionais e consumo de bens duráveis. 49

Tal texto do IPEA, é reconhecidamente aclamado como base para implementação das ações afirmativas no Brasil, pois situa a questão com a neutralidade que tal assunto necessita, ainda mais por ser redigido por um órgão público federal, e utilizando-se da sistemática do IBGE, que contém todos os dados estatísticos oficiais do Brasil. Todavia pela maior simplicidade do trabalho ora apresentado, abordaremos no tratamento da temática um caráter meramente exemplificatório, baseado no importante artigo publicado pela ilustre
professora Rosana Heringer em sua obra já supra assinalada "Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas". Que utilizou estes mesmos dados de modo muito mais didático, e de outros órgãos oficiais, como por exemplo, DIEESE. 50

49 HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década
de 90. Rio de Janeiro: IPEA: 2001 p.1-2.
50 HERINGER, Rosana op. cit.





No quadro abaixo, temos separados por região a composição étnica percentual da população brasileira.



Para efeitos de metodologia de pesquisa a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), também utilizada por Ricardo Henriques, faz a pergunta "qual a cor ou raça" dentro de um universo fechado de resposta, restringindo a resposta somente às opções branca, preta, parda amarela e indígena. 51 Portanto levando em consideração tal metodologia, e
acentuando a questão da afrodescendência ser oriunda de traços forçosamente fenotípicos, ou seja, em relação à cor da pele, definimos a população negra àquela formada da somatória entre a população preta e a população parda..
De primeira análise, temos que levar em conta que para a redação de qualquer norma legislativa que adote políticas de ações afirmativas seja justa e atinja os fins almejados deverá levar em consideração que o estabelecimento de um recorte racial fechado para todo o país, seria no mínimo absurdo, dada a enorme disparidade percentual de acordo com cada região do
país. Por exemplo, adoção de cotas fixas para ingresso de alunos negros nas universidades públicas federais, fechadas em 45% para todo o país, seria ao mesmo tempo excessivo em relação à Região Sul, levando em conta a sua representação proporcional (15%), e extremamente injusto com a realidade representada na Região Nordeste (70%).

Neste diapasão, andou bem o legislador federal quando da feitura do diploma legal do supra mencionado PROUNI, que destinou em lei federal que a percentagem para negros e indígenas, seria realizada de acordo com a proporcionalidade destas populações em cada estado da Federação


Lei No 11.096, de 13 de Janeiro de 2005.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Fica instituído, sob a gestão do Ministério da
Educação, o Programa Universidade para Todos - PROUNI, destinado à
concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50%
(cinqüenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) para estudantes de
cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições
privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.
(...)
Art. 7o As obrigações a serem cumpridas pela instituição
de ensino superior serão previstas no termo de adesão ao Prouni, no qual
deverão constar as seguintes cláusulas necessárias:
(...)
II - percentual de bolsas de estudo destinado à
implementação de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior de
portadores de deficiência ou de autodeclarados indígenas e negros.

§ 1o O percentual de que trata o inciso II do caput deste
artigo deverá ser, no mínimo, igual ao percentual de cidadãos autodeclarados
indígenas, pardos ou pretos, na respectiva unidade da Federação, segundo o
último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ?
IBGE. (grifo nosso) 52

Ressalte-se também, que o legislador também adotou o mesmo modelo utilizado por seu ente gerenciador das pesquisas estatísticas nacionais,o IBGE, quando aglutinou em um mesmo item, pretos e pardos, traçando especificamente o critério da cor para definição de quem é negro, em detrimento das ações afirmativas norte-americanas voltadas fundamentalmente para a questão da ascendência, e, portanto, de qual população será alvo desta política de ação afirmativa.

No tocante ao acesso à educação, foco principal das medidas de Ações afirmativas, o quadro do ensino de modo geral a desigualdade racial é gritante, como bem salienta o quadro a seguir.


Segue-se em seguida a brilhante exposição da douta ProfessoraRosana Heringer, em uma análise muito feliz acerca da evolução da grave diferença que chega a ser mais que o dobro entre brancos e negros mais pobres, ou seja, os analfabetos, e também da enorme disparidade entre negros e brancos em relação ao ensino superior ou seja, os analfabetos, e também da enorme disparidade entre negros e brancos em relação ao ensino superior


52 CONGRESSO NACIONAL. Lei No 11.096, de 13 de Janeiro de 2005. Disponível em:<http://prouni-inscricao.mec.gov.br/prouni/documentacao/Lei_11096_13012005.htm>. Acesso em 28 mai. 2006

