A COMUNHÃO EUCARÍSTICA - Geraldo Barboza de Carvalho
Precisa ser nutrida a fé configurada no direito e na justiça, sintonizada com os valores éticos e explicitada nas boas obras: a esmola, a oração, o jejum. Além da prática da esmola, oração e jejum, a eucaristia, o corpo e sangue de Jesusofertado em louvor a Deus Trino, o pão vivo descido do céu, o amém final do Primogênito de toda criatura, é o mais poderoso meio de comunicação da vida divina à pessoa que crê.

Mas, em todo caso, a vida divina não se comunica automaticamente: é necessária a adesão livre da fé. A fé é o poder de Deus a nós comunicado mediante nossa enxertia mística no Corpo do Primogênito desde sua encarnação em Maria, ratificada por sua ressurreição dos mortos com o derramamento do Espírito filial em nossos corações, que nos faz dizer como Jesus: Abá! Pai! A fé é, pois, dom de Deus; mas quem crê, assume e faz frutificar em boas obras este dom. Mas antes de crer, aderir ao dom e exigências éticas da fé, configuradas no direito e na justiça, é preciso passar por longo processo pedagógico interior e comunitário.

Inicia-se com a escuta e meditação da Palavra, acompanhadas de avaliação da mensagem e oração. Dia a dia, se vai decidindo pelos valores e lugares teologais presentes na Palavra, culminando com a adesão livre às Três Pessoas divinas, autoras fidedignas da Palavra e merecedoras do crédito de quem crê. A fidedignidade e autoridade das Pessoas divinas se apoia no fato de serem elas substancialmente éticas e verdadeiras: fazem o que dizem, não enganam a quem confia nelas. A pedagogia da fé é desdobramento da aliança de Javé com um povo teimoso. Javé, Deus fiel e fidedigno, fez aliança com este povo pra ensinar-lhe a viver relação de fé com ele, não de visão imediata: ilusão querer ver Deus nesta vida. Deus

está, vive conosco, de maneira real, mas invisível. A intangibilidade de Jesus no meio de nós é da essência da pedagogia da fé: visa ensinar a nos relacionarmos com sua presença na aparente ausência, de maneira incondicional. Da ressurreição e ascensão, Jesus passou 40 dias, aparecendo e desaparecendo inesperadamente entre os discípulos, deixando-se ver e tocar, conversando, comendo, bebendo, caminhando com eles pra educá-los no seu novo modo de estar com eles. Quando os companheiros disseram a Tomé que Jesus ressuscitou, ele não acreditou na palavra e testemunho deles, mas condicionou sua fé à visão de Jesus: "Se não vir em suas mãos o lugar dos cravos, se não colocar meu dedo no lugar dos cravos e minha mão no lado, não crerei. Oito dias após, achavam-se os discípulos de novo dentro da casa com Tomé. Jesus veio, estando fechadas as portas, pôs-se no meio deles e disse: A Paz esteja convosco. Disse depois a Tomé: Põe teu dedo aqui, vê minhas mãos; estende a tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê. Respondeu-lhe Tomé: Meu Senhor, meu Deus. Jesus lhe disse: Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram Jo 20,24-29. A relação do crente com Deus é no lusco-fusco da fé, não na plena visão do face-a-face. Só tem plena visão de Deus, o vê face a face Aquele que "desde o princípio é Deus e está com Deus. Alguém jamais viu Deus; o Filho único, que está voltado pra o seio do Pai, este o deu a conhecer: quem me vê, vê o Pai; quem me vê, vê aquele que enviou-me" Jo 1,1.18; 12,54; 14,9. Na condição terrena, portanto, não nos é dado ver nenhuma das Três Pessoas divinas, ver Deus, face a face, pois "caminhamos pela fé, não pela visão. Agora vemos em espelho, de maneira confusa, e depois, face a face o veremos. Agora meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido. Nossa salvação é na esperança; ver o que se espera não é esperar. Acaso alguém espera o que vê? Se alguém espera o que não vê, aguarda-o na perseverança. Caríssimos, somos filhos de Deus desde já, concidadãos dos santos, membros da Família de Deus, com assento nos céus em Cristo Jesus, mas o que seremos ainda não manifestou-se plenamente. Sabemos que por ocasião desta manifestação seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é" 2 Cor 5, 7; 1 Cor 13,12-13; Rm 8,24; 1 Jo 3,2; Ef 2,6. Eis a maravilha da vida de fé: a relação mais intensa que alguém pode viver, entrega às Pessoas divinas, confiando na Palavra de Jesus de Nazaré, o Enviado do Pai. Na relação de fé, Jesus nos comunica a vida divina. Fazemos a experiência de Deus por e em Jesus Cristo que, por sua ressurreição vicária juntamente conosco, fez-nos novas criaturas, que vivem a mesma vida de Deus Trino, aptos a realizar "as boas obras que Deus já antes tinha preparado pra que andássemos nelas". A união tão maravilhosa com a Família Divina, comunhão de vida e missão com Jesus Cristo faz o Apóstolo das Gentes, o grande apaixonado por Jesus Cristo, exclamar extasiado: "Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e por mim se entregou" Gl 2, 20.

