A busca da verdade real e a produção de provas ilícitas no processo penal brasileiro.

Raphaela Rocha Ribeiro

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo trata da possibilidade ou não de admissão da prova ilícita no processo penal brasileiro. Tema não pacificado, discorremos sobre a caracterização de prova ilícita, bem como tratemos das provas lícitas que decorrem das provas ilícitas a luz do texto constitucional e infraconstitucional brasileiro, a partir das mudanças ocorridas no art. 157 e parágrafos do Código de Processo Penal Pátrio em virtude da Lei 11.690/2008.

2 PROVA E O PROCESSO PENAL

2.1 DA PROVA

Entende-se como prova as formas, utilizadas durante o a instrução jurisdicional, para se demonstrar a verdade de fato conhecido ou controvertido a ser utilizada como meio de convicção do julgador em sua decisão.

A etimologia da palavra “probare” indica tornar algo crível, comprovar, apurar a verdade. Não cabe ao julgador estabelecer nenhuma decisão sem que haja provas que indiquem e consubstanciem seu entendimento, formando, pois, sua convicção. As provas que podem ser produzidas são as mais diversas, contudo, no processo penal brasileiro a prova mais utilizada é a prova testemunhal.

2.1 DA PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O texto constitucional de 1988 é claro ao dizer que não são admissíveis, no processo, provas obtidas por meios ilícitos. Esse entendimento coaduna com o momento histórico em que a Constituição da República de 1988 foi outorgada. Após um longo período de exceção, em que direitos e garantias fundamentais foram arbitrariamente violados, seria natural que o processo de redemocratização garantisse o devido processo legal são o uso de provas ilícitas.

Em seu art. 5º, inciso LVI, a Constituição é taxativa ao tratar da referida impossibilidade,
contudo o legislador não conceituou o que seria prova ilícita. Dessa forma, foi papel da
doutrina criar o conceito, chegando inclusive a fazer a importante distinção entre prova lícita e ilícita da qual o legislador não tratou.

Assim, utilizando o entendimento de Alexandre de Moraes (2008), prova ilícita é aquela que
viola direito material, e prova ilegítima é aquela que infringe direito processual.

Tal cerceamento no que diz respeito à produção de provas parecia absoluto por se tratar de
uma garantia fundamental que dialoga com os princípios de um Estado democrático. Contudo,
em razão da complexidade e multiplicidade das relações sociais, entendimentos contrários
passaram a surgir, utilizando-se de ponderação de valores e do princípio da adequação. As
diversidades e a própria necessidade em casos concretos, revelou uma necessidade do próprio
judiciário de reavaliar a taxatividade da proposta do legislador no texto constitucional.

Sobre esse novo entendimento do disposto pelo art. 5º, inciso LVI, da CR/88, vê-se uma
possível relativização através da produção de provas ilícitas sempre que houver, diante de
um confronto de princípios, um direito fundamental contratante de maior relevância (CAPEZ,2008). Essa relativização só em possível em face de um caso concreto.

Embora, o entendimento da doutrina e da jurisprudência assumam esse novo entendimento, o legislador infraconstitucional se posicionou expressamente acerca da impossibilidade de produção de provas ilícitas, conforme redação do art. 157 do CPP, dada pela lei 11.690/2008. Assim, dispõe:


“Art. 157: São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a violação de normas constitucionais ou legais.”

 

O legislador, portanto, não tratou de diferenciar, como fizera o doutrinador, provas ilícitas e provas ilegítimas, delimitando a falar que não serão admitidas provas que violem normas constitucionais ou legais. Ainda, no parágrafo segundo do mesmo artigo, o legislador
dispõe que também são inadmissíveis provas derivadas das ilícitas.

Ocorre que quando se trata de produção de provas derivadas das ilícitas, que a princípio seriam inadmitidas, o legislador, abre uma exceção e confere possibilidade de obtê-las caso não haja nexo de causalidade entre as ilícitas e as derivadas ou quando forem obtidas
de fonte independente das primeiras.

Verifica-se, portanto, que o legislador infraconstitucional conferiu uma exceção que não coaduna com o disposto pelo legislador constitucional. Assim, se o texto constitucional inadmite qualquer tipo de prova ilícita, não caberia ao legislador infraconstitucional estabelecer ressalvas, criando a possibilidade de admiti-las no processo penal brasileiro.

Ainda assim, a doutrina e a jurisprudência pátria admitem a produção de provas ilícitas em dois casos. É admissível a produção desse tipo de prova quando se trata de um benefício ao réu, sendo que através dessa será possível fundamental sua inocência. Nesse sentido, entende-se que o acusado está usando de tal prova como legítima defesa ou estado de necessidade. Sobre esse entendimento, leciona Moraes (2008):

“(...) a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizados, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade,segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização.
[...]
Na jurisprudência pátria, somente se aplica o princípio da proporcionalidade pro reo, entendendo-se que a ilicitude é eliminada por causas excludentes de ilicitude, em prol do princípio da inocência.
Desta forma, repita-se que a regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, que só excepcionalmente deverão ser admitidas em juízo, em respeitos às liberdades públicas e ao princípio da dignidade humana na colheita de provas e na própria persecução penal do Estado.”” (MORAES, 2006, p. 97).


O outro tipo de prova ilícita aceita seria a prova lícita derivada da ilícita. Se houver nexo de causalidade comprovado entre a prova lícita e a ilícita, tal prova será invalidada. Contudo, se o nexo não restar comprovado uma prova que foi obtida, conhecida a partir da prova ilícita, será válida e poderá servir de subsídio para posterior condenação ou absolvição. Esse entendimento foi positivado pela alteração do legislador decorrente da Lei 11.690/2008, ao art. 157, §2º.

Ocorre que, na prática, no caso concreto há grande dificuldade de se averiguar e comprovar a licitude da prova derivada da ilícita. Mesmo assim, restando comprovado a licitude e a ausência do nexo de causalidade com a prova ilícita, serão consideradas provas válidas, segundo entendimento dos tribunais pátrios.

3 CONCLUSÃO

Houve, portanto, uma relativização do disposto pela Constituição da República de 1988, no que diz respeito a admissão de provas ilícitas no processo penal brasileiro. O legislador infra constitucional sob um aspecto pareceu se esquecer de princípios trazidos pela Constituição de 1988, que tanto se preocupou com direitos e garantias fundamentais, coadunando-se com os ideais de um Estado Democrático de Direito. Entretanto, a opção da legislação constitucional foi a de ampliar a possibilidade de argumentação da defesa e comprovação da inocência do acusado.

A relativização (responsável) dos critérios de deferimento e apreciação de provas aumenta possibilidades de decidir em meio a incerteza e falta de convicção do julgador, contudo, é preciso para o comprometimento com a verdade e justiça, é essencial resguardar princípios constitucionais atinentes as liberdades individuais e a dignidade da pessoa humana.

4 REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª ed, rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Iuris, 2007.