A arte nos rituais da umbanda
Danilo Reis de Matos Oliveira

Resumo:
Este artigo "A arte nos rituais da umbanda" visualiza a arte como uma manifestação humana e a religião como ligação entre o homem e o sobrenatural. A religião e a arte se relacionam por darem sentido às atividades humanas. A umbanda é uma religião sincrética; não é arte, mas faz uso dela em seus rituais, através dos cantos, instrumentos, danças, roupas e adereços usados em suas cerimônias.
Palavras - chave: cultura ? arte ? religião ? umbanda ? ritual.



[...] nenhum ser humano, especialmente no que concerne aos deuses, é detentor de qualquer verdade universal. A verdade que nos liga ao transcendente é única e verdadeira apenas dentro de nossas almas (AZEVEDO, 2010, p.11).

Para se entender melhor o tema "a arte na umbanda", far-se-á uma conceituação do que é cultura, arte, religião, umbanda, sua história, para então perceber a relação entre elas.
Entende-se por cultura os valores, as crenças, os costumes perpetuados por um povo. A cultura pode ser material ou imaterial. Pode-se dizer que a cultura material é aquela palpável, como objetos de cerâmica, edificações antigas, etc. Já a cultura imaterial é aquela que não necessita do concreto, do palpável para existir, a exemplo das danças e ritmos, mitos, cantigas populares, dentre outros.
Colli define por cultura os costumes transmitidos pela coletividade e oriundos de uma sociedade. A cultura não é estática. Como está relacionada a uma sociedade e, à medida que a sociedade muda, a cultura acompanha o mudar social, ou seja, ela se adapta aos interesses do meio.
Vê arte como "certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo". Ele mostra a arte como uma manifestação do homem e por isso, subjetiva, passiva de olhares e pensares. A arte surge de forma singela e vem do cerne humano, que a usava para expressar seus sentimentos. Por isso pode-se concluir que a arte é a expressão dos sentimentos humanos, que se transmite e se entende a partir do olhar sociocultural do ser. A arte é um campo de conhecimento, com especificidades. Se arte é expressão, toda atividade humana, que está envolta de um sentimento, intencionalidade, percepção e criatividade, pode ser vista como arte.
Arte e cultura não são a mesma coisa. Eles têm especificidades, mas se utilizam mutuamente. Arte e cultura são expressões do homem, contudo cabe a cultura, assim como à religião, que também está estritamente ligada à cultura, dar significado à arte (COLLI).
A palavra religião é de origem latina, vem de "religio", que se traduz em "prestar culto a uma divindade", "ligar novamente" ou simplesmente "religar". Sendo assim, entende-se como religião as crenças e valores inerentes do que o ser humano vislumbra como sobrenatural, seus rituais e códigos morais que derivam destas crenças (AZEVEDO, 2010, p.7). A função da religião é ligar o homem ao sobrenatural; dessa forma a religião atribui um significado a arte: uma estatua não será somente arte quando vista com os olhos da fé.
São muitas as religiões existentes no mundo, cada uma com doutrinas próprias e particularidades no culto. Pode-se citar como exemplos as religiões cristãs, como o catolicismo e o protestantismo, que mesmo tendo como característica comum a crença em Jesus Cristo, tem muitas particularidades em seus cultos.
As religiões podem ser classificadas como: de integração, de servidão, de libertação e de salvação .
As religiões de integração têm por característica a busca da união entre o homem e a natureza, de modo a garantir a sobrevivência por meio de seus recursos. São as religiões mais primitivas, e características de povos cuja organização é tribal. Nesta categoria religiosa estão as religiões africanas e as religiões ameríndias.
As religiões de servidão são religiões atribuídas a povos mais desvencilhados a natureza. Tidos por mais desenvolvidos culturalmente, e já organizadas em cidades e vilas. Nelas os deuses aparecem como senhores soberanos de tudo o que há, por isso o homem é tido como servo, devendo lhe render culto e oferenda. Nas religiões de servidão os homens distanciam-se do sobrenatural, diferentemente das religiões de integração em que a relação entre o homem e o divino é intima. Era o modelo religioso característico de antigas civilizações como Egito e Grécia.
As religiões de libertação são aquelas que visam livrar o homem do pecado, dos males por meio dele adquirido. Buscam a purificação do corpo e da alma, o desapego ao supérfulo, a paz interior. Pois acreditam que somente livres dos apegos materiais poderão viver bem em uma vida póstuma. A exemplo de religiões desta categoria tem-se o budismo e o hinduismo.
