No início da obra Coulanges começa a retratar as crenças antigas sobre a alma e a morte, dizendo que os antigos já acreditavam em uma segunda existência depois da morte, acreditando que a alma não se separava do corpo, permanecendo unidos. Os rituais fúnebres demonstravam enterrar algo com vida. "Ao término da cerimônia fúnebre, havia o costume de chamar três vezes a alma do morto pelo nome que ele havia usado em vida, desejando-lhe vida feliz debaixo da terra." (p.14). Destas crenças veio à necessidade de sepultamento, o morto que não tivesse sua sepultura não tinha moradia.
A lei das cidades antigas tinha como maior punição a falta de sepultura para os culpados, deixando a alma em grande tormento. Além do que foi dito os seres que viviam debaixo da terra tinha uma grande necessidade de alimento, oferecendo-lhes em certas épocas do ano refeição em cada túmulo.
Ofereciam-lhes leite, vinho, óleo, perfumes e imolavam-lhes uma vitima. Quando colocados os alimentos sobre a sepultura os plateanos pronunciavam certa fórmula ritual com a qual convidavam os mortos a tomarem essa refeição. (p.20).
O culto aos mortos também esteve presente nas crenças antigas, tendo como o morto, algo sagrado. Tinham por eles respeito e adoração transformando o em verdadeiros deuses. Esse culto dos mortos, segundo Coulanges, é encontrado entre os helenos, latinos, sabinos, e etruscos; encontrando também entre os árias da Índia transformando a religião mais antiga entre os homens, elevando o pensamento humano para algo humanamente divino.
Em toda casa grega ou romana existia uma fogueira sempre acesa, o fogo tinha algo sobrenatural, adoravam e prestavam tributos com flores, incenso, vinho e frutas, pedindo saúde, riqueza e felicidade.
O fogo do lar era providencia da família. Seu culto era de fato bem simples. Como primeira regra exigia-se manter continuamente sobre o altar alguns carvões acesos porque, extinguido-se o fogo, deixava de existir o deus. (p.29)
Este fogo não é caracterizado como fundidor de metais ou iluminador, ele é um meio de purificação, por isso para manter esse fogo acesso era necessário até a escolha da madeira utilizada, ele não era apenas um meio de conseguir saúde, de acordo com as crenças ele também trazia temperança e sabedoria ao homem.
A família é algo de sumo importância para a religião antiga, ela não está ligada somente à geração, os seus princípios e decisões circulavam em torno das crenças, o pai podia amar sua filha só que na hora da herança a lei dava direito ao filho primogênito homem. Segundo o autor a família era uma associação religiosa e não natural, a mulher só era levada em conta quando o casamento tivesse iniciado no culto; o filho era expulso da família se renunciasse o culto de seu pai; o filho adotivo era considerado como verdadeiro a parti do momento que passasse a ter comunhão com a religião de seu pai; o direito da herança não era por laços sanguíneos e sim por laços religiosos. "Sem dúvida, não foi a religião que criou a família, mas foi seguramente esta que fixou suas regras [...]." (p.46). A família constitui de um pai, mãe, filhos e escravos, o senhor do lar não é o pai, mas sim a religião doméstica, sobre o pai se manifesta a religião, ele é quem ora e clama pela proteção dos deuses, quando o este pai morrer ele será um representante divino cabendo aos seus descendentes, adoração. A mulher dentro da família não é senhora de seu lar, a sua religião não é de nascimento, mas sim adotada a de seu marido, ela quando morrer não será colocada no túmulo da família, pois não representa antepassados algum, portando não receberá culto nem adoração, considerando apenas parte integrante do marido.
A religião doméstica, proibia que duas famílias se juntassem, mas às vezes era possível que elas se unissem para celebrar um culto em comum, e com o tempo isso foi acontecendo, e certo número de famílias foi se agrupando, chamadas pelos gregos de fratria, e os latinos de cúria, elas levantaram uma divindade maior que os seus deuses domésticos, pois eram unicamente adorados por todas as famílias. Não existia uma fratria ou uma cúria sem seu altar e o seu deus guardião; mantinham ali os mesmos cultos realizado em família. Com o tempo, diversas cúrias ou fratrias foram se ajuntando formando assim a tribo, eles também tinham a sua religião, e em cada tribo tinham o seu altar e o seu deus protetor, esse deus geralmente era um herói ou um homem de poderes divinizados, desse herói tiravam o nome da tribo e tinham anualmente seu dia de festa.
