1 INTRODUÇÃO

            O texto constitucional, ao apontar os princípios que devem ser observados pelo administrador público no exercício de sua função, inseriu entre eles o princípio da moralidade administrativa. Isso significa que em sua atuação o administrador público deve atender aos ditames da conduta ética, honesta, exigindo a observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a administração e a disciplina interna na Administração Pública e, nesse sentido, a moralidade administrativa está ligada ao conceito de bom administrador.

Di Pietro (2007, p. 45) dá à expressão Administração Pública dois sentidos: um subjetivo e outro objetivo: em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa: compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.

Segundo Meirelles (2009), a Administração Pública, em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em beneficio da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos.

            Para a autora, a gestão pública é constituída pelos órgãos que são partes integrantes da Administração, sendo suas ações, programas e políticas públicas voltadas para os cidadãos, com a finalidade de atender as necessidades coletivas, no que tange aos serviços públicos de qualidade.

Portanto, administrar é gerir interesses, de acordo com a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias, onde o gestor público assume responsabilidades de gerir os recursos financeiros, em conformidade com os programas de governo orçado aos interesses urgentes e emergentes das políticas públicas.

Sobre o tema, tem-se, ainda, o dizer de Moraes (2007), no sentido de que a Administração Pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e, subjetivamente, como o conjunto de órgãos e de pessoas  jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.

Dessa forma, também com muita propriedade,  reconhece-se que a Administração Pública tem por finalidade constituir-se em um aparato necessário para a consecução do bem público. Sua atuação está condicionada ao Princípio da Legalidade, ou seja, ao sistema jurídico como um todo, em um sistema de relação de subordinação e coordenação, cuja significação deverá ser interpretada em obediência aos Princípios Gerais que iluminam a ordem jurídica, ao lado de outros princípios regedores anunciados no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988:

 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...].

Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade, ele deverá respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato administrativo praticado (MORAES, 2007, p. 296). Isto é, tem que se distinguir entre o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o honesto e o desonesto, podendo o servidor, nos casos de omissão de irregularidades, ser responsabilizado administrativamente, conforme previsão da Lei nº 8.112/90, que impõem as regras de conduta necessárias ao regular andamento do serviço público, ou seja, o servidor tem deveres e proibições previstos na referida Lei.

Há outras responsabilidades, nas quais o funcionário público pode ser inserido, de acordo com os prejuízos causados à administração pública ou a terceiros, em decorrência do seu ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que caracteriza a responsabilidade civil. Dentro desse enfoque há também a responsabilidade penal do servidor público, que decorre da prática de infrações penais, dentre os quais o crime de condescendência criminosa, previsto no art. 320 do Código Penal Brasileiro (CPB), que sujeita o servidor a responder processo crime e a suportar os efeitos legais da condenação.

Considerando-se tal contextualização, justifica-se a escolha da temática a partir do interesse em investigar a mácula causada à moralidade administrativa pelo crime de condescendência criminosa.

Para tanto, foram elaborados questionamentos que nortearam a execução deste trabalho, quais sejam: de que forma ocorre o crime da condescendência criminosa na administração pública? Qual a mácula que o crime de condescendência criminosa causa ao princípio da moralidade administrativa?

Na busca de respostas aos questionamentos acima, este artigo tem o objetivo geral de investigar o crime da condescendência criminosa e a mácula que o mesmo causa ao princípio da moralidade administrativa. Como objetivos específicos têm-se: apresentar a importância dos princípios da administração pública; discorrer sobre o princípio da moralidade administrativa; e investigar as sanções penais referentes ao cometimento do crime de condescendência criminosa.

A metodologia aplicada a este estudo foi a pesquisa bibliográfica, método que tem por finalidade conhecer as diferentes formas de contribuição científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno (OLIVEIRA, 2010). A metodologia é “meio de formação por excelência e como resumo de assunto constitui geralmente o primeiro passo de qualquer pesquisa científica” (CERVO; BERVIAN, 2006, p. 48).

