A ARTIFICIALIDADE DO CONFLITO ENTRE O DIREITO À MORADIA E O DIREITO A UM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO: um problema de ausência de efetividade social.

Douglas Alexandre P. Bezerra Pereira[1]

Bruno Victor Nunes Pacífico de Paula[2]

 

RESUMO

Visualiza-se o abrandamento da legislação brasileira, por parte dos gestores públicos, na evidente tentativa de superar a deficitária eficácia existente ao derredor dos direitos sociais ou de segunda geração, bem como nos de terceira geração. Em termos práticos, a coexistência desses dois direitos tem propiciado a inobservância do respeito ao direito difuso e coletivo ao meio ambiente, estabelecendo o Estado uma política imediatista, onde o direito à habitação se sobressai diante da ausência de políticas públicas nesta área, gerando a inobservância das leis ambientais. O presente trabalho visa demonstrar a existência de um falso conflito entre o direito à moradia e ao meio ambiente ecológicamente equilibrado, construído por inexistência da atividade estatal onde, este, deve agir de forma positiva. Para tanto iremos primeiramente apresentar um panorama geral dos direitos fundamentais e suas respectivas dimensões, posteriormente analisaremos de forma específica os direitos fundamentais objeto do estudo, para por fim, analisar o problema da ineficácia social dos ditos direitos.   

PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais. Direito à moradia. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Eficácia.

 

INTRODUÇÃO

A expansão demográfica ocorrida nos mais diversos centros urbanos do país têm posto em constante tensão os direitos fundamentais de moradia e meio ambiente equilibrado. A falta de espaço para o crescimento habitacional e a consequente ocupação de áreas ambientais protegidas criam a necessidade de ponderações entre tais direitos fundamentais.

O crescente déficit habitacional brasileiro tem propiciado a ocorrência do fenômeno da regularização e legalização de assentamentos que não estão em conformidade com as normas regentes, a ilegalidade de tais assentamentos pode ser auferida na inobservância de leis civis, como o direito à propriedade, ou em desrespeito as leis ambientais.

Visualiza-se o abrandamento da legislação brasileira, por parte dos gestores públicos, na evidente tentativa de superar a deficitária eficácia existente ao derredor dos direitos sociais ou de segunda geração, bem como nos de terceira geração. Em termos práticos, a coexistência desses dois direitos tem propiciado a inobservância do respeito ao direito difuso e coletivo ao meio ambiente, estabelecendo o Estado uma política imediatista, onde o direito à habitação se sobressai diante da ausência de políticas públicas nesta área, gerando a inobservância das leis ambientais.

O presente trabalho visa demonstrar a existência de um falso conflito entre direitos fundamentais, construído por inexistência da atividade estatal onde, este, deverá agir de forma positiva. Para tanto iremos primeiramente apresentar um panorama geral dos direitos fundamentais e suas respectivas dimensões, posteriormente analisaremos de forma específica os direitos fundamentais objeto do estudo, para por fim, analisar o problema da ineficácia social dos ditos direitos.    

 

  1. 1.                  CONCEITO E DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: o direito social à moradia e o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Segundo Carl Schmitt, em consonância com o sentido político que emprega à constituição, direitos fundamentais seriam “aqueles direitos que pertencem ao fundamento de um Estado e que, por isso, são reconhecidos pela sua Constituição” (LIMA, 2010. p. 79), ou seja, os direitos fundamentais são frutos de uma decisão política, que os elegem e os positivam como tal. Diferencia-se, desta feita, os direitos fundamentais dos denominados direitos humanos. Para Alex Fernandes Santiago “Direitos fundamentais são aqueles assim reconhecidos e positivados na lei fundamental de determinado Estado” e os direitos humanos, por sua vez, seriam os assim reconhecidos em instrumentos internacionais, referindo-se à pessoa humana, independente de sua vinculação com determinado Estado ou Constituição, alcançando-a em sua totalidade universal. (SANTIAGO, 2011. p. 616)

Didaticamente a institucionalização dos direitos fundamentais, sua inserção nas diversas constituições, dá-se de forma sucessiva e, segundo a melhor doutrina, divide-se em cinco dimensões. Tais dimensões traduzem as paulatinas conquistas alcançadas ao longo dos tempos pelos indivíduos frente ao Estado e à própria sociedade. Segundo Henkes os direitos fundamentais efetivam de forma jurídica os inúmeros preceitos elencados nos textos declaratórios de direitos humanos. (HENKES, 2006. p. 869)

