A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO JULGAMENTO DAS AÇÕES PROPOSTAS POR SERVIDORES TEMPORÁRIOS PARA ATENDER Á EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395/6 DF proposta pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, pleiteando a inconstitucionalidade formal do inciso I do artigo 114 da CF/88 pugnando pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da interpretação que determinava como competência da Justiça do Trabalho, a relação da União, estados, Distrito Federal e Municípios com os seus servidores ocupantes de cargos criados por lei, efetivos ou comissionados, incluindo-se as autarquias e fundações públicas dos entes da federação, não sendo levada á apreciação do STF as questões relativas ás ações promovidas por seus servidores contratados por prazo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público contra o ente público contratante, objeto do presente estudo, sendo concedida a liminar pleiteada suspendendo toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do artigo 114 da CF/88, atropelando sobremaneira o devido processo legal.

Dessa forma, nas relações jurídicas entre o Estado e um servidor temporário via contrato administrativo, de natureza eminentemente celetista, o que determina a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho para proceder ao conhecimento e julgamento das questões atinentes á esse servidor é o fato do Estado ter se beneficiado diretamente do labor prestado durante todo pacto laboral.

O Colendo Tribunal Superior adotou o posicionamento de que a competência jurisdicional é resultante da definição da natureza material da relação jurídica deduzida em juízo, fixada pela causa de pedir e pedidos constantes na inicial.

Sendo assim, se uma pretensão que vise o reconhecimento de vínculo empregatício e consequentemente relação de emprego, deverá ser proposta perante a justiça especializada, ou seja, a laboral ante a competência material para dirimir as controvérsias existentes acerca do pleito formulado nos moldes do artigo 114 da CF/88, competindo á Justiça do Trabalho dirimir todas as controvérsias acerca da incidência da legislação do trabalho e, por isso, da existência ou não da relação de emprego, pois a competência jurisdicional resulta definida pela natureza material da relação jurídica deduzida em juízo, fixada pela causa de pedir e pelo pedido.

Segundo o entendimento exarado no Acórdão da 1ª Turma do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Recurso de Revista nº 591.025/99.9, in verbis, e no mesmo sentido os precedentes: RR-591.025/99, Relator Ministro Ronaldo Lopes Leal, DJ de 30.jun.2000; RR-607.251/99, Relator Ministro Ronaldo Lopes Leal, DJ de 25.ago.2000; RR-589.972/99, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DJ de 23.jun.2000; e RR-527.749/99, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, DJ de 19.mai.2000:

“INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ESTADO DO AMAZONAS. LEI ESTADUAL nº 1.674/84 - A relação jurídica que se estabeleceu, in casu, entre o Estado e o servidor é de natureza celetista, o que determina a competência da Justiça do Trabalho para julgar questões atinentes a esse servidor, tendo em vista que não há como fazer incidir o art. 106 da Carta Magna de 1967 ou o Enunciado nº 123 do TST para tipificar uma contratação especial quando o Estado não observou os requisitos legais para a investidura do autor, nos termos da Lei nº 1.674/84.”

Não há que se falar em incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar os contratados temporários para excepcional interesse público, sob o fundamento de que a prestação de serviços durante todo pacto laboral ocorreu sob a égide da CLT.

Para que haja a caracterização do regime especial de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, faz-se necessário a presença de três pressupostos afastados da suposta contratação acima descrita: que a contratação se dê por prazo determinado; que seja verdadeiramente necessário a prestação dos serviços temporariamente e que haja a excepcionalidade do interesse público a fim do requerimento ao recrutamento precário.

Entretanto, se a contratação, que deveria ter caráter temporário, passa de maneira indevida a ter cunho permanente, e o “Contrato por Tempo Determinado para Atender a Necessidade Temporária de Excepcional Interesse Público” vigora por maior tempo que o expresso/disciplinado, quando deveria ter vigorado impreterivelmente até a data ali elencada, de maneira improrrogável, restará o regime especial completamente desnaturalizado e descaracterizado de modo a se considerar o vínculo como de natureza eminentemente trabalhista comum, onde eventuais litígios entre as partes contratanes e contatada sejam processados e julgados pela Justiça do Trabalho.

