A Atuação do Magistrado perante o Criminoso Dependente Químico.

Introdução

A Política Nacional sobre Drogas (PNAD) publicada através da Resolução número 03/GSIPR/CH/CONAD, de 27 de outubro de 2005 é um marco na atuação do governo federal na questão das políticas públicas sobre drogas, desenvolvendo-se estudos com vistas à prevenção; tratamento, recuperação e reinserção social; redução de danos sociais e a saúde; redução da oferta e repressão.

No que concerne à atuação direta do magistrado, tais estudos foram desenvolvidos para que o mesmo, no exercício da função judicante, possa ter lucidez sufiente para entender o dependente químico que pratica crimes, antes de tudo, como um doente.

A lei, nestes casos, deve ser aplicada em conjunto com medidas que visem ao tratamento daquele dependente em instalações próprias e assistidos por equipe multidisciplinar (médicos, psicólogos, psiquiatras, terapeutas etc) adequadas a cada tipo e grau de dependência química.

O usuário de drogas que está no nível da dependência toxicológica deve ser tratado como um doente. A aplicação da legislação penal deve coexistir com o tratamento médico, sob pena de um dos princípios basilares da aplicação da pena, a reinserção social, não ser atendido.

O Criminoso Dependente Químico.

Estudos realizados sob a égide do PNAD associam, de forma bastante frequente, o criminoso ao uso da droga, seja ela em que nível for, ou seja, do mais moderado ao nocivo. Essa associação também permite concluir que, crimes mais graves, quando praticados por usuários de drogas, estão relacionados às drogas mais pesadas, como o crack e o recente oxi.

A droga, nesses casos, é fator determinante para a prática de crimes, seja para dar ao indivíduo a confiança necessária para praticar o ilícito penal, seja por pura dependência química, ou seja, o crime é praticado para que, com os seus frutos, o agente possa manter o seu vício.

Nesse sentido, a droga não escolhe vítimas. Ela agirá tanto na comunidade carente, quanto na sociedade mais abastada e será mais fulminante nos agentes que não possuíram uma estrutura familiar adequada, propícia à devastação promovida pela droga.

O uso da droga não é imposto, mas estudos revelam que estará mais apta a fazer surtir seus nefastos efeitos em indivíduos com problemas familiares pretéritos, como ausência paterna e materna, conflitos, abusos e traumas vividos na infância/adolescência. Nada que justifique a prática de crimes, mas que constitui fator facilitador para o ingresso na vida marginal.

Isso porque, como se disse, o uso nocivo da droga irá incutir no indivíduo a necessidade de se obter cada vez mais tóxico para saciar o seu vício. Nas sociedades menos abastadas, será o primeiro passo para que o dependente comece a praticar delitos a fim de custear o consumo da droga. Nas classes mais altas, o usuário/dependente, não encontrando apoio familiar, também buscará, inevitavelmente, o caminho das ruas e do crime para satisfazer a sua necessidade de consumo.

Assim, da dependência química ao crime é um pulo, que pode ser maior ou menor dependendo de fatores familiares e condição social do agente. Esse tipo de criminoso, por isso, deve ser tratado de forma diferenciada.

O juiz tem o dever de verificar, no caso concreto, o histórico social do réu, incluindo-se aí eventual consumo nocivo de drogas ou álcool e considerando fatores que o levara ao cometimento do crime e determinar, amparado pela possibilidade de aplicação de medidas cautelares, as providências que entender necessárias para o tratamento desse réu. Importante considerar a possibilidade de tratamento em local adequado e apoiado por equipe multidisciplinar que avaliará o grau de dependência química e a melhor forma de condução da assistência profissional.

Somente assim o magistrado estará prestando, de forma efetiva, a tutela jurisdicional, aplicando a pena adequada em cotejo com medidas que entenda suficientes para a recuperação da dependência química do réu. Se não agir desta forma, a possibilidade de o réu/dependente tornar a delinquir é enorme e terá se revelado absolutamente inócua a sanção penal aplicada.

O usuário de drogas e o artigo 28 da Lei 11343/2006

Passo importante, dado de acordo com as diretrizes do PNAD, foi a abolição da pena privativa de liberdade nos crimes de posse ou porte de drogas para consumo pessoal, na forma do que dispõe o artigo 28 da Lei de Drogas. Note-se que, nem mesmo em flagrante delito, o usuário de entorpecentes poderá ser preso, circunstância que mais se adequa à potencialidade lesiva do crime, uma vez que desproporcional a sanção estatal anteriormente prevista na Lei 6368/76 ao usuário de drogas.

Além de desproporcional, irrazoável. Isso, porque, uma medida privativa de liberdade jamais será adequada à reinserção na sociedade do usuário de drogas. A droga é uma mal social, questão de saúde pública e o dependente químico deve ser tratado como um doente, não como um criminoso comum.

