A ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA FACE O JULGAMENTO DE CRIMES DE INFORMÁTICA:

 Confronto do Princípio da Legalidade e  uso de analogias em relação às decisões dos Tribunais no caso de hackers e crackers

 

Caroline  Veloso[1]

Danilo  Silva [2]

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[3]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 A revolução da Internet e o favorecimento dos Crimes de Informática; 2 Atuação de hackers e crakers no Brasil: necessidade de tipificação e delimitação da imputação objetiva ao autor.; 3 Decisões do judiciário face aos crimes de informática: inobservância do princípio da legalidade e do uso de analogias; 3 Conclusão; Referências.

RESUMO

Este presente trabalho visa, num primeiro momento, apontar a Internet como ambiente favorável à prática de delitos cibernéticos. No segundo momento do estudo, será feita uma análise acerca da atuação delituosa de hackers e crakers no Brasil, comentando, por fim, os conflitos concernentes às decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça, que confrontam com o Princípio da Legalidade e utilizam-se de analogias em desfavor do acusado.

 

PALAVRAS-CHAVE:

  Cibercrimes. Hackers. Crackers. Direito Penal. Legislação

INTRODUÇÃO

Viver na “Era da Informação” é admitir a troca não só de informações, mas a disponibilização dos meios que os abrigam, sejam eles documentos escritos, visuais ou audiovisuais, a um número ilimitado de pessoas, em qualquer parte do globo terrestre. Não há, portanto, limites temporais e geográficos para transmissão de informação nesse meio.

As Novas Tecnologias de Informação e Comunicação relacionam-se com o Direito na medida em que contribuem para facilitar o acesso à justiça e tornar mais célere o processo. Isto, através de disponibilização de arquivos e mecanismos de busca e armazenamento de dados, por exemplo. Por outro lado, ao mesmo tempo em que trazem inúmeros benefícios, as NTIC também trazem novos problemas, como modificações no processo de aprendizagem, explosão de informações disponíveis e a prática de crimes de informática; chegando, em alguns casos, a por em conflito direitos fundamentais.

A prática de delitos de informática por hackers e crackers tem sido tema de discussão e repercussão nacional. Destaca-se, nesse trabalho, a seara penal, que tem seu trabalho comprometido e sua atuação tolhida por falta de legislação específica que trate de crimes de informática e que, sob a hedge do Princípio da Legalidade, necessita da tipificação de tal prática, vez que não há crime sem lei anterior que o defina.

1  REVOLUÇÃO DA INTERNET E O FAVORECIMENTO DOS CRIMES DE INFORMÁTICA

 

O termo Tecnologia da Informação refere-se a “toda e qualquer tecnologia controlada por computador eletrônico” (ALMEIDA FILHO; CASTRO, 2005, p.12). Dessa forma, em um sentido mais amplo, as Novas Tecnologias de Informação são sistemas ou aparelhos que possibilitam maior interação entre seus usuários, como, por exemplo: IPhones, pen drives e a Internet.

Os principais serviços prestados pela Internet são os de mensagens (correio eletrônico); conexão por login e transferência de arquivos. Em tese, com o desenvolvimento da Internet, encontra-se no último serviço maior probabilidade da prática de Crimes de Informática, conceituado por CARLA RODRIGUES DE CASTRO (2003, p.9) como

Aqueles praticados contra o sistema de informática ou através deste, compreendendo os crimes praticados contra o computador e seus acessórios e os perpetrados através do computador. Inclui-se nesse conceito os delitos praticados através da Internet, pois pressuposto para acessar a rede é a utilização de um computador

Assim, são exemplos de crimes cometidos pela Internet a difamação, o pishing (“pesca de senhas”), o estelionato eletrônico, a divulgação ou uso indevido dos dados pessoais e a transferência não autorizada de dados. Todas as condutas acima elencadas são possíveis de serem praticadas por hackers e crackers.

Apesar dos inúmeros benefícios que trouxe em seu bojo, a Internet, no Brasil, é regulamentada apenas por Portarias e Resoluções, razão pela qual alguns doutrinadores acreditam ser,

Sem dúvida alguma, um atraso em termos de regulamentação legal, porque como sabemos, Portarias e Resoluções não passam de atos administrativos e, desta forma, enfrentamos graves problemas – que somente podem ser solucionados, hoje, por meio judicial. (ALMEIDA FILHO; CASTRO, 2005, p.187)

 O Senado brasileiro, por sua vez, aprovou, em julho desse ano, o projeto de lei (PL) substitutivo proposto pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que tipifica e criminaliza diferentes tipos de ação criminosa em redes de computadores, sejam elas públicas ou privadas (Lei de Crimes de Informática). Todavia, o PL ainda será enviado à Câmara dos Deputados, devendo passar pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Educação e Constituição, Cidadania e Justiça, para, a partir daí, ser votado em plenário.