Portanto, para o cumprimento dos objetivos do estudo, a metodologia do trabalho envolve abordagem teórico-reflexiva, através de pesquisa bibliográfica que, segundo Triviños (2007), é um método que implica na seleção, leitura e análise de textos relevantes ao estudo e importante para o levantamento dos temas e tipos de abordagens já trabalhadas por outros teóricos, assim permitindo a assimilação dos conceitos e aspectos já publicados.

Em sua estrutura, este estudo está organizado em três itens, considerando-se o primeiro esta introdução, que expõe considerações gerais sobre a temática, a justificava, os objetivos gerais e específicos, e a metodologia de elaboração; o segundo item apresenta referenciais teóricos sobre o poder disciplinar e moralidade na administração pública, esta que é considerada um dos principais pilares e princípios que devem ser seguidos pelos servidores públicos quando de atividades e funções exercidas no serviço público; o terceiro item trata do crime de condescendência criminosa e a mácula à moralidade administrativa, expondo-se que tal crime é configurado pela omissão de superior hierárquico que, sabedor de irregularidades cometidas por outro(s) servidor(es) não efetiva apuração ou não as denuncia, assim incorrendo em crime tipificado no art. 320 do Código Penal. Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre a temática estudada e as referências que serviram de base para a elaboração deste artigo.

2 PODER DISCIPLINAR E MORALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

            Di Pietro (2007, p. 117) aduz que “Poder Disciplinar é o que cabe à administração Pública para aplicar penalidade aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa”.

No mesmo raciocínio, para Meirelles (2009, p. 108):

Poder Disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente. 

Demonstrando posição diametralmente oposta, Bacellar Filho (2008, p. 77) cita Grinover (2001, p. 12), para quem:

O Direito Administrativo Disciplinar designa o Direito Administrativo punitivo interno, instrumento direcionado exclusivamente à repressão disciplinar dos servidores públicos. O regime das sanções administrativas aplicadas às demais pessoas sujeitas ao poder público, estaria compreendida no ramo do Direito Administrativo externo.

            Em linha de raciocínio bastante próxima, encontra-se Costa (2010, p. 215) segundo o qual, Poder Disciplinar “vem a ser a faculdade de punir internamente as infrações funcionais”.

Portanto, tem-se que a transgressão aos deveres impostos ao servidor dá ensejo à responsabilização quer penal, civil ou administrativamente. Dessa forma, entra-se no campo do Direito Administrativo Disciplinar.

Ensina Luz (2009), acerca da construção sistemática do Direito Administrativo Disciplinar, que é uma subárea do direito que se configura por intermédio de um conjunto de regras e princípios que se atraem, adquirem coesão e gravitam em torno de um núcleo fundamental comum, consistente na necessidade e no interesse de se aperfeiçoar progressivamente o serviço público no âmbito interno da Administração Pública.

Para o autor, o Direito Administrativo Disciplinar é:

 Ramo do Direito Administrativo destinado a apurar, decidir e regular, por todos os aspectos pertinentes, as relações que o Estado mantém com os seus servidores, visando ao respeito das Leis e das normas que regulam as atividades funcionais (LUZ, 2009, p. 79).

            Para atingir o objetivo do Direito Administrativo Disciplinar, a Administração Pública, ao desenvolver suas atividades, deve adotar uma desejável disciplina que seja resultado do cumprimento das regras jurídicas estabelecidas, que descrevem condutas e impõem sanções. 

Em não havendo lesão à ordem jurídica, o dever disciplinar previne os ilícitos administrativos e corrobora para que a Administração cumpra seu papel de satisfazer, concreta e imediatamente, os interesses públicos elementares da sociedade. Porém, quando da ocorrência de quaisquer lesões à ordem jurídica, há um rompimento da disciplina e, consequentemente, caberá à própria Administração o restabelecimento da ordem que fora violada de modo a perseguir o seu objeto imposto pelo direito.

