Introdução

O acesso à Justiça é um direito que todos os indivíduos que fazem parte de uma sociedade são titulares, independente de quaisquer critérios ou características pessoais. Contudo, verifica-se que no Brasil – e no mundo – tal direito não é igualmente garantido a todos devido, principalmente, ao baixo poder aquisitivo da maioria da população frente aos altos custos de uma demanda judicial, o que viola os princípios de igualdade e isonomia arduamente conquistados pelo homem.

Em função disso, a Constituição Federal Brasileira de 1988, apelidada de Constituição “Cidadã”, determinou que o Estado deve garantir assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Ou seja, é garantida constitucionalmente a gratuidade em todos os custos e emolumentos de um processo judicial aos que comprovarem insuficiência de recursos. Para este fim, o Estado instituiu, com o advento do referido diploma, a criação da Defensoria Pública atribuindo a seus integrantes a competência de orientar e defender juridicamente os necessitados.

1 A necessidade do acesso à Justiça

No atual contexto de desenvolvimento do conhecimento jurídico, é predominante o entendimento de que não há sociedade sem Direito: ubi societas ibi jus. Até mesmo dentre os povos primitivos é identificado este intuito de pacificação dos conflitos. Antônio Carlos Cintra explica que a causa desta correlação entre sociedade e Direito “está na função que o Direito exerce na sociedade: a função ordenadora, isto é, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre as pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre os seus membros”[1].

Percebe-se, pois que, historicamente, as normas jurídicas e o próprio sistema judiciário foram criados e adotados no intuito de pacificar, tornar mais justa e melhor a vida de todas as pessoas, vez que são orientadas – formalmente – a todos igualmente. Todavia, também é verdade que um grande número de pessoas encontra-se alijado de alcançar os órgãos estatais. Além de terem muitos de seus direitos básicos (saúde, educação, alimentação, dentre outros) desrespeitados também se encontram privados de levar suas demandas para serem resolvidas juntamente ao Judiciário, seja por insuficiência econômica (devida aos altos custos de um processo), seja por falta de conhecimento.

Neste sentido, Cintra realça a função jurisdicional do Estado moderno:

Hoje, prevalecendo as idéias do Estado social, em que ao Estado se reconhece a função fundamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça.[2]

Considerando o que foi exposto, fica clara a necessidade por parte do Estado de criar órgãos que facilitem o acesso não só ao Judiciário, mas o acesso a uma ordem jurídica justa, que atinja o maior número de pessoas, promovendo o seu escopo primordial de pacificação com justiça. É neste ponto que se destaca a importância de uma Instituição como a Defensoria Pública, vez que esta é capaz de promover o acesso ao Judiciário por parte dos necessitados, funcionando para estes como o único meio de se obter o acesso à Justiça pública.

 

2 A institucionalização da Defensoria Pública no Brasil

Foi firmado o Princípio da Igualdade perante a lei difundido em todo o mundo, e a concretização desta “igualdade jurídica” passou a ser responsabilidade do Estado. José Afonso da Silva cita Carmen Lúcia Antunes Rocha para definir a igualdade formal invocada pelo princípio da igualdade: “Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Porisso, é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental”[3].

No Brasil, alguns anos depois, houve a promulgação da primeira Constituição Republicana, em 1891, e esta ainda não trazia em seu texto a questão da assistência judiciária, porém, fazia alusão a uma plena defesa que deveria realizar-se com todos os recursos e meios essenciais a ela. (CF/1891, art. 72, § 16).[4] A prestação da assistência judiciária tornou-se matéria constitucional somente a partir da Constituição de 1934, que a incluiu dentre os direitos e garantias individuais dos cidadãos (art. 113): “n. 32: A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, para esse efeito, órgãos especiais, e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos.”[5]

Nota-se que esta Constituição trouxe importantes avanços à assistência judiciária nacional como a competência concorrente à União e aos Estados para a sua prestação, bem como a criação de órgãos especiais e organizados para atender a esta finalidade, além de ser a primeira alusão constitucional à justiça gratuita, através da “isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”.

No período seguinte, Estado Novo, com o governo ditatorial de Getúlio Vargas, a assistência judiciária foi excluída da Constituição e só retornou na Constituição de 1946. Tal deficiência foi amenizada pela previsão da assistência judiciária no Código de Processo Civil de 1939. Em 1946, com a nova Constituição, a assistência judiciária volta ao texto constitucional, porém sem que tenha sido estabelecido a quem caberia a responsabilidade dessa prestação, se à União ou aos Estados, e nem a forma de sua viabilização. Tal omissão fez com que vários Estados criassem seus próprios órgãos de assistência, e os que não criaram começaram a credenciar advogados especiais para prestação da assistência.[6]

Somente com o advento da Constituição Federal de 1988 é que a Defensoria Pública foi, de fato, instituída no Brasil, estando prevista no artigo 134 deste diploma, que define a Instituição como essencial à função jurisdicional do Estado, ao lado do Ministério Público e Advocacia pública, atribuindo-lhe a responsabilidade pela orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, nos termos do artigo 5º, LXXIV, que fala em “assistência jurídica integral e gratuita” como um dever do Estado.

