1. Apresentação.
Èmile Durkheim é apontado como um dos primeiros grandes teóricos da sociologia, e suas idéias são essenciais para a compreensão da realidade do mundo social. Durkheim permitiu que a sociologia fosse emancipada da filosofia social, e a colocou como uma nova disciplina autônoma, caracterizada pelo rigor científico e metodológico. Ainda, definiu com clareza os tipos de acontecimentos sobre os quais o sociólogo deveria se apoiar (os fatos sociais). É por meio deste autor que a sociologia foi apresentada à universidade, conferindo a esta disciplina seu devido reconhecimento acadêmico.

O mesmo objetivo em se conferir à sociologia uma reputação científica ocorreu na figura de Max Weber. Durante toda sua vida intelectual, insistiu em estabelecer uma clara distinção entre o conhecimento científico, fruto de cuidadosa investigação, e os julgamentos de valor sobre a realidade.

Com isso desejava assinalar que um cientista não tinha o direito de possuir, a partir de sua profissão, preferências políticas, religiosas ou ideológicas. Além de ter elaborado trabalhos em diversas áreas do conhecimento, suas idéias a respeito do papel da metodologia da pesquisa científica foram fundamentais para o desenvolvimento das ciências sociais. Seus escritos geraram uma vertente metodológica (interpretativismo) e inspiraram várias correntes do pensamento sociológico do século XX.

O objetivo deste trabalho é a discussão de algumas das contribuições metodológicas dos referidos autores, a partir dos seguintes questionamentos:
a) Quais as principais contribuições metodológicas as quais Durkheim e Weber trouxeram ao desenvolvimento da sociologia como ciência?
b) Existem pontos de convergência entre a sociologia positivista de Durkheim e a sociologia interpretativa de Weber?
c) É possível obter-se uma neutralidade científica nas ciências sociais?

2. A metodologia da pesquisa.

As vidas intelectuais de Durkheim e Weber foram forjadas em um período de grande perturbação econômica e social. As crises econômicas, os conflitos bélicos, o conflito entre a burguesia e proletariado, a exclusão da terra dos camponeses, o surgimento de problemas urbanos e ambientais devido ao crescimento populacional, as inovações tecnológicas, entre outros acontecimentos, refletiram diretamente nas vidas e nas obras de ambos os autores.

Durkheim defendia em seus trabalhos que estes problemas não eram de natureza econômica, mas sim da fragilidade moral na conduta adequada dos indivíduos. Desta maneira, demonstrava estar preocupado em desenvolver uma ciência que ajudasse a encontrar as respostas para as patologias sociais. Uma ciência social que pudesse encontrar, através de investigações empíricas, novas idéias morais que tivesse a capacidade de guiar a conduta dos indivíduos. Durkheim acreditava que o sociólogo tinha as mesmas funções de um médico, a de diagnosticar as causas dos problemas e encontrar a cura para as doenças sociais. Esta semelhança entre o sociólogo e o médico já estava clara em sua primeira obra importante, A Divisão do Trabalho.