Para tanto, há que reprimir seu infrator, repressão representada pela aplicação de uma penalidade administrativa. A partir de então, nasce para a Administração Pública o jus puniendi administrativo a que fica passível o servidor público que cometer a infração, o ilícito administrativo.

Observa-se que o poder do Estado, por meio da Administração Pública, de punir seus servidores – agentes públicos em sentido estrito – deve ser exercido quando necessário, isto é, não pode haver a omissão ou supressão de penalidades a ilícitos cometidos por servidores públicos, ocorrência que, quando confirmada, fere e macula a moralidade administrativa e que o Direito Penal, especificamente em seu art. 320, nomina como Condescendência Criminosa.

            2.1 A MORALIDADE ADMINISTRATIVA

            Moral é um conceito, por muitas vezes subjetivo do indivíduo, tendo assim conceito indeterminado, pois varia em um determinado espaço de tempo, haja vista que o que é imoral para a sociedade hoje, pode ter sido moral e normal em tempo anterior. Graças a essa vaga conceituação, muitos autores negam a existência desse princípio.

O direito administrativo não foi o primeiro ramo do direito a se deter do princípio da moralidade para a constituição de seus atos. No direito civil a moralidade era imposta contra a abusividade de direitos a pessoas alheias e no direito administrativo é muito usado contra a abusividade de poder por parte do agente público.

Ensina Osório (2009) que a moralidade administrativa não pode ser confundida com a moralidade comum, uma vez que a primeira está relacionada à boa administração, logo, a moralidade comum, que está relacionada à boa conduta social, pode ser tida como uma conduta que se exteriorizará através dos atos do administrador público, sendo a moral administrativa a conduta externa do indivíduo.

Portanto, é fácil perceber que o princípio da moralidade administrativa está mais para o âmbito jurídico do que para o comum, uma vez que a moralidade comum se atém mais ao conceito de “Bem e Mal”, enquanto que a moralidade administrativa busca a licitude dos atos do administrador público, através de um conjunto de regras disciplinares impostas a ele, ressaltando-se que no bojo dessas regras não se encontra somente a lei positivista, mas os costumes e a lei ética do Estado.

Logo, a moralidade administrativa pode ser conceituada como um conjunto de regras de boa conduta para a realização de boa e lícita administração por parte do gestor, por exemplo, no desempenho da função a ele delegada e cuja obrigação é estar sempre atento aos demais princípios constitucionais instituídos para a administração pública, ou seja, o princípio da moralidade acaba por anteceder a todos os outros, pois este acaba por fiscalizar o cumprimento daqueles (OSÓRIO, 2009).

Portanto, o princípio da moralidade, segundo Di Pietro (2007), representa o elemento ético que envolve toda a atividade administrativa. Assim, segundo esse princípio não basta que o agente público se atenha ao irrestrito cumprimento da lei, sendo necessário que sua ação contenha um conteúdo moral e ético. Assim, a moralidade tem a função de limitar a atividade do gestor da coisa pública.

A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da atuação da administração pública, igualmente consagrou a necessidade de proteção à moralidade, havendo responsabilização do administrador público, amoral ou imoral.

Diniz (2011) afirma que a forma de atuar dos agentes públicos deve atender a uma dupla necessidade: a de justiça para os cidadãos e de eficácia dos fins a que se destina, ou seja, que a administração pública alcance o bem comum. Tal princípio também indica a necessidade de o administrador da coisa pública obedecer a outros princípios que conduzam à valorização da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade justa e solidária. Portanto, para Diniz (2011, p. 57), “o cumprimento da moralidade, além de se constituir um dever do administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada cidadão”.

A autora ressalta que a moralidade administrativa não pode ser confundida com a moralidade comum, uma vez que a primeira está relacionada à boa administração, logo, a moralidade comum, que está relacionada à boa conduta social, pode ser tida como uma conduta que se exteriorizará através dos atos do administrador público, sendo a moral administrativa a conduta externa do indivíduo.

Portanto, a moralidade administrativa busca a licitude dos atos do agente público, através de um conjunto de regras disciplinares impostas a ele, ressaltando-se que no bojo dessas regras não se encontra somente a lei positivista, mas os costumes e a lei ética do Estado.