A fé é, pois, a fina flor da aliança, do convívio amoroso, da comunhão de vida e destino do povo de Deus com o Deus do povo. O povo sabe em quem deposita a fé, não está sendo enganado. Fé expressa na prática do amor fraterno, do direito e da justiça, configurados nas boas obras do agrado de Javé: esmola, oração, jejum, não apenas no culto formal. A vida divina é comunicada sobretudo na comunhão no Corpo vivo de Jesus, além da prática das boas obras, pois a carne e o sangue de Jesus se tornam a carne e o sangue de quem o comunga. "Quem come minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que de mim se alimenta, viverá por mim. Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" Jo 6,56-57; Gl 2,20. Aqui também, para a fé ser vivida na verdade e a comunhão com Jesus ser digna e válida, precisamos primeiro comungar na vida do irmão, na convivência social, praticar a justiça e o direito. Sem isto, comungamos indignamente do corpo de Jesus e a santidade do Deus uno e trino não nos será comunicada e nossa vida não mudará. Poderemos comungar muitas hóstias, se não vivermos a comunhão fraterna, em vão estaremos comungando, pois a vida da divina presente em Jesus não nos será comunicada. É que a comunhão no corpo vivo de Jesus não alimenta nem muda automaticamente nossa vida, como ocorre quando nos alimentamos para manter vivo nosso corpo. Basta-nos ter fome e nos alimentar que a natureza fará o trabalho de digerir, assimilar a comida, que se tornará nosso sangue, carne, tecidos, células. No caso da eucaristia, nossa fome e sede não são de alimentos materiais, mas de Deus. A fé é o apetite, desejo de Deus. "Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Meu alimento é fazer a vontade do Pai que me enviou e concluir sua obra. Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer; pois digo-vos que já não a comerei até que se cumpra no Reino de Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo. Tenho sede. Quem beber desta água terá sede de novao; mas quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhe der se tornará nele fonte de água jorrando pra vida eterna" Mc 4,4; Lc 22,15-16; Sl 41 (42),3; Jo 4,13-14. 34; 19,28. Jesus é a Palavra de Deus feita carne, a nós oferecida em alimento sob os sinais do pão e vinho. (Toda eucaristia é concelebração, pois é um ato de fé do povo, presidido por um presbítero). Jesus é a água que mata nossa sede. "Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome, quem crê em mim, nunca mais terá sede. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão que darei é minha carne pra vida do mundo. Se não comerdes a carne e não beberdes o sangue do Filho do homem, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia.Tomai e comei: isto é o meu corpo entregue por vós; tomai e bebei: este é o sangue da nova aliança derramado por vós" Jo 6,34.51-54; Lc 22,19-20. Após comermos o corpo e bebermos sangue de Jesus, eles são digeridos, assimilados, e se tornam nosso sangue carne, nos fazem semelhantes a Jesus. O digestor, assimilador do pão vivo são as boas obras, que nos capacitando a sermos e agirmos como Jesus, "que faz tudo bem feito" Mc7,37. Deus nos dá a vida, mas não nos obriga a aceitá-la, em respeito à livre decisão de aderirmos a ele pela fé. A fé é proposta, não imposta por Deus, que nos criou sem nós, mas não nos salvará sem nós" (Agostinho). "Por graça fostes salvos, por meio da fé, mas isto não vem de vós, é dom de Deus: não vem das obras, para que ninguém encha-se de orgulho. Pois somos criaturas dele, criados no Cristo Jesus, pras boas obras que Deus já antes tinha preparado para que nelas andássemos" Ef 2,8-10. Escuta da Palavra, obras e comunhão eucarística sem a prática do direito e da justiça, sem vida ética são deslealdade à aliança, ofensa à fidelidade de Deus Trino. Mas Deus Mãe, zelosamente não cessa de nos educar na fé e preparar-nos pra comunhão fraterna e com a Família divina, pela comunhão no corpo vivo de Jesus. A prática da fé é caminhada laboriosa, que pode levar ao cansaço, à exaustão, ao desânimo. Por isso, o fiel precisa ser alimentado, reanimado para agüentar a missão diaconal e profética até o fim. Na jornada da fé, além de sermos vivificados pela vida divina através da prática da oração, esmola e jejum, Jesus mesmo nos alimenta com o pão descido do céu. Somos alimentados com a vida de Deus toda vez que comungamos com fé os sinais do pão e do vinho, feitos o corpo de Cristo, pela ação de Deus Mãe presente na Palavra de Jesus: "Isto é o meu corpo dado por vós. Isto é o sangue da aliança nova, derramado pra vida do mundo. Meu corpo é verdadeira comida, meu sangue, bebida. Quem come meu corpo e bebe meu sangue tem a vida em si e eu o ressuscitarei no último dia. Assim como o Pai, que vive, me enviou, assim quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele".