2  A  ATUAÇÃO DE HACKERS E CRAKERS NO BRASIL: NECESSIDADE DE TIPIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA AO AUTOR.

Por hacker entende-se aquele “que possui uma grande habilidade em computação. Cracker, black-hat ou script kiddie neste ambiente denomina aqueles hackers que tem como hobby atacar computadores. Portanto a palavra hacker é gênero e o cracker espécie”. (RAMALHO TERCEIRO, 2002).

Alarmante é a quantidade de ataques registrada nos últimos anos no país. Conforme dados da “Mi2g Intelligence Unit”, firma de consultoria de risco digital de Londres, (in SMITH, 2008) desde 2006 o Brasil tem sido a base mais ativa de irresponsáveis na Internet. Só no ano de 2007,

Os dez grupos mais ativos do mundo de vândalos e criminosos de Internet eram brasileiros, segundo a mi2g, e incluía grupos com nomes como Breaking Your Security, Virtual Hell e Rooting Your Admin. Até o momento neste ano (2008), cerca de 96 mil ataques abertos pela Internet -aqueles que são relatados, validados e testemunhados- foram rastreados até o Brasil. Isso representa mais de seis vezes o número de ataques atribuídos ao segundo colocado, a Turquia, informou a mi2g no mês passado.

Isto posto, a preocupação em determinar a real identidade do sujeito infrator, é, em suma, fazer ser justa a pretensão punitiva e qualidade personalíssima, principalmente no caso de crimes de informática, pois, como afirma  RAMALHO TERCEIRO (2002):

Um expert em informática como os crackers modernos podem perfeitamente se apropriar de uma senha alheia e utilizá-la para diversos fins. Desta feita, estaria usando a identidade alheia, aplicando golpes ou simplesmente navegando na internet como se fosse o titular daquele código ou senha.

Exemplo mais recente e de grande repercussão da atuação desses sujeitos no Brasil foi veiculado em agosto desse ano, em O ESTADO DESÃO PAULO, quando, após uma série de invasões superficiais a sites do governo, o grupo hacker “LulzSecBrazil postou na web um arquivo de 8 GB de documentos da Operação Satiagraha. O conteúdo envolvia  fotos, áudios, vídeos e relatórios reunidos pela Polícia Federal durante as investigações, ocorrida em  2008.

Assim, a facilidade de atuação e a impunidade por parte das leis pátrias é o que torna o Brasil a seara de “exploradores” virtuais, vistas as grades conseqüências que suas práticas causam no mundo fático, real. Dessa forma, para se aplicar a sanção penal adequada, um sujeito infrator deve ser fixado, pois o direito penal não pode alcançar pessoas abstratas, virtuais.

3 DECISÕES DO JUDICIÁRIO FACE AOS CRIMES DE INFORMÁTICA: INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DO USO DE ANALOGIAS.

 

A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIX, dispõe que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Em complemento infraconstitucional, o art. 1º do Código Penal encarta de mesma redação.

Nas palavras de HUNGRIA (2007, p.22), o Princípio Penal da Legalidade antes de ser um “critério jurídico-penal, o nullum cirmen, nullum poena sine lege é um princípio (político-liberal), pois representa um anteparo da liberdade individual em face da expansiva autoridade do Estado”.

Dessa feita, como já dito, apenas mediante tipificação da conduta é que poderá haver aplicação de pena. Portanto, em conformidade com o Princípio da Legalidade, os crimes praticados pelos hackers e crackers, são isentos de punição.

Porém, em confronto com o referido Princípio, justamente pela ausência de norma que tipifique tais crimes, os Tribunais têm se valido da analogia para o ajustamento da conduta atípica à norma penal, o que, pelo Princípio da Legalidade, onde se assenta o Direito punitivo brasileiro, é definitivamente proibido o emprego de analogias em matéria penal. Em relação às decisões, informa o site do STF(2008):

Levantamento realizado por especialistas em Direito da internet mostra que atualmente existem mais de 17 mil decisões judiciais envolvendo crimes virtuais; em 2002 eram apenas 400. (...) Enquanto a lei que vai tipificar a prática de crimes como phishing (roubo de senhas), pornografia infantil, calúnia e difamação via web, clonagem de cartões de banco e celulares, difusão de vírus e invasão de sites não é aprovada no Congresso Nacional, o Poder Judiciário continuará enquadrando os criminosos virtuais nas leis vigentes no mundo real, adaptando-as à realidade dos crimes cometidos na internet.