Logo, a moralidade administrativa pode ser conceituada como um conjunto de regras de boa conduta para a realização de boa e lícita atuação do agente público, ou seja, o princípio da moralidade acaba por anteceder a todos os outros, pois este acaba por fiscalizar o cumprimento daqueles.

Percebe-se que a moralidade administrativa está diretamente ligada à boa conduta do servidor público e sempre que se observa que esta conduta, mesmo que de acordo com a legislação, violar os bons costumes, a ética e a moral da sociedade, se caracterizará pela violação do princípio da moralidade, entendendo-se ser este o fundamento da Lei nº 8.429/1992, Lei de Improbidade Administrativa (LIA), legislação específica que revela sua importância na medida em que, como norteadora dos atos praticados pela Administração Pública (seja ela federal, estadual ou municipal) considera que a violação de qualquer princípio da administração se configurará em ato de improbidade administrativa, ocorrendo o cumprimento de sanções devidas ou até mesmo de invalidação do ato ímprobo (no caso de atos de improbidade de gestores públicos), sujeitando-se o agente público às sanções civis e penais devidas.

Para Lopes (2008, p. 51), o princípio da moralidade está intimamente ligado à ideia de probidade, dever inerente do administrador público, pois “o velho e esquecido conceito do probus e do improbus administrador público está presente na Constituição da República, que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais”.

 3. O CRIME DE CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA E A MÁCULA À MORALIDADE ADMINISTRATIVA

            De modo geral, as legislações atribuem à autoridade competente, ao ter ciência ou notícia de irregularidade no serviço público, o dever de apurar, promover sua apuração, sob pena de responsabilização. Desse modo, comunga-se do pensamento de Di Pietro (2007, p. 82), para quem:

            O poder disciplinar é discricionário, o que deve ser entendido em seus devidos termos. A Administração  Pública não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para a sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível. Não o fazendo, incide em crime de condescendência criminosa, previsto no art. 320 do Código Penal Brasileiro e em improbidade administrativa, conforme art. 11, inciso II, da Lei nº 8.429, de 2-6-92.

            A discricionariedade do poder disciplinar ocorre, estritamente, no que tange à aplicação das penas. Desse modo, real é a possibilidade de a Administração Pública, usando do mérito que lhe é conferido, analisar qual punição é adequada à falta cometida pelo servidor, desde que dentre as legalmente enumeradas para o ilícito administrativo.

Genericamente, configura-se ilícito partindo-se da análise de um ato, ocasionado por ação ou omissão, que venha trazer destempero a ordem jurídica. A existência do ilícito administrativo, nas palavras de Bacellar Filho (2008, p. 35):

 Parte do pressuposto de que, sendo a Administração Pública gerenciada e dependente de pessoas físicas, que recebem a incumbência, permanente ou provisória, do exercício da função estatal, estão elas suscetíveis, por conseguinte, a acertos e erros (condutas reprováveis por ação ou omissão).

             Portanto, o superior hierárquico, movido por indulgência, que deixa de responsabilizar seu subordinado, autor de infração criminosa (ou mesmo quando ao servidor falte competência e não levar o fato ao conhecimento de seu superior hierárquico) comete o crime de condescendência criminosa:

            Art. 320. Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente.

             Nesse diapasão, Di Pietro (2007) expõe que o servidor omisso também incorre em improbidade administrativa (art. 11, inciso II, da Lei nº 8.112/1990 - Regime Jurídico dos Servidores Civis da União), em vista do descumprimento do art. 143, que institui: “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.

A palavra “improbidade”, que deriva do latim improbitate, significa desonestidade (FIGUEIREDO, 2008) e, dessa forma, o ato de improbidade está interligado ao ato de desonestidade.