A comunhão no corpo vivo de Jesus, com fé, em espírito de serviço, faz-nos semelhantes a ele: vigilantes, disponíveis à misericórdia e o perdão que dá vida ao mundo, cujo modelo é o lava-pés, que é o significado emblemático da eucaristia. Ao nutrir-nos com seu corpo vivo, Jesus sinaliza que a vida de fé é segui-lo doando-se. "Fazei isto em memória de mim significa: atualizai em vossas vidas o dom da vida que vos fiz: como vos dei a vida, dai-a também vós, para tornar visível no mundo a vida divina em continuidade a mim. Fazendo isto, sereis minhas testemunhas autorizadas no mundo'. Na pregação de Jesus, o Reino de Deus é apresentado como um banquete, festa de núpcias, expressão da aliança de amor de Javé com o seu povo. "Quando Israel ainda era menino, amei-o. Como poderia abandonar-te, Israel? Meu coração se contorce dentro de mim e minhas entranhas se comovem. Por acaso uma mulher se esquecerá de sua criancinha de peito? Não se compadecerá do filho do seu ventre? Ainda que a tua mãe te esquecesse, eu não me esqueceria de ti. Pois gravei-te na palma da mão. Não tornarás a lembrar o opróbrio da tua viuvez, porque teu esposo é teu Criador. Como a esposa abandonada, acabrunhada, mulher da sua mocidade que teria sido repudiada, Javé te chamou. Por um pouco de tempo eu te abandonei, mas levado pelo amor eterno, logo compadeci-me, com grande compaixão torno a acolher-te. Os montes e colinas podem mudar de lugar, se abalar, meu amor não mudará, minha aliança de paz não se abalará. Eu mesmo vou seduzir-te, conduzir-te ao deserto, falar-te ao coração. Naquele dia me chamarás 'meu marido', e não mais 'Meu Baal'. Desposar-te-ei a mim pra sempre, na justiça e no direito, no amor, na ternura, na fidelidade e conhecerás a Javé. Eu lhe direi: 'Tu és meu povo' e tu me dirás: 'tu és meu Deus'. Entoa alegre canto, ó estéril, pois mais numerosos são os filhos da abandonada que os filhos de uma esposa. Todos os teus filhos serão discípulos de Javé" Os 2,16.18.21.25; Is 49,15-16; 54,1.4-10. Tal declaração de puro amor é do santo Javé por sua esposa pecadora, a humanidade. Amor salvífico, gratuito, que visa o bem da amada, que nada tem pra retribuir ao seu esposo. As núpcias significam aliança de Javé com os pecadores, o banquete, a festa dos filhas e filhos do divino enlace. No banquete divino há comida e bebida em abundância, pois a fonte da vida, o alimento e o anfitrião do lauto banquete é Javé, bom esposo, zeloso pai e mãe de família, que cuida dos filhos dia e noite, "até enquanto dormem. Javé é meu pastor, nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar. Para as águas tranqüilas conduz-me e restaura minhas forças. Diante de mim prepara uma mesa, frente a meus opressores, unge minha cabeça com óleo e minha taça transborda" Sl 22(23),1- 5;127,2. Jesus, o bom pastor, deu-nos seu corpo em comida, seu sangue em bebida desde a primeira ceia da nova aliança, que pôs fim à antiga aliança. A mesa do pão que vem do céu é a úbere pastagem das ovelhas do bom Pastor. "Antes da morte e ressurreição de Jesus/Ele na ceia quis se entregar/Deu-se em comida e bebida pra nos salvar". Jesus instituiu a eucaristia para deixar ao nosso dispor os sinais do pão e do vinho, alimentar os que crêem com o banquete da vida nova presente no nosso Goel, que o Pai ressuscitou conosco, comunicando-nos a vida da divina, através dos sinais do pão e vinho abençoados por Jesus na Quinta-Feira Santa uma vez por todas, com ordem que seus gestos e palavras fossem repetidos no seu nome e memória de geração a geração pelas comunidades celebrantes, pra atualizar a vida divina, aqui e agora. "Para lembrarmos a morte, a cruz de Jesus/Nós repetimos como ele fez/Gestos, palavras, até que volte outra vez"(canto pascal). No decorrer da última ceia antiga, Jesus tomou pão e vinho e disse aos Doze, as testemunhas históricas da instituição da eucaristia, a ceia única da nova aliança: "Isto é meu corpo dado por vós; este cálice é a nova aliança no meu sangue derramado por vós. Minha carne é genuína comida, meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que de mim se alimenta viverá por mim" e por mim viverá da vida do Pai e de Deus Mãe. O alimento material nutre e dá energia ao corpo terreno pra viver e exercer sua missão no mundo. A comunhão na vida divina presente no corpo de Jesus nutre nosso corpo para a vida eterna, pela fé. Dando-nos seu corpo vivo, Jesus nos comunica a vida do Deus uno e trino aqui e agora. "Quem ouve minha palavra e crê no Pai que me enviou tem a vida eterna. Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do homem, pra que todo que crê tenha a vida eterna. Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho único, para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna". A vida eterna é a vida que está em Deus e ele nos dá. A vida terrena é efêmera, incapaz de nos manter. Na eucaristia Jesus comunica a vida plena da SS.Trindade, vida que não acaba, vida que ele nos mereceu na encarnação "num corpo símile ao nosso corpo de pecado", no qual vicariamente destruiu nosso pecado na morte de cruz e nos ressuscitou juntamente com ele, comunicando-nos a vida de Deus Mãe e do Pai. A comunicação da vida divina, a graça (karis) ao nosso ser faz-nos filhos e filhas de Deus de maneira tão profunda que nos tornamos "partícipes da natureza divina", quase deuses, pelo envio "do Espírito filial a nossos corações, que clama Aba". Filiação extensiva a Maria, pois gerou no seu ventre e deu à luz o Primogênito e os filhos adotivos: Maria é mãe da videira e dos ramos da videira, da Cabeça e membros do Corpo de Cristo. Pela adesão de fé à morte e ressurreição de Jesus, morremos ao pecado e ressuscitamos pra vida eterna como filhos adotivos. Pelo Batismo sacramental ratificamos nossa fé na morte e ressurreição de Jesus e adoção filial. Mortos no nosso corpo de pecado, renunciamos às obras da carne, pela fé: "fornicação, impureza, libertinagem, inimizade, superstições, ódio, ambições, idolatria, brigas, ciúme, bebedeiras, inveja, orgias, discórdia, partidos e outras coisas. Os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus". Herdarão os que vivem segundo o Espírito de santidade comunicado a nós por enxertia no Corpo de Cristo, desde antes da criação do mundo e na encarnação, assumida na ressurreição vicária, com vontade expressa e finalidade de nos santificar e nos tornar aptos a fazer as obras que Jesus faz. Diz Javé ao povo: "Sede santos, pois Javé vosso Deus é santo". As obras dos santos na fé são: "caridade, alegria, paciência, afabilidade, fidelidade, temperança, paz,". Os novos reinóis precisam conduzir-se como herdeiros do Reino a que pertencemos por vontade de Jesus: "Fica feliz, pequeno rebanho, pois é do agrado do Pai dar-vos o Reino". Os herdeiros são alimentados pelo rei Jesus com o pão e o vinho do céu, ofertados como alimento dos fiéis uma vez por todas na primeira e única ceia da nova aliança, atualizada simbolicamente pelas comunidades de fé, reunidas em nome de Jesus.