O objeto central da sociologia de Durkheim é o fato social. Para o autor, é qualquer forma de indução sobre os indivíduos, a qual é tida como algo exterior a eles, com uma existência independente e estabelecida em toda a sociedade, a qual é considerada, por sua vez, como caracterizada pelo conjunto de fatos sociais estabelecidos. Pode ser definido também como uma norma coletiva com independência e poder de coerção sobre o indivíduo. Para Durkheim, os fatos sociais constituem o objeto de estudo da Sociologia, pois decorrem da vida em sociedade. E defende que estes possuem três características:
a) Coercitividade - característica relacionada com a força dos padrões culturais do grupo que os indivíduos integram. Estes padrões culturais são fortes de tal maneira que obrigam os indivíduos a cumpri-los.
b) Exterioridade - esta característica transmite o fato desses padrões de cultura serem "exteriores aos indivíduos", ou seja ao fato de virem do exterior e de serem independentes das suas consciências.
c) Generalidade - os fatos sociais existem não para um indivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos perceber a generalidade pela propagação das tendências dos grupos pela sociedade, por exemplo.
Uma vez identificados e caracterizados os fatos sociais, a preocupação de Durkheim dirigia-se para a conduta necessária ao cientista, a fim de que seu estudo obtivesse realmente bases científicas. Para Durkheim, como para todos os positivistas, não haveria explicação científica se o pesquisador não mantivesse certa distância e neutralidade em relação aos fatos, resguardando a objetividade de sua análise. Era preciso que o sociólogo deixasse de lado seus valores e sentimentos pessoais em relação ao acontecimento a ser estudado, por não terem teor de científico e permitirem a distorção da realidade dos fatos.
Procurando garantir à Sociologia um método tão eficiente quanto o desenvolvido pelas ciências naturais, Durkheim aconselhava o sociólogo a encarar os fatos sociais como coisas, exteriores. Deveriam ser medidos, observados e comparados independentemente do que os indivíduos pensassem ou declarassem a seu respeito. Estas formulações seriam apenas opiniões, juízos de valor individuais que poderiam servir de indicadores dos fatos sociais, mas mascaram as leis de organização social, cuja racionalidade só é acessível ao cientista.
Ao escolher seu método de pesquisa, o sociólogo deve selecionar um grupo de fenômenos cujos caracteres exteriores comuns sejam previamente definidos, e analisar todos os correspondentes a esta definição. Ao saber que uma mesma causa dá origem a um mesmo efeito, a explicação de um fato social complexo requer o conhecimento de seu desenvolvimento através de todos os tipos de sociedades.
Dentro da tradição positivista da qual Durkheim fez parte, a sociedade poderia ser compreendida da mesma forma que os fenômenos da natureza. Acreditava que os fatos sociais poderiam ser estudados através dos mesmos métodos científicos empregados nas ciências naturais. Em outras palavras, assim como os fenômenos físicos podiam ser explicados pelas leis naturais, seria plenamente possível o estabelecimento de leis as quais explicassem os fenômenos sociais e, conseqüentemente, encontrar soluções às patologias da sociedade.

Max Weber, por sua vez, concebia a realidade empírica como infinita, e não acreditava que os fundamentos e o conhecimento das ciências sociais deveriam seguir o método nomotético². Para o autor, tratava-se de uma ciência da realidade. Weber vê como objetivo primordial da sociologia a captação da relação de sentido da ação humana, ou seja, chega-se a conhecer um fenômeno social quando o compreende-se como fato carregado de sentido o qual aponta para outros fatos significativos. O sentido, quando se manifesta, dá à ação concreta o seu caráter, quer seja ele político, econômico ou religioso. O objetivo do sociólogo é compreender este processo, e desvendar os nexos causais que dão sentido à ação social em determinado contexto. A expressão ação social, de acordo com o autor, "é reservada à ação cuja intenção, fomentada pelos indivíduos envolvidos, refere-se à conduta de outros, orientando-se de acordo com ela" (WEBER, 1979). E Weber distingue os quatro tipos de ação social que orientam o indivíduo:

1) a ação racional com relação a um objetivo (Zweckrational), como, por exemplo, a de um engenheiro que constrói uma estrada, onde a racionalidade é medida pelos conhecimentos técnicos do indivíduo visando alcançar uma meta.

2) a ação racional com relação a um valor (Wertrational), como um indivíduo que prefere morrer a abandonar determinada atitude, onde o que se busca não é um resultado externo ao sujeito, mas a fidelidade a uma convicção.

3) a ação afetiva, definida pela reação emocional do sujeito quando submetido a determinadas circunstâncias.

4) a ação tradicional, motivada pelos costumes, tradições, hábitos, crenças, quando o indivíduo age movido pela obediência a hábitos fortemente enraizados em sua vida.

Assim, O sociólogo alemão estava preocupado em entender as peculiaridades da realidade da vida, ou seja, a vida sócio-cultural.