 Os direitos humanos da 1.ª dimensão caracterizam-se pelo respeito as liberdade individuais, exigindo uma abstenção da ação estatal. Surgem, desta feita, para limitar o campo de ação estatal, sendo, o marco da passagem de um Estado autoritário para um Estado de Direito. Os chamados direitos civis e políticos são bem traduzidos pelo filósofo John Stuart Mill em seu livro On Liberty:

A finalidade, pois, dos patriotas consistia em pôr limites ao poder que ao governante se toleraria exercesse sobre a comunidade. E essa limitação era o que entendiam por liberdade. Foi tentada de duas maneiras. Primeiro, pela obtenção do reconhecimento de certas imunidades, conhecidas por liberdades ou direitos políticos, cuja infração pelo governante se considerava quebra do dever, tendo-se por justificativa, então, uma resistência específica ou uma rebelião geral. (MILL,1974. p. 22)

Em suma, os direitos de primeira dimensão são direitos negativos, justificadores da insurgência dos indivíduos frente ao Estado quando da observância de interferência em sua liberdade. Tais direitos estão consagrados em documentos históricos como: a Magna Carta de 1215, assinada pelo rei “João Sem Terra”, o Habeas Corpus Act (1679); e as Declarações americana (1776) e francesa (1789). (LENZA, 2012. p. 958)

Em meados dos séculos XVIII e XIX o mundo começa a passar por profundas transformações, constata-se o início da Revolução Industrial, o crescimento urbano, o surgimento de problemas de segurança, saúde e a demanda por um bem-estar social. Os direitos garantidos no início do constitucionalismo moderno já não eram mais suficientes, exigia-se um estado de fazer. Evidenciam-se neste momento os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como, a exigência de uma igualdade não apenas material, mas substancial. Colaciona Henkes que,

estes direitos são caracterizados por sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas sim, deste propiciar um “direito de participar do bem-estar social”. Ou seja, não se trata da não intervenção do Estado no agir individual, mas do agir do Estado para propiciar melhores condições de vida ao indivíduo. (HENKES, 2006. p. 871)

  

Os direitos fundamentais de segunda geração, na contramão dos de primeira, exigem um fazer, a atuação estatal para garantir ao individuo trabalho, educação, saúde, previdência social, moradia, e diversos outros. Na ordem constitucional brasileira os referidos direitos encontram-se esculpido no art. 6° da CRFB/88.

Interessante demonstrar, aqui, que diferentemente da simples abstenção, os direitos de segunda geração exigem ação por parte do Estado, portanto, gastos, ficando, por esse motivo, adstritos à denominada “reserva do possível”. Nesse sentido observa Bonavides que tais direitos em um primeiro momento, possuíam uma canhestra aplicabilidade, pois exigiam determinadas prestações materiais que, em sua natureza, possuíam limitações devido à falta de recursos. (BONAVIDES, 1997. p. 564)

Por força dos avanços tecnológicos e cientifico o mundo passa por profundas alterações, como o surgimento de uma comunidade internacional de massa. Coloca-se por um instante de lado a noção de indivíduo e busca-se a preservação de grupos humanos. Surge, a necessidade de tutelar direitos coletivos pertencentes a setores da sociedade ou a sociedade como um todo. São direitos de terceira dimensão a noção de preservação ambiental, a noção de proteção aos consumidores, entre outros. São direitos transindividuais, direitos difusos (pertencentes a uma coletividade) que ultrapassa o limite do individuo como detentor, a todos pertencente, mas sem possuidor individual. (FIORILLO, 2010. p. 55).

Segundo o mestre Norberto Bobbio, caracterizaria direitos fundamentais de quarta geração os referentes à defesa da existência humana frente aos avanços da engenharia genética. A limitação da manipulação genética seria um direito fundamental vinculado diretamente à vida humana, onde a limitação das manipulações gênicas seria em ultima análise uma observância ao próprio direito à vida. (LENZA, 2012. p. 960)

Por fim, parte da doutrina, mais precisamente Bonavides, entende ser o direito à paz um direito fundamental de quinta dimensão. (LENZA, 2012. p. 961)

A análise das diversas dimensões dos direitos fundamentais nos permite “classificar” o direito à moradia como de segunda dimensão e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como de terceira dimensão.

