A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SOB O ENFOQUE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

Mariana Padulla de SOUZA[1]

 

O princípio da capacidade contributiva é, num Estado democrático de Direito, o mais importante mediador entre o Fisco e o contribuinte de fato. Este princípio é um direito fundamental e busca com base em outros princípios fundamentais, como a justiça e a igualdade, contrabalancear o dever fundamental de arcar com os custos do Estado, através dos tributos, com a capacidade de cada indivíduo de arcar com esse custo.

É impossível a existência de um Estado sem que haja a contribuição financeira da sociedade. É ela quem arca com as despesas do Estado onde vive. Mas, deve-se lembrar que os cidadãos devem contribuir de uma maneira justa. Essa medida justa é refletida pela capacidade contributiva.

O principio da capacidade contributiva tem limites para que seja aplicado e que serve de balizamento para a elaboração de leis e julgamento de casos.

No Brasil esse principio ainda tem uma aplicação muito tímida. Contudo, ele vem sendo debatido pelo Supremo Tribunal Federal que eh o guardião da Constituição, bem como dos direitos e garantias nela inseridos.

O principio da capacidade contributiva encontra respaldo no sobreprincipio da justiça e da isonomia.

Ives Granda da Silva Martins define a capacidade contributiva como “a capacidade do contribuinte relacionada com a imposição especifica ou global, sendo portanto dimensão econômica particular de sua vinculação ao poder tributante, nos termos da lei”.

O principio da capacidade contributiva tem por destinatários tanto as pessoa físicas quanto as pessoas jurídicas e apresenta diversos contornos que facilitam a sua aplicação, quais sejam: os limites, atributos, índices e técnicas.

No Brasil não há uma indicação correta do valor da contribuição, como na Espanha, por exemplo. Contudo existe uma indicação de que o ordenamento constitucional pátrio reputa como mínimo existencial no art. 7, IV da CF/88.

Com a leitura de tal dispositivo percebe-se que, somente após ter atendido suas necessidades e de sua família, poderá o cidadão contribuir para o Estado. Este é o limite mínimo de cada indivíduo em contribuir.

O limite máximo é o confisco. A CF veda o confisco no art. 150, IV, pois foi tido como afronta a direito fundamental do contribuinte.

A inconstitucionalidade do confisco é um desdobramento da garantia ao direito de propriedade, afinal de nada adiantaria de um lado garantir a propriedade e de outro permitir que a mesma fosse espoliada pela tributação.

Em segundo lugar é importante analisar os atributos que a capacidade contributiva possui, que são: a atualidade, a efetividade e a realidade. Por tal motivo não se admitem presunções absolutas em termos de tributação, irretroatividade da norma de incidência e nem impedimentos legais para aferir a capacidade de contribuição do individuo para com o Estado.

Em terceiro, tem-se os índices da capacidade contributiva que são: a renda, o consumo e o patrimônio.

Por fim ainda pode-se dizer que a capacidade contributiva pode ser auferida por meio da utilização das seguintes técnicas: seletividade - o tributo aumenta à medida que a essencialidade do produto diminui; proporcionalidade – há uma alíquota, um valor estipulado sobre a base de cálculo; progressividade – a alíquota é elevada de acordo com o aumento da base de calculo; pessoalidade – a tributação procura focar o contribuinte, buscando a capacidade contributiva real.

O Brasil é um Estado Democrático de Direito e passou por uma série de transformações.

Esse Estado que garante tantos direitos fundamentais tem um custo que é arcado pela tributação, dever a todos imposto pelo simples fato de viverem em sociedade.

Para José Casalta Nabais o imposto é indispensável para uma vida em sociedade organizada em comunidade fiscal. Não pode o tributo ser encarado como mero poder estatal para o Estado, e nem como um sacrifício para o contribuinte.

Esse dever fundamental vem consagrado no Título VI da Constituição Federal e visa assegurar todos os direitos fundamentais contidos na Carta Magna, tanto aqueles veiculados no rol do art. 5°, bem como outros espalhados pela legislação.

Assim, a capacidade contributiva é um direito fundamental de extrema importância, tendo em vista que é este principio que busca o equilíbrio entre o dever fundamental de pegar tributos e todos os outros direitos assegurados pelo sistema.

A capacidade contributiva não se limita ao art. 145, §1° da Constituição. Vários são os dispositivos que trazem este principio da capacidade contributiva, tais como: art. 1°, II, 3°, I, III e IV, 5°, caput e incisos XIII e XXII, 150, II e IV, 153, III, todos da CF.

Tendo em vista que a capacidade contributiva está em diversos incisos no rol do art. 5°, não há como negar a ele status de direito fundamental.