As Leis 1.169 de 24/07/1996, alterada pela Lei nº 1.448 de 30.05.1997, que deveriam regular a matéria no âmbito local, seguindo as diretrizes traçadas pelo artigo 3º, Inciso III da lei nº 1.448 de 30.05.1997, estipulou prazo máximo de 02 (dois) anos para a vigência dos contratos determinados. Caso esse prazo seja extrapolado, o regime especial temporário se torna desnaturalizado e descaracterizado devendo a ser o vínculo considerado como trabalhista, subsistindo tal vínculo de maneira que a mão de obra tenha sido regularmente prestada de forma não eventual, pessoal, onerosa e continuada, em benefício direto do empregador.

Ademais, essa contratação que extrapolou o prazo determinado deixa de ser autêntica ante a absoluta inobservância dos requisitos e formalidades legalmente estabelecidas no artigo 37, inciso IX da CF/88, não se aplicando o estabelecido na ADIn 3395-6, que afastou da competência material da justiça do trabalho as controvérsias decorrentes de direitos previstos em regimes jurídicos tipicamente institucionais, assim compreendidas as travadas entre a administração pública os servidores ocupantes de cargos efetivos e/ou em comissão e servidores temporários autênticos, não abraçado os falsos ou pseudos contratados temporariamente!

Dizem-se servidores temporários autênticos aqueles contratados com observância absoluta aos requisitos e formalidades estabelecidas no artigo 37, inciso IX da CF/88, e, caso o prazo determinado seja extrapolado, a contratação passará a ser irregular, descaracterizada, desnaturalizada por envolver falsos/pseudo servidores temporários contratados sem observância dos requisitos insculpidos no artigo 37 da CF/88, não satisfeita num período determinado, estando ausente o interesse público ordinário, a excepcionalidade da contratação, a existência de interesse especialíssimo, extravagante, especial, fora do comum, por parte por parte da Administração Pública.

O que verdadeiramente qualifica o caráter jurídico-administrativo de uma contratação temporária é justamente a existência efetiva e inquestionável da necessidade temporária de excepcional interesse público, de maneira que, caso esse requisito não esteja presente e o exercício da prestação do labor se dê de maneira contínua, ininterrupta e permanente, não estando presente tal requisito, não há que se falar em típica relação jurídico-administrativa.

Inexistindo a necessidade temporária de excepcional interesse público, os falsos trabalhadores temporários não poderão ser considerados servidores regidos por regime de caráter jurídico-administrativo ante o desvirtuamento da contratação temporária, pela ausência dos pressupostos de validade previstos na Constituição Federal (artigo 37, inciso IX), sendo da justiça do trabalho, a competência para apreciar e julgar o mencionado desvirtuamento, porque excluída a caracterização do liame estatutário.

Ademais, ressalta-se que se todo cargo provido estatutariamente é de caráter jurídico-administrativo, nem toda relação de trabalho de caráter jurídico-administrativo é estatutária. Temos que deixar bem claro a fim de que não pairem dúvidas que de forma á parte as investiduras em cargo efetivo ou em cargo em comissão, somente nesses dois casos de investidura e em mais nenhum, tudo o mais caí sob a competência da justiça do trabalho, como no presente caso, vez não se tratar de investidura em cargo efetivo nem tampouco em cargo em comissão.

Dessa maneira, somente excluiu-se da competência da justiça do trabalho a relação propriamente dita estatutária, a compreender, exclusivamente, a investidura em cargos em comissão e efetivo.

A decisão proferida pelo Colendo STF nos autos da medida cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395-6/DF somente diz respeito ás causas instauradas entre o Poder Público e o servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária, não alcançando as ações ajuizadas por servidores contratados por prazo determinado para atender ás necessidades de excepcional interesse público contra o Poder Público, sendo, a justiça do trabalho, competente em razão do disposto no artigo 114 do CF/88.

Desta forma, caso se comprove faticamente a inexistência de situação emergencial ou calamidade pública que justifiquem a contratação do servidor por prazo determinado para excepcional interesse público, passando a atividade a ser desenvolvida por esse servidor a estar inserida no âmbito das atividades permanentes e regulares da administração pública, competente é a Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito, ante a descaracterização e desvirtuação dos parâmetros previstos na contratação temporária que é a temporalidade e o excepcional interesse público, de maneira que nas hipóteses de contratações temporárias de empregados por entes públicos que não sejam na modalidade cargo efetivo ou em comissão, os conflitos decorrentes da relação de emprego devem ser solucionados pela Justiça Trabalhista.