Já as religiões de salvação, pois acreditam que o próprio Deus quer o melhoramento e a manutenção da vida humana, desde que o homem se redima dos seus pecados. Valoriza a liberdade com responsabilidades. Outra característica é a crença em um Deus único, justo e amoroso. Crêem também na vida da alma, que será boa ou não de acordo com o que o individuo realizara em vida terrena. Classificam-se por religiões de salvação o cristianismo e o islamismo.
A umbanda é uma religião sincrética, mas sua principal matriz são as religiões africanas, conhecidas como animistas . É uma religião brasileira que, incorporou à sua ritualística elementos de diversos seguimentos religiosos, tais como: bruxaria européia, kardecismo , xamanismo ou pajelança , cristianismo e com uma grande influencia das culturas orientais (AZEVEDO, 2010, p.24). Assim, sua arte ritualística tornara-se muito vasta e diversificada, dependendo da tendência mais acentuada. Contudo, não é puramente incorporação, ritualismo e coreografia, mas, sobretudo o espiritual, buscando a razão da existência (ORPPHANAKE, 1995, p. 42).
A palavra umbanda, deriva dos fonemas "aum" (a Divindade suprema), "ban" (conjunto ou sistema) e "dan" (regra ou lei), que pode-se interpretar como "o conjunto das leis divinas". Não se sabe ao certo a origem dos morfemas que deram nome a religião, mas sabe-se que, na África, antes mesmo da colonização européia já acontecia o culto aos antepassados, em terras bantas. Sem contar que a religião indígena também prestava culto aos antepassados. Desse modo há quem defenda tanto que a origem do nome é indígena, como quem defenda que sua origem é africana (AZEVEDO, 2010, p.132).
A umbanda surge da necessidade de assistir os espíritos ancestrais, como os espíritos indígenas, que no candomblé eram tidos por "egum" , e para os kardecistas eram espíritos "sem cultura" e não podiam trabalhar nestes centros. Surgiu na cidade do Rio de Janeiro, tendo sua fundação atribuída ao médium Zélio Fernandino de Morais, incorporado com o Caboclo das Sete Encruzilhadas, em 1908 (AZEVEDO, 2010, p. 14).
Salienta-se que, a África não é um continente homogêneo, por isso muita são as culturas e religiões destes povos. Contudo elas se caracterizam pelos seguintes aspectos: a existência de um Ser Supremo, de elementais ligados à natureza (orixás), as danças, o fetichismo (oferendas, remédios naturais, amuletos...), culto às entidades por meio do sacrifício animal, os ritos de iniciação, a oração e a crença na vida após a morte .
Como ápice da religião está uma divindade criadora do universo. Ao contrário do que propagaram as religiões cristãs, a umbanda não é uma religião que cultua vários deuses, mas um Deus supremo, chamado Olorum , Zambi , Oxalá , Tupã ou Jesus Cristo. Portanto, esta é uma religião monoteísta, "com uma hierarquia organizada abaixo do Deus único" (AZEVEDO, 2009, p.19). Presta-se um culto secundário aos Orixás "como manifestações divinas", as entidades espirituais e os guias, que são espíritos ancestrais, evoluídos, que se incorporam aos médiuns para desenvolverem trabalhos em prol da humanidade (AZEVEDO, 2010, p. 8-9).
Os orixás são os espíritos elementais ligados à natureza, eles são a própria natureza. Etimologicamente a palavras se traduz em "o deus que habita a cabeça", ou seja, é como o anjo da guarda cristão, que tem função de proteger o pupilo e estão abaixo do Deus Supremo. Já os guias, são espíritos ancestrais desencarnados, em processo de evolução espiritual, que agem por meio da vibração de um orixá.
AZEVEDO diz:
[...] vemos o culto aos orixás como manifestação divina. Cada Orixá controla e se confunde com um elemento da natureza, do planeta ou da própria personalidade humana, em suas necessidades e construções de vida e sobrevivência. O culto também ocorre nas Casas de raiz indígena, que o fazem valendo-se dos deuses daquele panteão [...] (2009, p.19).
A umbanda tem como crenças comuns: a imortalidade da alma, a reencarnação e as leis kármicas (AZEVEDO, 2009, p. 20). Acredita-se que, o espírito imortal recebe a oportunidade de retornar à vida (reencarnar) para "pagar" dívidas das vidas passadas. Alguns reencarnam com o dom da mediunidade, que é a capacidade que o indivíduo tem de se comunicar com o plano espiritual e que, antes de encarnar-se é pedido ao criador, com fim de trabalhar em prol de quem prejudicara em vidas anteriores. A mediunidade manifesta-se independentemente de religião (ORPHANAKE, 1995, p. 16).
O primeiro aspecto que será abordado é onipresente às tendas de umbanda, sobretudo aquelas com forte influencia das nações de candomblé, segmento este conhecido como umbandomblé, é a própria dança dos orixás e guias, que é expressão artística da religião. Cada orixá e guia tem um jeito particular de dançar e se representar. Esse jeito é que ajuda na identificação da entidade, seus domínios e suas características.