Ao contrário de Durkheim, Weber não se baseava nas ciências naturais para construir seus métodos de análise e nem acreditava ser possível a descoberta de leis gerais que explicassem a totalidade do mundo social. Estava interessado, na realidade, em descobrir as especificidades dos fenômenos sociais. Weber, todavia, não estabelecia uma barreira intransponível entre os métodos das ciências naturais e das ciências humanas. O autor alemão acreditava que, dependendo das condições e objetivos da pesquisa, os dois prismas podiam ser empregados. Durante uma investigação, o contexto, o tema em estudo e a habilidade do sociólogo é que deveriam definir a melhor forma de associar os métodos generalizantes e os individualizantes.

Deste modo, Weber se colocava em posição contrária às totalidades e se dedicava ao estudo do particular, do específico. A sociologia por ele desenvolvida considerava o indivíduo e a sua ação o ponto chave de sua investigação. Com isso, queria enfatizar que o verdadeiro ponto de partida da sociologia era a compreensão da ação dos indivíduos e não a análise das instituições sociais, ou do grupo social, tão presentes no pensamento de Durkheim. Com essa posição, no entanto, não tinha a intenção de negar a existência ou a importância dos fenômenos sociais, como o Estado ou o empreendimento capitalista, mas tão-somente ressaltar a necessidade de se compreender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais.

A contribuição de Max Weber à metodologia da pesquisa foi a distinção entre o método científico de abordar os dados sociológicos e o método do valor-julgamento: a validade dos valores é um problema de fé, não de conhecimentos e, em conseqüência, as ciências sociais devem se libertar dos valores. O principal objetivo da análise sociológica é a formulação de regras sociológicas. Weber desenvolveu um instrumento de análise dos acontecimentos ou situações concretas que exigia conceitos precisos e claramente definidos ? o tipo ideal. A característica principal deste tipo ideal é não existir na realidade, mas servir de modelo para a análise e compreensão de casos concretos, realmente existentes. Quando a realidade concreta é estudada desta forma, torna-se possível estabelecer relações causais entre seus elementos. Sua obra A ética protestante e o espírito do capitalismo permite verificar esta relação.

Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, entre outros. Todos os tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente seus propósitos. O importante nessa tipologia se encontra no meticuloso cuidado no qual Weber articula suas definições, e na maneira sistemática nas quais esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características concretas.

Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos e, por outro, à perspectiva na qual vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as singularidades históricas resultam de combinações específicas de fatores gerais os quais, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo aquilo o qual se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta significa que "o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação". Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau.

3. Criticas às teorias e pontos de convergência.

A sociologia de Èmile Durkheim é considerada por Michael Löwy como conservadora, não somente por fatores políticos e sociais, mas em sua própria concepção do método. O próprio Durkheim em seu livro As regras do método sociológico afirmava que seu método "não tem nada de revolucionário. Ele é até, em um certo sentido, essencialmente conservador, já que considera os fatos sociais como coisas cuja natureza, por mais flexível e mais maleável que seja, não é, porém, modificável pela vontade" (DURKHEIM, 1984:7). O método de Durkheim, de acordo com Löwy, torna legítima a nova ordem social burguesa, a partir da concepção fundamentada nas ciências naturais. Para este crítico:

"Este conservadorismo fundamental, inerente a toda démarche metodológico de Durkheim, pode ser considerado tanto com o ?racionalismo individualista como o ?autoritarismo?, tanto o liberalismo com o tradicionalismo, ou ainda com uma combinação sui generis dos dois (que é provavelmente a característica central do pensamento político de Durkheim)" (LOWY, 1994:30).