Os antigos adoravam seus antepassados como também deuses de natureza física, não havia separação do homem com a natureza, ele admirava o sol, a lua e as coisas belas que via. Sua vida era entorno da natureza, para colheita esperava um sinal vindo de uma nuvem; e temia uma tempestade que destruíssem o seu trabalho. Sentia a cada momento menor diante da força que o rodeava.
"A tribo, como a família e a fratria, constituía-se em corpo independente, com culto especial de onde se excluía o estrangeiro." (p.137). Segundo Coulanges, como as fratrias estavam reunidas em uma mesma tribo, foi estabelecida uma condição, para que cada um respeitasse o culto do outro, formando assim a cidade. A cidade não é um agregado de pessoas, mas sim uma confederação de várias tribos. Cidade e urbe não foram a mesma coisa para os antigos, "A cidade era a associação religiosa e política das famílias e as tribos; a urbe, o lugar de reunião, o domicílio e, sobretudo o santuário dessa sociedade." (p.145). Para a urbe ser construída era necessário que a cidade tivesse sido constituída, o primeiro cuidado que o fundador deveria ter é a escolha do local onde iria fundar a cidade, chegando lá o fundador oferece um sacrifício, oferecendo aquele chão para os seus deuses, para a realização desse ato era necessário que o povo estivesse puro, trazendo consigo um pouco da terra dos seus antepassados. Faziam um fogo e em volta desse fogo a urbe deveria ser construída com todos os detalhes indicada pelos deuses.
O fundador era o homem, que realizava atos religiosos, com o qual a urbe não poderia existir, era ele que recebia adoração e preces, todos os anos anualmente voltavam em volta do seu túmulo repetindo sacrifícios e festas. Não existia em um coração de uma cidade, algo mais emocionante que a história de sua fundação.
Não percamos de vista o fato, que no mundo antigo, era o culto que constituía o vínculo cimentante de toda sociedade [...] O altar da cidade estava encerrado no edifício que os gregos chamavam de pritaneu e os romanos chamavam templo de Vesta. Na urbe nada havia de mais sagrado que esse altar, sobre o qual ardia sempre o fogo sagrado. (p.158-159).
Cada cidade tinha seus deuses ao qual respeitavam, adoravam e prestavam sacrifícios, também cada uma tinha seus sacerdotes que não dependiam de nenhuma autoridade estrangeira. Entre duas cidades não existia nada em comum cada uma tinha seu deus seus ritos e crenças.
Entre os povos antigos a lei surgiu naturalmente como parte da religião, os códigos se manifestavam de acordo com os regras ditadas do que poderia ou não fazer, ela não surgiu da democracia, veio como algo antigo que ninguém poderia mudar, ela foi instituída ao mesmo tempo em que a religião. A lei durante muito tempo foi algo sagrado, os antigos não a viam como normas humanas, eles viam como algo divino, por isso era inalterável, podiam fazer novas leis mais àquelas existentes jamais eram retiradas, portanto, acontecia às vezes contradição entre uma lei e outra, mas mesmo assim todas deveriam ser respeitadas. O antigo direito não era estabelecido de forma alguma entre religiões diferentes, para estabelecer justiça naquela época era necessário participar do mesmo culto, assim estrangeiro, escravo não participava do direito plantado na cidade.
"A religião, que exercia tanta influência na vida interior da cidade, intervinha com igual autoridade em todas as relações que as mantinham entre si." (p.227). Duas cidades quando entravam em guerra, não só os homens participavam, mas também seus deuses. Na guerra não tinha limitações, o que importava era exterminar todos os inimigos.
Com passar do tempo, foram surgindo varias revoluções, mas a época não foram as mesmas na Grécia e Itália, a velha organização começou a ser atacada e discutida a parti do sétimo século antes da era atual, mantendo desequilibro até desaparecer. Segundo Coulanges a causa do desaparecimento pode ser sintetizada em duas: a primeira se resume na evolução das ideias, fazendo enfraquecer as crenças antigas. A segunda é o descontentamento de homens excluídos dessas ideias antigas. "Nenhuma cidade escapou a essa lei transformadora, nem Esparta, nem Atenas, nem Roma ou Grécia" (p.254). Os homens se afastaram da antiga organização não para se extinguir, mas para evoluir e procurar conhecer coisas que eles ainda não sabiam.