        

  1. 2.                  CONFLITO ENTRE A EFETIVAÇÃO DA MORADIA E A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

A Constituição Federal atenta com as evoluções internacionais e com os Tratados e Convenções erigiu o direito à moradia como direito fundamental do Estado Brasileiro, impondo, pois o dever prestacional de conceder habitação ou melhorar as que se encontram em situação precária.  Desta feita o direito à moradia ganha o status não apenas de direito fundamental, mas também, de direito humano, visto está presente em tratados internacionais de caráter universalizante de direitos. Segundo Saule Junior,

A situação econômica e social da maioria da população urbana pode ser vista através das condições inadequadas e degradantes nas favelas, bairros suburbanos, ou cortiços, habitações coletivas de aluguel. Os problemas urbanos, o futuro das cidades foram tema da última Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, realizada em Istambul no mês de junho de 1996, que instituiu a Agenda Habitat contendo um plano global de ação para as próximas décadas do século XXI. Essa Conferência teve dois temas básicos Adequada Habitação para todos e Assentamentos Humanos Sustentáveis em um Mundo em Urbanização. O direito à moradia foi reafirmado como um direito humano, o que significa que os Estados Nacionais têm obrigações e responsabilidades para assegurar esse direito. (SAULE JR., p. 63) (grifo nosso)

  

O direito à moradia em sua complexidade erradia sobre diversos outros direitos fundamentais a sua forte influência. O direito à moradia coloca-se como condição para aquisição de outros direitos: propicia o direito à vida humana digna, exercido somente na existência das condições mínimas de saúde, moradia e educação, propicia o direito à vida privada, tendo em vista que a inviolabilidade do domicílio assegura a existência de um campo de não ingerência do Estado e de outras pessoas, o direito à moradia afeta até mesmo, segundo Schreiber à formação e o desenvolvimento da própria pessoa humana.(HENKES, 2006. p. 874). Dissertando sobre a interdependência existente entre o direito à moradia e os demais direitos fundamentais afirma:

O Direito à moradia derivado do direito a um nível de vida adequado, configura a sua indivisibilidade e interdependência e inter-relacionamento como direito humanos, por exemplo: com o direito de liberdade de escolha da residência, o direito de liberdade de associação (como as de moradores de bairro, vila, e comunidade de base), com o direito de segurança (caso de despejos e remoções forçadas ou arbitrárias, ilegais), o direito de privacidade da família, casa e correspondência, com o direito a higiene ambiental e o direito de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. (SAULE JR., p. 77)

Analisado de forma resumida o direito à moradia passamos a estudar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A lei que institui a Política Nacional do Meio Ambiente o conceitua como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, o art. 225 da Carta Maior por sua vez garante que “Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Assim, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é a manutenção e recondução do meio ambiente ao status quo de total harmonia entre as condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica existentes no meio ambiente.

Da literalidade do art. 225 da CRFB/88 surgem importantes observações.                   Primeiramente o referido dispositivo presta um conteúdo humano e social ao meio ambiente, estabelecendo o meio ambiente como condição precípua para a obtenção a uma sadia qualidade de vida, bem como impõe o dever de sua defesa e preservação a essa e a futuras gerações, tendo em vista, portanto a sua necessária preservação para a manutenção da existência humana (LIMA, 2010, p. 88).  Segundo, compatibilizando a sua titularidade com a obrigatoriedade de sua proteção, o direito ao meio ambiente é de todos e deve ser observado por todos, inclusive pelo próprio Poder Público. Assim é que se impõe a estes o dever positivo de preservação ao meio ambiente e o dever negativo de não ser, o próprio Estado um agente poluidor e transgressor das normas ambientais.

Assim como o direito à moradia o direito a um meio ambiente saudável guarda forte inter-relação com diversos outros direitos fundamentais e humanos, através da observância do direito ao meio ambiente observa-se o respeito à vida, a dignidade da pessoa humana, à defesa de direitos coletivos, dentre outros. Citando Álvaro Luiz Valery MirraSilviana, L. Henkes preleciona:

É indiscutível o status de direito fundamental outorgado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e neste sentido Mirra leciona que reconhecer um determinado valor como direito fundamental significa considerar a sua proteção como indispensável à vida e a dignidade das pessoas – núcleo essencial dos direitos fundamentais. E, proclamar um direito fundamental, qualquer que seja, implica erigir o valor por ele abrangido em elemento básico e essencial do modelo democrático que se pretende que seja instaurado no país. (HENKES, 2006. p. 875)

    

A expansão demográfica ocorrida nos mais diversos centros urbanos do país têm posto em constante tensão os direitos fundamentais de moradia e meio ambiente equilibrado.  
                   A falta de espaço para o crescimento habitacional e a consequente ocupação de áreas ambientais protegidas criam a necessidade de ponderações entre tais direitos fundamentais.

