FLÁVIA LÍGIA TORRES
KAMILA DE OLIVEIRA SÁ
LAIS MARQUES SILVA
RAFAEL VASCONCELOS ALVES
ROBERTA BUENO BALIEIRO
WILLIAN K. T. FERNANDEZ*

RESUMO

A pesquisa apresenta um estudo sobre a coisa julgada e os efeitos da revelia diante do status de indisponibilidade no direito da família, focando o conflito entre a segurança jurídica e a busca pela verdade real. O estudo objetiva aprofundar a análise sobre a aplicação da coisa julgada e os efeitos da revelia no Direito de Família. Esta pesquisa tem como justificativa favorecer que a verdade real prevaleça nas ações de investigação de paternidade, permitindo que toda criança adquira o direito de conhecer seu pai biológico. Com base em variados autores e doutrinadores acerca do assunto foi construída uma pesquisa teórica, qualitativa e empírica. Baseado no exposto, concluiu-se que a verdade real acerca da paternidade, adquirida com base no exame de DNA, deve estar acima de qualquer princípio jurídico, de modo a permitir que a justiça social seja à base de todo e qualquer ordenamento jurídico.

Palavras - chave: Indisponibilidade. Verdade real. Justiça social.


* Alunos do 7º Período do Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara (GO).





INTRODUÇÃO


A sociedade passou por profundas alterações em suas relações familiares ao longo dos tempos. Em um primeiro momento, as relações familiares eram exclusivamente patriarcais e hierarquizadas, sendo o homem o único provedor do lar. Após a inserção da mulher no mercado de trabalho, iniciado a partir da Revolução Industrial, passou-se a admitir um novo tipo de relação familiar, a relação afetiva.
O papel da mulher na sociedade e na família ganhou força, sendo consolidado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma vez que o conceito de família procurou adequar-se a realidade vivenciada pela sociedade. As relações afetivas foram sendo gradativamente reconhecidas. Hoje, assuntos como a união homoafetiva, a família mono parental, o transexualismo, dentre outros, são abertamente tratados.
O Código Civil de 1916, moldado pela sociedade até então patriarcal e patrimonialista não reconhecia o direito de sucessão hereditária de filhos adotivos. Em seu artigo 377, o Código Civil de 1916, destacava que os filhos adotivos não teriam direito a sucessão hereditária se houvesse entre os herdeiros filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos. Havia também a discriminação com relação aos filhos ilegítimos, reconhecido por um dos cônjuges, estes só poderiam residir no lar conjugal com a permissão do outro cônjuge, artigo 359.
As relações extraconjugais existiam, mas não tinham a sua constituição reconhecida. A partir da Constituição Federal de 1988 as novas formas de entidades familiares foram aceitas, a união estável foi reconhecida (art. 226, § 3º CF/88), os cônjuges foram equiparados (art. 226, § 5º, CF/88) e os filhos não mais discriminados (art. 227, § 6º, CF/88).
O reconhecimento dos novos arranjos familiares permitiu que o vínculo afetivo integrasse o novo conceito de família. A paternidade socioafetiva, passou a fazer parte da nova realidade do Direito de Família. A relação de paternidade passou a ser vista não só do ponto de vista biológico, mas também das relações afetivas desenvolvidas através da convivência entre o pai e filho, pois entre estes surge um laço familiar baseados em atitudes de afeto e amor.
Os filhos oriundos das relações afetivas têm direito ao reconhecimento de sua origem genética, pois, desta forma, assegura-se que o indivíduo exerça plenamente o direito da personalidade. Por se tratar de um direito do indivíduo, que em regra é indisponível, e por ser considerado elemento integrante da dignidade da pessoa humana, o direito ao reconhecimento da paternidade é um princípio constitucional e não permite que decisão contrária que evoque para tal coisa julgada prevaleça, uma vez que elevaria a decisão judicial a nível jurisdicional que superaria a Carta Magna.
O estudo da relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade permite que a criança exerça o direito de conhecer o seu pai biológico, uma vez que com o avanço da ciência já é possível afirmar-se com baixa margem de erro a verdade acerca da filiação. Tendo em vista que a grave injustiça não deve prevalecer em época nenhuma, mesmo quando amparada pelo manto da coisa julgada, em um regime democrático, porque afronta a soberania da proteção da cidadania. Assim, o problema da pesquisa consistiu em responder a seguinte questão: a coisa julgada e os efeitos da revelia podem ser aplicados no Direito de Família tendo-se em vista o seu status de indisponibilidade?
A presente pesquisa teve como objetivo geral entender a possibilidade da aplicação da coisa julgada e dos efeitos da revelia no Direito de Família, e os seguintes objetivos específicos: a) estudar como se procede a Ação de Investigação de Paternidade; b) identificar os institutos da coisa julgada e os efeitos da revelia; c) analisar as possibilidades da relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.
A possibilidade de revitalizar a coisa julgada passou a ser discutida pela doutrina recentemente, pois, antigamente, a doutrina considerava a coisa julgada um dogma. Com efeito, a coisa julgada garante a efetivação do princípio da segurança jurídica, necessário para evitar que os processos sejam rediscutidos ilimitadamente.
A importância do estudo foi percebida ao viabilizar que a verdade real prevaleça diante das questões acerca da paternidade, uma vez que a criança tem o direito de conhecer o seu verdadeiro pai, pois se relaciona, também, ao princípio da dignidade da pessoa humana.
A escolha do tema foi possível por se tratar de um tema atual que trata da indisponibilidade do direito da família. Adotamos a posição de que a revitalização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade é cabível, pois essas ações buscam a verdade real e não a verdade presumida. O conhecimento do verdadeiro pai relaciona-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos maiores direitos fundamentais existentes.

