A atividade decisória do juiz: a efetivação dos direitos fundamentais.

Maysa Pinheiro dos Reis*



Sumário: Introdução; 1. Transformações no perfil do poder judiciário; 2. Entre o político e o jurídico: a atividade do juiz; 3. O papel do STF; Considerações finais; Referências bibliográficas.



RESUMO

É este cenário que conduz ao presente trabalho tratando inicialmente da atuação do poder judiciário diante da constituição de 1988, com o rol dos direitos fundamentais elencados por esta. Em um segundo momento discorre-se sobre um aspecto geral da posição política dos juízes e como suas decisões concretizam direitos fundamentais, num processo de democratização dos direitos. Em seguida adota-se o juiz como autêntico intérprete da lei, abordando brevemente o principio da imparcialidade. Trata-se ainda da função do STF, como órgão competente para o controle de constitucionalidade. E por fim, abordar-se a questão do STF ter um papel político dentro do sistema judiciário no Brasil garantindo direitos fundamentais.



PALAVRAS-CHAVE: jurídico, político, direitos fundamentais, STF.


INTRODUÇÃO:


O presente estudo traz à tona uma valorização do poder judiciário mediante a tarefa de interpretar o ordenamento constitucional cujo sistema de direitos fundamentais se faz alicerce.
Nesse sentido, o trabalho ora trazido a lume evidencia a necessidade da decisão judicial corresponder aos anseios sociais, numa perspectiva de efetivação dos princípios democráticos de direito.
Assim, é na resolução das complexidades no âmbito político e social que se espera do magistrado uma interpretação, embora que substancialmente valorativa e não neutra, mas de viés igualitário e apaziguador.
Trata-se, por conseguinte, o Supremo Tribunal Federal como órgão competente para tomar deliberações, sobretudo em defesa dos princípios constitucionais, disto, decorre o título de Guardião da Constituição, atuando de forma a garantir interesses da esfera pública e privada.
1. TRANSFORMAÇÕES NO PERFIL DO PODER JUDICIÁRIO.

Partindo de uma análise histórica, ainda que recente, observa-se que antes de 1988, não se vislumbrava uma atividade decisória do magistrado mediante a efetivação dos direitos fundamentais, devido ao contexto constitucional e histórico que o poder judiciario estava inserido. Cabe então ressaltar que neste período, o Estado brasileiro estava sob os ditames da constituição de 1967, pautada em limitações ao exercício dos direitos fundamentais, haja a vista que esta tratava-se de uma Carta Constitucional semi-outorgada, elaborada sob pressão dos militares, que buscou legalizar e institucionalizar o regime militar conseqüente da Revolução de 1964.
Verifica-se portanto, que neste contexto existe uma preponderância ou concentração de poder sobre o executivo, tornando enfraquecida a atuação do poder judiciário.
Porém, com a promulgação da carta de 1988, diante do rol de direitos e garantias fundamentais elencados por esta, observa-se uma valorização da função judiciária, na medida em que esta prima pela proteção destes direitos.
Neste sentido:
[...] O judiciário foi atirado no epicentro dos conflitos sociais reprimidos, consagrado como zelador dos direitos e garantias fundamentais, passando ainda a decidir questões inovadoras, como direito do consumidor, privatizações de estatais, operações financeiras e de movimentação de capitais intercionais, além de decidir acerca da legalidade dos planos econômicos de estabilização da economia e reajustes salariais para inúmeras categorias de trabalhadores (Costa, 2004, p. 25).

Outro fator importante no que se refere à mudança no perfil do poder judiciário após 1988, é justamente a frequência em que se observa a atividade jurisdicional sobre matérias de caráter estritamente político, no momento em que há uma inoperância do poder executivo na realização das políticas públicas. Esta omissão por parte do executivo e ainda, muitas vezes, do legislativo, incita o exercício de uma atividade decisória do juiz, como membro do poder judiciário, na garantia de direitos perante a resolução dos casos concretos, de forma a atender aos anseios sociais mediante a tarefa de interpretar o ordenamento constitucional pelo critério do sistema de direitos fundamentais.
A promulgação da Constituição Cidadã , cujo sistema de direitos fundamentais informa todo o ordenamento jurídico, não se trata somente de uma reconstrução do Estado Democrático de Direito após anos de autoritarismo militar, mas, sobretudo se pretende resgatar a força do direito através de uma adoção do relativismo ético na busca do fundamento da ordem jurídica, seja pela defesa da efetivação do sistema de direitos, seja pela efetivação da atividade do judiciário.
Nesse sentido, o compromisso com a efetivação das normas constitucionais asseguradoras dos direitos fundamentais, enquanto parâmetros de valoração que orientam a interpretação de todo o ordenamento constitucional, se traduz no papel do judiciário, devido a este colocar, no fim do processo, a norma em contato com a realidade, no plano da concretização normativo-constitucional.


