I-    INTRODUÇÃO:

A possibilidade da utilização de algemas pelas autoridades policiais nos casos de prisão sempre foi assunto que serviu de palco para acalentados debates na doutrina e jurisprudência pátria trazendo a tona o questionamento se tal utilização não promoveria uma verdadeira afronta aos Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, da Inviolabilidade do Corpo, da Integridade Física e do Princípio da Presunção de Inocência.

Os entendimentos acerca dessa problemática dividem opiniões entre juristas brasileiros apresentando alguns, como o renomado penalista Júlio Fabbrini Mirabette, a defesa da total admissibilidade do uso de algemas como mecanismos de constrição física que deveriam ser utilizados pelas autoridades policiais somente nas hipóteses de resistência à prisão, tentativa de fuga ou quando caracterizado o perigo à integridade física do acusado ou a integridade alheia. Por outro lado, o penalista Paulo Rangel em sua obra Direito Processual Penal, possui entendimento diverso defendendo a ideia de que a utilização de algemas não promoveria uma colisão com os direitos e garantias fundamentais do preso, seriam elas apenas mecanismos eficazes com o intuito de evitar eventuais problemas nas transferências dos presos ou sua permanência nas audiências de forma a garantir a todos segurança.  

 Diante do exposto, como ficaria então a possibilidade da utilização de algemas no Estado Brasileiro? Seriam as algemas mecanismos de tortura e violação à integridade física e moral do preso que promoveriam uma verdadeira afronta a principiologia de proteção à pessoa humana assegurada pelo Estado Democrático de Direito?

 

II-     DESENVOLVIMENTO:

 

A palavra algema tem sua origem no idioma arábico, al-jemma ou al-jemme, cujo significado seria pulseira. O doutrinador Paulo Rangel, em sua obra Curso de Direito Penal, as define como: “... instrumentos metálicos que, colocadas no pulso, nos tornozelos ou nos dedos polegares (impedem que o preso com os dedos e um arame possa por exemplo, abrir as algemas), evitam que o preso possa oferecer resistência, fugir ou atentar contra a vida de alguém, ou quiçá, a sua própria vida.” (RANGEL, Paulo. 2008).

No Brasil, as algemas começaram a ser efetivamente utilizadas nos casos de prisão no período do Império, conforme ilustra o art. 180, do Código de Processo Criminal de Primeira Instância vigente na época: 

Art. 180- Se o réu não obedecer e procurar evadir-se, o executor tem direito de empregar o grau de força necessária para efetuar a prisão; se obedecer, porém o uso da força é proibido.

Posteriormente, em 22 de novembro de 1871, entraria em vigor o Decreto     nº 4.824, estabelecendo uma nova regulamentação sobre o uso de algemas no território brasileiro:

Art. 28- Além do que está disposto nos arts. 12 e 13 da Lei, a autoridade que ordenar ou requisitar a prisão e o executor della observarão o seguinte:

O preso não será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo conductor; e quando não o justifique, além das penas em que incorrer, será multado na quantia de 10.000 a 50.000 mil réis pela autoridade a quem fôr apresentado o mesmo preso.

 

 Em 1984 é sancionada a Lei n° 7.210, Lei de Execuções Penais, que estabeleceria, em seu art. 199, que a utilização de algemas no Brasil deveria ser regulamentada por meio de Decreto Federal:


Art. 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.


 Apesar do advento da referida Lei a regulamentação do uso de algemas no Brasil não foi ainda efetivada em virtude da inexistência de Decreto Federal que discipline a matéria.

Após inúmeras operações espetaculosas realizadas pela Polícia Federal com o uso arbitrário de algemas em suas prisões o Supremo Tribunal Federal resolveu manifestar-se sobre o assunto por meio da edição da Súmula Vinculante n°11, em sessão de julgamento realizada no dia 13 de agosto de 2008.  A súmula visou analisar a constitucionalidade do uso de algemas e se a utilização das mesmas seria considerada uma medida de segurança ou um abuso de autoridade devido o uso arbitrário das algemas inferir uma violação aos princípios constitucionais primordiais assegurados aos presos.

Súmula n°11 Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. (STF, 2008)

Logo, vislumbra-se que a decisão do STF foi pela não caracterização do abuso de autoridade não constituindo constrangimento ilegal o uso de algemas desde que as mesmas sejam necessárias para a manutenção da ordem dos trabalhos realizados pela polícia e para a preservação da segurança de todos. Não estando enquadrada a utilização de algemas dentro das hipóteses previstas na súmula a prisão será considerada ilegal trazendo como consequência a responsabilização civil do Estado e do agente responsável pela prisão.

III-   CONCLUSÃO:

A Constituição Federal apresenta como princípios basilares o respeito à Dignidade da Pessoa Humana, à intimidade, à integridade física e moral dos indivíduos não podendo os mesmos serem submetidos a tratamentos desumanos e degradantes.

Logo, para se garantir a observância e o respeito aos princípios constitucionais ora mencionados pode-se concluir que a utilização das algemas só poderá se dar nas hipóteses excepcionalíssimas previstas pela Súmula n° 11 do STF, visto que as algemas podem sim ser consideradas verdadeiros símbolos de humilhação do ser humano promotoras de uma influência negativa nas opiniões e julgamentos dos indivíduos. Diante disso, aos presos devem sim ser assegurados os princípios constitucionais norteadores da Carta Magna Brasileira devendo as algemas serem utilizadas não como mecanismos de promoção à humilhação e sim como mecanismos garantidores da segurança social.

O bom senso então torna-se condição primordial para a autorização do uso de algemas nos casos de prisão devendo as autoridades policiais se utilizarem desses meios apenas quando os mesmos forem proporcionais, necessários e adequados para a manutenção da ordem pública.

 

IV-    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS:

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2000.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris , 2008.

CAPEZ, Fernando. Uso de Algemas. Jus Navigandi. Terezina, ano 10, n. 889, dez. 2005.