A atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri

 

I – Introdução

 

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público (leia-se Ministério Público Estadual e Federal), ganhou destaque em todos os campos do Direito, como por exemplo, a promoção de inquérito civil e ação civil pública com o objetivo de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos, a titularidade privativa da ação penal pública, na forma da lei, entre outras atribuições descritas no art. 129, CF/88. A Constituição assegurou ainda que a função do MP é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Por outro lado, o Tribunal do Júri é instituição reconhecida constitucionalmente e é regido pelos Princípios da Plenitude da Defesa, do Sigilo das Votações, da Soberania dos Veredictos e é competente para julgar todos os crimes dolosos contra a vida.

O presente artigo visa analisar a atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri, buscando validar tal atuação dentro dos parâmetros constitucionais e não como mero órgão acusador.

 

II – Do Ministério Público

 

O art. 127 da Constituição Federal dispõe: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A Constituição de 1988 estabelece ainda como princípios norteadores do Ministério Público o Princípio da Unicidade, o Princípio da indivisibilidade, e o Princípio da Independência Funcional, que garante a independência só MP de todos os outros Poderes. Segundo Alexandre Moraes, o Ministério Público poderá buscar o equilíbrio entre os poderes, zelando pelo respeito aos princípios constitucionais fundamentais. Por fim, vale mencionar o Princípio do Promotor Natural, que garante que o promotor atuante em determinada Promotoria, Vara Judicial, Comarca, etc, será o atuante em determinado inquérito ou processo que seja de sua competência, não podendo o Procurador-Geral designar determinado Membro para atuar no lugar do titular.

Ademais, a Constituição determina que os Membros do MP gozam de garantia de vitaliciedade após 3 anos de exercício da função (EC 45/04), inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

As funções do Ministério Público descritas no art. 129, CF/88 e no art. 23 da LOMP, revelam a preocupação do legislador com uma atuação do MP mais compromissada com a defesa da sociedade. O MP foi elevado ao status de órgão independente, com autonomia de propor sua própria lei orçamentária e seus membros foram revestidos de diversas prerrogativas para que pudessem exercer tal função, que hoje se mostra tão importante no Estado Democrático de Direito.

 

III – O Tribunal do Júri

 

Previsto no art. 5º, XXXVIII, CF/88, tem a competência e princípio de julgar os crimes dolosos contra a vida, tem ainda como princípios norteadores previstos no supracitado dispositivo legal, quais sejam, a Plenitude da Defesa, o Sigilo das Votações, a Soberania dos Veredictos e o da Competência para Julgamento de Crimes Dolosos contra a Vida. O princípio da plenitude da defesa objetiva o exercício da defesa técnica e da autodefesa, a primeira exercida por profissional e a segunda pode ser exercida pelo próprio réu, que pode se valer de argumentos sentimentais, sociais, etc. É em obediência a tal princípio que o art. 497, V, CPP, autoriza o Juiz Presidente, caso considere o réu indefeso, dissolver o Conselho de Sentença e nomear defensor para o acusado, remarcando nova data para julgamento.

O segundo princípio é o sigilo das votações. Tal princípio é que garante aos jurados sigilo sobre o seu voto com o fito de evitar intimidações. Vê-se que ao Tribunal do Júri não se aplica o princípio da publicidade das decisões do Poder Judiciário. O Código de Processo Penal determina medidas que cabem ao Juiz Presidente para assegurar o cumprimento do Princípio.

O terceiro e derradeiro princípio a ser mencionado é o da Soberania dos Veredictos do Júri. De acordo com este princípio o Tribunal Técnico não pode reformar a decisão proferida pelos jurados. Por esse motivo é que o CPP prevê em seu artigo 593, §3º, que se o Tribunal se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, poderá ser dado provimento à apelação para determinar que seja feito um novo julgamento, nunca para absolvê-lo ou condená-lo.

