A confissão de dívida no âmbito do parcelamento tributário e a possibilidade de restituição do indébito tributário.

É de notório conhecimento que a carga tributária no Brasil se mostra elevada, mormente quando comparada com outras nações de grau de desenvolvimento semelhante. Esta alta carga tributária reflete diretamente na base econômica do país, restando aos contribuintes, sobretudo, aos pequenos e médios empresários, suportarem toda a avidez do Fisco em arrecadar as receitas públicas.

Neste contexto, ante a impossibilidade de cumprimento com suas obrigações tributárias de forma originária, face as limitações financeiras, socorrem-se esses contribuintes da dilação do seu pagamento através da adesão aos recorrentes programas de parcelamentos tributários, instituídos no âmbito das três esferas do Poder.

O ente tributante, por sua vez, buscar assegurar a integridade do adimplemento dos tributos sob sua administração, fazendo-se inserir, em toda concessão de parcelamento, a cláusula expressa de confissão de dívida irretratável e irrevogável, requisito este que deve ser preenchido por todo indivíduo que deseja parcelar sua dívida e ver suspensa a sua exigibilidade.

Assim, será analisada neste trabalho uma crescente discussão acerca da possibilidade de retratação da confissão de dívida no âmbito tributário, em vista dos vastos princípios constitucionais como o da legalidade e do livre acesso do indivíduo ao Poder Judiciário.

1-  A confissão de dívida e o parcelamento tributário

Não obstante a finalidade concebida para o tributo, qual seja, a arrecadação de recursos financeiros pelo Estado, a fim de atender as necessidades e aos fins sociais a que se destina, não poderá esta imposição se tornar um ônus aos contribuintes, no sentido de se tornar impróprio a realidade dos destinatários da arrecadação, bem como de estagnar o setor econômico.

É exatamente neste contexto que surge a figura do parcelamento, que é uma dilação do prazo de pagamento concedido pela Administração Tributária ao contribuinte, de forma que o contribuinte possa efetuar o recolhimento dos tributos vencidos em parcelas devidas ao Fisco de forma menos lesiva ao seu patrimônio. Para a adesão do contribuinte ao parcelamento tributário é necessário preencher determinados requisitos previstos taxativamente em lei, sendo um deles a confissão da dívida tributária.

 As leis de parcelamento de dívida tributárias estabelecem, em regra, determinadas condições para a adesão do contribuinte, abrangendo desde os documentos a serem apresentados no momento da formalização do parcelamento, à exigência de que o contribuinte confesse o débito, bem como desista de todas as ações nas quais esteja discutindo a validade da dívida a ser parcelada. Isto ocorre porque, no exato momento da adesão, o contribuinte assina um termo de compromisso concordando com o débito, ao tempo em que, também renuncia ao seu direito de ação. (MACHADO SEGUNDO, 2008).

A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) disciplina que os débitos relativos a impostos e contribuições poderão ser parcelados no âmbito da Receita Federal, desde que, em regra, não estejam inscritos em dívida ativa da União.

A RFB registra ainda que o pedido de parcelamento de débitos (devidamente confessados) não admite a sua retratação e configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348, 353 e 354 todos do CPC, e abrange os débitos não declarados, declarados ou já efetivamente lançados. Informa também a aludida Administração Tributária que o parcelamento não gera direito adquirido e será revogado de ofício, desde que se apure que o beneficiado do parcelamento não atendeu as condições para a concessão.

Neste sentido, na esfera federal, o governo tem criado, através de leis especificas, importantes programas de parcelamentos fiscais com dilação de prazo para o adimplemento, bem como a redução de multas e juros, como forma de motivar os sujeitos passivos a se manterem em dia com suas obrigações tributárias.

é cediço que o parcelamento tributário tem como efeito a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, VI do CTN), razão pela qual não há que se falar na cobrança judicial do crédito objeto de parcelamento, tampouco de ajuizamento de execuções fiscais e, caso já tenha sido ajuizada, esta restará suspensa até o adimplemento final do sujeito passivo pelo parcelamento.

Ademais, poderá o contribuinte, ao aderir ao parcelamento do débito, tendo em vista a suspensão suso referida, obter certidão positiva com efeito negativo (art. 206[1] do CTN), junto aos Órgãos Fazendários competentes.