Löwy critica o método positivista de Durkheim por não acreditar que o pensamento de um cientista social possa ser semelhante ao pensamento de um pesquisador das ciências naturais, uma vez que o objeto de estudo de cada ciência possui características as quais os tornam bem distintos uma da outra. Na sociedade encontramos os conflitos sociais, políticos, as contradições e ideologias que não são encontrados nas ciências naturais. Certamente Durkheim (além de Weber) acreditava na possibilidade do pesquisador se afastar de suas concepções de mundo, se calar diante de suas paixões e se isentar de suas pré-noções. Para Löwy, esta neutralidade ou imparcialidade científica na sociologia é ilusória:

"Ele não compreende que estas ´pré-noções´, isto é, as ideologias ou visões de mundo são como o daltonismo ou como as doenças de olhos que reduzem o campo visual (glaucomas) ? parte integrante da visão, elemento constitutivo do ponto de vista" (LOWY,1994:31).


As críticas de Löwy a Durkheim, em sua obra As aventuras de Karl Marx contra o barão de Munchausen. Marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento, são consideradas injustas a partir do momento em que o autor afirma que:

"É suficiente examinar a obra dos positivistas, de Comte e Durkheim até os nossos dias, para se dar conta de que eles estão inteiramente fora da condição de ?privados de preconceitos?. Suas análises estão fundadas sobre premissas político-sociais tendenciosas e ligadas ao ponto de vista e à visão social de mundo de grupos sociais determinados. Sua pretensão à neutralidade é às vezes uma ilusão, às vezes um ocultamento deliberado [...] (LOWY, 1994:32)"


A sociologia de Durkheim era fruto de uma ampla e diversificada pesquisa, a qual apontava em várias direções. Deste modo, sua preocupação investigativa e trabalhos direcionados aos mais variados temas permitiram afirmar que suas análises e teses não eram "tendenciosas", nem estavam atreladas a este ou aquele grupo. Sabe-se que a sociologia de Durkheim ignorou o problema do conflito social, mas isso não quer dizer que suas obras estivessem a serviço de algum agrupamento social. Ainda, Durkheim foi "um intelectual bastante preocupado com os conflitos sociais da sociedade européia de sua época" (GIDDENS, 1978). É verdade que ele via os conflitos sociais de seu tempo entre indivíduos e não entre grupos ou classes lutando por seus interesses. Para Durkheim, a sociedade industrial da Europa do século XIX não revelava o aparecimento de novas classes em conflito. O que estava ocorrendo nesta época era um processo de transição da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica. Deve-se lembrar que:

- Solidariedade mecânica: é constituída por um sistema de segmentos homogêneos e semelhantes entre si. O indivíduo nessa sociedade é socializado porque, não tendo individualidade própria, se confunde com seus semelhantes no seio de um mesmo tipo coletivo.

- Solidariedade orgânica: é fruto das diferenças sociais, pois são as mesmas que unem os indivíduos pela necessidade de troca de serviços e pela sua interdependência. Os membros desta sociedade estão unidos em virtude da divisão do trabalho social.
O meio natural e necessário a essa sociedade é o meio profissional, onde o lugar de cada um é estabelecido pela função que desempenha e a estrutura dessa sociedade é complexa.

Segue-se então que este momento de aparente conflito social expressava uma situação ainda inacabada da solidariedade orgânica. A sociedade de sua época vivia num estado anômico, ou seja, ainda não consolidara a nova ordem social moral. Portanto, Durkheim esperava uma evolução moral da indústria para superar a anomia. Acreditava que na solidariedade orgânica a justiça social e a igualdade de oportunidades iriam constituir a nova ordem moral e superar as contradições sociais existentes.

Durkheim admitia o conservadorismo de seu método, pois considerava que os fatos sociais eram difíceis de serem modificados, apesar de não estarem imunes a transformações. Acreditava que, a partir de uma nova ordem moral, juntamente com um sentimento de solidariedade, a sociedade seria cada vez mais justa e o indivíduo alcançaria o gozo de sua felicidade. Esta perspectiva o classificava, assim como sua sociologia, como evolucionista.