Apesar da precariedade da nossa Defensoria Pública, o Brasil se destaca no panorama mundial como um dos poucos países que eleva a Defensoria Pública, por mandamento constitucional, à condição de carreira de Estado, o que aponta nosso elevado grau de maturidade democrática sob o ponto de vista formal[7].

3 Os idosos e o ordenamento jurídico brasileiro

A população idosa foi a que mais cresceu no Brasil nos últimos quarenta anos, como resultado da queda da fecundidade e da mortalidade. O fenômeno do envelhecimento se deu em escala mundial e trouxe juntamente consigo uma série de reflexões e discussões acerca dos direitos dos idosos. No Brasil, esses direitos foram garantidos pela Constituição Federal de 1988, pela Política Nacional do Idoso de 1994, pelo Conselho Nacional de Direitos do Idoso de 1994, pelo Estatuto do Idoso, de 2003 e, no setor de saúde, pela Política Nacional de Saúde do Idoso de 1999, atualizada em 2006[8].

A Constituição Federal de 1988 procurou assegurar os direitos e deveres fundamentais a todos os seres humanos, destacando o princípio da dignidade humana, em seu artigo 1º, inciso III como valor absoluto, que serve de base para a consolidação de um Estado Democrático de Direito, proporcionando unidade e coerência ao conjunto de todos os outros princípios de direito ali elencados Assim, a proteção social aos idosos foi instituída como dever do Estado e direito do cidadão[9].

A assistência social do Estado para com o idoso está prevista no artigo 203, incisos I, III e V da Constituição Federal, nos seguintes termos:

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Neste sentido, percebe-se que o Estado visou proteger e incentivar a participação do idoso na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar, através da proteção e promoção ao mercado de trabalho, defendendo-lhes o direito à vida. Portanto, buscando a efetividade de tais princípios constitucionais, foi promulgada em 1994 aLei de n. 8842, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cujos princípios basilares são a “garantia ao idoso dos direitos de cidadania efetiva na sociedade, avalizando a sua autonomia e integração social, bem como promover o bem-estar e o direito à vida, colocando estes como deveres do Estado e da família”[10].

O artigo 3º da referida Lei, comprova o que foi dito:

Art. 3° - A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios:

I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;

II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos;

III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;

IV - o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política;

V - as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta Lei.

Em 1996, surgiu a Lei de n. 1948 que oficializou a política de saúde do idoso disciplinando as ações em relação à saúde em atenção aos princípios do SUS (Sistema Único de Saúde) e da Política Nacional do Idoso, priorizando ainda mais a proteção e a defesa da dignidade e da própria vida da pessoa idosa. Posteriormente, visando a proteção das limitações físicas e psicológicas sofridas pela pessoa idosa, foi promulgada a Lei n. 10.048/2000, que estabeleceu prioridade ao atendimento para aqueles com idade superior a sessenta e cinco anos em todos os órgãos públicos, bancos e concessionárias de serviço público e, no campo processual, a Lei n. 10.173/2001 alterou o Código de Processo Civil Brasileiro estabelecendo prioridade de tramitação nos processos judiciais de idosos[11]

Finalmente, foi promulgado em 2003, através da Lei n. 10.741, o Estatuto do Idoso que regula e protege os direitos do idoso nos seus mais variados aspectos cotidianos, seja no âmbito familiar, do trabalho ou do Estado. Já no artigo 1º da referida Lei, é reduzida a idade referente à pessoa idosa, considerando assim toda pessoa igual ou superior a sessenta anos. No artigo 3º é destacado o dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público de assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

O Estatuto do Idoso destaca-se pelos direitos sociais garantidos e apregoados. Contudo, tais direitos somente serão assegurados se a sociedade assumir a responsabilidade de permitir o resgate da cidadania das pessoas que contribuíram para a construção de nosso país.

 

4. A atuação da Defensoria Pública do Maranhão na defesa dos direitos da pessoa idosa

A Defensoria Pública do Maranhão, regulamentada pela Lei complementar n.19 de 1994 da Constituição Estadual do Maranhão, desenvolve atividades jurídicas, proposição de ações judiciais e resolução de conflitos de interesse no âmbito extrajudicial, atuando nas áreas Cível, Criminal, do Consumidor, de Família, Infância e Adolescência, de Execução Penal, Proteção do Idoso e da Mulher vítima de violência, Registros públicos e Tribunal do Júri, de acordo com um folder disponibilizado pela Instituição. Há núcleos da Defensoria somente nas cidades de São Luís (sede), Bacabal, Pedreiras, Caxias, Timon, Paço do Lumiar e São José de Ribamar.