2- A cláusula de confissão irretratável e irrevogável no parcelamento

É comum verificar, quando da adesão aos programas de parcelamento tributário, a necessidade de o contribuinte assinar um instrumento de confissão de dívida e compromisso de pagamento parcelado.

No referido termo, o sujeito passivo da obrigação tributária deverá, conforme exigido pelas leis que instituem o parcelamento tributário, para todos os fins, a liquidez e certeza da dívida confessada em face da Administração Pública, ficando desde logo ciente que a quitação das parcelas em atraso ou o seu não pagamento poderá ensejar o cancelamento do parcelamento, culminando “com a inscrição do saldo remanescenteem Dívida Ativae o consequente encaminhamento para cobrança judicial, se já inscritoem Dívida Ativa, ou prosseguimento da execução fiscal, se já ajuizada”.

Contudo, cumpre, desde logo, registrar que o parcelamento tributário não possui eficácia para estabelecer a presunção de validade da obrigação tributária correspondente ao crédito tributário.

Assim, a confissão corriqueiramente estabelecida como condição para adesão ao parcelamento não poderá ser constituída de forma absoluta e desta condição estabelecida pelo legislador infere-se, claramente, a sua vontade de convalidar eventuais vícios na obrigação tributária e impedir o acesso ao Poder Judiciário pelo contribuinte para instaurar tal discussão (BORGES, 2008).

Ora, resulta equivoca a postura das autoridades fazendárias, as quais insistem, de forma temerária, em defender que toda e qualquer confissão de dívida tributária, oriunda de uma relação de Direito Público, assume a condição de irretratável e irrevogável.

O próprio Supremo Tribunal Federal já se posicionou de forma favorável a invalidação da confissão, em julgado em que foi reconhecida a imunidade de uma instituição educacional, pelo implemento dos requisitos legais, posterior ao pagamento de parcelas exigidas pelo Fisco, oportunidade em que o Ministro da segunda turma do STF afirmou que “não pode prevalecer a confissão do imune quanto a realidade do débito inexigível por força da constituição, sem quebra do princípio da irretratabilidade da confissão”, in literis:    

IMUNIDADE TRIBUTARIA. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO. RECONHECENDO O JULGADO O IMPLEMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA SEU RECONHECIMENTO, ESCAPA AO CRIVO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO O REEXAME PRETENDIDO PARA DEMONSTRAR A INOCORRENCIA DOS PRESSUPOSTOS DA IMUNIDADE. RECONHECIDA A IMUNIDADE TRIBUTARIA, NÃO PREVALECE O PRINCÍPIO DA CONFISSAO IRRETRATAVEL DA DIVIDA, ART. 63, PARAGRAFO 2, DO DECRETO-LEI N. 147/67. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
(RE 92983, Relator(a):  Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 07/10/1980, DJ 14-11-1980 PP-09493 EMENT VOL-01192-02 PP-00750)

Diante do exposto, é cediço que o parcelamento tributário é, sem dúvidas, uma das formas mais utilizadas pelos contribuintes brasileiros, sujeitos passivos de uma relação tributária, para ter a exigibilidade do crédito tributário suspensa pela Administração pública, estendendo o prazo para o adimplemento da exação. Contudo, para a assunção do parcelamento em questão, a imensa maioria das Leis que dispõe sobre parcelamentos tributários veicula dispositivo que condicionam a adesão ao programa à confissão irretratável e irrevogável ao crédito tributário parcelado.

3- A possibilidade de Repetição do indébito oriundo de dívida parcelada

A confissão de dívida realizada por intermédio do malsinado instituto do parcelamento tributário, não impede que o contribuinte possa postular judicialmente a restituição da dívida confessada.

Neste espeque, a confissão realizada nestas condições não impede que o indivíduo, diante de determinadas circunstâncias, possa postular em juízo a repetição do indébito, quer dizer, a restituição do valor indevidamente pago ou pago a maior, nos termos da exegese do art. 165, I do Código Tributário Nacional, in verbis:

Art. 165 - O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4 do artigo 162[2], nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido.

Assim, conforme explanado no bojo deste presente trabalho, o ato administrativo da confissão não pode ser reconhecido de forma absoluta, de modo que o mesmo se torna nulo em face de princípios constitucionais, os quais obrigam a Administração Pública a extinguir as consequências maculadas pelo tributo.