Após formado o Conselho de Sentença, os jurados receberão cópias da sentença de pronúncia, se for o caso, das decisões posteriores que consideraram admissível a acusação e o relatório do processo. Tal norma é prevista no art. 471, §único e já constitui uma vantagem da acusação sobre a defesa, haja vista que o primeiro contato dos jurados é com informações que demonstram a tese da acusação.

Após, a instrução plenária começará com as declarações do acusado e inquirição das testemunhas pelo Juiz Presidente, MP, assistente de acusação, querelante e defensor do acusado (art. 473, CPP).Encerrada a fase de instrução, o Ministério Público terá a palavra, que deverá se manter nos limites da pronúncia e sustentar ainda a existência de circunstância agravante, com o tempo de uma hora e meia, assim como terá a defesa. A acusação pode ainda replicar e a defesa treplicar, pelo tempo de uma hora. Nesta ocasião, a acusação deve manter respeito pelo réu, sendo previsto inclusive no Código de Processo Penal, em seu art. 478, que as partes não poderão fazer menção ao uso de algemas pelo réu para fundamentar sua periculosidade e nem mesmo usar o silêncio do réu em seu prejuízo.

Em sucessão, o Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido (art. 482, CCP).Os quesitos serão formados na ordem do art. 483, CPP. Na sala de votação, serão tomadas todas as medidas previstas nos arts. 485 a 487 para assegurar o sigilo dos votos.

 

IV – A atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri

 

Primeiramente, vale ressaltar que o Representante do Ministério Público deve atuar em função dupla, apesar de estar exercendo função de acusação, sua função de fiscal da lei não pode ser suprimida, devendo zelar pelo cumprimento das garantias e direitos do réu.

Assim, conforme nos ensina Eugênio Pacelli de Oliveira, “o Ministério Público não é órgão de acusação, mas órgão legitimado para a acusação nas ações penais públicas.” Portanto, depreende-se que não há obrigatoriedade de que ao final do processo, o promotor peça condenação, caso no decorrer da instrução ele se convença da inocência do acusado, ele pode pedir a absolvição do acusado.

O Representante do Ministério Público, na qualidade de servidor público, deve ter seus atos regidos pelos Princípios que regem a Administração Pública, que estão previstos no art. 37 da CF/88, quais sejam os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Destes princípios, vale ressaltar que o da Impessoalidade. Conforme doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o Princípio da Impessoalidade “princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear seu comportamento.”

Assim, o Representante do Ministério Público não deve buscar prejudicar o réu simplesmente porque no seu íntimo, ele reprova sua conduta e deseja afastá-lo da sociedade, deve pautar seus atos pela lei e pelos princípios que regem sua atuação, tanto como servidor público tanto pela missão de fiscal da lei.

Não deve o Promotor, diante de um Júri, injuriar o réu, utilizar-se de sentimentos de ódio, vingança para fundamentar sua oratória. O que se busca no processo penal é a verdade real dos fatos. O Promotor, em obediência as atribuições constitucionais atribuídas a ele, não deve buscar uma condenação a todo custo, deve zelar pela defesa do interesse da sociedade e garantir também as garantias e direitos do réu, sem fazer de cada caso um problema pessoal, envolvendo-se em disputas com a defesa.

 

V – Conclusão

 

Por todo o exposto, vê-se que o Ministério Público, a partir da Constituição Federal de 1988 tem status de órgão que deve buscar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, a atuação do Representante do Ministério Público, deve sempre se pautar nessa atribuição constitucional, garantindo não só o interesse da sociedade como também os direitos individuais do réu, mesmo na qualidade de acusação. Depreende-se que o legislador buscava assim, uma atuação mais imparcial do MP.

Assim, a ideia de que o Representante do Ministério Público como um justiceiro, que se colocava a “caçar” maus elementos na sociedade deve ficar esquecida. O Representante do Ministério Público deve buscar sempre pautar seus atos na moralidade, impessoalidade e ética administrativa, na qualidade de servidor público.

 

VI – Referências Bibliográficas

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Consulta em 29 de maio de 2012.

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Consulta em 29 de maio de 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2005.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 6ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2011.