A charge utilizada para este artigo encontra-se presente no Jornal Agora do dia 16/01/2010

A charge constitui-se enquanto um objeto textual, isto é, um modo ilustrativo que tem por finalidade satirizar, de maneira caricatural um acontecimento atual com uma (s) personagem (ns) envolvida. Desse modo, desempenhando efeitos de sentido específicos e singulares.
No Brasil, a charge vincula-se enquanto um aporte crítico e político-social que visa expressar graficamente por meio da ironia, do humor e da sátira, a óptica do autor ou meio de comunicação que este sujeito encontrasse envolto.
Portanto, é a partir de tais pressupostos que partirei a análise da charge de Lorde Lobo vinculada pelo Jornal Agora, de 16 de janeiro de 2010. Como também as perspectivas teóricas sígnica de Hjelmslev (plano de conteúdo e plano de expressão) e Pierce (ícone e índice).



Plano de Expressão

Tipologia textual: Texto chargístico sincrético, constituído de ícones e signos linguísticos.

Elementos de ancoragem:

A charge em análise é um texto de autoria de Lorde Lobo, educador e jornalista ilustrador, formado em Educação Artística - Habilitação Artes Plásticas, pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Nascido na cidade do Rio Grande / RS em 7 de janeiro de 1973, onde mora até hoje.
Desde os 4 anos tem se declarado um apaixonado pelas histórias em quadrinhos. Então, em 1992, transportou seu fascínio pela arte ao campo profissional e passou a publicar suas ilustrações, charges, cartuns, tiras e HQs nos mais diversos jornais, revistas e informativos da região; além de também trabalhar como desenhista free-lancer para agências de propaganda e gráficas.
De 2001 a 2006, ao lado do quadrinhista Law Tissot, editou a revista independente de histórias quadrinhos "Areia Hostil", que atingiu um ótimo destaque e boa aceitação entre os apaixonados por esta arte.
A charge em questão foi veiculada em 16 de janeiro de 2010, no jornal Agora, da cidade de Rio Grande/RS.


Contexto situacional:

No dia 12 de janeiro de 2010, a capital do Haiti, Porto Príncipe sofreu um terremoto que devastou todo seu território, provocando o pior desastre do gênero nos últimos 200 anos. Segundo a ONU 200 mil pessoas morreram soterradas pelos escombros, incluindo 21 brasileiros, 300 mil pessoas ficaram feridas, 4 milhões tiveram uma ou mais partes do corpo amputadas e um número descomunal de pessoas ficaram desabrigadas ou desaparecidas.
Cadáveres foram enterrados em valas comuns ou pelas próprias famílias. Comida, água e medicamentos estavam escassos. A segurança também foi causa de alarde, com a falta de água e comida a população haitiana foi saqueada por gangues armadas.
Vários países, liderados pelos EUA realizaram operações de ajuda a capital, Porto Príncipe com envio de pessoal, equipamentos, alimento e dinheiro. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) anunciou um subsídio de emergência de US$ 200 mil para fornecer comida, água, remédios e abrigo para as vítimas do terremoto. Outro país a declarar auxílio ao povo haitiano foi o Brasil que remeteu US$ 15 milhões e 14 toneladas de alimentos ao país centro-americano para socorro às vítimas do terremoto e reconstrução do país, segundo informou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim.
Tal atitude tomada pelo governo Lula, causou revolta no povo brasileiro, visto que este destinou uma quantia considerável ao país assolado pela catástrofe, enquanto, por outro lado, grande parte da população brasileira permaneceu no viés da marginalização, com precárias condições de sobrevivência, num enorme déficit de saúde, moradia e alimentação.

Descrição dos signos icônicos:

Conforme destaca Pierce os ícones são imagens que imitam a aparência de seres humanos com os quais se referem. Há tipos de signos que substituem objetos e indivíduos do mundo real, através de uma relação de semelhança. Dessa maneira, os signos icônicos que compõem o ambiente físico apresentados na charge sobressaíssem, a duas figuras humanas e um ícone hiperbolizado de folhas de jornal.
O jornal é reconhecido por índices específicos: linhas que indicam que há algo escrito, isto é, que vinculam uma dada informação, bem como quadrados que iconicamente representam figuras que são comumente expostas nesse tipo de mídia.
Ao visualizar a charge constata-se uma disparidade de tamanho entre o jornal e a figura humana representada pelo mendigo que estão iconicamente representados, visto que uma única folha de jornal cobre quase a totalidade do corpo do sujeito ali representado.
Há dois ícones da figura humana representados na charge, os dois mostram-se como homens que estão a margem da sociedade, visto pelo modo precário como estão vestidos, roupas que aparentemente estão desgastadas e também pela falta de calçado nos pés do sujeito representado.
O semblante do sujeito questionador, crítico é embasado por sua expressividade, o modo pelo qual observa, diante da notícia que é vinculado no jornal. Mostrando, desse modo, sua relação e sua posição ao que está ali estabelecido. Assim, os sujeitos e o jornal são ícones que representam seres e objeto do mundo real.
O jornal pode ser apontado ainda como um símbolo, visto que é um signo que representa o referente do mundo por meio de uma convenção estabelecida por uma sociedade ideológica. Pois, conforme já fora citado, o jornal é tido como um meio de comunicação em massa que publica notícias e opiniões que abrangem os mais diversos interesses socais, políticos e econômicos.