Apesar do inegável avanço, a Lei não prevê medidas efetivas de tratamento aos dependentes químicos. As sanções do artigo 28, por exemplo, (prestação de serviços à sociedade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo e advertência sobre os efeitos das drogas) de nada valem como medida de cura do dependente. Servem, ao seu modo, como sanção penal, mas não produzem no usuário o efeito curativo que seria fundamental para que o mesmo fosse levado a abandonar o vício.

É certo que, mesmo submetido a tratamento, o usuário/dependente não possui 100% de chances de se curar do vício da droga. Longe disso, as estatíscas apontam um patamar de cerca de 60% de cura total. É preciso uma conjunção de fatores, e, principalmente, vontade própria, para que o agente largue o nefasto vício das drogas. Mas a imposição de penas que não incluam o tratamento adequado ao dependente, apenas servirão à satisfação da letra pura da Lei, quando se deve procurar atacar o âmago da questão, oportunizando ao dependente ser tratado de acordo com o seu vício e grau de dependência.

O usuário de crack.

O crack é uma droga que está intimamente ligada à violência urbana, sendo considerada uma doença adquirida, ou seja, sem possibilidade, ou com índices baixíssimos de cura, uma vez que a dependência psíquica é bem mais rápida e destrutiva do que a de outras drogas. Trata-se de uma questão de saúde pública, verdadeira epidemia, que já se alastra por 98% dos municípios brasileiros.[1]

A sua ação no sistema nervoso central é quase imediata, e os danos, irreparáveis:

Quando a cocaína é fumada na forma de crack, o vapor aspirado é rapidamente absorvido pelos pulmões, alcançando o cérebro em  6 a 8 segundos (...) fumar o crack é, portanto, a via mais rápida de fazer com que a droga chegue ao cérebro, e provavelmente essa é a razão para a rápida progressão para a dependência.[2]

A experiência profissional de mais de dez anos na área criminal traz um dado importante: os autores de fatos delituosos, usuários de drogas, indicavam o uso padrão de maconha e cocaína. Atualmente, a regra tem sido o uso do crack, cuja facilidade de aquisição, baixo custo e rapidez dos efeitos tem se tornado a droga mais usual dentre os autores de crimes frequentadores das Varas Criminais. E não é somente isso, os delitos praticados por usuários de crack são mais violentos e a reiteração criminosa passou a ser frequente.

A reabilitação do usuário de crack deve, assim, passar por uma experiência de interação com tratadores ex-usuários. Essa é a função do Poder Judiciário: encaminhar o usuário-dependente que pratica delitos para instituições apropriadas, que realizem uma abordagem psicossocial e eficiente e que visem à sua recuperação e ressocialização.

Conclusão

O estudo sobre as drogas, seus efeitos no organismo, as alterações psíquicas decorrentes de seu uso e a forma adequada de tratamento é essencial tanto para o profissional responsável pela abordagem terapêutica no tratamento do dependente/usuário, como para aquele que responde pelo Estado, aplicando penas e decidindo pela sanção adequada que o infrator-dependente deverá receber pela conduta ilícita praticada.

Não há como se olvidar que o profissional da área jurídica, mais especificamente o magistrado, somente poderá efetivamente prestar a jurisdição, quando se tratar do delinquente dependente químico, se considerar os fatores que o levaram ao cometimento do crime, sancionando-o de forma, não a excluí-lo, mas a ressocializá-lo e, principalmente, tratá-lo.

Profissionais capacitados da área de saúde física e mental que atuem junto aos órgãos jurisdicionais são imprescindíveis para que o Judiciário possa enxergar com olhos clínicos o real problema do dependente e o melhor tratamento a ser realizado. O magistrado, cuja preparação não inclui a área médica, deverá ter à sua disposição uma equipe técnica multidisciplinar apta a lidar com as situações do dia a dia forense, principalmente com os dependentes de drogas.

Outro fator de importância bem definida é conhecer o mapa da dependência química e, por via de consequência, reconhecer os nichos de usuários específicos de drogas (maconha, crack, cocaína, anfetaminas etc), é o estudo dos dados acerca da epidemiologia do uso de substâncias psicotrópicas no Brasil. Esses dados podem explicar ao aplicador do direito, e ao profissional de saúde que atua junto ao dependente que comete crimes, os tipos de drogas mais perniciosas, os delitos a que estão normalmente asssociadas e a melhor forma de tratamento terapêutico e aplicação de pena.

Vale lembrar, por fim, que o dependente químico, antes de ser um criminoso, é um doente que precisa de tratamento adequado por parte do Estado.

Bibliografia:

(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Crack, acessado em 15 de abril de 2013.

                               

 (2) Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas, Brasília, 2011. Unidade 6, p. 131.


[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Crack, acessado em 15 de abril de 2013.

[2] Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas, Brasília, 2011. Unidade 6, p. 131.