O século XXI surge com novas propostas, o Projeto Genoma Humano que seqüenciou os bilhões de Genes que compõem a essência de um indivíduo, agora estão em um computador, prontos para a manipulação dos quase deuses que vestem batas brancas e decidem em suas mentes o destino da nossa humanidade. Trilhar o caminho da manipulação da vida é reviver um velho temor, a Eugenia. Que nas mãos de Joseph Mengele levou a ciência a tal extremo que esquecemos por um segundo que éramos seres humanos. E, a conseqüência deste esquecimento, ainda marca a ferro e fogo nossas mentes, com os milhões de judeus chacinados num dos mais tristes períodos da história, o Holocausto. Estaríamos novamente caminhando para esse extremo?

O legado dos filhos de Adão tem sido um verdadeiro fardo para se carregar desde que fomos expulsos do paraíso e buscamos construir o nosso próprio Éden. Desde o alvorecer da humanidade buscamos o poder sobre a vida e a morte, e passamos por cima de religião, ética e dos nossos semelhantes. A Eugenia surgiu como ciência no final do século XIX, e, como uma adaptação da teoria da evolução das espécies para um contexto social, ela foi clara e concisa: Os mais aptos sobreviverão. E na fértil mente de um sádico, chamado Adolf Hitler, ela se tornou poder.

O Projeto Genoma reaviva um dos mais complexos problemas que enfrentamos ao longo de toda nossa história, as diferenças. Ainda não aprendemos a viver com as diferenças existentes entre os indivíduos e somos fundamentalmente preconceituosos e egocêntricos. E nesse contexto surge a Manipulação Gênica, a capacidade de manipular o conjunto cromossômico de uma pessoa para eliminar doenças cardíacas, propensão ao câncer ou a problemas mentais. Mas porque parar por ai, porque não dar as pessoas melhor capacidade física e intelectual, maior longevidade e beleza eterna. Porque não tornar essas pessoas superiores em nossos líderes, porque não nos curvarmos diante desses semideuses e adorá-los. E aí está instaurado o "Admirável Mundo Novo" de Huxley, onde seres melhorados geneticamente vivem em um mundo iconoclastico essencialmente narcisista, de veneração mútua; e os normais vivem sob o julgo da miséria e do preconceito, inferiorizados por sua normalidade.

Para que a terapia gênica e o estudo dos genes passe de uma pesquisa para localizar genes portadores de doenças e tentar corrigi-los para um ciência eugênica que impulsione o preconceito social em uma realidade futura é apenas um passo. Numa sociedade futura, um cientista virá até a casa de um casal, para que juntos eles escolham as características de seu bebê, desde cor dos olhos até habilidade para violino, tudo será minuciosamente escolhido, como na compra de um carro, tornando a vida um bem de consumo.

Talvez essa premonição seja um pouco drástica, o mesmo disseram a Huxley pouco antes da ascensão do nazismo. A história comprova, o homem gosta de brincar de ser deus, e acaba metendo os pés pelas mãos. Esse brincar de ser Deus pode acarretar uma séria disparidade social, e uma falência generalizada da democracia e da ética. Certamente ética será uma instituição falida daqui a alguns anos, quando passarmos a ser completamente motivados por dinheiro e por racismo. Abominamos Adolf Hitler e o nazismo, mas pouco à pouco ele é reavivado nas provetas dos cientistas e, novamente, ele passa cada vez mais a ganhar nossa sociedade.

As diferenças existem e sempre existirão, pois elas fazem parte dos indivíduos. Devemos aprender a viver com elas, e não a olhá-las como imperfeições. Nas diferenças a humanidade se completa sem que ninguém seja superior ou inferior. Mas essa é uma lição que custamos a aprender. Sempre, o poder sobre a vida foi uma premissa de Deus, pois só ele está acima do bem e do mal e não é como nós, movido por paixões efêmeras e egoístas que funcionam como combustível da alma humana.

Dançamos a dança da vida, no palco do tempo no teatro de Deus. Colhemos os frutos da mente e eles nos revelam os segredos da Criação. Estaremos prontos para eles?

O Projeto Genoma me lembra uma velha lenda Grega, a caixa de Pandora. Quando Epimeteu recebeu, de Zeus, uma esposa chamada Pandora, que trazia uma caixa com a advertência de jamais abri-la. Não resistindo a curiosidade, abriram a caixa e assim liberaram pelo mundo todos os males da humanidade: Dor, angustia, trabalho, paixão, ódio, só restando no fundo da caixa a esperança. Decifrar o Genoma humano pode ter sido abrir uma caixa de Pandora que irá mudar completamente a maneira dos seres humanos interagirem, pensarem e serem. Pode acarretar na reconstrução do preconceito totalitário, chamado de nazismo. Pode macular para sempre nossos princípios e lançar sobre terra a ética e a igualdade.

Enquanto nossos cientistas brincam de ser Deus e jogam com o destino da Humanidade, e fazem ressurgir monstros do nosso passado, afirmam: A ciência nos leva próximos a Deus. Não parece. Enquanto nossa sede por conhecimento nos leva a esmiuçar cada recanto do grande enigma que é a vida, vemos o que talvez não devêssemos ver. Somos criaturas que descobrem que podem ser criador, e vemos que tal poder tem uma face nefasta com a qual ainda não estamos prontos para lhe dar. Mas, mesmo assim, trazemos a tona os segredos de Deus tão bem guardados e seus males que irão para sempre nos assombrar como um pesadelo, e, assim como Pandora, ao final só nos restará a Esperança.