RAFAEL AZIZ BRAZ DA SILVA

A ARTE DA GUERRA NO MUNDO GREGO


A Arte da guerra no Mundo Grego

Nada mais natural que a Violência

Algo interessante de se notar ao estudar a Grécia antiga, e a proximidade com que as pessoas lidavam com a violência. Diferentemente dos dias atuais onde a violência é vista como algo errado e condenado pela grande maioria, no mundo antigo, (isso vale pra Roma também), ela fazia parte do quotidiano como um meio para seu funcionamento. A maioria das forças de trabalho obtida era através de compulsão resultada da violência. As duas obras mais importantes da literatura grega, e também as mais antigas estão repletas de violência: Ilíada e a Odisséia. Nesta atmosfera nem um pouco pacifica a guerra só podia ser vista com naturalidade.
Duas questões fundamentais para o estudo da guerra na antiguidade seriam: A quem a guerra beneficiava e quais os setores da população prejudicados? Quais eram as suas consequências politicas? Dentre as inúmeras explicações temos a distinção entre pequenos e grandes Estados, pois somente os ultimo é que se lançavam de fato a guerra, já que as pequenas pólis evitavam ao máximos os combates. Quanto as lucro obtido através dos combates, temos duas vertente, o lucro imediato e o lucro posterior e continuado. A pirataria, as pequenas expedições de saque e pincipalmente a capturas de escravos, proporcionavam lucros imediatos; já o lucro posterior e continuado deve ser relacionado à questão do imperialismo antigo, tendo como principal fruto as conquistas de novas terras ale de considerações psicológicas e estratégicas, como patriotismo, gloria militar, interesse nacional, defesa nacional, (benefícios do Império), a terra conquista era transformada em clerúquias ou em ager publicus.

Natureza e Religião

Como dizia Heródoto (I 87): "Ninguém é tão insensato a ponto de desejar mais a guerra do que a paz, pois na paz os filhos sepultam os pais, e na guerra os pais sepultam os filhos". É obvio que os gregos não se deliciavam com a guerra. Entretanto viam nela mais do que um fato natural e inevitável da vida, sendo que, a guerra era vista como parte do agon, isto é, do espirito de confronto que presidia não só as relações humanas como a própria natureza; o agon estava presente não só na rivalidade que as cidades mantinha entre si, mas nos jogos (onde havia competições esportivas, musicais e literárias), nos processos do tribunal, nos debates da assembleia, etc.
A religião de fato, demostra o grau de aceitação desfrutado pela guerra de varias formas: as divindades da guerra com Ares na Grécia ou Marte em Roma não sofriam a menor concorrência das divindades ligadas a paz. A mitologia esta repleta da satisfação demonstrada pelos deuses com a bravura e os sucessos militares dos seus protegidos mortais, e presumiam que o auxilio divino estava sempre disponível para as guerras. A guerra e religião estavam ligadas de varias maneiras. Era normal que os homens buscassem a proteção dos deuses e das forças sobrenaturais ao se lançarem em ações tão arriscadas. A primeira coisa a fazer era consultar os desses quanto à possibilidade de vitória. Uma vez tomada à decisão e feito os preparativos, as tropas não partiam enquanto as ultimas homenagens as deuses não fossem prestadas.
Tanto a paz quanto a guerra entre as polis eram cercadas de formalidades, de costumes sagrados de certa forma. A paz era marcada por liberações e juramentos em nome das divindades mais importantes. Para os cidadãos das polis envolvidas, assim como para o restante da Hélade, a paz era assinalada pela existência de estelas de pedra, colocadas não só nas respectivas cidades, mas não principais santuários. A guerra, por sua vez, também era cercada de formalidades oficiais, destinada a estabelecer diante dos olhos dos deuses e da comunidade helênica o bom direito de atacante, deste modo era preciso fazer constatar publicamente que o adversário havia rompido determinado tratado. Antes de iniciar ou reiniciar as hostilidades era preciso enviar arautos com reinvindicações e intenções, ou com uma proposta de arbitragem (o que era comum); desrespeitar uma trégua ou não cumprir as formalidades era malvisto pela opinião publica e, mais do que isso, considerado um atentado aos deuses.

