PARECER JURÍDICO

EMENTA: Redução; Maioridade Penal; Constitucionalidade; Eficácia; Criminalidade;

Trata-se de uma consulta formulada por Maria José de Afonso Silva, residente da cidade de Ilhéus, a respeito da Redução da Maioridade penal. O seguinte parecer, em sua totalidade,  a fim de buscar uma explicação mais prolixa e abrangente, tratará dos seguintes aspectos questionados pela consulente:

  1. A constitucionalidade da Redução da Maioridade penal;
  2. Principais pontos favoráveis; 
  3. Principais pontos desfavoráveis;
  4. Reformulação do ECA;
  5. Redução da Criminalidade; 
  6. Efetivas soluções;

É o Relatório. Passo a Opinar.

De acordo com o artigo 5° da Constituição Federal de 1988, é assegurada ao cidadão uma série de direitos e garantias fundamentais para que ele possa conviver no meio social e para que seja politicamente correto. Esses direitos são cláusulas pétreas, ou seja, inalienáveis,  e a sua condição essencial possibilita o pleno desenvolvimento da personalidade humana em todos os níveis. 
De acordo com o §2° do artigo 5° da Constituição Federal, os direitos e garantias individuais protegidos não se encontram apenas no artigo 5°, sendo eles também encontrados no artigo 60, §4°:

§4°: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I- a forma federativa de Estado;
II- o voto direto, secreto, universal e periódico;
III- a separação dos poderes;
IV- os direitos e garantias individuais;

A partir do artigo 60°, em seu §4°, percebe-se que é vedada qualquer emenda que vier ferir um direito ou garantia fundamental presente no texto constitucional,  por se tratar de cláusula pétrea, que são direitos e garantias imutáveis que tem por função a proteção da dignidade e personalidade humana. De acordo com o pensamento de Paulo Gustavo Gonet Branco, as cláusulas pétreas não têm "por meta preservar a violação de uma norma constitucional", mas sim, "imunizar o sentido dessas categorias constitucionais protegidas contra alterações em seu núcleo básico ou delimitem a proteção que fornecem".

Artigo 228:

"São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos as normas da Legislação especial."

De acordo com o texto do artigo 228 da Constituição Federal, os que estiverem abaixo da idade nele discriminada, estão sujeitos, mesmo quando cometerem crimes, a um tipo especial de imputabilidade, enquanto os maiores de dezoito anos serão sujeitados a imputabilidade correspondente ao código penal. Se a alteração proposta pela Redução da Maioridade penal vier no sentido de extinguir o regime de imputabilidade especial, feriria o corpo do texto constitucional e, por consequência, uma cláusula pétrea.

A fim de não ferir aquilo que é determinado pela Lei Fundamental, a PEC 171/1993 mostrou-se bastante preocupada e cuidadosa com a proteção referida ao adolescente em si e aquilo que é disposto pela constituição.  Ela incluiu no regime da imputabilidade penal os menores de dezoito e maiores de dezesseis, no caso em que o infrator tenha cometido crimes em que há atentado a vida ou à integridade física da vítima e que os menores de dezoito e maiores de dezesseis cumpram suas penas em estabelecimentos separados tanto doa menores de dezesseis quando dos maiores de dezoito, evitando que sejam misturados com adultos condenados por crimes mais abrangentes e gravosos.

Dessa forma, percebe-se que a Redução da maioridade penal proposta pela PEC 171/ 1993 não afrontaria tanto ou feriria as cláusulas pétreas da Constituição Federal.

A Redução da Maioridade penal é um dos temas mais discutidos no Brasil,  o que tem por finalidade diminuir a idade mínima de dezoito para os infratores que cometerem crimes hediondos. Segundo a Revista Datafolha, 87% dos entrevistados são a favor da redução da Maioridade penal.