A constituição da família mostra o nascimento da desigualdade de poderes, pois o primogênito era o único chefe da família, passando assim de primogênito a primogênito; depois esta família tem servos que não participam da família, denominados de clientes, que estava abaixo do chefe da família, os plebeus estavam ainda abaixo dos clientes e foi esta classe que conseguiu derrubar a velha organização, os plebeus eram descendentes de populações vencidas e não tinham religião e família.
Para os plebeus não existem direitos políticos. De saída, nem são cidadãos, e nenhum plebeu pode ser magistrado. Durante dois séculos, em Roma, só existe assembléia das cúrias e, nos três primeiros séculos, em Roma as cúrias compreendiam apenas patrícios e clientes. A plebe nem entra na composição do exercito, enquanto este era confiado às cúrias. (p.262).

O que mais separou o plebeu do patrício, é que o plebeu não seguia a religião da cidade. Portanto a distinção de classes foi gerada pela religião.
O rei foi o chefe religioso da cidade, mas não exercia poder sobre toda a população: o interior das famílias e a clientela ficavam fora da sua atuação, queriam ter poderes além do sacerdócio, os chefes das famílias não queriam que esse poder se expandisse para outros rumos, travando assim uma luta entre a aristocracia e os reis. Essa revolução aconteceu em Esparta, Antenas, Roma, fazendo a aristocracia começar a governar as cidades. Com várias revoluções, o correram grandes mudanças nas organizações passadas, como o desaparecimento do direito da primogenitura, a desagregação das gens, a libertação dos clientes, a participação da plebe nas cidades, modificações do direito privado no código das Doze Tábuas e no código de Sólon. A revolução fez cair à religião, como forma de governo, passando a ser o interesse público, uma nova forma de governo. A opinião própria encheu os homens daquela época, eles passaram decidir soluções para as cidades e para si mesmo sem consultar os deuses domésticos, olhando qual seria a melhor decisão para o seu problema.
Pelo nosso estudo anterior, vimos como se constituiu o regime municipal entre os antigos. No principio, uma religião muito antiga fundara a família, depois a cidade; estabelecera primeiro o direito doméstico e o governo da gens; em seguida, as leis civis e o governo municipal. O Estado estava intimamente ligado à religião, tendo nascido desta e com ela se confundido. Por isso, na cidade primitiva, todas as instituições políticas haviam sido instituições religiosas; as festas eram cerimônias do culto; as leis, fórmulas sagradas; e os reis e magistrados tinham sido sacerdotes. Ainda pelo mesmo motivo, a liberdade individual fora desconhecida, e o homem então não conseguia libertar a sua própria consciência da onipotência da cidade, sem jamais poder transpor o recinto traçado pelos seus deuses nacionais por ocasião da fundação. Cada cidade tinha não somente a sua independência política, mas também o seu culto e o seu código. A religião, o direito, o governo, tudo era municipal. A cidade era única força viva, e nada lhe era superior ou inferior: nem umidade nacional, nem liberdade individual. (p.376).
Em Roma já não se amava a pátria pela religião, mas sim pelas suas leis, instituições, direitos e segurança proporcionados a seus membros, mas esse patriotismo novo não teve precisamente os mesmo efeitos do anteriormente conhecido, a pátria só era amada pelo regime político que prevalecia só de momento.
"A vitória do cristianismo é o marco terminal da sociedade antiga." (p.412) com ele renasceu o sentimento religioso, deixando de adorar almas humanas, Colocando Deus acima de tudo. Os sentimentos e costumes se transformam, o direito passa a ser independente não necessitando da religião para forma as suas leis, podendo assim aflorar o sentimento de justiça que existe no ser humano. O pai perde seu poder absoluto ficando apenas incumbido da criação de seus filhos. A mulher se transforma, deixando de ser inferior ao marido, para a mesma posição.


COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Título original: La Cité Antique. Tradução: Jean Melville. São Paulo (SP): Martin Claret, 2008.