Ora, a nova ceia de Jesus não foi um ritual pascal comum, mas um compromisso sério de cumprir uma vez por todas a aliança do Redentor e Criador com a criação e a humanidade, particularmente. Jesus cumpriu a Lei mosaica comendo com os Doze a ceia pascal antiga. Mas, aqui como em tudo que disse e fez, foi além da Lei. E o foi uma vez por todas. Esta será sua última ceia judaica, de tantas que já comera. A última, porque o sangue e carnes de animais serão substituída em definitivo pela ceia da nova aliança no corpo e sangue de Jesus. Por isso, no decorrer de sua ultima ceia judaica, Jesus decidiu liquidar, uma vez por todas, a ceia da antiga aliança, incapaz de perdoar pecados, instituindo a eucaristia, que é a doação da sua vida, transubstanciando o pão e vinho da ceia pascal judaico em seu sangue e corpo imolado na cruz por nós, para perdoar nossos pecados e o pecado do mundo, nos alimentar em definitivo com a vida divina de que é o Portador. "Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, quem de mim se alimenta viverá por mim também". A eucaristia comunica aos fiéis a vida que Jesus recebe do Pai. Depois que Jesus abençoou o pão e vinho, transformando-os no seu corpo e sangue e os deu aos Doze, inclusive a Judas, pra comeram sua carne e beberam seu sangue, na forma de pão e vinho consagrados, Jesus lhes disse: "Fazei isto em memória de mim". Isto é: assim como eu consumi e doei minha vida aos irmãos, indo até ao extremo de fazer-se comida e bebida por eles, convida-vos a nos doarmos pelos irmãos e irmãs também, oferecendo nossos corpos e vidas como hóstias vivas, agradáveis ao Pai. O dom da vida é o culto espiritual mais aceito, pois atende ao pedido de Jesus: 'Fazei isto em memória de mim'. Comungando na morte, ressurreição e ascensão de Jesus, nosso corpo, nossa vida se tornará semelhante a ele: mortos ao pecado, mas vivos por estarmos plenos da vida divina. Por isto, não basta purificar-se ritualmente pra agradar Deus: a principal purificação consubstancia-se no servindo os irmãos, doando-se humildemente, tornando-se hóstia viva para os filhos e filhas do bom Pai. Mas, porque continuamos a celebrar a eucaristia, se basta o culto do amor fraterno? É que a eucaristia não é apenas um ritual, mas o encontro místico com Jesus que se entrega como vítima por nossos pecados, indicando qual culto agrada o Pai. Reunimo-nos em torno de Jesus para fazer memória da ceia da nova aliança e com isto refazermos nosso pacto de amor fraterno e compromisso de serviço aos mais necessitados. Para confessar aos irmãos o egoísmo que inspirou muitos dos nossos atos e nos reconciliarmos. Pra fazer nossos os sentimentos de Jesus, fazendo da nossa vida uma oblação, partilhando-a com aqueles que seguem nosso caminho e estendem-nos as mãos vazias. O serviço fraterno, configurado no lava-pés, é o real sentido da eucaristia. Por não celebrar a missa em espírito diaconal, o Brasil, o maior País cristão do mundo, é também dos mais injustos, opressores, corrutos. Muitos católicos vão à missa pra tirar o peso de consciência, cumprir obrigação ritual, não ao encontro mais solene de suas vidas com o Senhor da vida, para dele receberem vida em abundância e a distribuírem com os irmãos. Exatamente. Depois que Jesus celebrou a ceia pascal judaica, durante a qual instituiu a eucaristia, a ceia da nova aliança, que não é mais ritual repetido anualmente na mesma data, mas o dom da vida uma vez por todas, ele entregou nas mãos dos Doze e sucessores o privilégio de comungar no seu corpo e sangue, como sinal de que deu a vida por nós, com a ordem de perpetuar suas palavras e gestos, no seu Nome, os tornando efetivo pela doação da nossa vida aos irmãos. Eis o significado real do "fazei isto em memória de mim". Mais do que celebrar a missa, a eucaristia é dom da vida de Jesus aos Seus irmãos, para capacitá-los a doar-se também aos outros como ele faz. "Fazei isto em memória de mim" significa: assim como me dei a vós, dai-vos também uns aos outros: esta é a vossa eucaristia, vosso culto espiritual agradável ao Pai'. A eucaristia (ação de graças) de Jesus ou a nossa é dom da vida para gerar vida no mundo e nas pessoas. "Não há maior prova de amor que doar a vida pelos irmãos. Se eu, vosso Mestre e Senhor, lavei- vos os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo pra que vós também o façais como eu fiz. No dia em que os cristãos brasileiros puserem a eucaristia em prática, seremos outro País: o governo da coisa pública sairá das mãos corrutas para as mãos de verdadeiros servos do povo. Presidente, governadores, parlamentares, juízes serão pessoas de bem. Chega de cristãos de fachada, bandidos mandando, legislando, julgando, envergonhando a Nação: "De tanto ver triunfar as nulidades, prosperar a desonra, crescer a injustiça, agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega desanimar da justiça, a rir-se da honra, ter vergonha de ser honesto!" (R Barbosa). O poder justo é servir os outros e acrescer-lhes vida, não o mando cínico, oportunista em proveito próprio, como fazem os inimigos do povo do Brasil. Estes agentes são inspirados no poder diabólico, usado em seu benefício, não a favor da vida. Servir os irmãos como um humilde servo, como Jesus lavou os pés dos discípulos, mas com alegria de que gera vida, eis o paradigma do poder.

O lava-pés é o paradigma, o emblema, o modelo da gratuidade do amor, da diaconia, do

humilde serviço, a melhor forma de doação aos outros. A eucaristia é o ápice da doação de si, pois nela Jesus não nos dá coisas, não faz algo material por nós, mas entrega-se, se nos dá sem reserva por amor, exercendo em plenitude sua missão sacerdotal. Esta é a missão exclusiva de Jesus: dar a vida pra nos livrar do pecado do mundo, poder opressor, gerador dos pecados pessoais e da baixa auto-estima que arrasa na nossa alma. Além de nos limpar dos pecados, o perdão de Jesus nos restitui a auto-estima. Jesus exige que seus seguidores também se doem aos outros: "Este é meu novo mandamento: amai-vos uns os outros como eu vos amei". Mas, nossa doação aos outros não consiste em passarmos pela morte cruenta pela qual Jesus passou, que exerçamos a missão sacerdotal da forma como ele a exerceu: só Jesus passou pelo batismo de fogo, pela morte de cruz uma vez por todas por nós. Ele só é o Sumo Sacerdote (celebrante), o Cordeiro de Deus (vítima) sacrificado na cruz (altar) e ressuscitado na plenitude da vida por nós. "Eram nossas enfermidades que levava sobre si, nossas dores que carregava. Mas o tínhamos como vítima do castigo, humilhado, ferido por Deus. Mas ele foi transpassado e esmagado por causa das nossas transgressões, pelas nossas iniqüidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele, por suas feridas fomos curados. Na verdade, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores fez intercessão. Javé fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós. Se oferece a sua vida como sacrifício pelo pecado, certamente verá descendência e por meio dele triunfará o desígnio do Pai" Is 53. Só Jesus se fez pecado, maldição por nós. Por isso só ele é o Salvador. "Não há outro nome no céu ou na terra que possa ser invocado para nos salvar a não ser o nome de Jesus". Ele morreu na cruz como culpado sem ter culpa: ele assumiu nossos pecados e mazelas e os destruiu na cruz por nós, em nosso lugar, em nosso favor, vicariamente. De modo que, da parte de Deus, em, com e por Cristo, nossos pecados estão perdoados. Mas falta nossa parte, nosso sim à morte de cruz e ao perdão concedido. Nosso sim é a fé. Pela fé assumimos nossa morte em, com e por Cristo, que consiste em renunciarmos ao pecado (Jesus liquidou o poder do mal, mas podemos continuar subjugados a ele, se quisermos) e vivermos vida nova, pois Jesus também ressuscitou por nós, enxertando-nos no seu Corpo vivo e santo. Renunciamos ao pecado para vivermos a vida nova que o Ressuscitado nos conquistou. Paulo diz bem: "Eu fui crucificado com Cristo: Se um morreu por todos, todos