Muitos desses acreditam que um adolescente de dezesseis e dezessete anos já tem discernimento o suficiente para responder seus atos e se a sua conduta é criminosa ou não.  Com a consciência de que não podem ser presos, os jovens acabam sendo instigados a cometer mais crimes pela liberdade que lhe é assegurada, contribuindo para o aumento da violência. 

Quanto à redução, também acreditam que devem se haver punições mais severas para os menores infratores internados no ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), para que aqueles que cometerem crimes hediondos não cometerem novos crimes no futuro.

Devemos observar que a falta de educação, saúde, segurança pública, de políticas públicas e a falta de integração de adolescentes às atividades comunitárias são algumas das causas diretas e indiretas do fenômeno da delinquência infanto-juvenil. Tem-se há muito tempo a omissão do poder público em relação à prática de atos concernentes à viabilização das normas constitucionais que garantem os direitos essenciais, tendo em vista que grande parte da população é excluída do digno convívio social. Como pontos desfavoráveis à redução da maioridade penal pode-se citar o fato de já haver lei que regulamente a situação infracional dos menores de 18 anos, onde essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido; o fato de o índice de reincidência em presídios no Brasil chegar a 70% dos casos; e porque educar é melhor e mais eficiente do que punir.

De acordo com pesquisas feitas nos últimos anos, jovens entre 16 e 18 anos são responsáveis por apenas 1% a violência do país, sendo esta uma parcela extremamente pequena, logo, a redução da maioridade não reduziria a violência de maneira significativa pois ao encarcerar o jovem não haveria eficácia em sua reintegração social pois este sistema carcerário é falho, superlotado e pode se tornar uma escola do crime. A real solução para este fator seria investir em educação pública de qualidade, saúde, acesso a lazer e cultura. Não bastaria tratar o efeito, deve-se começar a tratar a causa.

O índice de reincidência apurado pelo CNJ nos presídios do país é de 70% sendo mais provável que os jovens saiam de lá mais perigosos do que quando entraram. Muitas entidades de psicologia têm se posicionado contra a redução, por entenderem que a fase da adolescência é uma fase de transição e maturação do indivíduo e por isso devem ser protegidos por meio de políticas que promovam saúde, educação e lazer com qualidade. É uma das fases de construção dos indivíduos para uma vida adulta, passando por grandes transformações, devendo assim ser pensada pela perspectiva educativa. A sociedade tem o grande desafio de educar os jovens para que eles tenham um desenvolvimento adequado do ponto de vista emocional, social e físico. Reduzir a maioridade penal isentaria o estado do compromisso com a construção de políticas educativas e da atenção para com a juventude. De maneira geral, os adolescentes são as maiores vítimas, e não os principais autores da violência.

PEC 33/2012: “Altera a redação dos arts. 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo único para prever a possibilidade de desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos por lei complementar.”

A PEC 33/2012 é inviável pois se o Ministério Público quiser, poderá pedir para desconsiderar a inimputabilidade, e o juiz decidiria se o adolescente tem capacidade para responder por seus delitos. Seriam necessários laudos psicológico e perícia psiquiátrica diante das infrações: crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na prática de lesão corporal grave e roubo qualificado. Esses laudos atrasariam os processos e congestionariam a rede pública de saúde. Ela apenas delegaria ao juiz a responsabilidade de decretar o adolescente como inimputável ou não.

O voto aos 16 anos nada tem a ver com a maioridade penal visto que ele não é obrigatório, e sim opcional, é um direito adquirido pela juventude. O voto não é vitalício e em caso de arrependimento ou decepção em relação a sua escolha, ele poderá corrigi-lo na eleição posterior.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe que o adolescente que comete atos infracionais seja responsabilizado por eles por meio de medidas socioeducativas. Não é impunidade, é adequação, pois a sociedade deve buscar corrigir a conduta de seus cidadãos a partir de uma perspective educacional quando se tratar de adolescentes. O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação e estas medidas devem ser aplicadas de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

Alguns magistrados defendem que o ECA, criado há 21 anos, deve ser atualizado para que possa se adequar a realidade de hoje como a internação compulsória da criança e adolescente que cometerem ato infracional e são dependentes químicos em clínica especializada mantida pelo poder publico para tratamento, além de mais condições ao Judiciário de privar a liberdade, por 30 dias, daqueles que recebem medidas socioeducativas em regime aberto e as descumprem na primeira vez de sua aplicação, possibilitando maior eficácia. Modificar o ECA, para flexibilizar e ampliar as punições, talvez seja mais eficaz do que simplesmente reduzir a maioridade penal, como propõe projeto em tramitação.

