A sociedade[1], como descreve o dicionário, é assim compreendida por um conjunto complexo de indivíduos de ambos os sexos e todas as idades, que tem de conviver entre si e estabelecer padrões para regrar a vida em comunidade. O assunto padrões significa dizer que são estabelecidas as regras para a convivência, para que se garanta o equilíbrio entre as pessoas envolvidas.

O significado do dicionário é muito abrangente e o que se busca é chegar ao ponto de que o Direito é, em essência, a ciência deste convívio humano, uma das formas que é utilizada pelo ordenamento para que se garante esse equilíbrio.

O Direito Romano, uma das bases para o Direito Brasileiro, já previa uma diferenciação entre os membros da sociedade, dos quais alguns eram tidos como gozadores do direito civil em sua plenitude e os nomeados como “portadores de doenças mentais”, que abrangia a demência, a estupidez e a sandice.

O doente mental era inimputável, como classificamos hoje, mas de uma maneira ridicularizada; a pessoa portadora da doença merecia sofrer por ter no corpo um espírito “malígno” e a medida adequada para tratamento deste era a tortura, pois não eram considerados “pessoas normais”.

No século XVIII, com a doutrina de Beccaria[2], Tratado dos Delitos e das Penas, despertou-se um novo entendimento para a punição do homem, doente mental ou não, em relação ao ato ilícito praticado. E com uma sociedade em crescente evolução, foi possível trocar os maus tratos por um tratamento digno, reconhecendo-se o doente mental como pessoa e não como um ser “possuído”.

Porém, não basta falar em doença mental. Há que se destacar os termos jurídicos nos ambitos do Direito Civil e do Direito Penal, para que se diferencie institutos e conceitos jurídicos de um ramo e de outro.

Ao mencionar a doença mental, remota-se ao sentido para elementos gerais comuns da teoria do crime, definido pela teoria tripartida como fato humano típico, antijurídico e culpável.

O fato típico é composto por conduta humana omissiva ou comissiva, resultando, exceto nos crimes de mera conduta, no nexo de causalidade entre o fato e o resultado, nomeando este último como fato típico.

No âmbito do direito penal, o conceito de fato típico ou tipo delituoso deve ser compreendido em uma acepção mais restrita, que abarque o conjunto dos elementos que delineiam a figura de um crime específico. Portanto, o fato, como objeto do juízo de tipicidade, engloba apenas aqueles sinais, em presença dos quais pode-se dizer tenha sido adimplido um particular modelo delituoso e não um outro[3].

A principal tarefa de se delinear um fato típico é retaliar e circunscrever situações específicas que agridam aos bens penalmente tutelados. Desta forma, o Direito Penal está obrigatoriamente limitado pelo princípio constitucional da reserva legal, de sorte que somente a existência de modelo prévio de punição e tipicidade é que faz surgir o crime.

Os estudos da Sociologia Criminal trouxeram uma questão importante a ser esclarecida, quando da aplicação das normas do Direito Penal frente a nova Constituição Federal de 1988, em que a tipicidade decorre da própria legalidade, servindo-se como redutor desta, e desenvolve uma função garantista de indicar aos cidadãos os fatos que estes devem abster-se de cometer para não incorrer em sansão penal. Foi então que Beling,da escola de Criminologia Alemã,  cuidou de estabelecer o “sistema de tipicidade como contido em único momento entre a antijuridicidade e a legalidade”.[4] Para incorrer o cidadão em norma típica delituosa, tal ato deve estar previsto na parte especial do Código, em que o verbo núcleo do tipo penal se torne o orientador da tipicidade.

Foi através dos estudos de Wilfried Hassemer (1984, APUD CORRÊA, 2001)[5] que a antijuridicidade passou a ser vista como função indiciária da tipicidade, antecedendo-a na ordem e de modo que os fatos fossem antes antijurídicos do que típicos. Sob tal enfoque, verifica-se que a antijuridicidade é que passa a ser tipificada, tornando-se lei.

No entanto, a adoção desse entendimento cria confusão, na medida em que não se pode fazer a separação exata entre a tipicidade e a antijuridicidade.

O juízo de antijuridicidade resolve-se, estruturalmente, na verificação de que o fato típico não esteja acobertado por alguma coisa de justificação. Ao contrário, a presença de tal causa anula a antijuridicidade de um comportamento, oriunda da simples subsunção a um tipo penal[6]. Existem as formas excludentes de antijuridicidade, que são situações em que as circunstancias do fato são tratadas como justificativas e, nessa hipótese, o agente pode ser absolvido do crime que cometeu.

O artigo 23[7] do Código Penal prevê as situações, das quais caberá interpretação pelo aplicador do Direito, que serão consideradas excludentes de ilicitude. Porém, não são nessas condições que serão enquadrados as pessoas com deficiência mental ou desenvolvimento mental incompleto.

Oo juízo de culpabilidade está, antes de mais nada, a avaliação do liame psicológico ou da relação entre o fato e autor, bem como a avaliação da circunstância de natureza pessoal ou não, que incidam sobre a capacidade de auto determinação do sujeito; é o que assevera o artigo 26[8] do Código Penal vigente.

Em princípio, todos são responsáveis pelos seus atos e condutas, no âmbito cível ou penal. A exceção se dá com os inimputáveis ou incapazes, isto é, aqueles que não podem responder por suas ações ou omissões, pois lhe falta a capacidade de discernimento para entender o caráter ilícito do fato ou porque ainda não atingiram a plena capacidade para suportar os encargos da vida em sociedade[9].

E é nesse intuito de aferir responsabilidade que se fez necessário o transporte do conceito de responsabilidade penal para o âmbito civil; a fim de reparar o dano causado pelo inimputável. Ou, como o Direito Civil nomeia, do incapaz.



[1] HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 558.

[2] BECARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, trad. Paulo M. Oliveira, São Paulo: Atenas.

[3] CORRÊA, Márcia Maria de Barros. Dos reflexos da inimputabilidade penal da responsabilidade civil. 2001.Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Universidade Presbiteriana Mackenzie.p. 28

[4] Ibid. p. 31

[5] HASSEMER, Wilfried. Fundamentos de Derecho Penal. Barcelona, 1984. APUD Corrêa, 2001.

[6] Cf. Corrêa, 2001. p. 36

[7] Art. 23: Não há crime quando o Agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

[8] Art.  É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

[9] IESDE BRASIL S.A.  Imputabilidade penal. Aprova Concursos. Direito Penal para concursos parte geral. p. 95 a 106. Disponível em: <http://concursospublicos.uol.com.br/aprovaconcursos/demo_aprova_concursos/direito_penal_para_concursos_parte_geral_08.pdf>. Acesso em 25/09/2013