A Arbitragem e o Poder Judiciário

A forma preferida de resolução dos conflitos, até pela falta de uma cultura arbitral, continua sendo a jurisdicional, a cargo dos juízes togados, estando esta garantia inserta no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, nos termos da qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", o que levou alguns exegetas a pôr em dúvida a constitucionalidade do juízo arbitral, na versão dada pela nova Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96).

As dúvidas conseqüentemente declaravam por violação ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário, a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei 9.307/96: 1) o parágrafo único do art. 6º; 2) o art. 7º e seus parágrafos; 3) no art. 41, as novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do Código de Processo Civil; 4) e do art. 42, mas as quais, o Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental para homologar a sentença arbitral.

A arbitragem é uma opção, uma faculdade das partes de se decidirem pela utilização de um meio baseado na confiança para a resolução de suas diferenças. Sendo assim, ir contra a decisão do árbitro escolhido pela própria parte que decidiu baseado em regras também convencionadas pela parte seria ir contra os princípios básicos do próprio instituto, por isso a não existência de recurso ou homologação.

A Lei de Arbitragem não fere o princípio do duplo grau de jurisdição, pois que este princípio é válido no âmbito do Poder Judiciário, nada impedindo que as partes, ao definirem a fórmula de resolução do seu conflito, afastem tal possibilidade.

Nos termos do art. 18 da Lei de Arbitragem, o árbitro é juiz de fato e de direito, pelo que, dispondo ele do iudicium, e podendo decidir de acordo com o direito ou com a eqüidade, pode afastar a aplicação de lei eventualmente inconstitucional, fazendo-o através do controle difuso, exercitando um poder que detém todo aquele que exerce poder jurisdicional, independentemente de ser um juízo estatal ou juízo arbitral.

Portanto, o árbitro poderá negar eficácia (ou deixar de aplicar) a lei tida por inconstitucional. O que o árbitro não possui, no entanto, é jurisdição para decidir em abstrato sobre a constitucionalidade de lei, porque neste caso a decisão teria eficácia erga omnes, transcendendo os limites do compromisso, restrito às partes.

Enquanto meio extrajudicial de solução de conflitos não tem sua natureza jurídica delineada pacificamente na doutrina, nacional ou estrangeira. A doutrina se divide em basicamente duas correntes: a publicista e a privatista.

A doutrina publicista sustenta que a arbitragem tem caráter jurisdicional, pois o árbitro, investido na qualidade para julgar e decidir o litígio, dentro dos limites estabelecidos em lei, exerce função de interesse estatal, substanciando verdadeiro munus publicum. O árbitro, escolhido pelas partes, atua em nome do Estado, de modo que o conflito seja solucionado de forma mais célere.

Para a doutrina privatista, a arbitragem tem caráter contratual, uma vez que as partes, ao firmar a convenção arbitral, estariam entregando a decisão da questão controvertida a um terceiro, no caso um árbitro, outorgando-lhe poderes para tanto. Segundo esse entendimento, a sentença arbitral é desprovida de jurisdicionalidade, pois o Estado é o ente destinado a dizer o direito e aplicar a lei ao caso concreto, com plena exclusividade. O poder não está nas mãos do árbitro, e este não atua em nome do Estado como perseguidor da justiça, mas sim, no estrito cumprimento da vontade das partes, perpetuando-se como atividade eminentemente privada. O árbitro é mero preparador da questão em controvérsia, cabendo, em um segundo momento, ao juiz de direito de homologar seus atos para a efetiva aplicação da lei ao caso concreto.

Esse posicionamento, contudo, não é totalmente consentâneo com a atual legislação pátria, tendo em vista que a Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1.996 deixou de exigir a ratificação da sentença arbitral na justiça comum.

Pode ser citada ainda uma terceira corrente que é a híbrida, sustentando que o instituto da arbitragem teria caráter jurisdicional e contratual. Conjuga os argumentos sustentados pelas doutrinas anteriormente mencionadas: a arbitragem nasce com o contrato e será exercida sob a égide da jurisdicionalidade. Poder-se-ia dizer serem dois os momentos da arbitragem. Primeiramente, se estabelece a convenção entre particulares que determinam o juízo arbitral, consagrando a autonomia de vontades das partes que irão dispor sobre o terceiro (árbitro), e sobre os regimentos do próprio procedimento arbitral. Em um segundo momento, verifica-se que é o Estado, por intermédio da lei, que atribui poderes, garantias, e força à decisão do julgador, independentemente da vontade das partes, daí seu caráter jurisdicional.