O crescente déficit habitacional brasileiro tem propiciado a ocorrência do fenômeno da regularização e legalização de assentamentos que não estão em conformidade com as normas regentes, a ilegalidade de tais assentamentos pode ser auferida na inobservância de leis civis, como o direito à propriedade, ou em desrespeito as leis ambientais.

Visualiza-se o abrandamento da legislação brasileira, por parte dos gestores públicos, na evidente tentativa de superar a deficitária eficácia existente ao derredor dos direitos sociais ou de segunda geração. Em termos práticos, a coexistência desses dois direitos tem propiciado a inobservância do respeito ao direito difuso e coletivo ao meio ambiente, estabelecendo o Estado uma política imediatista, onde o direito à habitação se sobressai diante da inobservância das leis ambientais.  

Depreende-se da análise ora feita que, ambos direitos fundamentais aqui colacionados exigem uma postura ativa por parte do Poder Público, tal exigência coloca em cheque a ação estatal no momento em que este se depara com a situação de, legalizar ou não, assentamentos habitacionais localizados em áreas de preservação ambiental. O problema, pois é de efetividade dos ditos direitos. O conflito entre estes é artificial, no sentido de que só ocorre por ausência de políticas de moradia eficientes e satisfatórias de forma a garantir universalmente a habitação digna. Ou seja, o conflito é gerado pelo descumprimento do dever estatal.    

  1. 3.                  O PROBLEMA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À MORADIA E MEIO AMBIENTE.

Os direitos de segunda e terceira geração possuem o traço característico comum de exigirem do Estado, um agir positivo e de colocar o homem frente ao mesmo como ser titular de uma pretensão. Duas correntes existem acerca da forma de estudo dos direitos fundamentais esculpidos na nossa Constituição Federal. A primeira delas, denominada de dogmática da razão do Estado, centraliza as suas forças no ente estatal, buscando sempre legitimar a ação deste, não importando a sua ingerência no espaço social.

A dogmática da razão do Estado estuda o direito constitucional como qualquer outro domínio do direito, prendendo-se, muitas vezes a conceitos anteriores à Constituição Federal de 1988 e a uma espécie de interpretação retrospectiva da ordem constitucional. Referida vertente encontra-se, em geral, ainda que inconscientemente, ligada à manutenção do status quo, daí a razão pela qual foca sua visão teórica na idéia de Estado, procurando desenvolver esforços para legitimar a atuação do Poder Político, qualquer que seja ele. O Estado, assume, nesse contexto, absoluta centralidade, sendo o discurso constitucional experimentado como disciplina voltada exclusivamente ao estudo da normatividade do espaço político, sendo negligenciado o espaço societário extra-estatal. (CLÈVE, 2002. p. 29)

Em sentido contrário é a linha doutrinária da dogmática constitucional emancipatória. Tal vertente possui o objetivo de estudar o direito constitucional e, consequentemente, os direitos fundamentais à luz da idéia de dignidade da pessoa humana, o foco aqui não é o ente estatal, mas a pessoa e a efetivação, não somente no campo político, mas também e principalmente, no campo da realidade social dos direitos esculpidos constitucionalmente.

Esta dogmática distingue-se da primeira, pois não é positivista, embora respeite de modo integral a normatividade constitucional, emergindo um compromisso principialista e personalizador para afirmar, alto e bom som, que o direito Constitucional realiza-se, verdadeiramente, na transformação dos princípios constitucionais, dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e dos direitos fundamentais em verdadeiros dados inscritos em nossa realidade existencial. (CLÈVE, 2002. p. 30)

  

Propugnamos que essa última linha interpretativa é a mais adequada a gerar a efetividade dos direitos aqui expostos. A determinação legal dos direitos fundamentais não pode estar fechada dentro do âmbito da falsa efetividade política, tais direitos carecem do nível adequado de aplicabilidade fática. Mitigam-se as normas protetivas ambientais frente às ocupações antrópicas por falta de efetividade social do direito à moradia. O Poder Público cria um conflito naturalmente inexistente, totalmente diverso, por exemplo, do existente na situação de Testemunhas de Jeová que não aceitam transfusões sanguíneas, onde, naturalmente existe o impasse entre o direito fundamental à vida e a crença religiosa.