morreram nele. Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que amou-nos, quando estávamos mortos em nossos delitos, vivificou-nos juntamente com Cristo e com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus. Ora, ele morreu por todos a fim de que aqueles que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles. Morreste, vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro. Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim. Minha presente vida na carne eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim" 2 Cor 5,14-15; Fl 1,21;Cl 3,3;Gl 2,19-20;Ef 2,4-7. Ao assumir na fé o sacrifício de Jesus e viver vida nova, a obra da salvação está completa: renuncio ao pecado e incorporo a vida nova de Jesus, que me capacita a servir os outros humildemente, espelhando-me no exemplo do lava-pés. Não precisamos morrer na cruz como prova de amor aos outros. Isto Jesus já fez uma vez por todas, de forma completa. Ao diz: "Completo na minha carne o que falta das tribulações de Cristo pelo seu corpo que é a Igreja" Cl 1,24, Paulo não está dizendo que o sacrifício de Cristo foi incompleto. O sacrifício da cruz é o exercício pleno da missão sacerdotal: nada mais falta fazer. Mas ele exerceu a missão diaconal e profética, também, através das quais também se nos doou. Quando se cansava aliviando as dores dos pobres (diaconia) e anunciando da Boa Nova (profeta), Jesus estava se doando a nós. Mas era uma doação como que exterior a si. No sacrifício da cruz ele se entregou a si mesmo, se doou por nós. Sua missão sacerdotal, seu sacrifício de louvor ao Pai, sua entrega da vida na cruz por nós é o coroamento de sua missão profética e diaconal no mundo. O sacrifício da cruz inclui e coroa a missão profética e diaconal de Jesus. Quando exercemos a missão profética e diaconal em favor dos irmãos, estamos nos doando a eles, a exemplo de Jesus, muitas vezes sofrendo perseguições. Neste sentido, estamos participando do sofrimento de Jesus, completando em nossa carne o que falta às tribulação de Cristo, enquanto membros de seu corpo psíquico, militante no mundo: "No mundo tereis tribulações. Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro odiou-me". Portanto, a missão diaconal e profética são formas de nos doarmos aos outros, de participarmos do sacrifício de Cristo, de vivermos a eucaristia, assim como Jesus se doou a nós, primeiro como servidor e profeta, depois pelo sacerdócio existencial da morte de cruz. Para nós, a humilde diaconia do lava-pés é o significado da eucaristia, do "fazei isto em minha memória". Emblematicamente, o lava-pés aconteceu durante a última ceia da antiga aliança, quando foi instituída a única ceia da nova aliança, para marcar a transição radical da antiga para a nova aliança. Nele, Jesus quis mostrar o modelo de diaconia que seus discípulos precisam praticar. Mas, fará algo muito mais sério que lavar nossos pés: dará a vida na cruz por nós. Para nós, basta-nos lavar os pés uns dos outros. No lava-pés, Jesus mostra que a diaconia e o profetismo se incluem no sacrifício da cruz, na eucaristia. Por isso o lava-pés se deu antes da instituição da eucaristia, durante a ceia pascal antiga. Jesus primeiro cumpre a Lei, celebra a ceia da antiga aliança: abençoou, comeu o pão, bebeu o vinho da antiga ceia, como de costume. Levantou-se, a seguir, lavou os pés dos Doze, enxugou-os, retomou seu lugar à mesa e perguntou-lhes: "Compreendeis o que vos fiz? Chamais-me de Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se, pois, eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também deveis vos lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo pra que, como eu vos fiz, também o façais vós" Jo 13,12-15. Servir os outros humildemente como Jesus fez emblematicamente será o novo jeito de viver a eucaristia, de nos doarmos aos outros, doravante. A Jesus cabe dar a vida na cruz por nós; a nós, servir os irmãos humildemente. Por isso, após fazer os discípulos entender o sentido do lava-pés, ele interrompeu a ceia judaica, tomou o pão e vinho da ceia antiga e instituiu a nova ceia, a eucaristia com eles, sinal da nova aliança, transformando o pão em seu corpo e o vinho em seu sangue, dando-os aos Doze, dizendo: "Tomai e comei, tomai e bebei: este pão é o meu corpo dado por vós, este cálice é o meu sangue da nova aliança por vós derramado". Jesus comeu o pão e bebeu o vinho da última ceia, mas não comeu o pão nem bebeu o vinho da nova aliança, pois ele era a comida e a bebida, a vítima do sacrifício que se dá por amor de nós. Eis a máxima auto-doação: o dom do próprio corpo e sangue, da vida para alimentar-nos. "Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos amigos. Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Este é o meu novo mandamento: amai-vos uns os outros como eu vos amei" Jo 15,12-13; 13,1. Mas, vale repetir: Jesus não exige

que cheguemos ao extremo de morrer na cruz por amor de alguém como ele morreu. Quer que sejamos testemunhas da sua misericórdia, anunciando ao mundo em atos e palavras tal

maravilha, sinalizando a autenticidade da nossa fé na obra e nas palavras do Jesus que nós proclamamos servindo humilde e gratuitamente seus irmãos. Quer dizer: ao mesmo tempo que faz a transição da antiga pra nova aliança, o lava-pés traduz o espírito da eucaristia da nova aliança para os discípulos de Jesus. O verdadeiro culto espiritual é "ofertar vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus", que gasteis vosso tempo no serviço fraterno como Jesus o fez. Entende-se o que Jesus disse aos Doze quando chegou a hora da

última ceia da antiga aliança, que daria lugar em definitivo à ceia nova no corpo e sangue

do Cordeiro de Deus: "desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer".