A pesquisa utilizada foi a teórico-empírica e qualitativa, baseada em fontes primárias e secundárias. Foram analisadas a doutrina e a legislação brasileira acerca do tema, foram identificados os mais importantes aspectos da investigação de paternidade no Direito de Família, foi realizada uma revisão bibliográfica aprofundada, por meio de autores renomados no meio jurídico, agregando, assim, qualidade às informações apresentadas, sustentando a abordagem do objeto.
O método de pesquisa utilizado foi o hipotético-dedutivo, pois possui um procedimento racional que varia de uma visão geral para a particular e um procedimento experimental que transita de uma visão particular para a geral, apoiando hipóteses que puderam ser comprovadas ou não, mediante experimentação, ou seja, o projeto apresentou hipóteses para solução do problema.
A investigação apresentou enfoque interdisciplinar, abrangendo diversos ramos do Direito, em especial o Direito de Família. O tema também possibilitou a ligação com o Direito Civil e Processual Civil. Alguns procedimentos específicos foram adotados: levantamento de dados e resenhas, fichamento das principais obras sobre o tema e análise crítica da legislação pátria.


Relativização da coisa julgada


A relativização da coisa julgada traz à tona o embate entre os princípios da segurança jurídica, pilar da coisa julgada, e o princípio da dignidade humana, ao tratar do direito de estado de filiação. Pois de um lado temos os altos custos de exames de paternidade, a demora do Estado em oferecer recursos para a realização do exame, além da revelia do suposto pai que desconhece os efeitos de seus atos negligentes e de outro temos as necessidades da criança em ter um pai reconhecido; desta forma, em muitos casos a justiça decide com base em provas insuficientes. Desta forma, o caráter rigoroso da coisa julgada induz à injustiça.
Em sede de coisa julgada, temos a coisa julgada formal e a material. A coisa julgada formal impede que o juiz, depois de tomar uma decisão modifique-a no mesmo processo, porém pode ser discutida em outra relação processual. A coisa julgada material impede a modificação da sentença em qualquer que seja o processo. Em se tratando de ações de investigação de paternidade apenas o esgotamento na produção de provas pode possibilitar o efeito da coisa julgada material.
Belmiro Pedro Welter (2002, p.118) acredita que somente haverá coisa julgada material nas ações de investigação de paternidade quando tiverem sido produzidas todas as provas, documental, testemunhal, pericial, especialmente exame genético de DNA e, depoimento pessoal e ainda complementa:

(...) descabe a aplicação dos efeitos da revelia, confissão ou reconhecimento do pedido. Aliás, em se tratando de direito indisponível, é também indisponível o direito do direito do Magistrado em indeferir qualquer prova, pelo que nessas demandas não há preclusão para o Juiz e nem para as partes, enquanto não verificada a paternidade genética, tendo em vista esse superdireito natural, constitucional e indisponível de personalidade, elevado à categoria de princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania, fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, incisos II e III).

