Introdução
O desenvolvimento econômico foi frustrante, mas não deixou de ocorrer. A desigualdade nunca foi maior, superando inclusive a dos demais países latino-americanos, mas os padrões de vida melhoraram moderadamente para quase todos, e a sociedade se diversificou e aumentou seu nível de educação. E no plano político o avanço foi grande: a democracia restabelecida em 1985, embora tenha sido frustrante no plano econômico e no da justiça, nunca esteve mais forte que hoje. Não se pode falar em consolidação, mas ocorreu um processo de crescimento e democratização da sociedade civil.
O objetivo geral é caminhar na direção do bom Estado (democrático) e do bom governo (competente e efetivo). Há um enorme caminho a percorrer quando comparamos o Estado e o governo brasileiro com o dos paises desenvolvidos. Nem sempre isto é conquistado. As forças antinacionais do neoliberalismo burguês, subordinadas à ideologia da globalização, e as forças retrógradas do corporativismo burocrático, marcadas por forte ranço patrimonialista, fazem ainda valer seus interesses. Mas há uma inconformidade crescente em relação a isto. Cada vez menos dependemos de nossas pobres elites iluminadas, e cada vez mais da própria dinâmica da sociedade civil.
Inicialmente analisaremos os antecedentes, em seguida discutiremos os avanços e finalmente abordaremos o que consideramos ideal para uma mudança efetiva no país.

Antecedentes

Colônia
Durante três dos seus primeiros cinco séculos -do inicio do século XVI ao inicio do século XIX- o Brasil foi parte do vasto império de Portugal, um país pequeno, economicamente atrasado e culturalmente isolado na ponta da Europa Ocidental. E a experiência do Brasil de trezentos anos de conquista e colonização portuguesas, embora importante, foi dominantemente negativa. Dela destacamos:
? Economia em grande parte extrativista baseada na monocultura e na mineração, sendo virtualmente inexistente a indústria manufatureira.
? Economia e sociedade quase que totalmente baseados no comercio de escravos africanos e na escravização de africanos. Na época da Independência, a população do Brasil, entre 4 e 5 milhões(incluindo-se os índios), era menos de um terço branca e mais de um terço escrava.
? Nível educacional geralmente baixo. A educação nunca foi prioridade nas políticas coloniais portuguesas.
? Estado e sistema de governo patrimoniais, burocráticos e autoritários.

Império
Após a independência o Brasil continuou com a mesma economia colonial, maciçamente dependente da exportação de comodities, com o café em continua ascensão. As taxas de crescimento eram relativamente altas, mas em termos de crescimento industrial e avanço tecnológico o Brasil estava atrás com relação aos Estados Unidos, por exemplo, e as disparidades e desigualdades regionais intensificavam-se.
A sociedade também não evoluiu com o Brasil sendo o ultimo Estado independente a abolir a escravidão, o que fez somente em 1888.
Pós 1930
A historia da democracia brasileira assentou-se sob alicerces singulares que merecem referência quando tratamos de analisar a influência de fatores de longo prazo no processo de democratização. Estas bases são de duas naturezas: uma tem a ver com as instituições políticas sob as quais o governo militar operava; e a outra, no domínio econômico, refere-se ao modelo de desenvolvimento seguido e suas conseqüências. No âmbito da política, há que se lembrar a emergência de uma situação bastante paradoxal. Por um lado, tratava-se de um regime tipicamente militar no sentido de que as Forças Armadas, enquanto instituição, passavam (após o golpe civil-militar que depôs João Goulart em 1964) a dirigir o país. Tal situação necessariamente levaria a que a instituição militar passasse a ser também uma arena de disputa pelo poder político, o que teria conseqüências não apenas na coesão interna da organização, mas também em toda a dinâmica política. Conflitos entre oficiais moderados e radicais permearam os 21 anos de governo militar gerando freqüente instabilidade política. Por outro lado, tratava-se de uma situação que manteve em funcionamento os mecanismos e os procedimentos de uma democracia representativa: o Congresso e o Judiciário continuaram em funcionamento, a despeito de terem seus poderes drasticamente reduzidos e de vários de seus membros serem expurgados; manteve-se a alternância na presidência da República; permaneceram as eleições periódicas, embora mantidas sob controles de várias naturezas; e os partidos políticos continuaram em funcionamento, apesar de a atividade partidária ser drasticamente limitada.
Em síntese, era um arranjo que combinava traços característicos de um regime militar autoritário com outros típicos de um regime democrático. Este arranjo peculiar foi o responsável, em grande medida, por sucessivas crises políticas que acompanharam o regime, fazendo-o se caracterizar por fases alternadas de repressão e liberalização permeadas por crises políticas resultantes de conflitos dentro do exército e entre estes grupos e a oposição democrática. A instabilidade que acompanhou o governo dos militares no Brasil, indicativo da dificuldade de institucionalização do regime, caracteriza o autoritarismo brasileiro como uma situação em vez de um regime propriamente dito. Regime ou situação, o fato é que o estabelecimento desse arranjo político híbrido teve grande impacto na maneira como se deu a transição brasileira. Porém, antes de analisar o processo de transição, outra característica no modelo brasileiro, desta vez no âmbito econômico, deve ser apontada.
Em contraste com o que aconteceu, por exemplo, no Chile, onde o governo militar provocou uma mudança significativa no modelo econômico, no Brasil os militares não inovaram em matéria de política econômica. Com exceção dos três primeiros anos de governo militar, quando todos os esforços concentraram-se no programa de estabilização para conter as altas taxas de inflação, a política econômica, durante o período militar, seguiu basicamente o mesmo modelo vigente desde o governo Vargas. O chamado "milagre brasileiro" do período 1967-73 teve como sustentáculo, por um lado, os resultados obtidos pela política de estabilização de 1964-67 e, por outro, uma política de desenvolvimento que consolidou e intensificou o modelo de substituição de importações que reservava ao Estado um papel empreendedor ainda mais importante. Por volta de 1974, a despeito dos sinais de que o milagre havia se desfeito manifestos pelo impacto que a crise mundial do petróleo exerceu no Brasil, o mesmo caminho continuou a ser trilhado. Uma ambiciosa política de substituição de importações de bens de capital e matérias-primas, sustentada por investimentos do setor público e por empréstimos estrangeiros, foi a estratégia seguida. Certamente, esta estratégia teve êxito ao garantir altas taxas de investimento e ao fazer da experiência brasileira de regime militar-autoritário um caso de desempenho econômico bem-sucedido. Porém, foi também responsável por sérios desequilíbrios, e os problemas econômicos que haviam provocado a intervenção militar em 1964 inflação alta e estagnação econômica ressurgiram com ainda mais intensidade, permanecendo como pano de fundo do processo de transição política.