Trata-se da Páscoa antiga, que Jesus comerá pela última vez, "até que se cumpra no Reino de Deus": Até que encontre seu verdadeiro sentido na páscoa nova do Cordeiro de Deus, que porá fim em definitivo ao sacrifício de animais, substituindo-os para sempre pelo sacrifício expiatório de Jesus, cujo corpo entregue e sangue derramado é o máximo gesto de amor fraterno. Quando expulsou os vendilhões do Templo, que faziam "da casa do meu Pai uma casa de comércio", Jesus deu o motivo de sua indignação: "O zelo por tua casa me consome". Isto é: grande é meu desejo que o Templo antigo, centro dos sacrifícios de animais e rituais vazios, seja logo destruído e substituído pelo Templo do meu corpo, que será o definitivo centro do culto da nova Aliança, em que eu serei o Sacerdote, a vítima, o altar, o alimento. Quando isto acontecer, todos poderão adorar o Pai em espírito e verdade em qualquer lugar. Isto se fará rápido: "Destruí este Templo, o reconstruirei em três dias: Ele falava do Templo do seu corpo", dado ao novo povo de Deus em comida. Eis porque Jesus desejou ardentemente comer com os Doze a última ceia da antiga Páscoa: sua hora havia chegado e não havia mais tempo a perder. É hora de acabar com a aliança caduca que não salva e apressar a chegada da nova aliança, quando a mesa do novo banquete da vida eterna estará posta em definitivo pra alimentar gerações com o pão da vida. Quando a mesa da nova, definitiva ceia estiver posta na eternidade, em seguida à entrega de Jesus à morte de cruz em favor dos pecadores, de sua ressurreição no Espírito de santidade e entronização na glória à direita do Pai, aí Ele comerá novamente com os discípulos a nova ceia, que é a vida nova recebida do Pai e partilhada com eles, que a distribuirão séculos afora até que o Senhor retorne. Jesus mesmo vai ao nosso encontro para partilhar conosco o banquete abundante da vida divina: "Eu vim pra que as ovelhas tenham vida e a tenham em abundância. Eu conheço minhas ovelhas, as minhas ovelhas me conhecem. Dou minha vida por elas. Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, em sua casa entrarei, cearei com ele e ele comigo. Disponho para vós o Reino, como meu Pai o dispôs pra mim, para que comais e bebais à minha mesa em meu Reino. Meu verdadeiro alimento é fazer a vontade do meu Pai: não perder nenhum daqueles que Ele me deu, mas os ressuscite no último Dia" Ap 3,20; Jo 10,14-15. O pão da vida é alimento dos viajantes até a volta de Jesus. No aguardo de seu retorno, participamos desde já do banquete da vida em forma sacramental, pela fé. Mas é preciso seriedade com a nova ceia. Pois, não se trata de festejar ociosamente com Jesus as núpcias do Cordeiro como se fossem efemérides. Mas, trata-se de fazer memória, anámnesis do evento histórico-salvífico mais inédito da humanidade: Deus, corporalmente presente em Jesus, se nos dá em comida e comunica-nos a vida divina, fazendo-nos "partícipes da natureza divina", divinizando-nos depois de ter-se humanizado, fazendo-nos quase deuses, pois somos filhos por enxertia vital no Filho de Deus. Trata-s de festejar o dom da vida, pois, restaurada pela força de "Ruah que dará vida aos nossos corpos mortais". Anunciamos que o dom da vida de Jesus por nós não foi morte inútil, mas revela que o amor tem poder de vencer a morte. Quando diz aos Doze: "isto é meu corpo que é dado por vós; isto é o sangue da nova aliança derramado por vós; toda vez que fizerdes isto, fazei-o em minha memória, Jesus está mais que ordenando que os discípulos repitam suas palavras e gestos. Está dizendo, de fato: "Quando vocês fizerem memória da eucaristia e comungarem no meu corpo e sangue, lembrem-se de fazer em suas vidas o que, como eu fiz: amar os irmãos até o amor extremo, servindo humildemente e lavando os pés uns dos outros, até dar a vida por eles. "Não há prova maior de amor que dar a vida pelos amigos. Fazei isto em minha memória": comungai em espírito de serviço, de modo que vossa comunhão não termine com a celebração eucarística, mas se prolongue na vida real no serviço aos irmãos, oferecendo vossas vidas e capacidade como hóstia viva e santa do agrado de Deus: este é vosso culto espiritual, a comunhão que espero de vocês: comunhão na vida do irmão, dos mais pobres especialmente. Só comunga dignamente do meu corpo e meu sangue quem assume o compromisso de fazer pelos outros o que eu fiz por vós: dei-lhe de graça a vida que recebi do Pai; dai também vossas vidas por amor dos irmãos; este é o mais elevado e perfeito serviço, o mais agradável culto espiritual prestado ao Pai'. Não culto ritual, formal que oferece animais, mas oferta da própria vida por amor, gratuitamente. Concretamente, o serviço se consubstancia no atender às necessidades mais elementares dos sofredores do mundo: comida, bebida, roupa, saúde, liberdade, como está claro no discurso escatológico de Jesus sobre o Juízo final, paradigma da eucaristia na vida real e garantia da vida eterna: "Tive fome e me destes de comer; tive sede e destes-me de beber; era forasteiro e me acolhestes; estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me. Cada vez que fizestes essas coisas a um destes meus irmãos pequeninos, a mim o fizestes. E todas as vezes que deixastes de fazer isto a um desses pequeninos, a mim o deixastes de fazer", e comungaste indignamente do meu corpo e sangue. No serviço aos pobres, a eucaristia se torna mais real, porque é doação de si a quem nada tem para nos retribuir. A diaconia junto aos pobres é o Evangelho anunciado em gestos de solidariedade e atos, a exemplo do