Em relação a Max Weber, Löwy defende a existência de uma grande falha em sua teoria, ao acreditar que o pesquisador social possa definir questões em sua pesquisa e chegar assim a respostas universalmente aceitas e reconhecidas sem passar pelo campo ideológico ou de valor. Ou seja, é preciso entender que o cientista, ao escolher um objeto de estudo, procedimento metodológico, ou ao definir uma questão de sua pesquisa, já está fazendo uma opção, já toma uma posição e chega a interpretações as quais são influenciadas pelo meio em que vive. De fato, como se pode imaginar que o cientista abandone sua concepção de mundo e não sofra qualquer influência do meio social? Segundo Löwy, Weber ficou devendo esta resposta, embora reconhecesse o papel íntimo da relação de valores com o pesquisador.

Michael Löwy, no entanto, acredita que ocorre certa aproximação entre as idéias de Weber e a sociologia positivista de Durkheim, apesar de saber que Weber não foi influenciado pelo positivismo. Para Löwy, esta aproximação se dá no "postulado da neutralidade axiológica das ciências sociais". A sociologia de Max Weber é fundamentada no desprendimento dos juízos de valor pelo cientista (neutralidade axiológica), embora a investigação científica não esteja livre de valores. Isto quer dizer que, apesar dos valores determinarem o andamento de uma pesquisa, os resultados produzidos devem estar sempre livres de qualquer pressuposto valorativo. Afirma:

"Weber reconhece que os valores do observador, nas ciências sociais, desempenham um papel destacado na seleção do objeto da pesquisa científica, na determinação da problemática [...]. Mas ele assinala que as respostas fornecidas, a pesquisa mesma [...], devem estar livres de qualquer valoração [...]" (LÖWY, 1978, p. 14).

Löwy destaca aos leitores de Weber que não é possível a mistura de valores, constatações e julgamentos na pesquisa científica, pois isto distorceria os fatos objetivos apesar de, como reconhecido pelo próprio Weber, existir uma grande dificuldade no desligamento entre o pesquisador e o seu objeto de pesquisa. Este, inclusive, tem sido um dos pontos de maior questionamento da teoria weberiana de ciência por Löwy e outros críticos. Weber, por acreditar na "neutralidade axiológica", embora reconhecesse a influencia dos valores não admitia que os resultados da pesquisa estivessem inevitavelmente contaminados por eles.

A convergência teórica de Durkheim e Weber define o locus da racionalidade na teoria da ação. Durkheim desloca do nível individual para o plano coletivo o problema da ação racional, teoricamente elaborado na distinção entre racionalidade e competência: ambas supõem a predominância dos padrões cognitivos como orientação da ação, mas a racionalidade é um tipo de ação social, enquanto que a competência se realiza no plano do comportamento individual.

Weber e Durkheim convergiam para uma sociologia de observação científica objetiva, de interpretação rigorosa dos fenômenos sociais. Ambos acreditavam que somente desta forma a sociologia teria valor como saber científico e se tornaria respeitada. A sociologia precisa ser objetiva, não pode estar contaminada pelas emoções, crenças, desejos ou valores do observador. Como já se afirmou anteriormente, a objetividade significa ver e aceitar os fatos como são e não como se desejaria que fossem. Para os positivistas, a objetividade é condição necessária para estudamos os fenômenos sociais.

Objetividade pode ser definida de duas maneiras. Na primeira, significa a ausência de tendênciosidade (viés) quando se faz ou interpreta observações. No segundo sentido, é uma situação na qual as representações de mundo do cientista correspondem às condições reais. É a descrição do mundo sem interferência das maneiras nas quais o cientista nele pensa e o conceitua.

A objetividade em uma pesquisa científica é o grande desafio de um pesquisador das ciências sociais. Seu objeto de estudo é o meio social, e sua pesquisa e análise são constantemente influenciadas pelos fatos sociais. Assim, a posição de neutralidade do pesquisador é, no mínimo, complexa. Ao mesmo momento em que investiga a realidade, o observador estará sendo influenciado e exercerá influência sobre o objeto, a qual poderá ocorrer sob diversas formas. A presença de elementos presentes no inconsciente do pesquisador e do agente em questão, além de força de elementos estruturais, como a linguagem, é capaz de alterar o resultado de uma investigação, a qualquer tempo.

