A CONSTITUCIONALIDADE DA CLÁUSULA DE BARREIRA EM EDITAIS DE CONCURSOS PÚBLICOS, SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Uma das principais mudanças trazidas pela Constituição Federal de 1988 reside na obrigatoriedade de concurso público para o provimento de todos os cargos efetivos integrantes da administração pública. No entanto, até hoje, não sobreveio uma lei nacional fixando os direitos e deveres dos candidatos. A lacuna legislativa gera a necessidade de ser suprida pelo edital, que apesar de ser chamada de “lei dos concursos”, não passa de mero ato administrativo.

Hoje, não são raros os concursos com milhões de candidatos inscritos para a realização das provas. Em face deste elevado número, tem sido frequente, em editais, a existência da chamada cláusula de barreira, ou seja, da fixação do número máximo de candidatos que podem passar para a etapa seguinte do certame. Com a limitação, aqueles que não ficarem dentro de determinado intervalo de classificação, não mais prosseguirão nas demais fases da seleção. Muitos candidatos, no entanto, prejudicados pela limitação e entendendo ser a mesma inconstitucional, tem submetido a questão à apreciação do Poder Judiciário.  

Foi o que ocorreu com um candidato no concurso para o cargo de agente da polícia civil promovido pelo Estado de Alagoas. Tendo obtido a nota mínima, ele acabou excluído, pela cláusula de barreira, da fase seguinte de exame psicotécnico, pois o edital fixava que apenas passariam para esta etapa os candidatos em número até o dobro do número de vagas ofertadas. Impetrou, então, mandado de segurança, tendo sido deferido, pelo juízo de primeiro grau, liminar que lhe permitiu a continuidade no certame. Apesar do recurso, em segunda instância, o Tribunal de Justiça considerou inconstitucional a limitação editalícia, por fixar tratamento não igualitário e determinou a nomeação e posse do impetrante, observada a ordem de classificação.

O Estado recorreu ao Supremo Tribunal Federal, gerando o Recurso Extraordinário nº 635.739, tendo por Relator o Ministro Gilmar Mendes. Tratava-se uma questão recorrente nos tribunais. O próprio STF, em julgado proferido pela Primeira Turma, no RE-AgR 478136, DJ 7.12.2006, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, proferira decisão, com a seguinte ementa:

Concurso Público. Limitação do número de candidatos aprovados em uma etapa para ter acesso á segunda. Possibilidade. O art. 37, II, da Constituição, ao dispor que a investidura em cargo público depende da aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, não impede a Administração de estabelecer, como condição para realização das etapas sucessivas de um concurso, que o candidato, além de alcançar determinada pontuação mínima na fase precedente, esteja, como ocorre na espécie, entre os 400 melhores classificados. Não cabe ao Poder Judiciário, que não é arbitro da conveniência e oportunidade administrativas, ampliar, sob o fundamento da isonomia, o número de convocações.         

Pelo tema envolver um acervo de ações no Poder Judiciário e pela necessidade de uma posição consolidada, o Plenário reconheceu a Repercussão Geral do tema. Em consequência, a decisão a ser proferida pela Corte Maior servirá de referência para outros processos judiciais sobre o assunto, em decisão assim ementada:

Recurso Extraordinário. 2. Administrativo. 3. Concurso Público. Edital. Cláusula de barreira. Estabelecimento de condições de afunilamento para que apenas os candidatos melhores classificados continuem no certame. 4. Configurada relevância social e jurídica da questão. 5. Repercussão geral reconhecida.

   Em 19 de fevereiro de 2014, o Plenário decidiu o RE 635.739. Há de se destacar que o candidato fora nomeado em 2006, portanto, ao ocorrer o julgamento do recurso, este já ocupava o cargo de agente policial há oito anos.  No entanto, para o Relator, regras inseridas no edital do concurso público, com o intuito de selecionar somente os candidatos mais bem classificados para continuar o certame, são constitucionais. Portanto, cláusulas de barreira prevista no edital possuem amparo no texto constitucional, não implicando violação aos princípios da isonomia, impessoalidade, ou outros existentes.  

Apesar dos demais Ministros concordarem com o voto do Relator, os Ministros Luiz Fux e Roberto Barroso propuseram a modulação dos efeitos, para que, após decorridos tantos anos, o candidato não fosse obrigado a deixar o cargo que ocupava. Mas, esta proposta acabou não prosperando junto aos demais integrantes do Plenário.

Ao final, por unanimidade, a Corte Maior decidiu pela constitucionalidade das cláusulas de barreira fixadas por editais de concurso pública, em acórdão assim ementado:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Concurso Público. Edital. Cláusula de barreira. Alegação de violação aos artigos 5º, caput, e 37, inciso I, da Constituição Federal. 3. Regras restritivas em editais de concurso público, quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato, não ferem o princípio da isonomia. 4. As cláusulas de barreira em concurso público, para seleção dos candidatos mais bem classificados, têm amparo constitucional. Recurso Extraordinário provido.   

            Com o julgamento, uma importante controvérsia de interesse direto de milhões de brasileiros que se submetem a concursos públicos, restou pacificada. As teses que apontavam a cláusula de barreira como fonte violadora do importante princípio da isonomia foram afastadas. A concepção que passou a ser o referencial, em nosso Direito, ampara a previsão em editais de uma linha divisória para acesso às demais fases do concurso, capaz de eliminar todos os candidatos que não estejam dentro de determinada classificação, ainda que tenham obtido nota acima da mínima exigida.