Outro ponto relevante que deve ser analisado a respeito da redução da maioridade penal, é se a diminuição da criminalidade está condicionada a isto. Estudos apontam que nos países onde a maioridade foi reduzida na intenção de diminuir a criminalidade, o efeito foi contrário ao esperado, e o índice de reincidência dos menores e da violência aumentou significativamente. Assim, vários países como a Espanha e Alemanha, voltaram a adotar a maioridade penal aos 18 anos.

"Colocar um adolescente em um sistema prisional para adultos significa colocar estes adolescentes em um ambiente em que todos sabemos que as facções do crime organizado estão lá dentro. E ele não terá outra alternativa senão se aliar a uma destas facções. E se ele assim não fizer, sofrerá várias violações lá dentro. E quando ele sair desta prisão ele estará completamente aliciado como soldado de uma facção organizada, sob pena de perder a vida", explicou Pepe Vargas, Ministro da Secretaria de Direitos Humanos.

 

O ingresso precoce de adolescentes no sistema carcerário só faria aumentar o número de bandidos, pois tornaria muitos deles distantes de qualquer medida socioeducativa. Pesquisas apontam que os sujeitos sentenciados a penas privativas de liberdade apresentam reincidência em 70% do casos, e na maioria das vezes reincidem com crimes mais gravosos, enquanto que os menos infratores que são submetidos às medidas socioeducativas do ECA, apresentam índice de reincidência abaixo de 20%.

A constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc., porém muitos não podem usufruir desses direitos na prática, assim, há uma maior probabilidade do envolvimento com o crime, sobretudo entre os jovens, que são frutos de um estado de injustiça social.

A marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas em que os indivíduos vivem, sendo assim, a redução da maioridade penal estaria tratando o efeito, e não a causa.

Desse modo, resta claro que a solução para a criminalidade é complexa e não será resolvida, simplesmente, porque houve redução da maioridade penal, mas pela ação da sociedade e governos nas dimensões sociais, políticas e econômicas.

Dentre as ações fundamentais estariam a alteração do Código Penal, para que elevasse as penas para os adultos que se utilizassem de menores para prática de delitos; a alteração do ECA, para que, ao completar 18 anos, o menor possa ser transferido para um regime de reformatório, como existe nos Estados Unidos e outros países da Europa; como também ações no campo da educação, que demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto, após responder aos questionamentos feitos pela consulente, pode-se perceber que a redução da maioridade penal é inviável para solucionar o problema da criminalidade, podendo até contribuir para o seu aumento, instigando cada vez mais os jovens a serem inseridos no mundo do crime. É necessário que haja um processo de reeducação para que se sane os problemas relacionados a conduta dos infratores, a fim de que aprendam que o cometimento de crimes e de atos ilícitos são ruins e inaceitáveis.

É o parecer.

Ilhéus, 06 de Novembro de 2015.

Autores (as): Brunna Nonato França Rocha – Acadêmica de Direito na Faculdade de Ilhéus – CESUPI

Julliana Bastos Godinho – Acadêmica de Direito na Faculdade de Ilhéus – CESUPI

Marcus Vinicius Corrêa Dantas – Acadêmico de Direito na Faculdade de Ilhéus - CESUPI

Sávio Pinheiro de Araújo – Acadêmico de Direito na Faculdade de Ilhéus – CESUPI

Orientador (a): Taiana Levinne Carneiro Cordeiro