A improbidade nos termos do Vocabulário Jurídico possui a característica de definir uma má qualidade do ser humano, destacando, mais uma vez, a palavra “desonesto”, segundo Silva (2010), podendo atingir os agentes públicos nas três esferas de governo, isto é, federal, estadual e municipal, assim como nos três poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, portanto, pode o Presidente da República, assim como os políticos, sofrer os efeitos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), haja vista que os agentes públicos e também os políticos estão sujeitos aos efeitos da lei.

A Lei nº 8.429/92 complementa as disposições constitucionais, classificando os atos de improbidade administrativa em três tipos:

1) atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito;

2) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário;

3) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.

Observa-se, assim, que o crime de condescendência criminosa é incluído, segundo a Lei nº 8.429/92, nos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, qual seja o princípio da moralidade administrativa, dessa forma sendo enquadrado na Lei n° 8.429, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA) que, segundo Bueno (2008), possui efeito jurídico nos casos de demissão do servidor público, uma vez que os atos de improbidade administrativa definem condutas que, em desfavor do Estado e da Sociedade, importem enriquecimento ilícito do agente, causem prejuízo ao Estado e atentem contra os princípios da Administração, caso que ocorre devido a qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

A moralidade administrativa está relacionada ao ato de probidade administrativa por parte dos agentes públicos e políticos da administração pública, sendo que, quem age de acordo com o princípio da moralidade, está agindo com probidade. Conforme dispõe Osório (2009, p. 158):

 A moralidade administrativa, dentro de uma concepção mais objetiva, é um principio constitucional que guarda autonomia em relação à legalidade stricto sensu, com caráter plenamente vinculante, que direciona os agentes públicos aos deveres dentre outros, de probidade, honestidade, lealdade às instituições, preparo funcional mínimo no trato da coisa pública, prestação de contas, eficiência funcional, economicidade.

            Observa-se que todo servidor público possui o dever de agir com honestidade, imparcialidade e lealdade no desempenho de suas funções, porém os atos que agridem aos princípios constitucionais não se caracterizam por serem apenas ilegais, mas por ferirem a moralidade da sociedade.

Assim sendo, o ato de improbidade caracterizado pela condescendência criminosa (omissão em apurar ou denunciar ilícitos na administração pública) deve ser visto não apenas como ato de ilegalidade, mas como um ato de má-fé por parte de quem o praticou, haja vista que fere e macula o princípio da moralidade administrativa, na medida em que, segundo Alves (2010, p. 58):

 

A obrigação de apurar notícia de irregularidade decorre justamente do sistema hierarquizado no qual é estruturada a Administração Pública, com destaque para o poder de fiscalizar as atividades exercidas pelos servidores e demais pessoas ligadas ao serviço público, exigindo-lhes uma conduta adequada aos preceitos legais e morais vigentes para o servidor público, especialmente a moralidade e a probidade administrativa.

            Para o autor, diante de uma situação irregular que envolva servidores públicos no exercício de suas atribuições legais, cabe à Administração, por intermédio das autoridades que a representa, promover de pronto a adequada e suficiente apuração, com a finalidade de restaurar a ordem pública, que foi “turbada e maculada com a prática de determinada conduta infracional” (ALVES, 2010, p. 63).

A probidade do agente público seria também o dever de agir com decência em suas atribuições, não infringindo qualquer princípio da administração pública, sob pena de sanções tanto no âmbito administrativo quanto penal e civil, pois a averiguação de suposta falta funcional constitui, conforme afirma Alves (2010), imperativo inescusável, o que implica dizer que ao se deparar com elementos que denotem a ocorrência de irregularidade fica a autoridade obrigada a promover sua apuração imediata, sob pena de cometimento de crime de condescendência criminosa, previsto no art. 320 de Código Penal.

Para o autor, a resposta imediata para irregularidades parte da necessidade de se restaurar, o quanto antes, a regularidade, a eficiência, o bom funcionamento do serviço público, que sofre abalo com o comportamento censurável de que a representa e, dessa forma, para que seja restabelecida a ordem, a eventual reprimenda deve ser aplicada em tempo hábil, a fim de produzir os efeitos desejáveis (servir de exemplo e demonstrar a intolerância da autoridade pública com a prática da irregularidade).