No mesmo texto, cita-se o caso do hacker Otávio Oliveira Bandetini, condenado a 10 anos e 11 meses de reclusão por retirar irregularmente (transferência não autorizada) cerca de R$ 2 milhões de contas bancárias de terceiros via internet e teve habeas corpus negado pelo STF.

Acertadamente, lembra HUNGRIA (2007, p.21) que "A lei penal é, assim, um sistema fechado: ainda que se apresente omissa ou lacunosa, não pode ser suprida pelo arbítrio judicial, ou pela analogia, ou pelos ‘princípios gerais de direito’ ou pelo costume”. Dessa forma somente a analogia in bonam partem, ou seja, em favor do acusado, pode ser aplicada no processo penal; o que não ocorre no caso de hackers e crackers.

Considerando que condutas típicas e puníveis devem ser devidamente claras e muito bem elaboradas, a fim de que não reste dúvida sobre a aplicação no caso específico, destacamos que, com a atuação do judiciário na aplicação de tipos penais análogos e prejudiciais ao réu, o mesmo faz surgir conflitos entre tais decisões e o princípio da taxatividade. Assim, o princípio supracitado:

 Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equívocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmos contrastantes entendimentos. (NUCCI, 2009, p.83)

Ratifica-se, portanto, que ao direito penal é vetada a aplicação de penas que não perfazem exatamente a conduta condenável. Desse modo, aplicação de penas de tipos penais diferentes das condutas praticadas, põe em segundo plano alguns dos principais fundamentos de existência do Direito Penal no Estado Democrático de Direito. Isto revela uma perigosa posição dos tribunais, ao passo que gera prejuízos irreparáveis tanto aos indivíduos sujeitos a tais penas, quanto à segurança jurídica.

 CONCLUSÃO

 

O advento da Internet trouxe tanto conquistas positivas, como difusão de informações e fácil acesso, quanto se tornou ambiente favorável a práticas criminosas, como divulgação ou uso indevido dos dados pessoais e disseminação de vírus. Os sujeitos ativos dessas condutas são os denominados hackers e crackers, que pela falta de legislação específica que os puna, vêem no Brasil um país para “aplicarem suas técnicas” indistintamente.

Como é cediço, a norma jurídica só tem eficácia quando incide sobre um fato ou ato jurídico. Enquanto a Lei de Crimes de Informática está em fase de aprovação no Congresso Nacional, o Poder Judiciário adapta à realidade os crimes virtuais, conflitando suas decisões com o Princípio da Legalidade e ao utilizar-se de analogias que desfavorecem o acusado, especialmente no  caso de hackers e crackers.

Entende-se, portanto, que ao PL deve ser dado caráter de urgência, observadas as conseqüências, bem como repercussão internacional que tais crimes ensejam; causando imensurável dano às vítimas, além de fragilizar o ordenamento jurídico.

Aliada a Lei de Crimes de Informática, é de extrema relevância que o Brasil adira a uma regulamentação de política de cooperação internacional, tal como ao Tratado Internacional contra crimes de Internet (CONJUR, 2001). O Tratado foi primeiro instrumento jurídico transnacional de regulamentação da Web, subscrito por 30 países em Budapeste, na Hungria, no ano de 2001, na Convenção sobre Cibercrimes (ETS 185).

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo; CASTRO, Aldemario Araujo. Manual de Informática Jurídica e Direito de Informática. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Crimes de Informática e seus Aspectos Processuais.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

CONJUR.Conheça o Tratado Internacional contra Crimes de Informática. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2001-24/convencao_lanca_tratado_internacional_cibercrimes. Acesso em: 30 nov. 2011.

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO. Hackers publicam documentos da PF. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/hackers-publicam-documentos-da-pf/. Acesso em: 24 nov. 2011.

NELSON, Hungria. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 6.ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2009.

RAMALHO TERCEIRO, Cecílio da Fonseca Vieira. O problema na tipificação penal dos crimes virtuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3186>. Acesso em: 28 out.. 2011.

SMITH, Tony. Brasil é paraíso para hackers. Disponível em: http://www.invasao.com.br/2008/02/29/brasil-e-paraiso-para-hackers/. Acesso em: 27 out.. 2011.

STJ. Justiça usa Código Penal para combater crime virtual. Disponível em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=90108. Acesso em: 29 out.. 2011.



[1] Acadêmica do 6º período noturno do Curso de Direito da UNDB, [email protected]

[2] Acadêmico do 6º período noturno do Curso de Direito da UNDB, [email protected]

[3] Professora orientadora da disciplina de Penal Especial III da UNDB.