Características Politicas

Tudo no regime das cidades-estados gregos parecia contribuir par um estado de guerra reciproca, quase perpetuo: a existência de centenas de polis, a maioria de tamanho diminuto, extremamente ciosas da sua autonomia, a sonhar com uma impossível autossuficiência. Deste modo, a paz era apenas um intervalo entre guerras, era sempre sentida como uma trégua.
Exatamente por ser sentida como um estado latente, a guerra entre as polis era concebida como uma espécie de torneio, com seus ritos e limites, tornando-se impossível diferenciar o politico do religioso: como classificar a proteção e o respeito aos arautos; aos santuários; as tréguas durante as festa pan-helênicas em honra aos deuses; ou para o cumprimento dos ritos funerários? Sem duvida, eram ao mesmo tempo interdições prescritas pela religião e pelo sentimento de pertencer a uma mesma comunidade cultural e politica.
Estas regras, entretanto tem uma historia, tendendo a desaparecer durante o período helenístico e, mesmo antes disso no decorrer da própria Guerra do Peloponeso, na medida em que as polis se defrontam com um tipo de guerra cuja amplitude e gravidade elas ate então desconheciam, devido à inexistência, nessa mesma época, de uma função guerreira especializada. De fato, nas polis o exercito não se constituía em um corpo especializado, apartado da vida publica, a preparação militar fazia parte da formação do cidadão. Na Atenas democrática, os mais altos magistrados civis, eleitos, eram também os dirigentes máximos no exercito e da frota, enfim, da guerra. Nenhuma decisão a respeito da guerra era tomada fora da assembleia dos cidadãos: era a Eclésia reunida que votava não só pela guerra, mas era também pelo voto que de fixavam o numero e o tipo de efetivos militares, a estratégia a ser seguida, os tributos excepcionais que se fizessem necessários, etc. Desprezava-se o valor militar da surpresa, a tática não podia vir antes da politica.
Todos participavam do exercito a suas custas, era dever de cada cidadão arma-se como soldado da infantaria pesada (hoplita), o que era conseguido por cerca de um terço dos cidadãos atenienses. Os mais ricos financiavam a construção de navios de guerra (trirremes) e os mais pobres usavam a força de seus braços para mover esses mesmos braços. O exercito nada mais era do que a assembleia popular em armas, a cidade em campanha. Essa dimensão politica era tão forte e tão enraizada, que mesmo entre os mercenários ela podia aparecer. Essa identificação entre a polis e o exércitos fica expressa nas cerimonias fúnebres em honra aos soldados mortos na guerra, onde o elogio é pronunciado por um representante da cidade diante dos caixões.

A guerra como fundamento do valor aristocrático

O chamado "Mundo de Ulisses" era pequeno em população, organizado em torno de casas nobres, a frente das quais estava um chefe militar, econômico e religioso: o Basileus. Era um mundo em que uma aristocracia de guerreiros disputava ferozmente a gloria advinda da participação nas atividades bélicas, que eram mais propriamente pequenas pilhagens e saques dirigidos as regiões próximas do que grandes expedições.
A guerra fundamentava e justificava os privilégios aristocráticos diante do povo comum, era um meio de obter riquezas, principalmente metais e escravos, produtos necessários a autossuficiência almejadas pelas casas aristocráticas. A guerra nesse tempo era basicamente feita de duelos e do talento individual dos guerreiros nobres, representando para eles a principal ocupação, mas também o próprio objetivo de vida. Os interesses individuais prevaleciam diante da inexistência de uma ética nacional, ou mesmo de uma comunidade organizada com leis e objetivos coletivos.
A luta propriamente dita dava-se da seguinte foram: iniciava-se om duelos verbais, provocações, injurias, gritos de pavor, tentando aterrorizar o adversário, leva-lo ao pânico; depois a certa distancia, os guerreiros arremessavam suas lanças e, caso estas falhassem, lutavam corpo a corpo com suas espadas. Há também noticias de utilização de pedras, lançadas com a mão. O armamento defensivo era variado, mas os itens mais constantes eram o escudo de couro circular, seguro por uma alça em volta do pescoço e do ombro, que podia ser útil no caso de retirada, com a colocação do escudo nas costas; coletes de couro ou bronze, assim como capacete, e grevas, proteção para as canelas e joelhos feita também de bronze ou couro (uma especialidade grega).

