A CIDADANIA DO DIA A DIA

O semáforo vermelho, no cruzamento das ruas André de Barros e João Negrão, no centro de Curitiba, a capital do Estado do Paraná, obriga-me a ver crianças e adultos, na faina com malabares, venda de  doces, esponjas de limpeza, CDs e mais uma infinidade de quinquilharias.

Sem prestar muita atenção nestes trabalhadores, e  preocupado com a segurança, fecho os vidros, travo as portas e ligo tanto o condicionador de ar quanto o CD player com MP3 e entrada USB do recém adquirido, negro e brilhante, carro blindado.

Acabo de sair do escritório dos meus advogados onde discutimos, por mais de 2 horas, a minha defesa quanto ao processo que a Receita Federal está me imputando.

A linha de defesa será tentar renegociar a dívida argumentando que a continuação do processo até o Supremo Tribunal Federal demandará tempo e esforços das partes, postergando uma solução mais célere e condizente com os interesses mútuos.

Caso esta linha de defesa mostre-se inócua, a segunda será dividir a responsabilidade com o contador, incluindo mais um suposto réu e, assim, iniciando todo um novo processo que nos permitirá por, pelo menos mais uns cinco anos, desfrutar dos valores que, segundo a Receita federal, são devidos.

O sinal torna-se verde! Arranco em direção ao Alto da XV, onde marquei hora num salão masculino. Tenho que cortar o cabelo e aparar a barba. À noite terei um jantar com um político influente que diz querer propor um “negócio” para instalação de novos condomínios fechados no litoral paranaense e precisa de uma ajudazinha quanto à licença ambiental.  Sinto o cheiro de um bom negócio. Pela fama do político, o negócio não deve ser inferior a R$20 ou 30 milhões. 10% é uma boa “taxa de sucesso”. Mas a taxa mínima, fixa, é sempre de 2% sobre o valor do empreendimento, ou R$300 mil. O que for maior. Pagos adiantadamente, lógico.

Caro leitor este início de história é apenas o que poderia ser (ou será que é?) verdade. Mas, este início é só fruto da minha imaginação fértil tentando passar as condições de cidadania que, atualmente, grassa no país.

Certamente não é a maioria da população que age ou pensa desta forma. Na realidade, se juntarmos tudo, não deve passar de 2% de toda a população brasileira, que, estimada em 200 milhões de almas, seriam 5milhões de pessoas pensando desta forma.

Mas, de que forma você está falando Eloy?

Oras, temos aqui um rico, desonesto,  (esclareço que nem todo rico é desonesto, muito pelo contrario, onde grande parte deles, dos ricos, trabalharam e tem, merecida e legalmente, o direito de gozar seu conforto) num tráfego caótico, preocupado com a segurança pessoal. Temos desempregados tentando ganhar honestamente seu alimento de cada dia. Temos a alta carga tributária, representada pela citação à Receita Federal. Temos o cipoal de leis que faz com que o país perca milhões de reais mensalmente. Temos o poder judiciário com sua burocracia injusta e temos a corrupção do poder legislativo-executivo na liberação de facilidades.

Tudo isto, injetados num caldeirão de miséria social-educacional faz com que, cada vez mais nos tornemos uma Belindia, ou seja, um sistema econômico belga para uma distribuição de riquezas da Índia.

Apesar de todos os esforços dos últimos 20 anos de governo (ainda) democrático, ainda não conseguimos uma justa distribuição da produção da riqueza entre os cidadãos brasileiros.

Temos tecnologia de ponta para prospecção de petróleo, autonomia em combustíveis e, todavia,  pagamos uma das gasolinas mais caras do mundo. Exportamos gasolina a países limítrofes a U$ 0,10/litro e pagamos R$ 2,80/litro na bomba.

Cortamos investimentos com educação e saúde e, todavia, emprestamos bilhões de dólares para construção de porto em outro país, que, assim, poderá expandir sua economia, baixar seus custos de produção e fazer concorrência com os próprios produtos brasileiros.

Cortamos investimos em segurança (principalmente no combate ao tráfico internacional de drogas ), todavia, investimos, através do BNDES,  em estradas em países limítrofes  que facilitará, sobremaneira a distribuição de mais e mais drogas em território brasileiro.

Investimos em escolas de terceiro grau mas esquecemos da escola básica. Desconheço qualquer Nação que tenha investido prioritariamente em terceiro grau em detrimento da escola básica. Se o objetivo for fortalecer a capacidade de discernimento da população, este caminho está plenamente... errado! Não há uma boa casa sem uma boa base. Não há um BOM terceiro grau sem um excelente primeiro grau. Não existe uma boa Nação sem um BOM investimento em educação. Não há uma BOA educação sem um BOM investimento em QUALIFICAÇÃO PESSOAL.

Mas então é tudo culpa dos governantes?

Claro que não! Na verdade grande parte de nossos governantes apenas fazem aquilo que, a critério deles, é o melhor para... eles.

Nós, é que não exercemos, ainda, condignamente nossa cidadania do dia-a-dia.