A Tabela 3 (em seu estudo esta é a terceira tabela utilizada)
demonstra não a média, mas os anos de estudo efetivamente cursados pelas
pessoas de 15 anos ou mais. Em primeiro lugar, se comparamos a situação de
1988 e 1996 verificamos que houve um aumento da escolaridade dos
brasileiros no período. Entretanto, esta ampliação do acesso à escola não
se traduziu numa diminuição das desigualdades raciais, já que a
proporção de negros entre as pessoas com 12 anos ou mais de estudo
(equivalente aos que concluíram o ensino médio e possuem curso
superior) é de apenas 2,8%, quase quatro vezes menos do que os brancos
na mesma faixa (10,9%). Por outro lado, a proporção de negros entre
aqueles sem instrução ou com menos de um ano de estudo continua em 1996
a ser mais do dobro da proporção de brancos nesta faixa. 53


Daí a necessidade premente de uma intervenção/ação estatal para promover a igualdade entre negros e brancos na sociedade, tal quadro restou demonstrado a ineficácia de políticas universalistas para a igualação de oportunidades, pois mesmo que em números absolutos ambas as populações tiveram notório crescimento em nível educacional, ainda assim se perpetuou ao longo de mais de uma década odiosa desigualdade fundada basicamente no histórico de desvantagens sociais, fruto de um racismo ainda fortemente
presente em nossa sociedade. Heringer traz ainda para o debate a esclarecedora análise do Prof. Ricardo Henriques.


A permanência deste padrão de desigualdade educacional
entre negros e brancos encontra-se igualmente explicitada no trabalho
realizado por Ricardo Henriques (2001:27), onde ele demonstra que "um
jovem branco de 25 anos tem, em média, mais 2,3 anos de estudo que um
jovem negro da mesma idade, e essa intensidade da discriminação racial é a
mesma vivida pelos pais desses jovens e a mesma observada entre seus avós.
(...) A escolaridade média de ambas as raças cresce ao longo do século, mas
o padrão de discriminação racial, expresso pelo diferencial nos anos de
escolaridade entre brancos e negros [2,3 anos em média], mantém-se
absolutamente estável entre as gerações". 54 (grifo da autora

____________________________________________________________________________
53 HERINGER, Rosana, op. cit.
54 Ibid.

O mais grave desse perverso quadro é saber que a questão da educação liga-se intrinsecamente com a questão do mercado de trabalho, que hodiernamente exige cada vez mais qualificação escolar. Tal quadro de permanência leva à conclusão que: o fosso educacional até hoje não suplantados entre brancos e negros, leva incontinenti ao fosso em relação à divisão da renda.
Em relação às analises das relações de trabalho e mercado segundo o recorte racial, fica claro que deve avançar mais o Estado brasileiro na adoção de ações afirmativas para a população negra brasileira, como forma de complementar e fortalecer as ações iniciadas no campo educacional.
Como era de se esperar o quadro atual acesso ao mercado é desigual e também racista, porque para além da questão do acesso à educação, mesmo ainda quando brancos e negros têm o mesmo nível de escolaridade, persiste uma substancial diferença na remuneração entre os grupos.


Acompanha-nos novamente neste mesmo lume em brilhante opinião a Professora Rosana Heringer

O quadro de desigualdade entre negros e brancos estárelacionado tanto a fatores estruturais quanto à discriminação. Entre os
fatores estruturais, sem dúvida o mais significativo é o componente
educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso à educação
formal, os negros também ocupam postos de menor prestígio no mercado de
trabalho. A tabela demonstra que, enquanto 32,8% dos brancos ocupados na
Região Metropolitana de São Paulo possuem grau de escolaridade até o 1o
grau incompleto (ensino fundamental), cerca de 54% dos negros estão nesta
posição. A situação se inverte quando analisamos a faixa equivalente ao
ensino médio e ao ensino superior. Neste último grupo a proporção de
brancos equivale a quase cinco vezes a dos negros.
No que diz respeito ao rendimento, negros e brancos também
possuem situações desiguais. Ainda no caso da Região Metropolitana de São
Paulo, apenas 5,3% dos negros ocupados recebem mais de 10 salários
mínimos. Esse fato poderia ser interpretado e em muitos casos o é como
decorrente somente do menor grau de instrução dos negros. Entretanto,
mesmo quando se encontram em iguais condições de escolaridade, negros e
brancos possuem rendimentos diferenciados. Essa situação se agrava
principalmente nos grupos com grau de instrução mais elevado. Tal fato pode
ser atribuído à ausência, entre os negros, de redes pessoais que permitam
maior acesso a melhores oportunidades de emprego. Também pode ser
atribuído à sub-remuneração e à sub-utilização de mão-de-obra negra
qualificada, decorrente da discriminação racial.55

O projeto de lei pl 3.198/2000 do então Deputado Federal Paulo Paim (atualmente Senador da República pelo RS), intitulado Estatuto da Igualdade Racial, prevê a adoção de cotas para admissão nos concursos públicos de acesso ao Funcionalismo público em todos os entes federativos,garantindo então uma reserva de vagas mínimas para negros no mercado de
trabalho através da carreira pública.
Outra ação já em vigor é a exigência de um percentual fixo de negros nas empresas particulares que participarem de licitações para contratos de fornecimento de produtos ou serviços com o Supremo Tribunal Federal, segundo redação da resolução Concorrência n. 3/2001-STF.