A inserção da tática Hoplitica

Confrontando documentos arqueológicos e fontes literárias, conclui-se que todo novo armamento, capacete, couraça, escudos, grevas, teria sido adotado em todas as regiões do mundo grego simultaneamente, em condições análogas.
O aparecimento de soldados de infantaria pesadamente armados a lutarem de forma coesa, em grupo e não mais individualmente como nos tempo Homéricos, teria sido, segundo alguns, o principal fator a explicar a ampliação da participação politica. Isto é, se a segurança da comunidade deixava de repousar exclusivamente nas mãos de uma minoria de aristocratas, consequentemente, o monopólio politico dos nobres também era ameaçado por uma participação crescente nos assuntos da cidade por parte dos que lutavam como hoplita.
A questão não é tão simples assim. Afinal, embora seja fácil perceber as repercussões politicas e sociais da nova forma de luta, cabe perguntar por que da mudança. Tendo a transformação ocorrida entre 700 e 650, é preciso situa-la no contexto histórico da Grécia arcaica. Em primeiro lugar o aparecimento da falange hoplitica deve ser relacionado ao aparecimento da polis, ao fortalecimento da comunidade e a defesa de suas fronteiras. O chamado "Movimento de Colonização" atua como válvula de escape para das tensões sociais. Sem duvida a utilização da falange hoplitica de ter facilitado a ocupação de ares coloniais onde a resistência foi maior. Ao mesmo tempo comercio com essas regiões fornecia o metal necessário à fabricação do armamento. O contato com outros povos pode ter sido importante, talvez o capacete e o escudo hoplita tenham origem assíria, possivelmente por intermédio dos cairos, mas a inovação radical, todavia, deve-se aos próprios gregos.
O desenvolvimento da agricultura em detrimento da pecuária, que consistia na principal atividade econômica do período anterior, também é uma precondição para a mudança, já que o exercito passa a ser basicamente composto de um campesinato médio e porque o principal objetivo da falange hoplítica, que exigia lugares planos como campo de batalha, é exatamente a destruição dos campos cultivados da cidade inimiga.

Armamento, formas de lutas e táticas hoplíticas

Em termos defensivos, o hoplita era protegido por uma couraça de bronze composta por duas partes (frontal e dorsal, unidas por uma tira de couro) inteiriças ou feitas de pedaços de metal, presas a uma material mais flexível, geralmente um grosso colete de linho. A couraça era confeccionada de acordo com as medidas de cada guerreiro, ficando bem justa ate a cintura, onde ela se alargava para proporcionar liberdades de movimentos. Outro item do armamento defensivo era um capacete de bronze forrado de feltro ou couro, o qual protegia quase todo o rosto e parte do pescoço, embora praticamente prejudicasse a visão lateral e a audição. O capacete era encimado por um penacho que, juntamente com o emblema, servia para que o hoplita reconhecesse seus companheiros. Grevas também de metal protegiam as canelas e os joelhos. Alguns guerreiros usavam proteção extra para braços, tornozelos e coxas.
Todavia, o que deu nome ao hoplita e aquilo que se constituía na inovação fundamental era o escudo redondo e côncavo, o hoplon. Feito de madeira e bronze era muito mais pesado que o anterior, algo por volta de oito quilos. Ao contrario de seu antecessor, não pendia de uma alça: o hoplon era seguro por dois cabos, um perto da borda, empunhando com a mão esquerda, e o outro no centro do escudo, por onde passava o cotovelo. Este escudo proporcionava muita mais firmeza, embora fosse bem menos manejável do que o tipo anterior. Afinal, a luta não se dava mais entre guerreiros individuais a duelar, mas em blocos compactos de combatentes a marchar lado a lado.
O equipamento ofensivo era constituído de uma lança de madeira medindo entre dois e três metros, com ponta de ferro e uma coronha de bronze. As estocadas eram dadas de cima pra baixo visando atingir o pescoço. A coronha de bronze era utilizada para golpear o inimigo caído ou para plantar firmemente a lança no chão, como defesa de um ataque de cavalaria. Uma espada curta e um punhal, ambos de ferro, eram usados na eventualidade de a lança cair ou quebrar, ou caso houvesse luta corpo a corpo.
Normalmente, não sempre, a falange era formada por oito fileiras de profundidade por oito colunas de largura. Em cada fileira o hoplita protegia seu flanco esquerdo com o escudo, assim como flanco direito de seu companheiro à esquerda; o homem a sua direita, por sua vez, é que protegia com seu escudo o flanco direito daquele hoplita. Os hoplitas dependiam uns dos outros, e fugir largando o escudo, era não só sinal de covardia, mas como ato de traição que punha em risco todos os companheiros. Caso um hoplita fosse ferido ou morto, era imediatamente substituído pelo guerreiro da mesma coluna que marchava atrás, para que as fileiras permanecessem sempre compactas.
A luta se dava pelo choque das duas formações ate que uma delas se rompesse e fosse desbaratada pelo adversário. Quando isso não acontecia logo de saída, demorava alguns minutos até que a pressão vinda das fileiras de trás se tornasse irresistível. Era praticamente impossível tentar reagrupar a formação durante a batalha e, tendo ela se rompido, a maior parte dos hoplitas fugia correndo, apenas tentando salvar a vida e se possível o escudo (o que equivale dizer, a honra).

A Cavalaria

Embora a posse de um cavalo fosse sinal distintivo de riqueza e status, levando os aristocratas por vezes importarem animais, estes eram usados esportiva e socialmente, mas eram de pouca valia na guerra de então. Isso por vários motivos: a ferradura não havia ainda sido inventada e os animais podiam ferir-se ou mesmo se aleijarem em um país montanhoso como a Grécia; eles precisavam de ferragem e agua, nenhuma das duas abundantes na Grécia, ainda mais no verão, quando se davam as batalhas, o que tornava os cavalos gregos pequenos e fracos. Somente em regiões com amplas planícies férteis, como a Tessália ou a Beócia, é que havia forças regulares de cavalaria. Os cavalos deviam ser usados, militarmente falando, apenas para que os membros da elite aristocrática chegassem ao campo de batalha, para perseguir (não muito) o inimigo em retirada ou, em caso de resultado adverso, para agilizar a fuga.
O uso de tropas ligeiras, como peltastas, os arqueiros e os fundibularios, também conservou um papel secundário ate a Guerra do Peloponeso. Durante dois séculos, meados da VII a meados do V, a falange hoplitica ira reinar absoluta no mundo grego.

Considerações finais

Em um tempo, sociedade e mentalidades em que a violência era algo comum, nada mais normal que a guerra ser encarada com algo natural, que faz parte do ciclo da vida e também do ciclo religioso, com divindades tendo relações bem estreitas com ela e ate mesmo sendo apoiadas por essas divindades. Nota-se também um extremo avanço nas táticas de guerra, deixando-se de haver combates individuas e passam para combates em grupos, com táticas, técnicas e armamentos novos, a falange hoplitica mudou relativamente à maneira de os gregos antigos guerrearem, reinando assim absoluta por mais de dois séculos, perdendo força somente com os novos métodos macedônicos e os novos usos que deram a cavalaria, tornado ela uma arma mais mortal ainda.

Referencias bibliográficas

GRIMBERG, Carl. História Universal 3: Do apogeu da Grécia clássica a civilização Helenística. Lisboa: Publicações Europa-América 1940.
JONES, Hugh Lloyd. Rio de Janeiro: Zahar Editores 1966.
COOK, Robert M. Os Gregos ate Alexandre. São Paulo: Verbo 1980.
DIAKOV, V. KOVALEV, S. Historia da Antiguidade: A Grécia. Lisboa: Editorial Estampa 1981.