Quando o escravo era acorrentado com grilhões de ferro era fácil perceber a escravidão. Quando agora desfila acorrentado a algemas semânticas torna-se difícil, ao espírito acrítico, perceber a escravidão do homem, curvado perante a mesma ortodoxia psicanalítica da energia invasora inconsciente, inacessível ao indefeso subordinado, ignorante do saber lingüístico e dos reforços que este praticou na teoria do inconsciente" Albert Camus.

 Ao longo da história, a humanidade vem travando uma verdadeira batalha por sua autonomia e emancipação mental. Mas é imperioso anotar a docilidade com que o pensamento humano tem sido  manipulado. Talvez o termo docilidade possa ser até substituído por promiscuidade. A manipulação mental das massas é uma constatação terrível, imoral. Isso ocorre em várias áreas e particularmente numa  que nos interessa: o sistema mente-cerebro.

Transformar descobertas refutadoras em argumentos confirmatórios é fraude. Os exemplos são fartos. A despeito das descobertas, no século XV, de Servet e Harvey, a teoria galênica de que o sangue é imóvel, então falsificada, continuou sendo ensinada a várias gerações. Mesmo depois de Copérnico, pessoas continuaram sendo enganadas por meia dúzia de doutores, que, invocando sua autoridade, impediam o progresso, conseguindo inclusive levar Giordano Bruno à fogueira e fazer um homem da estatura de Galileu concordar publicamente com a fraude do geocentrismo.

    É importante salientar que é sempre a autoridade científica de plantão que bloqueia o progresso, patrocinando a manipulação. Isso ocorre há muito com o nosso potencial mental, nosso sistema mente-cerebro. A luta pela manipulação da nossa mente é uma batalha sem tréguas, capitaneada pelos psicocratas de plantão, cujo sonho é fazer-nos crer que nosso pensamento não é criador e sim inconsciente e que além de inconsciente é fragmentário, para que consigam se apropriar de uma de suas partes.  Dividir para imperar é um princípio de governança: o estudo do homem em pedaços, em id e ego, em consciente e inconsciente, em significante e significado, é parte essencial de técnicas de domínio, as quais também necessitam da nossa subserviente crença no pensamento dicotômico. Sem tais ingredientes, os psicocratas  perdem as mordomias desse poder, tais como: o comércio da interpretação, da hermenêutica, da análise e dos psicodiagnósticos compulsórios; a façanha de acessarem o significado do significante que nos escraviza, numa espúria relação de poder que começou sua vida na esfera política e hoje vive camuflada de conceito psicológico.

Essa luta pela conquista do nosso pensamento deve agora confrontar-se com a nossa decisão da libertação da escravatura mental. Basta permitir o streeptease desses veneráveis "conceitos psicológicos" diante do nosso hemisfério lógico, para que eles se desnudem como meros artifícios e jogos biunívocos de poder. O streeptease revela que aqui não existe rigorosamente nenhum mecanismo psicológico, intrapsíquico, porque é tudo mecanismo sociológico, interpessoal. Rejeitar significante e significado, inconsciente e consciente, não são simples pugnas intelectuais; mas um estado de libertação desse sistema de escravidão mental, de psicocracia mascarada de saber psicológico.

     Na área das ciências que abordam o psiquismo há uma profusão de fraudes. Isso apenas confirma o que Khun disse: "cientistas estão muitas vezes mais interessados em obstruir do que gerar progresso". Salvador Nogueira, em artigo publicado na Folha de São Paulo em 09/06/2005, afirma que um em três cientistas admite a prática da fraude. Todavia, diz ele: "em toda a história do homem, ninguém que tenha sofrido lavagem cerebral acreditará ou aceitará que sofreu tal coisa. Todos aqueles que a sofreram, usualmente, defenderão apaixonadamente os seus manipuladores". De fato, só percebemos que fomos manipulados quando abrimos os olhos e, nesse momento, custamos a crer que tenhamos sido um alvo tão fácil de mentiras tão descaradas e de teorias tão inverossímeis. A manipulação se exerce anonimamente, mas é padecida individualmente. 

    Não culpe nem Freud nem Lacan,  mas sim  quem usa seus nomes como álibi para continuar ensinando inverdades e técnicas de manipulação disfarçadas de teorias científicas. É até ofensivo à memória de Freud supor que, se vivo fosse, continuaria com a teoria da psicanálise depois da descoberta da ressonância magnética ou da alfagenia, que elucidam o isomorfismo entre pensamento e cérebro e não entre pensamento e sexo, entre neuroeletricidade e pensamento e não entre libido e pensamento. A genialidade não dita de Freud foi tentar abandonar o ortodoxo paralelismo mente-sexo e ousar uma tentativa de modelo de pensamento com base no isomorfismo cerebral – bem antes da descoberta da neuroeletricidade. Mas ele foi basicamente forçado a continuar com a tradição do modelo sexo-pensamento, libido como energia mental. Veja seu depoimento pessoal em 1915: "todas as tentativas para adivinhar a localização dos processos psíquicos, todos os esforços para pensar as representações armazenadas nas células nervosas, fracassaram radicalmente". 

Os dados que ele não tinha, nós hoje temos. E a melhor forma de imitá-lo não é usando o espelho retrovisor para repetir o que era verdadeiro na sua época, porém sucata cultural no III Milênio. Imita-lo é olhar para frente, apropriando-nos de conceitos atuais – alfagenia, neuroeletricidade, paralelismo psiconeural – e impulsionar o progresso, como ele fez na sua época. A noergologia enxerga que o sistema pensamento-cérebro tem energia própria – noergia – dispensando qualquer hipótese de energia invasora, o que aposenta filhos e netos desse axioma, começando por suas colunas mestras – a repressão, a projeção, o significante e todas as mordomias psicanalíticas e lacanianas desse fantástico jogo de poder camuflado de saber manipulando nossas mentes.

  OS PSICOCRATAS Querem nos fazer CRER que nossa maior riqueza, nosso potencial mental é  inconsciente.  Simplesmente para que aceitemos que também o nosso  pensamento é inconsciente. Só que para aceitar essa utopia precisamos antes praticar um ato de suicídio psicológico: negar que nosso pensamento é criador e aceitar que é inconsciente, pagando pelas terríveis conseqüências psicocráticas. É sempre muito mais fácil manipular pessoas domadas com a teoria do inconsciente, do que pessoas libertas com a iluminação intelectual de que pensamento não é, nunca foi, nunca será inconsciente. Pensamento é criador. Pensar é um ato de criação.