O STF, em poucas ocasiões, foi provocado para se manifestar acerca do principio da capacidade contributiva. Em alguns casos o STF deu uma interpretação mais literal, em outros extrapolou a literalidade.

Para facilitar o entendimento dado pelo Supremo, pode-se dividir em tópicos as orientações do Egrégio Tribunal ao principio da capacidade contributiva.

a) Aplicação do princípio da capacidade contributiva às taxas e às contribuições:

Há uma intensa discussão sobre a possibilidade de aplicação do princípio da capacidade contributiva às taxas, pois as taxas são tributos vinculados a uma atividade estatal e por isso não haveria espaço para se analisar a capacidade contributiva do sujeito passivo dessa exação.

Tal discussão foi levada até o STF que se defendeu a possibilidade de aplicação do princípio da capacidade contributiva às taxas, seguindo o que dispõe o art. 145, §1° da CRFB.

Um dos casos levados ao STF foi a taxa de coleta de lixo nos municípios. Diante do problema, o Supremo editou a súmula vinculante 19.

As contribuições enfrentam a mesma problemática das taxas, mas o STF também se inclinou, recentemente, quanto a possibilidade de aplicação de tal principio às contribuições. Um exemplo disto é a contribuição para iluminação pública, caso que também foi levado a julgamento pelo órgão máximo do poder judiciário no país.

b) A aplicação do principio por meio da vedação ao confisco, seu limite superior:

O confisco é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Não há, no direito interno, um parâmetro para o que seja o confisco. Entretanto o STF deu contornos ao que seja confisco em um de seus julgamentos, dizendo “resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributarias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte”.

Atualmente, este é o único parâmetro existente quanto à questão.

c) A necessidade de se tributar a capacidade contributiva efetiva – atributo fundamental do princípio:

Ao se instituir um imposto, além de se ter a preocupação de, na eleição do fato gerador, observar um dos índices da capacidade contributiva, tais como renda, patrimônio, consumo, faz-se necessário que a tributação se verifique quando, de fato, tais índices se concretizam, ou seja, a renda esteja disponível para o sujeito passivo, o patrimônio seja dele e o consumo tenha sido realizado.

Por exemplo, não se tributa a renda pelo imposto de renda pelo simples fato de haver previsão legal. Deve antes o contribuinte dela dispor nos termos do art. 43 do CTN, sob pena de se estar criando uma ficção de renda, o que violaria o principio da capacidade contributiva, justamente por não observar o requisito da efetividade.

O STF já foi instado a se manifestar sobre esse tema e impediu a tributação com base em ficção jurídica no julgamento do RE 172. 058/SC dizendo que era inconstitucional o recolhimento do imposto de renda do acionista na fonte.

Deve o STF garantir a máxima efetividade do principio da capacidade contributiva, pois é direito fundamental, impedindo a tributação com base em tributação ficta, sem considerar a efetiva disponibilização dos lucros, seja jurídica ou econômica.

d) O manejo da técnica da progressividade a favor da capacidade contributiva:

O STF sempre foi contrário à utilização da progressividade como forma de aplicar o principio da capacidade contributiva.

Normalmente essa discussão era levada até o órgão julgador no que tangia a aplicação de alíquotas progressivas do IPTU. Inclusive há uma súmula que trata do assunto, qual seja, o enunciado 668.

Entretanto essa discussão foi superada, em partes, após o advento da EC n. 29/2000, mas a impossibilidade de aplicação da progressividade com base na capacidade contributiva continuava valendo como orientação a ser aplicada em diversos tributos. Tal vedação se aplicava aos impostos e às contribuições.

Foi com o julgamento do RE 573/675 (COSIP – contribuição para a iluminação pública) de 2009 que houve uma mudança na jurisprudência da Corte Suprema. Entendeu-se que poderia ter alíquotas progressivas como forma de se observar o principio da capacidade contributiva.

Pode-se afirmar que essa mudança de pensamentos na jurisprudência do STF é um divisor de águas, pois o Supremo estaria dando, de fato, maior efetividade ao principio da capacidade contributiva adotando a técnica da progressividade.

Essas decisões, em especial essa última, são importantes pois indicam uma tendência do Tribunal Constitucional de atribuir maior efetividade a um principio constitucional de importante valia no Direito Tributário atual, a fim de torná-lo mais justo e equilibrado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUTRA, Micaela Dominguez. A Capacidade Contributiva sob o Enfoque do Supremo Tribunal Federal.



[1] Discente do 5º ano do curso de Direito das Faculdades Integradas “Antonio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente. [email protected]