serviço generoso de Jesus por nós, alimentando-nos com seu corpo e sangue. É o serviço aos pobres que Jesus quer que realizemos depois da eucaristia, para tornar real o mandato: "fazei isto em minha memória". Não por acaso, o discurso sobre o Juízo Final acontece dois dias antes da última ceia antiga e da instituição da ceia da nova. Se eucaristia representa a doação extrema de Jesus por nós, o máximo serviço que Ele nos presta, o serviço aos pobres que Ele pede de nós no discurso sobre o Juízo Final torna-nos semelhantes a ele no dom de nós mesmos aos outros e torna nossa eucaristia com rosto de carne e sangue humanos. Pois, "o discípulo não é maior que o mestre: basta-lhe ser igual". Por isso, se Jesus não se envergonhou de conviver com aleijados, prostitutas, publicanos, cegos, apesar das muitas críticas dos doutores da lei e fariseus, que não se misturavam com os párias pra não se contaminarem e se tornarem pecadores rituais. Jesus acabou com essa abjeta segregação, igualando-se aos mais infelizes do mundo: famintos, sedentos, nus, doentes, rejeitados, prisioneiros. Depois disto, que moral tem alguém para envergonhar-se dos excluídos do mundo? Até porque, quem se envergonha dos párias, sudras do mundo, estará se envergonhando de Jesus. "Quem se envergonhar de mim diante dos homens" nas pessoas dos meus irmãos menores e sofredores, "eu me envergonharei dele diante do meu Pai que está no céu". Quer dizer: O serviço aos pobres é um aspecto essencial da missão dos cristãos no mundo. Jesus é Rei pra servir, fazer o bem sem olhar a quem. Sacerdote pra oferecer-se como hóstia viva em resgate dos irmãos. Profeta, pra falar com autoridade. Enquanto membros do Corpo de Cristo, participamos da missão real, sacerdotal, profética de Jesus, pra fazer no mundo o mesmo que ele fez: servir os pobres, doar-nos quais hóstias vivas pela resgate deles, anunciar a Boa Nova da salvação com gestos de solidariedade e fraternidade. O novo povo de Deus, a Igreja é uma comunidade missionária, comunidade de enviados por antonomásia. Pois a palavra 'Igreja'significa 'assembléia dos convocados e enviados em missão'. Antigamente o padre dizia em latim ao fim da missa: "Ite, missa est" = "Ite, assembleia missa est". Quer dizer: 'Ide! A assembléia litúrgica, convocada e reunida aqui para participar da eucaristia de Jesus, o povo de Deus aqui reunido, que acaba de participar da ceia do Senhor, terminou aqui sua ação de graças e está enviada ('missa') em serviço, em missão, pra viver a eucaristia no dom de si do amor fraterno, a exemplo de Jesus. Ide, anunciai a boa nova em atos e palavras, proclamai que o Reino de Deus chegou e está em ação no meio de nós. Terminada a missa, começa a missão de entregar-se por amor dos irmãos, em palavra e atos. Sem intenção missionária, a Igreja inutilmente reúne-se, comunga de maneira profana, indigna, até sacrílega o corpo e sangue do Senhor. Mas comungará em memória de Jesus, dignamente, se fizer o mesmo que ele fez por nós: lavar os pés uns dos outros, servir: dar de comer aos famintos, visitar os prisioneiros e doentes, aproximar o Reino de Deus dos pobres. O que Jesus pede de nós, ele deu exemplo antes. Dando a própria vida em resgate dos pecadores Jesus mostra que Deus é o Servidor maior: Ele cria (Pai), acompanha, alimenta a criação (Filho), conserva-a e santifica-a (Deus Mãe). A Encarnação de Jesus Cristo e suas conseqüências são o maior serviço que Deus presta à humanidade pecadora: "Vós me chamais Mestre e Senhor e eu o sou; todavia, eu estou no meio de vós como Aquele que serve". Jesus é o Servo de Deus, o Servo Sofredor, Imagem do Pai Servidor, do Espírito que serve se derramando em nossos corações. Deus é amor, e amor é serviço. A convivência entre as Pessoas na Trindade imanente é serviço de amor mutuo. Deus Trino é serviço de amor, dom sem limites de cada Pessoa à outra. Por isto, é a mais perfeita comunidade. O serviço que Deus pede de nós em favor dos outros tem por modelo a SS Trindade, cujo espírito de serviço Jesus traduz no lava-pés, que é a essência da eucaristia: "Dei-vos o exemplo lavando vossos pés, para que, como eu fiz, também vós o façais; pois estou no meio de vós como quem serve, não como quem é servido". Por isto, temos de viver a eucaristia confiando em Jesus, superando dificuldades naturais no serviço fraterno. "Espera em Deus e faze o bem e habitarás a Terra em plena segurança. Põe tuas delícias no serviço do Senhor e ele realizará todos os desejos do teu coração. O Senhor é meu Pastor, meu Guia, meu Rochedo: nada me faltará ou afetará. Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estás comigo. Vossa bondade e misericórdia me seguirão por todos os dias da minha vida. Vem do Senhor a salvação dos justos (pela fé): Ele é seu refúgio no dia da aflição". O enviado de Jesus sabe que ninguém lhe fará mal, pois Jesus está com ele. Ele garante que, se seus enviados beberem veneno em serviço, mal algum os atingirá. "Não temas diante deles, porque estarei contigo pra te salvar. Filho do homem, eu vou enviar-te aos filhos de Israel, a esses rebeldes que se rebelaram contra mim. Eles são insolentes e de coração empedernido. Envio-te a eles: quer escutem ou deixem de escutar, ao menos saberão que o profeta esteve com eles. Quanto a ti, filho do homem, não tenhas medo deles nem de suas palavras. Não tenhas medo porque se opõem a ti e menosprezam-te ou porque estás sentado sobre escorpiões. Não tenhas medo de suas palavras nem fiques apavorado com seu olhar, pois são uma casa de rebeldes. Minhas palavras transmitir-lhes-

