Ana Carolina E. Albarelli

Vitória Monteiro Aguiar[1] 

RESUMO: O presente artigo propõe-se a tratar da Compensação e suas peculiaridades no Direito Civil e no Direito Tributário, trazendo em seu contexto o significado de compensação para um melhor entendimento e ao longo da leitura uma estrutura baseada em artigos e exemplos sobre tudo que envolve a compensação nesses dois ramos do Direito. Será feita uma devida comparação entre a compensação no Direito Civil e no Tributário abordando as partes principais de cada um.

   PALAVRAS-CHAVE

    Compensação. Credor. Devedor. Direito Tributário.

 

INTRODUÇÃO

Compensar significa contrabalancear, contrapesar, equilibrar, estabelecer ou restabelecer um equilíbrio. O instituto da compensação é originário do Direito Romano, hodiernamente absorvido pela legislação cível, e sua aplicação tem por escopo a extinção de obrigações antagônicas, isto é, o restabelecimento do equilíbrio em uma relação obrigacional em que haja credores e devedores recíprocos.

Sua evolução histórica demonstra que o instituto inicia-se com utilidade unicamente convencional. Com o passar do tempo, foi adotado pelos ordenamentos normativos em caráter legal – podendo ser exigido independentemente do consentimento do devedor ou credor – e passando a figurar em todas as legislações contemporâneas.

Apresenta-se como um meio de facilitar a extinção das supracitadas relações obrigacionais. Cumpridos determinados requisitos, extirpa-se do ordenamento jurídico, em igual proporção, pretensões entre dois indivíduos que são sujeitos, simultaneamente, de obrigações e direitos, um em ralação ao outro.

Deste modo, economiza-se tempo e recursos financeiros que seriam desnecessariamente empregados para a satisfação e pagamento de dívidas dedutíveis uma da outra. Consequentemente, inibe demandas sucessíveis e despesas inúteis, contribuindo para a não insolvência recíproca das partes. É muito utilizada no comércio bancário, através das câmaras de compensação, que têm a finalidade de regular os pagamentos por efeitos bancários, sem um centavo de numerário deslocado.

Segundo DINIZ, “a adoção da compensação como forma de extinção de crédito não tem por fundamento princípio apriorístico, nem há princípio que imponha a compensação. Ela tem como motivos a justiça e a equidade, e simplificação prática”.

1. A Compensação enquanto instituto do Direito Civil

Conforme o artigo 368 do Código Civil: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.

Em outras palavras, caso haja dois créditos mútuos entre as mesmas partes e eles forem do mesmo valor, ambos desaparecerão integralmente; se forem valores distintos, do maior se reduz a importância do menor, procedendo como se houvesse ocorrido pagamento recíproco, subsidiando a divida apenas na parte resgatada. Infere-se dessa assertiva que quando dois indivíduos devem mutuamente coisas semelhantes, não se faz necessário que uma pague à outra o que lhe é devido.

Imaginemos a seguinte situação: A é credor de B na quantia de R$10.000,00 sendo que B também é credor de A na mesma quantia. Sendo assim, as dividas se extinguem automaticamente, dispensando o duplo pagamento. Entretanto, se B fosse credor de apenas R$5.000,00, as dividas se compensariam até a concorrência dos respectivos valores, ou seja, B ainda estaria devendo R$5.000,00 para A.

Nas palavras de STOLZE:

“Se os pesos forem iguais ficarão em equilíbrio perfeito, e, portanto, inteira e mutuamente anulados; se forem desiguais, o equilíbrio não se dará senão até a concorrência do peso mais fraco e somente neste limite ficarão ambos destruídos”.

 

 Portanto, a compensação será total, quando existirem valores iguais nas duas obrigações, e será parcial quando os valores das obrigações forem desiguais.

Ademais, o Código Civil regula a matéria de forma específica nos artigos 368 a 380, e prevê três modalidades de compensação: Legal, Convencional e Judicial.

Legal é aquela decorrente de lei. Uma vez que independe de convenção das partes, opera-se mesmo que uma delas se oponha, ocorrendo no exato momento em que se constituírem os créditos recíprocos entre duas pessoas. Nesta espécie de Compensação, é irrelevante a capacidade das partes. Ainda que figure na relação negocial um incapaz, extinta será a obrigação independentemente de sua vontade, pois basta que se apresentem duas partes que sejam recíprocamente credora e devedora uma da outra para que se reconheça a compensação.

Seu efeito é operar a extinção de obrigações mútuas, liberando os devedores e retroagindo à data em que a situação fática se configurou, assim, este efeito retroativo alcança as dívidas, com todos os seus acessórios, eliminando todos os juros e garantias do crédito existentes anteriormente; a exemplo de quando se extingue o débito de um devedor exonerando os efeitos de mora e incidência da cláusula penal.