Para Löwy, a atividade do cientista é semelhante à de um artista. O objeto de estudos do cientista social se assemelha a paisagem que o artista procura retratar. Para ambas as atividades, é crucial o ponto de observação daquilo que será examinado ou retratado. A posição do artista ou do cientista irá definir o que pode ser observado. Um artista que se estabelece aos pés de uma montanha poderá desenhar apenas aquilo que se apresenta a ele: a montanha e qualquer outro objeto que esteja próximo à sua base. Se ele sobe a montanha e faz do cume o seu mirante de observação, terá um horizonte inteiro a retratar. O mesmo ocorre com o cientista, de uma maneira mais complexa, mas não menos inteligível de se compreender. Como o estudo de Löwy deixa perceber, o que define o mirante do cientista é o ponto de vista de classe que ele toma para compreender a realidade, a paisagem a ser retratada.

Quando se ressalta a dificuldade para o sociólogo em se colocar numa posição de neutralidade, não se exclui a importância da objetividade, pois ela é condição básica para o entendimento dos fenômenos sociais. Observa-se apenas que, por detrás desta suposta imparcialidade, podem estar escondidos os interesses de alguma classe social, a qual coloca a ciência a seu serviço. Deste modo, a neutralidade será incompatível com o conhecimento científico.

4. Conclusão.

Èmile Durkheim é considerado o fundador da sociologia como disciplina, e baseando-se no positivismo de Comte, representou um papel fundamental na definição da sociologia como uma maneira sistemática de pensar, distinta da tendência comum de reduzir os fenômenos sociais a experiências e características de indivíduos.

Max Weber, por sua vez, trouxe para o trabalho sociológico uma rica e complexa perspectiva sobre a vida social. Foi responsável por uma das primeiras grandes discussões sobre o uso de métodos de pesquisa nas ciências sociais, incluindo questões como objetividade e neutralidade de valor. Com sua teoria de ação, combinou método com conteúdo, e assim permitiu a ligação entre indivíduos e sistemas sociais. Assim como Durkheim, a influência de Weber sobre a sociologia é duradoura e proporciona um ponto de referência para a teoria e pesquisa em ciências sociais.

A questão metodológica foi o diferencial marcante no trabalho destes dois autores. Vimos que enquanto um estava preocupado na criação de leis sociais, o outro buscava interpretar as especificidades da vida social. Contudo, o ponto comum entre ambos os autores é sua concepção de ciência, ou seja, a ciência enquanto conhecimento válido, preciso, que se apóia na observação, no empirismo, na experimentação e no método rigoroso o qual caracteriza uma pesquisa social como verdadeiramente científica.

Durkheim e Weber deixaram como lição que o cientista social está diante de uma dupla condição: o de ser humano e o de cientista. Por um lado possui o compromisso com a sociedade e, ao mesmo tempo, com a ética cientifica. Esta dupla condição é bastante evidenciada nas ciências sociais, pois o seu objeto de estudo é o social. A sociologia weberiana deu ênfase à ética científica, à construção de uma ciência despojada de ideologias ou valores os quais comprometessem a validade do conhecimento verdadeiramente científico. Já a sociologia de Èmile Durkheim reforçou a preocupação em encontrar as soluções para os problemas os quais afetam a sociedade.

Finalmente, Weber não compartilhou diretamente dos mesmos procedimentos metodológicos das ciências naturais, uma vez que, para ele, o social requer métodos de investigação próprios. Durkheim, por outro lado, acreditava que esse vínculo era possível, tanto que sua sociologia pode ser classificada como naturalista à medida que se apóia na biologia. Mas, sem dúvida, o mérito de Émile Durkheim foi dar à nova ciência um objeto próprio, os fatos sociais, enquanto o mérito de Max Weber foi dar o rigor científico o qual a ciência social exige.