Grasiela Michelutti

Consultora em Licitações - Acadêmica de Direito

1.Compreendendo o que é a licitação pública

Para uma melhor exposição das idéias objeto deste estudo, cumpre se fazer breves considerações a respeito do conceito de licitação pública em nosso ordenamento jurídico.

Diógenes Gasparini conceitua licitação como sendo:

[...] procedimento administrativo através do qual a pessoa a isso juridicamente obrigada seleciona, em razão de critérios objetivos previamente estabelecidos, de interessados que tenham atendido à sua convocação, a proposta mais vantajosa para o contrato ou ato de seu interesse.[1]

No âmbito da administração pública, a adoção do procedimento de licitação para todas as aquisições e contratações é regra que emana do Texto Constitucional, conforme dispõe o art. 37, XXI, da Carta, assim redigido:

Art. 37 [...]

[...]

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamente, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termo da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A Lei 8.666, de 21/06/1993, normatiza a previsão constante do mencionado dispositivo constitucional, estabelecendo as normas gerais sobre licitações e contratos administrativo pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito da administração.

Conforme disposição contida no art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666/93, são obrigados a realizar licitação, os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que estejam sob o controle, direta ou indiretamente, da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

A obrigatoriedade do processo licitatório para todos estes entes justifica-se, já que o administrador público não possui a liberdade das empresas privadas que podem contratar livremente, de acordo com suas conveniências. Por administrar bens e serviços públicos, a Administração deve agir de acordo com o interesse da comunidade, o que neste caso quer dizer, buscar realizar o melhor negócio pela proposta mais vantajosa.

Esta busca é que justamente se traduz nas licitações.

Todo este processo em busca da proposta mais vantajosa não pode se desprender do princípio da isonomia, que, ao lado dos demais princípios norteadores da Administração Pública regem as licitações.

2.Atingindo seu real objetivo: obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração

Para atingir o objetivo da proposta mais vantajosa, vários procedimentos devem ser cumpridos e, certamente, a elaboração do instrumento convocatório é um dos itens mais importantes neste processo.

Sobre este tema já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, da seguinte forma:

LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DA VINCULÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. DESCLASSIFICAÇÃO. NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO EDITAL PELA EMPRESA RECORRENTE. DECISÃO ADMINISTRATIVA PROFERIDA SOB O CRIVO DA LEGALIDADE.

I – O edital é elemento fundamental do procedimento licitatório. Ele é que fixa as condições de realização da licitação, determina o seu objeto, discrimina as garantias e os deveres de ambas as partes, regulando todo o certame público.

II – Se o Recorrente, ciente das normas editalícias, não apresentou em época oportuna qualquer impugnação, ao deixar de atendê-lo incorreu no risco e na possibilidade de sua desclassificação, como de fato ocorreu.

III – Recurso desprovido.

(RMS 10.847/MA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEGUNDA TURMA, julgado em 27.11.2001, DJ 18.02.2002 p. 279) – grifou-se

Primeiramente, deve-se traçar quais são os reais objetivos da contratação ou aquisição. O objeto deverá ser definido com clareza e objetividade, proporcionando tanto à Administração quanto aos licitantes interessados uma contratação isenta de erros.

Após a definição do objeto, atentando-se para os limites impostos pela legislação, deve o Administrador definir os requisitos para habilitação (jurídica, técnica, econômico-financeira e fiscal). Neste momento deverá também a Administração agir com clareza e objetividade, já que lhe é interessante obter o maior número possível de empresas habilitadas, conseqüentemente, várias propostas classificadas. Muito cuidado justifica-se também, visto que o instrumento convocatório é instrumento vinculante (art. 41, Lei 8.666/93). No ato de análise dos documentos exigidos não poderão restar dúvidas para a Comissão julgadora sobre qual documentação deveria ser apresentada.

O excesso de zelo e formalismo desnecessário do Administrador na elaboração dos editais poderá ser prejudicial tanto para a própria Administração, quanto para os licitantes interessados. Alguns rigores editalícios podem causar a inabilitação de muitas empresas, o que seria totalmente contrário aos objetivos do processo licitatório. Apoiando-se na doutrina do ilustre Dr. Marçal Justen Filho:

A maioria dos problemas práticos ocorridos em licitações deriva da equivocada elaboração do ato convocatório. [...] Na ânsia de evitar omitir regras necessárias, a Administração transforma os editais em amontoados de exigências inúteis, com formalismos desarrazoados e requisitos meramente ritualísticos. Muitas vezes os editais parecem retratar a intenção de garantir para a Administração, por via oculta e indireta, o poder de decidir arbitrariamente, a faculdade de excluir imotivadamente os licitantes incômodos ou antipáticos. Isto é um despropósito [...]. O resultado é o surgimento de conflitos intermináveis, a exclusão de licitantes idôneos, a desclassificação de propostas vantajosas e assim por diante.[2]

Recorrendo à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estes entendimentos podem ser ilustrados da seguinte forma:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 28, III, E 41 DA LEI 8.666/93. NÃO OCORRÊNCIA. HABILITAÇÃO JURÍDICA COMPROVADA. ATENDIMENTO DA FINALIDADE LEGAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1.A Lei 8.666/93 exige, para a demonstração da habilitação jurídica de sociedade empresária, a apresentação do ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente registrado (art. 28, III).