Uma vez que as ações de investigação de paternidade buscam a verdade real dos fatos, imprescindível se faz que todas as provas sejam apresentadas e analisadas pelo magistrado, cessando definitivamente as dúvidas acerca da paternidade, pois as conseqüências de uma falsa paternidade podem ser demasiadamente lesivas a ambas as partes.


Relativização da coisa julgada em ações de investigação de paternidade

Ações que versem sobre direitos indisponíveis da pessoa devem ter o instituto da coisa julgada relativizada, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário, pois o princípio da segurança jurídica não pode estar em nível superior ao da justiça.
Para Monique Soares Parente (2009, p.121), a coisa julgada foi instituída com o objetivo de trazer às decisões judiciais a segurança jurídica que se espera de provimento jurisdicional, porém em algumas situações a coisa julgada por si só não é capaz de pacificar situação jurídica controvertida. Para tal autora, já é pacífico o entendimento no sentido de que a verdade real externada pelos modernos exames de DNA deverá prevalecer.
O STJ, em REsp 226.436-PR, Dje 04/02/2002, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 28/06/2001, posicionou-se da seguinte forma:
I ? Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido.

Quando se trata de uma decisão judicial declaratória de paternidade de quem não é verdadeiramente pai cria-se um ato lesivo, pois este suposto pai passa a ter responsabilidades e obrigações e, mesmo após o trânsito em julgado, a imutabilidade da decisão deve ser desconsiderada para que se possa buscar a verdade real dos fatos.


Efeitos da revelia nas ações de investigação de paternidade

Em busca da verdade real dos fatos, o CPC/73, em seus artigos 319 e 320, impede a ocorrência do efeito da revelia em se tratando de direitos indisponíveis (sobre os quais versam as ações de reconhecimento de paternidade), qual seja a presunção de veracidade dos fatos mencionados.
O Tribunal de Justiça de Goiás, em apelação cível, Dj 14850 de 29/09/2006, Rel. Des. Zacarias Neves Coelho, julgado em 05/09/2006, apresentou o seguinte julgado:

I - O prazo prescricional do Art. 178, parágrafo 9, inc. VI, do Código Civil de 1916, somente se aplica aos casos em que o filho, por mera vontade, propõe ação visando desconstituir sua filiação, sem pretender substituí-la por outra, sendo certo, portanto, que tal lapso temporal não se aplica quanto à filiação e decorrente de documento cujo conteúdo reputa-se falso, caso em que apresenta-se imprescritível o direito de ação.


A omissão eventual do réu não gera a presunção de veracidade dos fatos alegados, assim como não gera o benefício, para o réu, da improcedência do pedido por insuficiência de provas. De modo a permitir que a relação jurídica permaneça justa para ambas as partes.


CONCLUSÃO


O objetivo das ações de investigação de paternidade é permitir que a criança possa conhecer sua verdadeira origem, de modo que esse direito é imprescritível, personalíssimo e imprescritível, podendo ser invocado a qualquer momento.
Os avanços científicos possibilitaram que a verdade real buscada nas ações de investigação de paternidade alcançasse a precisão de quase cem por cento, sendo o meio de prova mais seguro na atualidade. De modo que, se atualmente há como se descobrir a verdade real dos fatos, não há o porquê de basear a decisão de tais ações em meios de provas que permitam a persistência da dúvida.
A nossa conclusão, com base em todos os fatos alegados anteriormente, é de que a revelia e os efeitos da coisa julgada são incabíveis em ações de investigação de paternidade, pois a verdade real e a justiça social devem estar no ápice do ordenamento jurídico de toda e qualquer sociedade.






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