            São estabelecidos, nos artigos seguintes, pressupostos essenciais para que a compensação ocorra. Registre-se que tais requisitos não precisam necessariamente ser observados nas modalidades de Compensação Convencional e Judicial, vez que estas ultimas só irão ocorrer na ausência de algum dos pressupostos da modalidade de Compensação Legal.

a)      Reciprocidade de débitos/créditos: É necessário que existam duas obrigações, entre as mesma partes, simultaneamente, com direitos opostos. A compensação só ocorrerá caso dois indivíduos sejam ao mesmo tempo credor e devedor, um do outro.

b)      Liquidez das dívidas: Nos termos do artigo 369 do CC, “a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. Isto posto, só se compensam dívidas cujo valor seja certo quanto à existência e determinado quando ao objeto. Uma dívida líquida e certa não pode ser compensada com uma pretensão que carece de dedução, ou mesmo com créditos a serem levantados. Esse é um dos casos em que será necessária a intervenção judicial, afim de acertar e liquidar a dívida, tornando ambas compensáveis entre si.

c)      Exigibilidade das prestações: Como mencionado no supracitado artigo, é imperioso, para que ocorra a Compensação Legal, que ambas as prestações sejam exigíveis. Significa dizer que as dívidas devem estar vencidas, o termo ad quem deve ter sido alcançado. De tal feitio, dívidas vincendas e prescritas são incompensáveis.

d)     Fungibilidade dos débitos: Ainda em referência ao artigo 369 do Código Civil, também é requisito para a compensação, que as dívidas sejam fungíveis e da mesma natureza, isto é, serem homogêneas entre si, tratarem do mesmo objeto.

e)      Diversidade ou diferença de causa: Este é um pressuposto negativo. A compensação não poderá ocorrer caso a dívida provenha de ato ilícito (esbulho, furto ou roubo), comodato, depósito ou alimentos, ou se recair sobre coisa insuscetível de penhora. Não sendo enquadrada em qualquer desses casos, a diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, conforme artigo 373 do Código Civil.

f)       Ausência de renúncia prévia de um dos devedores: De acordo com o artigo 375 do CC, “não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas”. Tratando-se a compensação de um benefício, pode ser afastada por vontade das partes.

g)      Ausência de prejuízo a terceiros: Não se admite, conforme preleciona o artigo 380 do CC, a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia. A boa-fé é corolário de todo o Código Civil, não sendo, portanto, possível, operar a compensação como forma de prejudicar terceiro.

A Compensação Convencional, por outro giro, resulta do acordo de vontade das partes, que podem transigir, quando da ausência de algum dos pressupostos da compensação legal e consequente impedimento da extinção dos débitos por essa via, estipulando-a livremente e dispensando quaisquer de seus requisitos, desde que se respeite a ordem pública.

Isto posto, conclui-se que não há possibilidade de impor a compensação em casos que não se contemple os requisitos elencados pelo Código Civil, (como a homogeneidade, liquidez e exigibilidade de prestações recíprocas) que impeçam a compensação dos débitos por via legal. As partes podem dispensar alguns dos requisitos para que as dívidas ilíquidas ou inexigíveis possam ser compensadas com dívidas líquidas e exigíveis ou, ainda, heterogêneas, desde que respeitada a ordem pública, mas jamais ocorrerá de modo automático ou poderá ser exigida sem o consentimento de uma das partes.

Quanto à forma, a compensação convencional resulta de convenção entre as partes e se regula pelo que entre elas ficar estabelecido.

Quanto à Compensação Judicial, aduz DINIZ:

“Esta espécie de compensação é determinada por ato decisório do magistrado, que perceber no processo o fenômeno, em cumprimento das normas aplicáveis à compensação legal”.

 

Faz-se necessário que cada uma das partes alegue seu direito de crédito contra a outra.

 É matéria de natureza reconvencional, dada a ação do réu contra o autor, proposta no mesmo feito em que está sendo impetrado com a intenção de receber deste o que lhe é devido, para extinguir ou dirimir o que lhe é cobrado e produz os mesmos efeitos da compensação legal, tornada possível pela intervenção do magistrado.

2. Compensação no Direito Tributário

            A compensação se faz presente no Direito Tributário, e possui caracteres específicos que por vezes tendem a romper com os critérios presentes no Direito Civil. Para tanto, faz-se necessária a demonstração de alguns institutos do Direito Tributário, afim de que entendamos a real natureza e função.

É importante que se entenda, que diferentemente do que ocorre no Direito Civil, a compensação não ocorre entre pessoas de Direito Privado, ocorre entre uma pessoa de Direito civil e outra de Direito Público, em que as duas partes são credoras e devedoras concomitantemente, ocorrendo à amortização dos créditos recíprocos. Quando utilizado este instituto tem as seguintes consequências: os juros deixam de fluir, os acessórios são liberados (garantias), junto com o principal.

             Este instituto, só pode ser utilizado se houver autorização mediante lei (diverso também do que ocorre no Direito Civil), nesse caso, o artigo 170 do CTN que assim versa sobre a referida autorização:

 “A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a

compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”

            Reiterando o presente no supracitado artigo, SABBAG afirma:

A compensação não pode ser feita a bel-prazer do contribuinte, pois carece de lei autorizativa e, mais especificamente de uma autorização do Poder Executivo (com respaldo naquela lei para executá-la). Exemplo: a Lei n.8.383/91 (art. 66 c/c art. 39 da Lei 9.250/95) permite a compensação dos tributos federais com a mesma destinação constitucional ou quando arrecadados pelo mesmo sujeito ativo.

            Outro aspecto que merece menção é o que a compensação também atinge créditos vincendos, diferentemente do que ocorre na compensação civil. Desta feita, é realizada uma redução, como um juro inverso de 1%, tal como estipulado pelo parágrafo único do supracitado artigo:

“Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”

           

Deve também ser atentado o constante no artigo 170- A , in verbis: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.”

             Neste sentido, SABBAG:

Ressalte-se que a Lei Complementar n. 104/2001 inovou ao trazer o art. 170-A, exigindo o transito em julgado da sentença autorizativa de compensação na Ação a qual se pleiteia o encontro de débitos e créditos, obstacularizando, com maior vigor, a obtenção do Direito de compensar por meio de provimento judicial initio litis, isto é, por liminar em mandado de segurança ou por tutela em ações ordinárias.

O referido artigo é utilizado quando o credor-devedor vai pagou tributo que julgou indevido. Nesse caso, se a lei que originou o pagamento do tributo ainda estiver em vigor, é necessário o ajuizamento da ação e o trânsito em julgado para que se efetue a compensação. Se o motivo for um erro de cálculo que ocasionou o pagamento de valores indevido, não é aplicado o referido dispositivo, podendo ser realizada a compensação.

Diante dos caracteres acima descritos, o que se constata é que, diferentemente do Direito Civil, o Direito Tributário possui uma compensação mais complexa, complacente à necessidade de se orquestrar de maneira mais segura e eficaz os créditos recíprocos entre os entes civis e o Estado.

3. As diferenças e semelhanças entre Compensação enquanto instituto Civil e instituto Tributário

            Os institutos possuem a mesma origem, no entanto, como verificado nos itens anteriores, por sua aplicação em sujeitos e situações diferentes, o que se constata é que apesar da mesma origem, a compensação enquanto matéria civil e quanto à matéria tributária desdobram-se em diferentes propósitos.

            Como já assinalado, os sujeitos são diferentes, pois a compensação tributária, envolve Pessoa de Direito Público, tornando o trâmite bem mais complexo.No Direito Civil, não há necessidade de lei autorizativa para que se efetue uma compensação, bastando apenas a anuência das partes. Diferentemente do Direito Tributário, como acentuado pelo artigo 170 presente no Código Tributário Nacional, dependendo, para que se efetue de regras próprias e específicas (princípio da estrita legalidade). A compensação civil pertence ao ramo do Direito privado, enquanto a Compensação Tributária pertence ao Direito Público.

            Outro aspecto que merece pauta é a impossibilidade dos créditos civis vincendos serem objeto de compensação, em contrapartida, os créditos tributários possibilitam esta utilização, possibilidade esta também presente no artigo 170 do CTN. Além disso, são matérias reguladas por áreas diferentes, enquanto a compensação civil encontra-se no corpo do Código Civil, o CTN abriga os ditames da compensação tributária.

            A matéria tributária necessita do princípio da estrita legalidade, nesta esteira, quando não há lacuna no âmbito tributário não se aplica os institutos de Direito Civil, permitindo o artigo 108 do CTN, a utilização subsidiária apenas diante da ausência de disposição expressa. A compensação tributária é de caráter legal, portanto, só realiza-se por meio de lei que a permita. Não sendo possível a aplicação dos ditames de Direito Civil para que se crie uma possibilidade de utilização dos créditos tributários.

REFERÊNCIAS

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das obrigações. 7ª edição. São Paulo: Saraiva 2010.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições do Direito Civil. Rio de Janeiro. ED. Forense. 2007

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito do trabalho. 3° Ed. São Paulo: Saraiva 2011.

CARVALHO,  Paulo de Barros. Curso de Direito TRIBUTÁRIO. 22 Ed. São Paulo: Saraiva 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Obrigações. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, 2º Volume: Teoria Geral das Obrigações ISBN 85-02-04332-3 / 18. Ed rev. e atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei nº. 10.406, de 10/01/2002)- São Paulo: Saraiva, 2009.

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[1] Graduandos em Direito pela UNDB.