Segundo Jucileide Chaves, assessora da defensora geral do Estado, Ana Flávia Melo, informou-nos que, atualmente, a Instituição é composta de 46 defensores, 4 na capital, 2 afastados por motivos de saúde, 2 de férias e 2 aposentados, o restante divididos nas outras comarcas do Estado. Logo à primeira vista, pode-se deferir que a Instituição é incapaz de atender a todas as demandas da população necessitada financeiramente no estado, tendo em vista que a Defensoria só se faz presente em um reduzido número de cidades, todas localizadas ao norte do Estado, deixando a maior parte do estado à margem de seus serviços.

Concernente aos idosos, a Instituição atua através do Centro Integrado de Apoio e Prevenção à Violência Contra a Pessoa Idosa (CIAPVI), que visa defender os principais direitos desta população. O Centro age extrajudicialmente, através da conciliação e da mediação dos conflitos, em casos de negligência, violência ou similares que podem ser resolvidos por meio de diálogo entre os envolvidos.

Conforme o artigo 229 da Constituição Federal, os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. A Defensoria realiza um papel de mediação ao reunir a família caso o pai idoso esteja passando necessidade ou, um filho esteja arcando com os custos sem o auxílio dos irmãos e esteja necessitando de ajuda. Vai-se reunir a família para que haja um acordo que possa garantir ao idoso bons cuidados.

Segundo a psicóloga do CIAPVI, Márcia Regina Mendes Serra, as principais demandas dos idosos junto à Defensoria são casos de abuso financeiro, empréstimo consignado, curatela, divórcio, negligência, violência, alvarás, pensão, paternidade e guarda. O Centro é composto por um pequeno número de profissionais, aproximadamente dez, divididos em coordenador, psicólogo, psicólogos estagiários, estagiários do curso de direito e assistente social, o que representa uma das principais dificuldades para o atendimento eficiente de todas as demandas.

Deve-se ressaltar que o acesso à justiça aqui é considerado como o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Mauro Cappelletti em seu livro Acesso à Justiça[12] faz duas considerações: primeiro que o sistema deve ser igualmente acessível a todos e segundo, deve produzir resultados que sejam individuais e socialmente justos. E diferente do sistema do laissez-faire, a justiça deve ser obtida não só por aqueles que podem enfrentar seus custos, mas também por aqueles que não tem condições suficientes para arcar com os gastos, e é desse modo que a Defensoria Pública age, defendendo os direitos dos menos favorecidos, protegidos pelo ordenamento jurídico.

Marinoni defende que “o direito de acesso à justiça não é apenas necessário para viabilizar a tutela dos demais direitos, como imprescindível para uma organização justa e democrática. Não há democraciaem um Estadoincapaz de garantir o acesso à justiça. Sem a observância desse direito, um Estado não tem a mínima possibilidade de assegurar a democracia.” Destarte, a importância expressiva da atuação da Defensoria Pública tanto no Estado, como no país, para a busca de um acesso à justiça efetivo, não só teórico.

Conclusão

A Defensoria Pública, nota-se, é indispensável para promover a resolução dos conflitos intersubjetivos dos necessitados, seja no âmbito judicial, seja no âmbito extrajudicial (através da mediação e da conciliação). Os idosos e necessitados carecem deste amparo por parte do Estado para que possam ter uma vida digna, de acordo com os princípios que lhes são garantidos pela Constituição.

Todavia, ressalta-se que no estado do Maranhão – e na maioria do Brasil – a Instituição ainda é bastante deficitária em suas funções, devido ao reduzido quadro de defensores e funcionários e a falta deles em outras regiões, como no centro e no sul do Estado. É necessário que haja um real empenho do estado, através da criação de novos cargos de defensor em todas as regiões do mesmo para que as funções da Defensoria sejam concretizadas, para que esta possa promover não só o acesso ao judiciário, mas também o acesso a uma ordem jurídica justa aos que não podem arcar com os altos custos de uma demanda judicial.



[1] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. 18.ed. Teoria geral do processo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. pag. 25

[2] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. 18.ed. Teoria geral do processo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. pag. 43

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. pag. 214

[4] ORIGEM e história da assistência jurídica e da defensoria pública. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/3exec/defensoria/defensoria1.html>. Acesso em: 07 nov. 2008

[5] OLIVEIRA, Simone dos Santos. Defensoria Pública Brasileira: Sua história. 2006. Tese (Pós-graduação em Direito do Estado/Constitucional) – Universidade Estadual de Londrina – UEL, Londrina, 2006. Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_2/num_2/Artigo-Simone%5B3%5D.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2008

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] MINAYO, M.; SOUZA, E. Violência contra idosos: é possível prevenir. In: SOUZA, E.R., Minayo MCS, Organizadoras. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. p.141-165. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232008000400011&lng=en&nrm=iso&tlng=pt> Acesso em: 24 out. 2008

[9] SILVA, Roberta Pappen da. Estatuto do Idoso: em direção a uma sociedade para todas as idades?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 898, 18 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7723>. Acesso em: 08 nov. 2008.

[10] Idem.

[11] Idem.

[12] CAPELLETTI, Mauro. Acesso a Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998.