CONCLUSÃO

Procuramos distanciarmos-nos no presente trabalho de problematizar a questão da igualdade material versus igualdade formal, buscando levantar a tese e bandeira da ineficiência de tal celeuma, pois que arrastaria a análise acerca da constitucionalidade das ações afirmativas para o ideológico campo do discurso e da interpretação do principio da igualdade.Pretendermos ter produzido uma análise sistemática, que traz em si como ponto central a autorização constitucional para a implementação das ações afirmativas a partir da recepção da Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação Racial pela Carta de 1988, na leitura de seu art. 5º §2º e §3º.

Para que tal debate entre a igualdade formal versus igualdade material não fique apenas em abordagens tangenciais decorrentes da própria exposição do tema. Trazemos como porta-voz de nossa opinião, Hédio Silva, minente jurista e Professor da PUC ? São Paulo.

Mesmo um exame superficial da Carta de 1988, marco
jurídico do processo de democratização da sociedade brasileira irá revelar
algo que poderíamos denominar de catálogo constitucional de fatores de
discriminem, isto é, um elenco de atributos dos indivíduos, recolhidos da
realidade social e apontados pelo Constituinte de 1988 como fatores de
discriminação de direitos e oportunidades. Entre estes fatores de discriminem
podemos destacar a origem, cor ou raça, porte de deficiência, sexo, etc.
Este significado binário, evitar desigualação versus promover
a igualação, atribui ao principio da igualdade dois conteúdos igualmente
distintos e complementares:
1- Um conteúdo negativo, que impõe uma obrigação
negativa, uma abstenção, um papel passivo, uma obrigação de não fazer: não
discriminar e;
2- Um conteúdo positivo, que impõe uma obrigação
positiva, uma prestação, um papel ativo, uma obrigação de fazer: promover a
igualdade. 58


58 SILVA, Hédio. op. cit. p.104-105
?
Contribui também para esta breve reflexão final, a percepção de Mônica de Melo sobre os critérios de análise do principio da igualdade da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, segundo a autora afirma ter três regras básicas: a) devem ser lícitos os objetivos da norma ou medida que estabelece o descrimine; b) a diferenciação deve observar desigualdades reais e objetivas; c) proporcionalidade deve ser atentamente observada. 59.
Reiteramos que nosso norte neste trabalho foi o de demonstrar que a partir da recepção dos tratados internacionais de direitos humanos pela Carta de 1988, como norma constitucional contida da interpretação do art. 5º, §2º e §3º, constando neste rol de tratados internacionais de direitos humanos ratificados e internalizados no ordenamento jurídico brasileiro a Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação Racial, que
expressamente afirma que não será tratado como discriminação, as "medidas especiais" para aceleração de grupos de indivíduos discriminados na sociedade, daí então julgarmos que as ações afirmativas propostas tanto pelo Estado como pela sociedade civil estão autorizadas pelo Poder Constituinte, desde que cumpram seus requisitos de validade, como necessidade material expressa em dados concretos (leia-se oficiais) sobre a discriminação existente e
que tenha metas propostas e que não se perpetuem para além do necessário, para que não se crie direitos separados para grupos distintos dentro da sociedade.
Tal visão pretende-se inovadora, tendo em vista que a questão central atacada por muitos é que as ações afirmativas entram em conflito direto com o principio da igualdade, (partindo-se de uma interpretação formal, literal, e não sistemática da nossa Constituição de 1988) almejando propor uma nova alternativa interpretativa que garanta a aplicação das ações afirmativas mesmo para aqueles defensores de posições mais positivistas e apegados a uma interpretação restritiva da Carta. Pois que, parte da própria leitura literal da Magna Carta, que expressamente equipara os tratados internacionais de direitos humanos às normas constitucionais, incluindo, como dito acima, a supra Convenção, a sua expressa autorização à adoção de ações afirmativas.
Também, não pretendeu o presente trabalho perseguir a ineficaz investigação sobre o debate acerca de quem pode ser considerado negro no Brasil, para se arrogar ao direito de pleitear ser beneficiário destas ações afirmativas, visto que o critério adotado pelo governo brasileiro têm sido o do internacionalmente recomendado da auto declaração.
Bem sinalizou Kabenguele Munanga ao salientar, que apesar dassempre presentes vozes dissonantes, foram incontestáveis os avanços das ações afirmativas para a população negra norte-americana. E, portanto sinalizar positivamente para necessidade de implementação imediata das ações afirmativas no Brasil.