Segundo Luciano Amaro, para que o contribuinte logre êxito no pleito da restituição do indébito, deverá comprovar que o fato por ele confessado, como forma de atender ao requisito para a adesão ao programa de parcelamento optado, não aconteceu na forma declarada anteriormente ou que não se deu a subsunção do fato à norma (AMARO, 2012).

Neste sentido, resta evidente que os órgãos fazendários ao determinar o cumprimento do requisito da confissão irretratável pelos contribuintes, pretendem evitar a restituição dos tributos indevidamente pagos, o que viola a supremacia constitucional. É o que se vê da leitura do trecho destacado da obra de Hugo de Brito Machado, in verbis:

Qualquer forma de evitar a restituição do tributo indevidamente pago é, sem dúvida, validação de cobrança indevida, de cobrança ilegal, ou inconstitucional, que não pode ser tolerada pelos que respeitam o Direito e, sobretudo, a supremacia da Constituição (2013, pág., 494).

Evidentemente, se no bojo do parcelamento tributário, o contribuinte reconhecer expressamente débito que, em verdade, mostra-se indevido, outro entendimento não deve ser considerado senão o de que, pelas razões já analisadas neste trabalho, que sopesa a viabilidade da tese ora exposta, que é a possibilidade do ajuizamento de ação de repetição do indébito com supedâneo na garantia constitucional do direito de ação, ou seja, da inafastabilidade da apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV da CF/88.

Face a todo exposto, por todas as razões acima elencadas, resulta incontroverso o direito do contribuinte de socorrer-se da ação apropriada para buscar o indébito tributário, resultando inconstitucional e ilegal opor os efeitos da clausula de confissão em parcelamento tributário para criar óbices ao ajuizamento da ação de repetição, sob pena de desrespeito aos princípios da legalidade, da moralidade administrativa, da vedação do enriquecimento sem causa e, sobretudo, ao princípio da inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário. Fazendo, portanto, a ruptura da máxima de confissão de dívida irretratável, decorrente da adesão a parcelamento administrativo, quando essa confissão resulta de quantia paga indevidamente, a título de tributo.

 

4 - Conclusão

A confissão de dívida realizada por intermédio do instituto do parcelamento tributário não impede que o contribuinte possa postular judicialmente a extinção da dívida confessada. É neste contexto em se surge a ação de repetição do indébito, a fim de que o sujeito passivo possa pleitear a restituição do débito indevidamente confessado no bojo do parcelamento.

A ação de repetição do indébito é o meio pelo qual o indivíduo busca obter decisão judicial condenatória, determinando a restituição da quantia que foi paga indevidamente a título de tributo. Esta ação encontra guarida legal (art. 165 e seguintes do CTN) e constitucional (princípios da legalidade, da moralidade administrativa e o da vedação do enriquecimento sem causa).

Diante disto, posicionamo-nos no sentido de que o direito de pleitear a restituição do débito confessado e parcelado indevidamente pelo sujeito passivo deve ser assegurado, tendo em vista a inconstitucionalidade das exigências inseridas nas leis de parcelamento que criam verdadeiros empecilhos ao ajuizamento da ação em questão, sobretudo, em virtude da ofensa ao princípio da inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário.

Referências

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 18ª ed. São Paulo. Ed. Saraiva, 2012.

BORGES, Alexandre Siciliano. A validade e a eficácia da Cláusula de Confissão para a adesão do contribuinte aos Programas de Parcelamento de débitos tributários. In: PEIXOTO, Marcelo (coord.). Parcelamento tributário. São Paulo: Ed. MP, 2008.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Parcelamento, Confissão de Dívida e questionamento judicial. In: PEIXOTO, Marcelo (coord.). Parcelamento tributário. São Paulo: Ed. MP, 2008.

______.RE 92983, Relator(a):  Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 07/10/1980, publicado no DJ em: 14-11-1980 PP-09493 EMENT VOL-01192-02 PP-00750. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28confiss%E3o+e+irretrat%E1vel%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mohrs8q> Acesso em: 29 de set. de 2015.



[1] Art. 206 - Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

[2]Art. 162 - O pagamento é efetuado:

§ 4º - A perda ou destruição da estampilha, ou o erro no pagamento por esta modalidade não dão direito à restituição, salvo nos casos expressamente previstos na legislação tributária, ou naqueles em que o erro seja imputável à autoridade administrativa.