2.A recorrida apresentou o contrato social original e certidão simplificada expedida pela Junta Comercial, devidamente autenticada, contendo todos os elementos necessários à análise de sua idoneidade jurídica (nome empresaria, data de arquivamento do ato constitutivo e do início das atividades, objeto social detalhado, capital social integralizado e administradores).

3.Inexiste violação da lei ou do instrumento convocatório, porquanto a recorrida demonstrou sua capacidade jurídica e atendeu, satisfatoriamente, à finalidade da regra positivada no art. 28, III, da Lei 8.666/93.

4.A Administração Pública não pode descumprir as normas legais, tampouco as condições editalícias, tendo em vista o princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/93, art. 41).

5.Contudo, rigorismos formais extremos e exigências inúteis não podem conduzir a interpretação contrária à finalidade da lei, notadamente em se tratando de concorrência pública, do tipo menor preço, na qual a existência de vários interessados é benéfica, na exata medida em que facilita a escolha da proposta efetivamente mais vantajosa (Lei 8.666/93, art. 3º).

6.Recurso especial desprovido.

(REsp 797.170/MT, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17.10.2006, DJ 07.11.2006 p. 252) – grifou-se

Posicionamento análogo possui o teor da Decisão Plenária nº 1041/2000, do Tribunal de Contas da União, sob relatoria do Ministro Bento Bugarin:

No afã de redigir os editais da forma mais abrangente possível, evitando, assim, possíveis omissões ou obscuridades, em muitas oportunidade, deparamos com instrumentos convocatórios com várias exigências inúteis, com formalidades e requisitos desnecessários, que, ao invés de alavancarem a participação de licitantes, diminuem, na prática, o número de concorrentes, seja por meio da exclusão de licitantes idôneos seja pela desclassificação de propostas vantajosas. [...] somente estipule no edital requisitos úteis e necessários, eliminando todos os formalismos excessivos que não produzam qualquer benefício para a seleção da proposta mais vantajosa.

Surge neste momento a seguinte dúvida: como elaborar um edital claro e objetivo, mas sem omissões? Talvez a resposta esteja na elaboração de um edital excessivamente simples que deverá buscar socorro em apensos que facilitarão o entendimento dos licitantes interessados.

Conhecidamente, o primeiro ato após a adjudicação e homologação do processo para a empresa que apresentou a proposta mais vantajosa será a formalização de um contrato de fornecimento ou de prestação de serviços, conforme o caso. As licitantes interessadas no certame já deverão ter conhecimento dos termos deste contrato no ato de aquisição do edital, podendo assim analisar as condições a que estarão sujeitas caso vencedora da licitação.

É indispensável, portanto, que a minuta deste contrato esteja anexa ao edital, tornado-se desnecessária que cláusulas contratualmente obrigatórias em um instrumento de contrato (prazo, condições de pagamento, critérios de reajuste etc.) sejam redigidas no próprio edital. A duplicidade de cláusulas incorre não somente em um edital extenso, mas deixaria margens para contradições em um mesmo processo.

Outros itens indispensáveis para elaboração da proposta de preços, tais como: orçamento estimativo, memorial descritivo de obras/serviços e projetos poderão também ser apresentados como anexos, facilitando desta forma a compreensão do licitante sob as condições em que os serviços deverão ser executados.

Torna-se também totalmente desnecessária a repetição de expressões legislativas, o edital deve ser concreto e objetivo não podendo estar cercado de subjetividades e abstrações legais.

Certamente, a elaboração de um edital nestas condições será temporalmente dispendiosa para a Administração que, em muitos casos, socorre-se de modelos de editais pré-aprovados. Em um primeiro momento estes modelos oferecem uma agilidade ficta ao processo visto que rapidamente o edital estará à disposição dos licitantes. Porém, é exatamente neste momento que toda a agilidade inicial se esvai diante da enxurrada de dúvidas, questionamentos e impugnações que, caso não sejam atendidas a contento gerarão recursos administrativos ou até mesmo entraves judiciais que podem estender-se além do razoável, prejudicando os interesses da Administração Pública, que nada mais são do que os interesses do povo.

3. Conclusão

Portanto, os instrumentos convocatórios devem se desprender das burocracias desnecessárias que cercam a Administração Pública e ser elaborados com clareza e objetividade, tendo sempre em vista a classificação do maior número de propostas, sem ferir os princípios basilares do Direito Administrativo.

Só assim será possível atingir seu real objetivo, a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração.


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4.Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Dispõe sobre normas para licitações e contratos administrativos da administração pública e dá outras providências. Brasília, 1993.

GASPARINI, Diógenes.Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005.

Joinville, 25 de agosto de 2.008.



[1] GASPARINI, Diógenes.Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 428

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 384-385