receberia um apoio unânime, sobretudo quando se trata de uma
sociedade racista. Nesse sentido, a política de ação afirmativa nos EUA tem
seus defensores e detratores. Foi graças a ela que se deve o crescimento da
classe média afro-americana, que hoje atinge cerca de 3% de sua população,
sua representação no Congresso Nacional, nas Assembléias Estaduais; mais
estudantes nos Liceus; e nas universidades; mais advogados; mais
professores nas universidades, inclusive nas mais conceituadas; mais médicos
nos grandes hospitais, e profissionais em todos os setores da sociedade
americana. Apesar das criticas contra as ações afirmativas, a experiência das
69
últimas quatro décadas nos países que a implementaram não deixam dúvidas
sobre as mudanças alcançadas. (...)
Vozes eloqüentes, estudos acadêmicos recentes, qualitativos
e quantitativos realizados pelas instituições respeitadíssimas como o IBGE e
o IPEA, não deixam dúvida sobre a gravidade gritante da exclusão do negro,
isto é, pretos e mestiços na sociedade brasileira. Fazendo um cruzamento
sistemático entre a pertença racial e os indicadores econômicos de renda,
emprego, escolaridade, classe social, idade, situação familiar, e região ao
longo de mais de 70 anos, desde 1929. Ricardo Henriques chega a conclusão
de que no Brasil, a condição racial constitui um fator de privilégio para os
brancos e de exclusão e desvantagens para os não brancos. Algumas cifras
assustam quem tem preocupação social aguçada e compromisso com a busca
de igualdade e eqüidade nas sociedades humanas.
? Do total dos universitários brasileiros, 97% são brancos,
sobre 2% de negros e 1% de descendentes de orientais;
? Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha
da pobreza, 70% deles são negros;
? Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63
% deles são negros. 60



Em linhas finais, como resposta aos muitos críticos da adoção de ação afirmativa através de cotas para negros nas universidades, e em outros campos como mercado de trabalho, é indiscutível para além do aspecto do resultado numérico concreto dos alunos que ingressaram nas universidades que adotaram cotas para negros, é o impacto social no imaginário coletivo da população negra, que agora vislumbra a possibilidade rela de ingresso no curso superior, volta aos bancos escolares, provocando sensível aumento da demanda
por políticas públicas de acesso e permanência nas universidades.
Vejamos alguns depoimentos destes candidatos ao ingresso por cotas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ, que foram questionados por um jornal de grande circulação, sobre a apreensão causada pela suspensão do exame vestibular, em virtude de uma greve de seus servidores:


60 MUNANGA, Kabenguele. op. cit.



Apreensão entre os candidatos a cotas na Uerj
Patrícia Alves
Estudantes que poderiam entrar na faculdade pela reserva
de vagas vêem chance mais longe
Com a suspensão do vestibular da Uerj, os candidatos que
esperavam entrar na universidade pelo sistema de cotas ? vigente apenas nas
unidades estaduais de ensino superior ? temem ver a chance de cursar a
faculdade se perder. No curso pré-vestibular comunitário da ONG Educafro,
a apreensão é grande. A Uerj tem hoje nove mil cotistas entre seus 23 mil
alunos.
Há 20 anos sem estudar, Rosângela Silva, de 38 anos, aluna
do Educafro, viu na cota para negros a possibilidade de realizar o sonho de se
formar em Serviço Social:
? Estou há muito tempo longe da escola, não acho que
consiga entrar em outra universidade, concorrendo de igual para igual com
todos os candidatos. Espero que a Uerj volte atrás na decisão.
Falhas da rede
Para a estudante Camila Nogueira, de 16 anos, a reserva de
vagas para alunos de escolas públicas compensaria as falhas da rede estadual,
na qual está concluindo o ensino médio.
? Este ano, tivemos um mês de greve e as aulas não estão
sendo repostas. Os professores simplesmente pulam conteúdos. Como vou
passar em outra universidade, com concorrentes de bons colégios? ?
questiona Camila, que sai de Bangu para o Centro todas as noites para cursar
o pré-vestibular da Educafro.
Segundo o coordenador de Políticas Públicas da ONG, Fábio
Mendes, a instituição está cobrando da Uerj a manutenção do concurso:
? Também pedimos que sejam mantidos os dois exames de
qualificação, que são duas oportunidades de passar. 61 (grifo da autora)


61 ALVES, Patrícia. Apreensão entre os candidatos a cotas na UERJ. Jornal Extra, Rio de Janeiro, p. 5,
20 mai. 2006.


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ALVES, Patrícia. Apreensão entre os candidatos a cotas na UERJ. Jornal
Extra, Rio de Janeiro, p. 5, 20 mai. 2006.
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