Sem dúvida, a arbitragem brasileira, por natureza e por definição, tem indiscutível caráter jurisdicional, não cabendo mais, depois da Lei n. 9.307/96, falar-se em contratualidade, salvo no que concerne à sua origem, por resultar da vontade das partes.

A arbitragem passou a ganhar maior destaque em razão dos aspectos negativos do Judiciário, ou seja, a demora em se obter uma decisão final, o alto custo de uma demanda judicial em razão dessa demora, e o grau de especialização requerido em determinadas disputas.

A Lei nº 9.307/1996 resgatou o instituto da Arbitragem no Brasil, quando determinou que as pessoas capazes de contratar pudessem dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis e igualando a arbitragem interna e internacional. A única condição para a validade da arbitragem no Brasil é a existência do compromisso arbitral.

Este compromisso arbitral é um acordo assumido pelas partes interessadas, comprometendo-se a resolver aquele problema específico e já existente por arbitragem, excluindo a tutela jurisdicional do Estado. E um instrumento jurídico autônomo com relação ao negócio que lhe deu causa.E antes do compromisso arbitral, é recomendável que seja previsto contratualmente uma cláusula arbitral.

Cláusula arbitral é aquela inserida num contrato firmado entre as partes interessadas, determinando que eventuais e futuros conflitos entre elas, originados da relação contratual, deverão ser resolvidos por juízo arbitral. Esta cláusula arbitral é essencialmente calcada na autonomia de vontade das partes e integra o negócio jurídico, podendo prever o procedimento a ser adotado, bem como por quem e onde deverá ser realizado.

É notório que o principal obstáculo do acesso à Justiça é a lentidão do processo judicial (devido ao acúmulo de processos), o excessivo trâmite burocrático (previsto na legislação vigente) e o alto custo (despesas com custas, peritos, sucumbência etc.).

O formalismo e ritualismo em demasia fazem com que o processo perca seu objetivo, onde muitas vezes o vencedor tem a "vitória", sem a satisfação ou compensação de sua vitória. O excesso de processos em tramitação faz com que a Justiça seja morosa e, conseqüentemente, nasce à descrença, sem considerar que a rapidez na mudança dos comportamentos sociais e novos conceitos, muitas vezes, não é acompanhada com a mesma velocidade pela legislação.

Não resta dúvida que, para descongestionar o Poder judiciário, é preciso buscar novas alternativas de solucionar conflitos jurídicos no menor tempo possível. E a melhor solução pode ser a arbitragem, tendo em vista que esta é um meio extrajudicial de solucionar conflitos, o que pode contribuir decisivamente para o desafogamento do Poder Judiciário, pois oferece:

·Celeridade; a sentença arbitral deve ser proferida dentro de 06 (seis) meses, caso não haja previsão pelas partes, diferentemente da Justiça Estatal que, no mais célere dos processos, a estimativa de solução é de 03 (três) anos;

·Confidencialidade: o conteúdo da arbitragem fica circunscrito às partes, e não torna público se assim desejarem;

·Propicia a conciliação: o sigilo gera um clima de colaboração entre as partes, que até podem se compor, antes mesmo de iniciada a arbitragem;

·Garantia de tratamento equânime: afasta a isenção do legislador:

·Especialização: o árbitro pode ser técnico altamente especializado no assunto que foi nomeado para solucionar;

·Possibilidade de decisão por equidade: as partes podem optar qual a forma e a condição, ou legislação a ser aplicada, e

·Confiança: os árbitros são escolhidos pelas partes.

A Lei de Arbitragem consagra a plena autonomia da vontade das partes, ao mesmo tempo em que confere ao árbitro, poderes equiparados aos dos juízes togados, a ponto de dispensar a homologação da sentença arbitral ou de sujeitá-la à revisão ou recurso no Poder Judiciário.

Em suma, com a crescente necessidade de soluções rápidas, eficazes, sigilosas e a baixo custo, a Arbitragem para muitos se torna a solução mais satisfatória, pois tem por princípio, a autonomia da partes em escolher o árbitro, o procedimento, as normas a serem aplicadas, o prazo para ser solucionado e, tudo isto, com um custo bem inferior ao da Justiça Estatal.

Mas, cabe salientar que, se na arbitragem domina a autonomia de vontade, em princípio, nada impedindo, portanto, que os contratantes convencionem que a sentença arbitral não ficará sujeita a ação de nulidade de que trata o art. 33, com o propósito de se garantirem que o acesso à arbitragem não será obstaculizado por eventual recurso ao Poder Judiciário.

THIAGO DE MORAES

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