Os povos africanos tribais, de onde vieram os orixás e inquices , não dominavam a escrita, e viram na dança um meio de preservação das tradições religiosas e culturais. A dança ritualística da umbanda não é só expressão corporal. Sua função é transmitir informações míticas sobre a entidade. A dança do orixá Ogum está relacionada ao mito de que ele fora um orixá guerreiro e seus movimentos durante a dança remetem ao mito.
Fortemente relacionado à dança, tem-se o canto, ou pontos cantados, e o toque dos atabaques. Os instrumentos são tocados de formas distintas para cada entidade, assim como, os cantos se diferem de entidade para entidade. As letras dos cantos contam a historia do orixá, já que não dominavam a escrita, os mitos eram transmitidos oralmente. O toque dos atabaques para Oxum, que é a divinização da calma e tranqüilidade, tende a ser coerente com essa personalidade, sendo tocado lento e compassadamente, esbanjando sensualidade; já o toque para Iansã, que é a divinização dos raios e das tempestades, é agitado e bravio, como uma trovoada. O canto e os atabaques são importantíssimos nos cultos, pois têm a função de invocar as entidades e trazê-las por meio do transe mediúnico. Os atabaques são os mensageiros do culto e servem de ponte para o além.
Em segundo lugar, podem-se perceber como arte umbandista, as vestimentas e indumentárias dos orixás e guias. Cada um se veste com roupas próprias e de cores diferentes. Os adornos e ferramentas utilizados são diferentes entre si, mesmo que o domínio de distintos orixás seja o mesmo. Por exemplo: Obá e Oxum são divindades das águas doces, mas têm características totalmente diferenciadas. Logo suas roupas, ornamentos e instrumentos são diferentes. Obá, por ser uma guerreira, traz em sua mão uma espada e veste-se em tons de vermelho e rosa; já Oxum, orixá da beleza e sedução, traz um abebé dourado e veste-se de amarelo-ouro e dourado. O modelo de roupa e ornamentos usados pelos orixás pode apresentar diferentes características, mas obedecerão sempre a esses padrões.
Contudo, as vestimentas ritualísticas não podem ser consideradas obra de arte, já que uma obra de arte precisa ser uma peça única. Elas se classificam como arte utilitária.
Assim como as roupas vestidas pelos orixás dizem muito sobre eles, o mesmo se aplica às vestes dos sacerdotes e praticantes da religião. A partir delas é possível conhecer a doutrina da casa, as entidades que dirigem o centro, o tempo de iniciação da pessoa, dentre outras informações. O mesmo se aplica aos colares (guias). Sem contar que as roupas variam de acordo ao evento; assim, as roupas usadas em dia de festa não serão as mesmas de um ebó (AZEVEDO, 2009, p. 18-20).
A roupa é tão importante no ritual que, até os atabaques e o ambiente são "vestidos" para as cerimônias. Os adornos das pessoas, dos instrumentos e do ambiente variam conforme a comemoração e a época do ano. Esses detalhes só são entendidos por quem efetivamente vive e conhece a religião (AZEVEDO, 2009, p. 45-48).
Essas informações e códigos também são transmitidos por meio dos colares utilizados pelos umbandistas. As cores , número de fios, número de firmas , por exemplo, podem dizer muito sobre o seu portador. Esse adorno é concentrador das energias dos orixás da pessoa, não é um simples "enfeite", mas é um amuleto de proteção e indica também a experiência do praticante. Este não é usado esporadicamente, mas há toda uma preparação para usá-lo (AZEVEDO, 2009, p. 49-51).
Além dos pontos cantados, ou músicas ritualísticas, há também os pontos riscados, que são desenhos por meio dos quais as entidades são identificadas. Cada um possui um ponto diferente que permite conhecer as informações a ele inerentes. O ponto riscado de Iemanjá traz elementos relacionados à água salgada, o que permite conhecê-la quando manifestada.
Muitos seriam os aspectos artísticos percebidos nos rituais de umbanda que poderiam ser trazidos neste artigo. Contudo, isso entraria na fundamentação da religião, que é estrita aos praticantes dela. Mas, pôde-se perceber nestes aspectos trazidos que a arte e a religião se relacionam a todo instante. Ambas têm particularidades, mas se unem por serem atividades de natureza humana, que lhes dá significado.

Bibliografia:

AZEVEDO, Janaina. Tudo que você precisa saber sobre umbanda. São Paulo: Universo dos livros, 2010. Volume 1.
____. Tudo que você precisa saber sobre umbanda. São Paulo: Universo dos livros, 2009. Volume 2.
____. Tudo que você precisa saber sobre umbanda. São Paulo: Universo dos livros, 2009. Volume 4.
____. Orixás na umbanda. São Paulo: Universo dos livros, 2010.
COLI, Jorge. O que é arte. 15 ed. 14 reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2008.
ORPHANAKE, J. Edson. Mediunidade e seus problemas. 3 Ed. São Paulo: Pindorama, 1995.