A história que expresso lá no começo (totalmente ficcional, diga-se de passagem) acontece realmente TODOS os dias em nossas cidades. Ou não vemos motoristas bêbados em alta velocidade e achamos que isto é problema da policia.

A vizinha jogando o lixo na calçada e, devido a sua má educação, e não lhe chamamos a atenção.

Ficamos impassíveis diante de tantas e tantas quebra de decoro da cidadania, ao nosso lado, que, isto está tornando-se NORMAL.
Perdemos, como Nação, a nossa capacidade de extremar as ações erradas, punindo-as na forma mais dura que a lei permite. Não queremos envolvimento. Queremos continuar com nossa vidinha capenga de cidadania.

Raramente partimos para a ação de “puxar as orelhas” dos ditos governantes.

Marcha contra corrupção?  5 mil “marchadores”
Marcha dos homo afetivos? 3 milhões de participantes.
Tem algo de podre no reino de Pindorama.

Mesmo considerando-se o PATROCINIO dado pelo Estado à algumas marchas das minorias, retirando-se do orçamento da EDUCAÇÃO e SAÚDE, a MAIORIA da população é heterosexual e honesta, e, mesmo assim, não participam na defesa de seus próprios interesses e princípios. A marcha dos evangélicos é outro grato exemplo do que quero expressar.

Tanto para a marcha dos homo afetivos quanto para a marcha dos evangélicos tem uma organização forte por trás. Que dissemina ideias e cobra resultados disto.
E para a Marcha contra a corrupção?
Não há uma CENTRAL ANTI CORRUPTOS no país. Nenhum político, empresa pública ou privada, ou organização ASSUME fazer isto. Dos políticos e empresas públicas ou privadas é perfeitamente compreensível NÃO assumirem ou participarem, afinal, são os mais envolvidos na imoralidade estatal. Mas órgãos de classe poderiam e deveriam assumir, organizar, participar e patrocinar este tipo de coisa. Ordem dos advogados, Conselhos Regionais de Medicina, Administração, Arquitetura e Engenharia, Associações de Pais e Mestres, afinal, todos que realmente são CONTRA a rasteira imoralidade que esta sendo distribuida como normal à toda sociedade.

Estamos, como sociedade de massa, em situação catatônica.
Parados! Extasiados!  “Zumbizados” por uma ideologia carente de respeito e princípios morais
condizentes com democracia.

Em minhas andanças por escolas tenho visto um esforço além do crível de professores para
“bancar” uma educação de qualidade. A maioria, em torno de 85% a 90%, procura infundir aos estudantes conceitos morais de cidadania, respeito ao alheio, patriotismo ético. Mas, mesmo estes professores não tem tido a contra partida de reconhecimento de seus esforços por parte dos governantes. Seja ele de oposição ou apoio ao Governo Federal. Tiram recursos do próprio salário, que já não é lá estas coisas, para aquisição de material pedagógico. Para capacitação. Para o próprio crescimento profissional.
Nós,  sociedade brasileira, continuando a agir desta forma (avestruz, que esconde  a cabeça na terra para não ver o perigo que a ronda) apenas e unicamente apressa sua própria dissolução como sociedade organizada, tornando-se então um amontoado de tribos em busca do melhor do individual.

Temos, na história da humanidade, exemplos de sociedade que, estupidificadas por “messias” perderam a capacidade de se organizarem e lutar por aquilo que melhor lhes aprouver. As sociedades cubana e norte coreana, não desejam ser privadas da liberdade de ir e vir, todavia, sente-se incapaz de reagir devido a violência estatal contra os “inimigos do estado”.
Para os detentores do poder, a sociedade deve ser manipulada em prol desta mesma sociedade. Mesmo que para isto, seja obrigada a abrir mão de seu bem mais precioso: LIBERDADE.
Nós, brasileiros, a assim continuar, caminhamos inexoravelmente, para este tipo de sociedade.

Mesmo com todos estes problemas ainda acredito que a maioria de nós, brasileiros de boa cepa, honestos, pacíficos e trabalhadores ainda somos a maioria e, um dia, seremos uma grande Nação. Sem esperar nenhum Messias caçador de corrupto. Sem dar mais importância a um jogo de futebol do que a elevação da carga tributária. Defendendo seu voto partidário mais do que seu voto nos BBB’s da vida. Criando condições de participação efetiva nos rumos de seu bairro, cidade e país. Transformando a mentalidade pacífica-acomodada num crescente discernimento na aplicabilidade da cidadania. Com vontade. Com argumentação válida. Sem ter que assaltar bancos ou explodir bancas de revistas e aeroportos. Sem ter que derramar sangue no justiciamento do contraditório. Ouvindo , aprendendo, expressando e ensinando.

É difícil? É sim! Muito difícil. Mas se não começarmos nunca terminaremos. Nunca teremos realmente uma Nação digna e honesta. Compartilhadora e justa. Nunca viveremos realmente uma NAÇÃO BRASILEIRA.