ás, quer escutem ou não escutem, pois são uma casa de rebeldes". Os enviados de Jesus têm a garantia da sua proteção. Comungar com Cristo é acompanhá-lo na perseguição, no sofrimento, na cruz da vivência da fé no mundo também. Mas, nossa cruz e nossa morte serão por causa da fé. Por isso não precisamos levar a cruz literalmente nem passar pela morte cruenta por que passou Jesus. Tanto sofrimento não poderia ocorrer reiteradamente, como ocorriam todo ano os sacrifícios de animais no Templo de Jerusalém pelos pecados do povo, do sumo sacerdotes e sua família. Seria demais para a humanidade suportar tanto sofrimento anualmente. Por isso Jesus pôs fim à série indefinida de sacrifícios inócuos de animais, sacrificando-se uma vez por todas em prol da humanidade e toda a criação. Sua missão éesta: "depois de ter realizado a purificação dos pecados, foi exaltado e sentou-se à direita do Pai, do qual recebeu Deus Mãe e a derramou sobre toda a criação, e onde vive para sempre a interceder por nós diante da face do Pai" Hb 1,3; 9,24; At 2,33; Jl 3,1-5. A missão exclusiva de Jesus agora é sacerdotal: interceder por nós dia e noite, garantir-nos a salvação permanente junto ao Pai, incorporada por nós pela fé. "Por graça fostes salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom do Pai. O papel de Deus Mãe, o Espírito do Pai e do Filho comunicado aos filhos, filhas e à criação toda, é garantir a presença de Jesus entre nós e sustentar-nos na fé. "Eu não vos deixarei órfãos: Virei a vós. Rogarei ao Pai e ele vos enviará em meu Nome outro Paráclito, Deu Mãe, que permanecerá convosco para sempre e vos ensinará tudo e vos recordará tudo que eu vos disse. Toda autoridade foi-me entregue sobre o céu e a terra. Ide por todo o mundo, anunciai a toda criatura o Evangelho. Fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho, e de Deus Mãe, ensinando-as a observar tudo que vos ensinei. Quem crer e for batizado, será salvo; quem não crer será condenado. Quem crê no Filho Único não é julgado; quem não crê já está julgado, porque não creu no Nome (Pessoa) do Filho único de Deus, Mediador único entre Deus e a humanidade. Quem crê em mim não é em mim que crê, mas no Pai que me enviou. Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo. Eles saíram por toda parte a pregar, agindo com eles o Senhor, confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam" Ef 2,8; Mc 16,16-20; Mt 28,19-20; Jo 3,18; 14,15-16.26; 12,44; Hb 8,6. Que sinais? A Palavra anunciada não é ouvida em vão ou neutra, mas provoca reações nas pessoas, pró ou contra. "A Palavra que sai da minha boca não retorna a mim sem fruto; antes, cumpre minha vontade e assegura o êxito da missão para a qual a enviei. A Palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante que uma espada de dois gumes; penetra até dividir a alma e o espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições e intenções do coração e não há criatura oculta à sua presença. Não penseis que vim trazer paz à terra. Não paz, mas vim trazer espada. Com efeito, vim contrapor o homem ao seu pai, a filha à mãe, a nora à sogra. Em suma, os inimigos do homem são seus próprios familiares" Is 55,11; Hb 4,12-13; Mt 10, 34-36. Eis aí os sinais confirmadores da veracidade da Palavra anunciada. Os sinais são as reações das pessoas ao anúncio do Evangelho: as adesões, as comunidades que se formam emtorno de Jesus, se reúnem, celebram a eucaristia, a vida fraterna que causava admiração nas pessoas que observam os seguidores de Jesus, as perseguições e as rejeições dos discípulos por causa do seguimento de Jesus, e demais sinais que o povo via e ouvia, e os identificava como a presença atuante de Jesus, das Pessoas divinas no mundo. Quando João Batista estava preso, mandou alguns discípulos seus indagar de Jesus se ele era o Messias, ou deveria esperar outro. João Batista batizou Jesus, e o reconheceu como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; mas ele fazia milagres que não condiziam com a expectativa popular do Messias. A resposta de Jesus foi inspirada nos sinais de sua obra. "João, ouvindo falar, na prisão, a respeito das obras de Cristo, enviou-lhe alguns dos seus discípulos pra lhe perguntarem: És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro? Respondeu-lhes Jesus: Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, mortos ressuscitam, pobres são evangelizados" Mt 11,4-60. Este é o programa missionário de Jesus publicado na sinagoga de Nazaré, depois que foi batizado por João, passou quarenta dias no deserto, foi tentado pelo diabo. "Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; abrindo-o, encontrou o lugar onde está escrito: O Espírito de Javé está sobre mim, pois me ungiu pra evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, pra restituir a liberdade aos oprimidos, proclamar um ano de graça do Senhor" Lc 4, 18-19. A principal obra de Jesus é recuperar a auto-estima, a fé no povo. Seu instrumento de trabalho eram anunciar a boa nova aos pobre e realizar sinais, em apoio à Palavra. Issoperturbava o Batista. Ora, o anúncio do Evangelho gera fé, que gera obras, testemunhos e sinais da fé por sua vez os sinais, o testemunho e as obras provocam fé em quem os vê e ouve. Aos judeus que resistiam em aceitar a mensagem de Jesus, ele ponderava: "Se não credes em mim, crede nas obras que faço em Nome do Pai" Jo 10,38. As obras de Jesus são sinais, testemunho que ele vem do Pai. "Vendo os sinais que fazia, muitos creram nele. Ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele". As Bodas de Caná foram o primeiro sinal da vida pública de Jesus, seguido de muitos outros, que revelam a ação efetiva do Pai e Ruah no mundo juntamente com Jesus. "Esse princípio dos sinais, Jesus o fez em Caná da Galiléia, manifestou a sua glória, seus discípulos creram nele" Jo 2,11.23;3,2. Jesus é o principal sinal de Deus Trino no mundo. "O Pai o marcou com seu sinal. Quem crê em mim, crê naquele que me enviou" Jo3,14;6,27. Pra revelar a identidade do Pai e asua, Jesus anuncia o Reino de Deus e faz sinais de sua ação. Com o anuncio do Reino, ele visava despertar a fé na população oprimida e incrédula. A fé é, pois, provocada pela escuta da Palavra e vista dos sinais que autenticam o anúncio. Os sinais testemunham que fortalecem a fé em Jesus. As palavras e as obras de Jesus indicam sua origem divina e sancionam a fé e as obras dos discípulos, sinalizando que ele e discípulos estão no mundo, mas não são do mundo. As comunidades de fé surgidas a partir do anúncio do Reino pelos profetas, João Batista, Jesus e seus continuadores, toda a obra de Jesus entre nós – a aura, de bondade, de perdão que semeou e praticou no mundo –, todas essas coisas são sinais inequívocos da presença do Reino, do poder de Deus Trino no mundo. Presença que é uma revolução no modo de viver das pessoas que ousam fazer a experiência de viver pela fé na Pessoa mais maravilhosa que já pisou nesta terra de aflições, Jesus de Nazaré, Filho do Pai celestial boníssimo, que no-lo deu como irmão e companheiro. Mais que irmãos, alimento que nos semelha ao Filho, a imagem perfeita do Pai. O sinal mais contundente da presença de Jesus no mundo é a eucaristia, memorial de sua vida, morte e ressurreição, com ordem aos discípulos de torná-la presente no mundo sob os sinais do pão e do vinho, consagrados pelas comunidades celebrantes, presididas por presbíteros, com autoridade para repetir as palavras e gestos que Jesus pronunciou e fez ao instituir a ceia da nova aliança, e fazer

acontecer aqui e agora a presença de Jesus no meio de nós, nos sinais do pão e do vinho.