“Diga-se, ainda, que a morosidade na apuração (muitas vezes tão nociva quanto a omissão) e, consequentemente, na imposição da sanção a servidor faltoso, fulmina o caráter pedagógico, retributivo e neutralizador da pena” (ALVES, 2010, p. 71).

Assegura o autor que, no entanto, a notícia de irregularidade deve estar revestida de plausibilidade, ou seja, conter o mínimo de elementos indicadores da ocorrência concreta de um ilícito (materialidade) e, se possível, os indícios de autoria, de modo que notícias vagas podem ensejar o arquivamento sumário da denúncia, pois não se figura razoável movimentar a máquina estatal com custos para apurar notícia abstrata e genérica, em cujo teor não se encontre requisitos mínimos de plausibilidade.

Entretanto, no caso de a notícia conter os elementos mínimos, a autoridade competente deve determinar sua investigação e, para a busca de informações tidas como essenciais, é recomendável que a autoridade determine a realização de procedimento disciplinar investigativo desprovido de maiores rigores formais, cujo objetivo primordial é respaldar o administrador público quanto à instauração de processo disciplinar contraditório (sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar – PAD), assim demonstrando que não se curva frente à notícia de suposta irregularidade (ALVES, 2010).

Assim, pelo ato de improbidade administrativa (que atenta contra a moralidade e demais princípios da administração pública) que é vinculado ao crime de condescendência criminosa, as sanções são: a) ressarcimento integral do dano; b) perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; c) pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Por sua vez, considerando-se as sanções penais, para efeitos criminais, são considerados funcionários públicos, nos termos expressos do art. 327 do Código Penal, com os acréscimos previstos pela Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000:

 Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

§ 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

            Observa-se, pois, que para fins de responsabilização criminal, o art. 327 do CP ampliou o conceito de cargo, emprego ou função pública para todos aqueles que exercem quaisquer atividades em órgãos públicos, inclusive quem exerce a função de estagiário, observando-se que a questão da postura dos administradores e dos agentes públicos deve se pautar nos princípios legais definidos quanto à matéria,

A responsabilidade penal pelo crime de condescendência criminosa, cuja forma punitiva é prevista no Código Penal (CP), art. 320 e, conforme acima referenciado, pode ser praticado por qualquer agente público, sendo processo e julgado pelo rito comum do processo penal, haja vista que a condescendência criminosa é julgada pelo Poder Judiciário como uma infração penal comum que, cometida por um agente público, pode levar o acusado a uma condenação penal, estabelecendo o CP a pena de detenção (de 15 dias a um mês) ou multa (penalidade de natureza pecuniária), além das consequências decorrentes dos efeitos da condenação penal, tais como a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada na condenação (art. 7º, II, CP).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que os agentes públicos devem cada vez mais se preocupar em servir à sociedade de acordo com os princípios da moralidade e da legalidade, assim procurando obedecer sempre a todos os princípios da administração pública e agir de acordo com as leis que regulam a administração pública brasileira, pois, caso contrário, estarão sujeitos aos ditames impostos pela legislação administrativa, civil e penal, e sanções específicas.

Observa-se, por fim, que a atuação na administração pública, em quaisquer de seus níveis, requer o cumprimento, em primazia, da Constituição Federal de 1988, além de leis e decretos que normatizam a postura do agente público e, fundamentalmente, o cumprimento do princípio da moralidade administrativa que determina, conforme exposto neste estudo, que o agente público não deve se ater somente ao irrestrito cumprimento da lei, sendo necessário que sua ação contenha um conteúdo moral e ético e, sabedor de irregularidades no âmbito do serviço público, possui a obrigação de apuração ou comunicação da irregularidade a superior hierárquico, visando, em nome da moralidade administrativa, coibir ações ilícitas, ou seja, em desajuste com o que propugna a legislação pertinente, sob pena de incorrer em crime de condescendência criminosa, isto é, omissão de irregularidade e, assim, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais.

REFERÊNCIAS

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