A CAMA DE MANUEL ENCURTOU

No outro dia Manuel acorda sobressaltado. São 8 horas e o serviço começa às 7. Toma banho rapidamente, nem come nada, também não tem nada. Sai correndo pro serviço. Mestre de obra. Todo mundo já está trabalhando. Manuel chega com a cara mais sonsa que já teve. Ainda bem que o patrão nem passou por perto. Sorte.

Trabalha que só um louco. Põe massa, põe tijolo, põe cimento, dá ordem aqui e acolá e a casa vai crescendo. Enquanto a obra sobe, vai-se lembrando do tempo de menino. Vida boa! Só pescar, jogar bola e pelotear passarinho. Acordava cedo só pra ficar mais tempo sem fazer nada. E o riozinho? Manuel sente até o friozinho de água nas costas, mas na verdade, o calor está a 40o. Não importa. Um dia Manuel terá uma vida boa, não sabe quando, nem como, mas terá.

Doze horas. Manuel tem que ir pra casa se refestelar. Rico vai para o lar ou para um belo restaurante. Pobre só pode ir pro barraco. Quanta diferença! Comida de rico é faisão ao molho pardo, macarronada com frango assado, vinho de primeira qualidade e daí pra frente. Pobre é angu, feijão com bicho, mais bicho que feijão, abóbora, ovo. Isto quando tem. Manuel não reclama de nada. Reclamar pra quem? Pra Deus? Não adianta. Deus já tem uma dívida muito alta. Hoje em dia ninguém paga ninguém. É só Deus lhe pague daqui, Deus lhe pague dali. No final das contas acaba não pagando ninguém. Não adianta reclamar. Já mandaram o Manuel reclamar ao papa, ao bispo, ao governador, ao presidente. Estes, só sabem mentir. Só prometem o que não tem e o que nunca poderão fazer. Não adiantava mesmo.

Manuel chega em casa. Sua avó é quem faz o boião. Manuel tem alguns parentes com ele: a avó, o pai, dois irmãos, duas irmãs e uma sobrinha. O resto da família está por aí, pelo mundo afora. Uns andando mesmo, outros vagabundeando e o resto no outro mundo. Este resto é o que está um pouco melhor. Assim o Manuel ouve falar por aí. Não tem certeza disto, nem quer ir pro outro mundo ainda.

Manuel come o que lhe passam. Já sabia o que era. Nem comentário faz. Conversa com o pai que já está bem velho e só fala do tempo de outrora. Tempo bom, segundo ele. Fartura que era um colosso. Morava lá pro Pernambuco à beira mar. Gostava de tomar água de coco, pescar de vez em quando, dormir na areia a tarde. E isto não foi há muito tempo. Foi aí pra banda de 1910. O Brasil era um paraíso. Agora está tudo mudado. Ninguém quer trabalhar e... sente-se nervoso o Manuel. Termina logo o respaldo e trata de ir pro serviço. Escutar o lenga-lenga do velho, só atrapalha. O que passou passou. Agora é partir pra outra. Ele sabe que o velho sente saudades, mas o que poderia fazer?

Às 13 horas já está no serviço. Agora chegou cedo. O trabalho recomeça. Manuel trabalha com vigor. Ouve os outros operários falarem alto. Este fala uma coisa, aquele ali fala outra, todo mundo conversa. Sai verdades, sai mentiras, mais mentiras que verdade. Manuel já se acostumou. Nem liga mais. Ele não é lá de muita conversa. Só conversa muito quando está com umas e outras. O sol queima o lombo de Manuel. Está todo suado. Suar é bom. Sai a pinga de ontem. Depois é só ir embora, tomar um bom banho e o corpo até parece ficar mais leve.

Às 5 horas acaba o expediente, se é que se pode chamar isto de expediente. Manuel vai pra casa, antes toma uns traguinhos no bar do Zeca pra não perder o costume. Isto é pra refrescar. Também é bom pra acabar o cansaço. De uma biriba vai pra outra. Chega um amigo, chega outro. Um paga uma coisa, outro paga outra e assim vai indo. Agora Manuel nem vê o tempo passar. Quando dá conta já são 8 horas da noite. Manuel tem que ir pra casa. Na estrada perde o sentido. Tudo roda pra ele. Que mundo mais estranho! Enfim chega em casa. Toma um banho e janta, porém não está vendo nada. Senta no sofá e começa a assistir televisão, mas agarra no sono. Todos estão na sala assistido a novela. Começa a cair a cabeça do Manuel e a irmã manda-o ir pra cama. Ele sai resmungando, mas vai. Quando a irmã vai à sala do meio, olha que surpresa! O Manuel estava deitado em plena mesa. Mas Manuel, tá vendo que não chegou a hora de deitar na mesa ainda? Por isto é que Manuel estranhou os pés da cama. Nunca vira tão altos assim. Ele desce da mesa quase caindo e cambaleando e vai pra cozinha. Abre o forno do fogão e tenta enfiar a cabeça aí quando a irmã aparece. Mas Manuel o que você está fazendo aí? Manuel resmunga algo. Diabo desta casa! Parece que tudo encurtou. Não me cabe mais. Cai na gargalhada a irmã e diz ao Manuel: você não tá vendo que aí é o forno do fogão, Manuel? Estranho. Ainda bem que o forno não estava ligado. Só então Manuel acha o caminho da cama.