A ATIVIDADE EMPRESÁRIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO: UMA PERSPECTIVA ÉTICA E MORAL


Paula Maria Bezerra Aragão
Daniel Rodrigues

  1. Perspectiva histórica da evolução do Direito Empresarial

O comércio existe desde a Idade Antiga, onde as civilizações mais primitivas já faziam uso da atividade mercantil. Contudo, ainda não dá para falar em Direito Comercial, entendendo este, como um conjunto de normas e princípios que pautam as relações comerciais. Apesar da presença da atividade, não havia uma consciência a respeito da especificidade da mesma, que era tida como natural e comum. Porém, não deve ignorar os acontecimentos dessa época, uma vez que existia um comércio e dele herdaram-se relevantes regras caracteristicamente comerciais, como por exemplo, as empresas e sociedades comerciais que se esboçaram a partir das remotas atividades da Antiguidade. Formavam também caravanas que eram compostas por peregrinos e tinham como objetivo atender as feiras, demonstrando a prática do chamado comércio mudo, o qual representou o embrião das sociedades comerciais. Entretanto, há uma precariedade nos registros históricos e muito embora as primeiras regras tenham surgido há bastante tempo, se davam a priori via oral e só posteriormente através da escrita, demonstrando uma tendência a disciplinar, principalmente, sobre o Direito marítimo.

Durante a Idade Média, por sua vez, começou-se a verificar uma atividade comercial mais investida e consequentemente, é nesse momento que surgem às raízes que deram origem ao Direito Comercial, por meio da existência de um ordenamento que passou a dispor acerca da atividade mercantil.

Nessa época por sua vez, a sociedade era fortemente marcada pelo modo de produção feudal, onde o desenvolvimento comercial era dificultado pelas várias regras impostas pelos senhores feudais, além da forte vedação canônica a frutificação do capital a qual rejeitava o lucro e recusava os interesses da classe burguesa que estava em pleno processo de ascensão.

Nesse contexto, essa nova classe em ascensão, formada por mercadores e comerciantes, teve que se organizar e desenvolver técnicas para superais tais óbices. Nasce então um novo ramo jurídico com intuito de preencher as lacunas deixadas pelo Direito Romanístico e superar as vedações do Direito Canônico, o qual fez surgir às chamadas Corporações de Ofício, que passaram a desempenhar importante papel na sociedade Medieval e composta por grupos de pessoas que começaram a se especializar na produção de determinados produtos, e caracterizavam-se pela proteção ao exercício da profissão, destinação de privilégios a classe burguesa e surgimento dos primeiros institutos jurídicos como títulos de crédito, letras de câmbio, contratos mercantis e bancos. Além de ser o direito dos membros das corporações cujas regras eram aplicáveis apenas àqueles que estivessem associados à corporação. O Direito dessa primeira fase apresenta um caráter eminentemente subjetivo, fechado e fortemente marcado pelo oligopólio.

A partir de então o comércio passou a se intensificar cada vez mais, espalhando-se rapidamente pela Europa, e consequentemente o direito comercial também foi evoluindo. As mudanças sociais e políticas da época levaram a publicação de uma obra que sistematizou o direito comercial: Tratactus de Mercatura seo Mercatore, de Benvenutto Stracca, com finalidade de influenciar a publicação de futuras leis sobre a atividade mercantil. Simultaneamente a essas transformações, as corporações de ofício foram se enfraquecendo e perdendo o monopólio da competência mercantil. É então que tem início a segunda fase do Direito Comercial.

Essa fase, conhecida como objetiva surge por volta do século XIX e estende-se até o século XX sobre forte influência da codificação napoleônica, onde foram editados o Código Civil e o Código Comercial, existindo agora um chamado sistema jurídico estatal. Além disso, devido às ideias difundidas pela Revolução Francesa, cujo lema era “Igualdade, liberdade e Fraternidade” passou-se a verificar uma resistência á privilégios a determinada classe ou grupo, cessando as vantagens destinadas às corporações de ofício.

Contudo, sabe-se que a classe burguesa sustentava o Estado Democrático de Direito através do pagamento de impostos, desenvolvimento tecnológico, movimentação do comércio e embora não fossem mais permitidos privilégios, Napoleão sabia que caso não protegesse os comerciantes poderia haver na França uma sobrecarga de produtos estrangeiros. Foi então que surgiu a Teoria dos atos de comércio, o qual atribuiria aos praticantes desses atos à qualidade de comerciante, ou seja, haveria uma objetivação do tratamento jurídico que deixa de tratar o sujeito e passar a definir-se pelo objeto, no caso, os atos comerciais. Ou seja, não protegeria mais a classe e sim os atos os quais eram relevantes para a sociedade. Tal alteração representou a consolidação do Estado Nacional sobre as instituições corporativistas.

Contudo, havia intensos debates acerca do fato do Direito Comercial ter perdido sua autonomia ao deixar de ser o Direito do comerciante para tornar-se o Direito dos Atos de comércio. Fábio Ulhôa[4] afirmava que:

 “Claro que a mudança não desnatura o direito comercial como conjunto de normas protencionistas dos comerciantes. O sentido da passagem para [essa nova] etapa evolutiva do direito comercial, ou seja, da adoção da teoria dos atos de comércio como critério de identificação do âmbito de incidência deste ramo da disciplina jurídica, restringe-se à abolição do corporativismo. Em outros termos, a partir [desse novo] período histórico do direito comercial, qualquer cidadão pode exercer atividade mercantil e não apenas os aceitos em determinada associação profissional (a corporação de ofício dos comerciantes). Contudo, uma vez explorando o comércio, passa a gozar de alguns privilégios concedidos por uma disciplina jurídica específica”.

Os críticos da Teoria Objetiva argumentavam que essa teoria acabaria por beneficiar indiretamente os empresários e comerciantes, havendo, portanto, uma igualdade apenas formal e não material. Ademais, alguns restringiam os atos à circulação de bens ou serviços outros recriminavam a falta de uma definição aceitável sobre os atos de comércio e insuficiência do mesmo ao disciplinar sobre uma série de atividades econômicas de suma importância.

Porém com o passar do tempo passou-se a compreender que o entendimento do direito comercial fundamentada apenas nos contornos dos atos de comércio revelou-se uma tanto quanto ultrapassada uma vez que a partir da Revolução Industrial houve uma explosão de múltiplas atividades comerciais de grande importância e sobre as quais a teoria dos atos de comercio não disciplinava.

O Sistema Italiano edita, no ano de 1942, um novo Código Civil que contemplava em seu regime jurídico a chamada Teoria da Empresa. Para Luiz Antônio Hentz[5], “A necessidade de desenvolver uma te­oria, como a teoria da empresa, deve-se à vagueza do conceito de atos de comércio”. Teve com uma de suas principais características a unificação dos ramos Civil e Comercial. André Luiz Ramos Santa Cruz[5], “A necessidade de desenvolver uma te­oria, como a teoria da empresa, deve-se à vagueza do conceito de atos de comércio”. Teve com uma de suas principais características a unificação dos ramos Civil e Comercial. André Luiz Ramos Santa Cruz[6] afirma que:

“A unificação provocada no Direito Privado pela codificação italiana foi meramente formal, uma vez que o direito comercial, a despeito de não possuir mais um diploma legislativo próprio, conservou sua autonomia didático-científica. Afinal como bem destaca a doutrina majoritária a respeito do assunto, o que define a autonomia e a independência de um direito, como regime jurídico especial, é o fato de ele possuir características, institutos e princípios próprios, e isso o direito comercial (ou empresarial) possui desde o seu nascimento até hoje, sem sombra de dúvida”.

 

A Teoria Jurídica da Empresa ampliou o campo de alcance do direito comercial e buscou superar os óbices da teoria anterior, afastando o exercício dos atos de comércio e fazendo surgir à figura do empresário e da Empresa, vista como uma atividade econômica organizada visando à produção ou circulação de bens ou serviços. E apesar da expressão Direito Comercial ser utilizada desde a Idade Antiga, devido as modificações e evolução das atividades, sobretudo, com o aparecimento da indústria e prestação de serviços, surgiu na literatura inúmeras doutrinas que passaram a contemplar e utilizar a nomenclatura Direito Empresarial.

Avaliando-se que o direito de empresa localiza-se amparado no novo Código Civil, no aspecto formal não há dúvidas que o direito privado foi unificado. Contudo, diversamente da autonomia formal, a jurídica, a qual se diferencia devido à presença de princípios peculiares tais como liberdade de iniciativa e concorrência, celeridade, onerosidade e entidades próprias como a falência, concordata além de normas específicas percebe-se que o direito comercial/empresarial, mesmo após a promulgação do novo Código Civil, continua sendo ramo autônomo do direito privado.

No Brasil, a evolução do Direito Comercial acompanhou as fases expostas anteriormente, onde inicialmente eram aplicadas as leis portuguesas, chamadas de Ordenações do Reino, situação que se modifica com a abertura dos portos as nações amigas, onde a partir desse momento passou-se a pensar na hipótese de criação do direito comercial brasileiro. O Código Comercial de 1850 adotou a teoria dos atos de comércio e também foi alvo das mesmas criticas já apontada anteriormente, porém, com o advento da teoria da empresa, o direito comercial brasileiro, passou a aproximar-se paulatinamente do sistema italiano, através da doutrina e jurisprudência, surgindo em 2002 um novo Código Civil que passou a tratar sobre Direito de Empresa, fazendo ao mesmo tempo, desaparecer a figura do comerciante e surgir a do empresário, o qual foi definido como aquele que exerce de forma profissional a atividade econômica organizada.

  1. A relação entre Direito Empresarial e Direito Constitucional

Por volta do século XIX e início do século XX, a Constituição limitava-se a um conjunto de determinações políticas, que não possuíam nenhuma valoração normativa e onde os próprios direitos fundamentais dos indivíduos careciam de leis para gerarem os resultados esperados, não havia também controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário sendo o princípio da supremacia da Constituição puramente ilusório uma vez que a realidade estava bem distante e distinta.

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