Descrição dos signos linguísticos:

Tratando-se deu um texto sincrético, os signos linguísticos presentes na charge constituem-se de ícones (objetos) e texto, material teórico. Tomando-se como pressuposto a charge de Lorde Lobo, partiremos a reflexão:

? Nível fonológico:
Ao observar o texto vinculado pelo objeto chargístico, vê-se que há um padrão rítmico conferido pela disposição das estruturas sintáticas, uma uniformidade rítmica, gráfica e sonora.
Sons, por exemplo, como os que se originam de consoante nasais /m/, presente em mandar, milhões, dormir, minha, fome e embora.
Outro aspecto característico é a utilização dos pontos de exclamação e interrogação que acabam por desencadear no texto sensações de surpresa e de questionamento, respectivamente: "... o Brasil vai mandar milhões de reais para o Haiti, para socorrer os desabrigados!", "Que legal, né?!", "Agora vê se me deixa dormir, pra ver se a minha fome vai embora!".

? Nível morfológico:
Quanto a esse aspecto observa-se que os pressupostos morfológicos de maior ênfase na charge em análise é a utilização de substantivos, os que nomeiam as sensações, os objetos e os países, sendo estes, em sua grande parte, precedidos por artigos: no jornal, o Brasil, o Haiti, os desabrigados e um especificamente por artigo+pronome+substantivo: a minha fome.
Outra característica morfológica que desempenha um efeito específico e determinante no texto é a utilização dos verbos em sua forma infinitiva, desencadeando ações que transcorrem no tempo presente: mandar, socorrer e dormir.


? Nível sintático:
Com relação ao aspecto sintático, é possível observar que a unidade textual consiste na forma como este é estruturado na charge: 2 falas, dispersas em 2 balões.
A recorrência estrutural gera concisão entre os processos coordenativos: "Aqui no jornal diz que o Brasil vai mandar milhões de reais para o Haiti, para socorrer os desabrigados" e "... Agora vê se me deixa dormir pra ver se a minha fome vai embora!". Onde os vocábulos em destaque: para e pra, consequentemente, no texto desempenham o sentido, o efeito de finalidade "... a fim de socorrer os desabrigados" e "... vê se me deixa dormir a fim de ver se a minha fome vai embora!".
Desse modo, acabam por formar unidades coesas de sentido e significação, os acontecimentos, por si só narrativizam-se na fala das personagens.


Plano de Conteúdo

Sabe-se que a charge constrói seus sentidos numa relação de interdependência, numa rede de interações desmedidas, é importante atentar para a charge em relação aos elementos de ancoragem: o momento em que o Haiti é atingido por um catastrófico terremoto, onde a imprensa mundial vinculava a situação precária. E também pela busca de auxílio à população de Porto Príncipe, fosse mantimento ou ajuda financeira.
Em função, dessa tragédia o governo brasileiro decide prestar assistência ao povo haitiano, conforme suscitou na mídia tanto brasileira quanto internacional. Ocasionando no Brasil interrogações do tipo:
- Por que o governo Lula enviou tão alta quantia de dinheiro e mantimentos?
- O porquê enfrentar os problemas de um outro país quando o seu próprio também passa por dificuldades?
- Seria esta uma tática política, sendo este o último ano de mandato do governo Lula ou ainda condições de se "mostrar" enquanto um governo solidário e preocupado com as condições de outros países?

Outra perspectiva relevante na charge em questão é o fato da notícia acerca do auxílio do Brasil ao Haiti ser vinculada no jornal, pois conforme já citado, o jornal expressa-se enquanto um meio de comunicação de massa que visa explicitar opiniões e notícias de uma dada sociedade que acaba por abranger as mais diversificadas classes sociais e os poderes político-ideológicos.
Assim, denotativamente, no plano de expressão, temos os ícones do jornal e dos mendigos ? ícones que conotativamente carregam simbologias: são metáforas de criticidade e marginalização respectivamente, isso de forma isolada, analisado um após o outro.
Entretanto, pesando-se num estudo abrangente compreende-se a reflexão do chargista frente a uma dada realidade social, isto é, há um país que presta assistência a outro, mas que nem ao menos interessa-se pelo seu povo, sendo esta população obrigada a viver a margem da sociedade, nas ruas, sem alimento, moradia, condições básicas de sobrevivência. Jogadas a sorte, a mercê do que a sociedade lhes impõe e disponibiliza, visto que o governo está atento a outras causas, utilizando a verba destinada a estes sujeitos em outras políticas sociais.
Sintaticamente, sabe-se que esses significados semanticamente aqui dispostos não são autônomos, ao contrário, são construídas numa relação de interdependência entre significado e significamente, isto é, um objeto sígnico-ideológico que estabelece sentido próprio e peculiar.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



FIORIN, Luiz José (org). Teoria dos Signos. In: Introdução à Linguística.São Paulo, SP: Contexto, 2002.
Jornal Agora. 16 de janeiro de 2010.

Lorde Lobo (vida e obra). Disponível em: http://www.lordelobo.com.br/penitente /artistas/lordelobo/perfil.htm. Acessado em 4/05/2010.

Terremoto no Haiti. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1446514-5602,00-COBERTURA+COMPLETA+TERREMOTO+NO+HAITI.html. Acessado em 10/05/2010.