2. ENTRE O JURÍDICO E O POLÍTICO: a atividade do juiz.


A função do juiz não se limita a verificar a ocorrência da hipótese prevista em lei e aplicar os efeitos jurídicos por ela comandados, embora isto não implique também em afirmar um desrespeito aos ditames constitucionais, preservando assim o princípio da segurança jurídica. Neste sentido, a função de aplicação do direito a partir da decisão judicial na resolução das complexiades político-sociais, contém elemetos interpretativos na medida em que as leis admitem aparentes lacunas. Tal função se dá de maneira ainda mais latente, diante da inoperância do poder executivo e do poder lesgislativo no exercício de suas funções constitucionais.
A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórias. Sob tais condições, ocorrem uma certa aproximação entre Direito e Política e em vários casos torna-se difícil distinguir entre o direito e um interesse político. (Castro, 1997, p. 150, apud Costa, 2004, p. 36).

É nesse campo, o qual o Estado aparece como inerte, omisso, que se pergunta qual papel o Judiciário tem a cumprir. No entanto, a atividade judiciária concerne limites impostos pelo princípio da separação dos poderes. Nesta medida, até onde pode atuar o poder judiciário, enquanto garantidor dos direitos fundamentais? Este atua, no Estado democrático de direito, como uma espécie de delegado do Poder Constituinte para a defesa da Constituição vigente, ou seja, atua como um poder contra-majoritário em defesa dos direitos das minorias, de modo que julga com subjetividade cada caso em particular sem dar privilégios a nenhuma das partes, pressupondo que casos iguais não devem ser resolvidos de forma distinta, assim como o direito deve ser aplicado uniformemente no território em que vige.
No sentido da decisão judicial, o juiz não interpreta a Constituição de forma isolada, muitos são os participantes do processo de interpretação ? todas as forças pluralistas públicas são, em potencial, intérpretes da constituição. Porém, a forma de participação da opinião pública está longe de ser organizada ou disciplinada, cabendo então ao juiz, na condição de autêntico intérprete da lei, a função de disciplinar e canalizar as múltiplas formas de influência da opinião pública no processo de interpretação e aplicação das leis, utilizando mecanismos constitucionais, no sentido de dar uma interpretação igualitária às normas jurídicas.
Informando a atividade decisória do juiz, o princípio da imparcialidade, característico do método de interpretação e aplicação da lei, é designado a partir de uma concepção de neutralidade na decisão judicial, porém a figura do magistrado consiste uma personalidade dotada de valores pré-existentes, seja em reflexo ao âmbito social em que este foi inserido, seja num caráter técnico-interpretativo que este exerce sobre os conflitos analisados. A interpretação é, nesta medida um método que resulta ao juiz a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso da resolução dos casos concretos, de forma que este não deve criar ou aplicar leis que possam vir a aumentar desigualdades arbitrárias. Ressalte-se que remete ao judiciário a concretização da Constituição, através do círculo de seus intérpretes, que buscam especialmente, garantir a efetividade do sistema de direitos constitucionalmente assegurados.
A Constituição delimita espaços normativos, preenchidos por valores que constituem bases de ordenação da vida social. Nas palavras de José Afonso da Silva:
[...] "certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a constituição".


Ou seja, esta está voltada para a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade. A expressão direitos fundamentais do homem designa as prerrogativas e insituições que concretizam em garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas, pois são, ainda de acordo com José Afonso da Silva, "direitos que nascem e se fundamentam, portanto, no princípio da soberania popular".
Os direitos fundamentais possuem hoje uma dimensão objetiva em função da integração dos indivíduos no processo político comunitário e da ampliação do chamado espaço público.
É, portanto, pela via da participação político-jurídica, aqui traduzida como o alargamento do círculo de intérpretes da constituição, que se processa a interligação entre os direitos fundamentais e a democracia participativa. Em outras palavras, a abertura constitucional permite que cidadãos, partidos políticos, associações, entre outros, integrem o círculo de intérpretes da consituição. Não há outra forma de viabilizar esta participação jurídico-política senão através da criação, pelo próprio ordenamento constitucional, de uma série de instrumentos processuais-procedimentais que, utilizados pelo círculo de intérpretes da constituição, possa vir a garantir a efetividade dos direitos fundamentais.
E enquanto valores constitucionais, o sistema de direitos fundamentais, ao mesmo tempo que se constitui em todo o Ordenamento Constitucional, também funciona como seu critério de interpretação. Enquanto direitos positivados, são metas e objetivos a serem alcançados pelo Estado Democrático de Direito.
[...] "um Estado Democrático, designado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, funadada na harmonia social" [...]

Ao definir os fundamentos do Estado Democratico de Direito, parece não haver dúvida de que o sistema de direitos fundamentais se converteu o núcleo básico do ordenamento constitucional brasileiro e, nesta linha de pensamento, pode-se afirmar que o magistrado, inserido neste contexto, deve fazer de sua atividade um instrumento de efetivação dos direitos fundamentais.