Diversamente dos direitos políticos de primeira geração os direitos sociais e coletivos ficam a mercê de uma ação estatal para que sua aplicabilidade seja efetivada, nos primeiros, suficiente é a criação de instrumentos jurídicos protetivos da ingerência estatal sobre o indivíduo, os últimos demandam, além de instrumentos jurídicos de proteção, políticas públicas que, em países em vias de desenvolvimento como o Brasil são escassas e ineficazes.

O reconhecimento e proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais estão na base das Constituições democráticas modernas, como é o caso da Constituição Brasileira e integram a legislação positiva da maioria dos Estados contemporâneos. A posição dos direitos econômicos, sociais e culturais, não tem significado especialmente nos países em desenvolvimento como o Brasil uma efetivação e concretização do pleno gozo e exercício desses direitos. Se de um lado, existe um conjunto de mecanismos e instrumentos específicos de proteção dos diretos civis e políticos como o habeas corpus, ação popular, mandado de segurança, direito de petição, por outro lado no campo dos direitos econômicos, sociais e culturais existe a necessidade de aplicar os já existentes, e a criação de novos mecanismos eficazes de implantação e concretização desses direitos. (SAULE JR. p. 68) (grifo nosso)

Vale destacar, entretanto, uma sensível melhora na efetivação do direito à moradia levada a cabo por ações públicas como o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) que tem propiciado o acesso à pessoa de classe baixa a esse direito. Esta melhora também pode ser identificada no campo da proteção ambiental com a modernização da legislação ambiental, bem como com a criação de políticas sustentáveis. Entretanto muito ainda há que ser feito.

Importa, todavia, no atual âmbito de efetivação desses direitos, a não flexibilização das normas ambientais visando, em uma manobra desordeira do Estado, a efetivação do direito à moradia (HENKES, 2006. p. 880). Esses direitos que, em uma realidade de desenvolvimento e de políticas públicas bem executadas, dificilmente se colocariam em pólos opostos, devem ser respeitados e efetivados da melhor forma possível, visando atender as determinações constitucionais e supralegais dos direitos humanos.

CONCLUSÃO

A análise das diversas dimensões dos direitos fundamentais nos permite “classificar” o direito à moradia como de segunda dimensão e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como de terceira dimensão. Tal constatação leva à compreensão de que esses direitos exigem uma conduta ativa por parte do Poder Público.

Diante da exigência de agir o Estado acaba por criar o conflito entre o direito fundamental à moradia e ao meio ambiente equilibrado. É, pois na aplicação de soluções imediatistas que o Estado acaba por propiciar ou criar o conflito entre as ditas regras fundamentais.  O conflito entre estes é artificial, no sentido de que só ocorre por ausência de políticas de moradia eficientes e satisfatórias de forma a garantir universalmente a habitação digna. Ou seja, o conflito é gerado pelo descumprimento do dever estatal.  

Desta forma, cabe ao Estado Brasileiro a promoção de apoio ao direito à moradia, buscando efetivá-lo de forma a não sulfurar o âmbito de proteção estabelecido pelas regras de proteção ambiental, ou qualquer outra regra, que de forma direta ou indireta, seja afetada por essa ausência do poder público.

REFERÊNCIAS

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1997.

CLÈVE, Clémerson Merlin. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. Degrafação de conferência proferida em agosto de 2002, no III Simpósio de Direito Constitucional e Infraconstitucional.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 11. ed. rev. atual. e ampl. Saraiva: São Paulo, 2010.

HENKES, Silviana L., Colisão de direitos fundamentais: meio ambiente ecologicamente equilibrado e acesso à moradia em áreas protegidas. In: Antoni Herman Benjamin (org.). Congresso Internacional de Direito Ambiental. Imprensa oficial do Estado de São Paulo: São Paulo, 2006.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev. atual. e ampl.  Saraiva: São Paulo, 2012.

LIMA, Clara Moutinho Pontes. O aparente conflito entre o direito à moradia e a proteção ambiental. PUC/RJ: Rio de Janeiro, 2010.

MILL, John Stuart. On Liberty. Harmondswoth: Peguin, 1974.

SANTIAGO, Alex Fernandes. A ocupação de áreas protegidas: conflito entre direitos fundamentais?. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo AfFonso Leme (orgs.). Direito Ambiental: fundamentos do direito ambiental. v. 1. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011.

SAULE JÚNIOR, Nelson. O direito à moradia como responsabilidade do Estado brasileiro. In:___. (coord.). Direito à Cidade: trilhas legais para o Direito às Cidades Sustentáveis. Max Limonad.



[1] Acadêmico do 10° período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Acadêmico do 10° período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB