Segundo Sônia Kramer (2001), a escola é o espaço adequado e ideal para a construção dos seres que farão parte de uma sociedade com atitudes éticas que sabem de onde vêm e o que querem. Assim sendo, têm condições de caminhar em direção à busca de justiça social de forma ativa. Para que isso se efetive é importante que o educador auxilie e favoreça a criação de “ambientes” propagadores de cultura, identidade social, étnica e de convivência integrada entre diferentes formas de pensamento e costumes, onde possa haver possibilidade de coexistência entre grupos sociais, religiosos, políticos e dando aos sujeitos o que é seu de direito.

            Partindo do pensamento de Kramer, este relato procura apresentar a experiência pedagógica sobre a temática da cerâmica marajoara com os alunos do 9º ano da Escola Municipal Professora Olímpia Oliveira da cidade de Carutapera-MA, num total de 06 aulas. A experiência de trabalhar a Arte Marajoara e da metodologia utilizada têm a intenção de demonstrar de maneira bastante singular a relação teoria/prática construída ao longo do processo e servirá como subsídios à abordagem do conteúdo Arte e transversalidade, recomendado no PCNs – Arte do ensino fundamental. Afinal, com a Arte e transversalidade o professor contribui para ampliar a percepção dos alunos sobre quem produz cultura, dando condições para que os próprios alunos se percebam como produtores de cultura, e ao mesmo tempo, também possam desenvolver uma compreensão de códigos culturais.

              Com isso, objetivou-se a conscientização do valor do patrimônio arqueológico da Amazônia, assim como o devido reconhecimento e respeito sobre suas produções. No processo de criação preocupou-se, principalmente, com a compreensão acerca da cultura dos povos marajoaras, das simbologias dos artefatos e da importância da cerâmica. 

              Portanto, foram feitas várias experimentações utilizando estratégias de ensino baseadas nas metodologias pedagógicas no ensino da Arte na atualidade. Com relação aos conteúdos referentes à arte na educação, buscou-se teóricos que salientassem a importância da contextualização e da reflexão para a criação artística. Entre as autoras abordadas está Ana Mae Barbosa (2003), com a Abordagem Triangular, que afirma que o ensino das artes deve se dar em três momentos: Leitura da obra, Prática e Contextualização. A outra autora, de grande relevância, foi Célia Maria de Castro Almeida (2009), que afirma que o contato com as artes indígenas na escola auxilia também na construção de valores. Os alunos aprendem que podem expressar seus sentimentos e suas emoções através de linguagens artísticas e, dessa maneira, desenvolvem também o respeito pela criação do outro. Dessa maneira, a metodologia utilizada contribuiu muito para o enriquecimento do trabalho pedagógico, sendo possível através disso levar os alunos a refletirem sobre a arte indígena marajoara e seu papel na sociedade; sendo capazes também de aliarem conhecimento à prática artística. 

               Na primeira aula, foi realizada uma conversa espontânea com os alunos sobre o que já sabiam sobre o tema, para que os mesmos ficassem conhecendo o conteúdo das aulas que iriam ser aplicada a eles. Depois de todas as explicações sobre o tema, iniciou-se uma discussão com os alunos sobre os conceitos de artes estimulando-os a exposição de suas ideias e expectativas. Os alunos escreveram conceitos de arte individualmente e depois fizeram a leitura. Surpreso com os conceitos de artes descritos nota-se o grau de entendimento sobre o assunto.  Despois estabeleci um dialogo com os alunos explicando-os que o indígena tem uma concepção de arte diferente da concepção ocidental.

             Para uma maior compreensão sobre a concepção de arte para o índio, apresentei aos alunos por meio de fotos, revista e livros algumas produções artísticas indígenas. Inicialmente procurou-se sensibilizar os alunos acerca da questão indígena atual, refletindo sobre a posição do índio na sociedade através da apreciação de fotos. Em seguida os alunos tiveram contato com produções indígenas de diversos tipos (cestaria, esculturas em madeira, imagens de vasos cerâmicos, artefatos plumeiros). 

          Nas aulas seguintes, optei pela aula expositiva e dialogada, no primeiro momento, fazendo uso de recursos digitais. Apresentei aos alunos por meio de imagens reproduzida pelo projetor, o grafismo da cerâmica marajoara.  As informações dos artefatos arqueológicos marajoara tiveram fontes variadas, entre sites da internet, de onde foram tiradas várias imagens, catálogos de exposições e revistas voltadas para a cultura marajoara. Esses materiais foram utilizados em sala de aula, para ilustrar e aprofundar o tema estudado. Outras informações, porém, tiveram que ser pesquisadas na internet em artigos de arqueólogos, bem como no catálogo do Museu Emilio Goeldi.

                As aulas foram dialogadas, havendo sempre o jogo de perguntas no ar para levá-los a refletir sobre o tema e exporem o que sabiam previamente. Na exposição dos objetos explorou-se principalmente a linguagem do grafismo marajoara, bem como o significado das peças. Quando terminávamos de expor o artefato e abria espaço para os debates, os alunos ficavam admirados o que causou curiosidade e provocou vários questionamentos. Os alunos perguntavam: Como eles conseguiam produzir a cerâmica? Qual a importância da cerâmica na vida deles? Quem era que produzia a cerâmica? Por que eles faziam os desenhos na cerâmica?  Para solucionarmos tais questionamentos fizemos uso da leitura de textos sobre o assunto do material didático disponível no site do Museu Emilio Goeldi. Diante de tanta informação substancial, transformou suas fisionomias de curiosidade a espanto em segundos. É necessário ressaltar que toda esta informação foi questionada à exaustão pelos alunos. Este processo de debate na medida em que surgiam novas perguntas, novos diálogos eram estabelecidos e maturados. O interesse pela arqueologia ficou evidente pelos alunos, que perguntavam: O que é ser um arqueólogo? Como ele trabalha? O fato dos alunos serem extremamente participativos auxiliou na perpetuação desse tipo de metodologia.

                  Com a exposição da cerâmica na sala de aula, para apreciação e debate sobre o assunto, estimulando a curiosidade e a imaginação, propomos fazer uma produção textual simples e individual sobre o que viam e o que achavam da arte marajoara. Por meio da leitura dos textos pude perceber o grau de aprendizado do aluno sobre o assunto.

                 Na terceira e quarta aula foi selecionada a linguagem do desenho.  Nesse sentido vale ressaltar a afirmação de Derdik (1994), que “o desenho como linguagem para a arte, para a ciência e para a técnica, é um instrumento de conhecimento, possuindo grande capacidade de abrangência como meio de comunicação e de expressão”. Complementando ainda que “o desenho reclama a sua autonomia e sua capacidade de abrangência como um meio de comunicação, expressão e conhecimento”.

                Para trabalhar com o desenho ficou acordado a formação de grupos de trabalho. Os alunos formaram os grupos e receberam as imagens do grafismo marajoara. Na primeira etapa do desenho, ainda sugeria certa insegurança e aos poucos, o grupo foi exercitando a abstração. Quando terminavam de desenhar a folha, imediatamente iniciavam mais experimentos em outra folha. Mais adiante, de posse de um papel mais resistente e sofisticado, o papel madeira, o grupo iniciou a atividade de criação de puro abstracionismo. Cada um deveria criar suas barras de grafismo, baseados nos exercícios anteriores, nos objetos apresentados e em tudo o que já havíamos estudado sobre o assunto. Desta vez, os desenhos seriam coloridos de acordo com as cores presente nos animais da fauna amazônica.

              Na produção do desenho, objetivou-se levar os alunos a compreenderem a grande importância das significações representadas nos objetos indígenas (através dos desenhos geométricos), incentivando-os a produzirem suas próprias representações. No momento da produção dos desenhos, ressaltei aos alunos que as principais características dos desenhos marajoaras são os motivos geométricos que se repetem criando padrões. Esses motivos se relacionam com os três domínios cosmológicos da tribo: natural, cultural e sobrenatural.

               Diante disso, resolvemos expandir os traços gráficos marajoaras para a cerâmica. Como a escola não possuía uma estrutura adequada para que os alunos pudessem confeccionar a cerâmica optei por peças prontas que adquirimos no comercio da cidade. As peças foram distribuídas aos grupos solicitando que desenhassem os grafismos criados por eles.

                E durante as outras aulas, eles produziam as peças na sala de aula e depois levavam para o atelier e do atelier para a sala de aula. Os objetos eram trabalhados cuidadosamente evitando que quebrasse.

               Percebi que produzindo e explorando o grafismo marajoara nos vasos, pode-se aprender a ler e explorar a geometria. Nestas manifestações artísticas, os alunos observaram formas como triângulos, quadrados e círculos, além de outras mais complexas. Através do método de leitura de imagem pretende-se proporcionar aos alunos uma melhor compreensão da geometria, partindo do cotidiano dos mesmos e conhecendo a sua forma de pensar por procurar saber o que lhe atrai a atenção quando não está na escola. É importante frisar, no entanto, que a utilização deste elemento na sala de aula deve ser feita de forma eficiente e envolvente, sob o risco de não desperdiçar a potencialidade do mesmo.

              Todos os trabalhos foram tomando forma e cores. Quanto mais desenhavam, mais se admiravam com a própria produção. Este processo é de suma importância nas práticas artísticas, pois o aluno passa de sujeito observador a sujeito autor, criador de sua própria obra. Fortalece sua autoestima e autoconfiança. Segundo Ana Mae Barbosa (2002), a arte leva os alunos a formular conceitos, comparar coisas, passando do estado das ideias para o estado da comunicação. Neste momento, o aluno se encaixa em seu grupo como produtor de arte, de cultura, pois despertará seu interesse e avidez pelo conhecimento.

             Na ultima aula sobre o tema proposto a experiência foi gratificante, pois os alunos fizeram apresentações dos desenhos e da cerâmica pintada. Foram expostos todos os trabalhos realizados durante a execução das aulas. A exposição aconteceu no ambiente da sala de aula e fora visitada pelos alunos da escola e pelos professores, inclusive os pais.

             Trabalhar a cerâmica marajoara, com alunos do nono ano e apoiada pela comunidade escolar, foi possível despertar aptidões para estimular a produção artística. Essa experiência é idêntica a vivencia cotidiana, pois a mesma trabalha a ansiedade, frustração e o despertar do sensorial criativo e terapêutico, podendo dizer que a cerâmica auxilia no desenvolvimento global do sujeito. Sobre isso Vygotsky (1989) aponta que o desenvolvimento de um indivíduo pode acontecer de maneira informal, em contato com as práticas culturais do meio em que está inserido; outras vezes de forma deliberada, pela ação explícita de um educador, num contexto institucional. Através do trabalho cerâmico, o aluno, experimenta novas maneiras de se expressar e de se desenvolver.

               Assim, o tema proposto desenvolveu, nos alunos, motivação, sensibilidade, percepção, imaginação, e o sentido estético. Nesse sentido, pode-se mencionar que trabalhar a arte marajoara na escola foi uma experiência criativa. Envolve-los com a arte de nossos antepassados da Amazônia foi uma atividade muito prazerosa, que construíram com muito entusiasmo suas obras de arte. Nesta tentativa de construir uma interação que realmente leve ao desenvolvimento intelectual e social de um aluno, necessário se torna incentivar a participação dos próprios alunos, bem como a utilização dos conhecimentos advindos da sua experiência sociocultural para a formulação de novos conceitos. Por todas as questões descritas, acredito que a aula desenvolvida configura-se como área de conhecimento e oportunidade para troca de saberes pedagógico.

              Portanto, no ambiente escolar, onde o aprendizado é o próprio objetivo de um processo que pretende conduzir o aluno a um determinado tipo de desenvolvimento, a intervenção do professor é um instrumento pedagógico necessário e importante. No entanto, isso não significa que o professor tenha que ser a única fonte de aprendizagem de um aluno. O professor seria, portanto, o que constrói os significados e o conhecimento da escola, mediante práticas interacionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Ser artista, ser professor: razões e paixões do ofício. São Paulo: Editora da UNESP, 2009. 

BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

__________________. Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. Ed: Cortez, São Paulo, 2003.

DERDIK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo, Scipione, 1994.

KRAMER, Sonia. Alfabetização: Leitura e Escrita. SP: Ática, 2001.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.