3. O PAPEL DO STF.


Na condição de órgão competente para o controle de constitucionalidade, cabe ao Supremo Tribunal Federal cuidar de temas constitucionais e de questões de interesse público de ordem jurídica, moral, política, econômica e social. Tal controle de constitucionalidade foi criado a partir do célebre caso Marbury vs Madison, porém este controle passou a ter maior relevância na medida em que se editou um numero maior de leis, invadindo domínios antes considerados privados. Compete a STF o papel de intérprete, defensor e esclarecedor da Constituição, interpretando-a à luz dos anseios sociais, perpetuando assim as identidades sociais de cada época. Foi atribuído ao Supremo Tribunal Federal o título de Guardião da Constituição pelo próprio texto constitucional de 1988, além de que um percentual das suas funções foi transferido ao Superior Tribunal de Justiça. Tal atribuição remete ao caráter político que foi inserido o STF no atual texto constitucional.
O Supremo Tribunal ao fazer o controle de constitucionalidade de normas dos outros poderes, assume um viés ''político'', não no sentido partidário, mas sim no sentido institucional, isto é, de forma a tornar-se uma parte ativa no processo de aprofundamento da democracia e dos princípios republicanos.
O STF deve assumir o paradoxo inerente à decisão: se a decisão visa pôr um ponto final no conflito trazido à tona na Corte, por outro lado, ao tomar a decisão, a Corte contribui para que a discussão continue em novos níveis e perspectivas, em outras instâncias da esfera pública, ou seja, o STF lida com as permanentes crises geradas pelos conflitos entre autonomia pública e autonomia privada, como dimensões que, ao mesmo tempo em que são opostas, se pressupõem, e são primordiais.
Nesse sentido, todo conflito trazido ao STF é um conflito de direitos fundamentais e, portanto, seu papel político requer que este assuma o risco permanente de definir a cada caso o que é o Direito, usando os princípios/direitos fundamentais da Constituição como parâmetros e limites. O STF tem a responsabilidade de, como "intérprete final da Constituição", incorporar diferenças através dos direitos fundamentais.
Porém, a tarefa de garantir a constituição através de elementos interpretativos não confere neutralidade, na medida em que está embutida nesse processo de interpretação a subjetividade dos ministros que vem a se posicionar diante do ordenamento. Além de que, neste mesmo sentido, o ordenamento Constitucional é estritamente valorativo, devido a estar comprometido com a legitimação das múltiplas aspirações sociais.
Portanto, a realização dos valores constitucionais que atendam as necessidades sociais e a efetivação do sistema de direitos fundamentais depende exclusivamente da participação jurídico-política de uma ampla comunidade de intérpretes.
Nesta medida, tal postura pode ser corroborada por uma citação de decisão do STF, no seguinte caso:

[...] Já não é a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal decidi acerca da distribuição de medicamentos para tratamento de AIDS, com base no direito social previsto no artigo 196, da Constituição Federal: Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A concreção do seu alcance dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (RE 271286 AgR / RS Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 12/09/2000).
O Supremo Tribunal Federal demonstrou ao longo de sua trajetória, constituir-se em um tribunal com a preocupação e a missão de consagrar o respeito e garantir a efetividade dos direitos fundamentais, em defesa da Sociedade e do Estado Democrático de Direito. Esse papel foi reforçado pela Constituição de 1988 e pela subsequente jurisprudência da Corte Suprema, como podemos observar na decisão referida neste trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, cumpre salientar que a análise para com a formulação e justificação das decisões judiciais, levou a uma compreensão sobre o papel do Poder Judiciário e ainda do Supremo Tribunal Federal após a Constituição de 1988, além de averiguar suas relações com a Política. É exposta a motivação pelos magistrados em desempenhar um papel preponderante no fortalecimento do Estado Democrático de Direito, buscando efetuar direitos fundamentais aos cidadãos.
As análises elaboradas sobre os sujeitos formalmente neutros ou imparciais demonstram a refutabilidade destas premissas, na medida em que é inerente ao operador do direito uma personalidade moralmente valorativa, influenciada pelo meio social em que este está inserido.
Desta forma, diante da realidade que se apresenta ao poder judiciário a fim de que este intervenha de forma efetiva, faz-se necessária zelar por uma atuação dos magistrados pautada pelo escopo de concretizar os direitos fundamentais elencados no texto constitucional. Assim, não se pode reduzir a atividade jurisdicional a uma função meramente formal, sob pena de se incorrer em uma deterioração dos direitos fundamentais.
No que confere ao STF, os estudos também demonstram que ser um "guardião da Constituição" é, acima de tudo, produzir decisões judiciais, por via da argumentação jurídica, capaz de fazer com que esta decisão não seja do ministro tal ou qual, mas que a sociedade se reconheça na decisão.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?. Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

CAPELLETTI, Mauro. Juízes Irresponsáveis?. Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

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COSTA, Ana Edite Olinda Norões. Poder Judiciário e Democracia Constitucional: A Atividade Jurisdicional sobre Comissões Parlamentares de Inquérito. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.

HÄRBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional: A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e "Procedimental" da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.