Assim, nos contratos temporários de trabalho regidos pela CLT em face do vínculo de natureza estritamente contratual, ainda que firmados com o Poder Público, se submeterão à competência da Justiça Trabalhista. Com efeito, os conceitos de trabalhador e servidor público não se confundem, de maneira que a Justiça do Trabalho só não julgará os dissídios entre servidor público e o poder público, uma vez que entre eles há relação jurídica estatutária, e não contratual (regime de contrato de trabalho), de forma que o artigo 114 da CF/88 só é aplicável ás relações de trabalho genuínas, e, portanto, aos entes públicos quando houver relação de trabalho como nos casos dos empregados temporários.

Na visão do notável Renato Saraiva:

“Inexistindo a necessidade temporária de excepcional interesse público, os falsos trabalhadores temporários não podem ser considerados servidores regidos por regime de caráter jurídico-administrativo. Assim, havendo desvirtuamento da contratação temporário, pela ausência dos pressupostos de validade previstos na Constituição Federal (art. 37, IX), a competência para apreciar referido desvirtuamento é da Justiça do Trabalho, porque – repita-se – excluída a caracterização do liame estatutário”. (Renato Saraiva, em sua Obra Curso de Direito Processual do Trabalho, 6ª Ed., São Paulo: Ed. Método, 2009 páginas 108 e 109). 

No mesmo sentido o ínclito Carlos Henrique Bezerra Leite:

“Há muito a jurisprudência se consolidou no sentido de o que define a competência da Justiça do Trabalho é a causa de pedir e o pedido deduzidos na peça inicial do processo. Se o reclamante alegar que a relação jurídica existente entre autor e réu é de natureza trabalhista e, em razão dela, deduzir pedidos resultantes dessa relação jurídica específica, não restarão dúvidas de que a Justiça do Trabalho é competente para conhecer da causa”. (Carlos Henrique Bezerra Leite, em sua Obra Curso de Direito Processual do Trabalho, 4ª Ed. LTr, 2006. Pg. 162-3).

Feitas tais considerações, conclui-se que a Emenda Constitucional 45/2004 mudou o perfil da Justiça do Trabalho, conferindo-lhe novas competências. Entretanto, o Colendo STF não tem aceitado os ditames da Emenda e, portanto, faz interpretação restritiva a seus preceitos, fruto da pouca familiaridade daquela corte á matéria trabalhista de forma que o que se afastou da competência material da Justiça do Trabalho na liminar concedida na ADIn 3395-6 foram apenas as controvérsias decorrentes de direitos previstos em regimes jurídicos tipicamente institucionais, assim compreendidas as travadas entre a administração pública e servidores ocupantes de cargos efetivos e/ou em comissão e servidores temporários autênticos, contratados com observância dos requisitos e formalidade estabelecidas no art. 37, IX da Constituição Federal.

Se o Pode Publico não demonstrar que a situação fática efetivamente demandou a contratação de servidores temporários para resguardar os interesses públicos ditos ameaçados, o contratado de maneira nenhuma poderá ser despido de seus direitos, devendo ser aplicado nesses casos, o regime celetista, fazendo-se mister a fixação do regime jurídico que discipline sua relação de trabalho com a administração pública, haja vista o desvirtuamento dessa contratação, mediante a prestação de serviços á Administração para atendimento de necessidade permanente e não para acudir a situação transitória e emergencial.

Repisa-se: para a caracterização do regime especial de contratação emergencial faz-se imprescindível a obediência a três pressupostos inafastáveis: a determinalidade da contratação, ou seja, que esta seja por prazo determinado; que a necessidade seja temporária dos serviços a serem prestados e a excepcionalidade do interesse público que requer o recrutamento precário. Na contramão, qual seja, se a necessidade desses serviços revelar-se permanente, o Estado deverá processar o recrutamento através dos demais regimes estando descartada a admissão de servidores temporários para o exercício de funções permanentes; se tal ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação, e a admissão será inteiramente inválida, de maneira que a importância dos direitos dos particulares há de se sobrepor aos interesses públicos.

Texto produzido pela advogada Drª Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque