1.        Considerações iniciais

Cada dia mais o Judiciário tem sido abarrotado por inúmeros processos, a informação e o estudo faz com que as pessoas tenham ciência dos seus direitos e para tanto, buscam soluções do Estado.  Isso sem contar dos que tentam usar do judiciário como uma indústria do “dano moral”.

Diante deste aspecto, o direito tem buscado prezar por uma resolução de conflitos que seja efetiva, dinâmica e rápida. Prova disto vê-se a preocupação processual na criação dos juizados especiais cíveis e criminais, a tutela antecipada e da execução provisória. Veja bem, tais medidas têm garantido que o acesso ao Judiciário seja mais efetivo. Exatamente neste contexto que surgiu a Lei de arbitragem.

Obviamente não foi tão fácil quanto esperado. A lei 9.037 de setembro de 1996, a qual dispõe sobre a arbitragem no Brasil, foi muito discutida, inclusive tendo a “necessidade” de anuência de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Afinal tudo parecia muito novo, o fato de haver “justiça privada” e liberalidade para escolher seus julgadores parecia assustador e com descrédito, afinal, até então, todos estavam habituados com o bater à porta do Judiciário.

Hoje, porém, graças ao sucesso da arbitragem e suas vantagens, tais como decisões embasadas por especialistas, bem como a agilidade nas decisões, a arbitragem tem tomado lugar de sucesso nas soluções de litígios. Tem nascido então, diversos cursos e especializações voltadas a esta forma inovadora de solução de conflito.

No cenário atual, nas transações empresariais, a arbitragem tem surgido como uma forma rápida, usando de foros especializados, assim evitando possíveis morosidades decorrentes da alta demanda de processos no Judiciário.

No entanto, não é papel da arbitragem desafogar o Judiciário, ela é uma alternativa e não sua salvação, vale citar a Prof. Selma Lemes: “é importante notar que a arbitragem não vem para solucionar os problemas crônicos do Judiciário e, muito menos, com ele concorrer. O seu papel é de coadjuvar na administração da Justiça”[1].

2.        A Arbitragem Brasileira

A lei 9.307/96 regula a arbitragem no Brasil e regula apenas a chamada arbitragem doméstica. Quanto à internacional, dispõe apenas e tão somente sobre internalizar a sentença arbitral estrangeira. Arbitragem doméstica é aquela realizada no território nacional e/ou quando a sentença arbitral é nele proferida.

A lei prevê os princípios que devem nortear a arbitragem brasileira, destacam-se alguns:

  • A possibilidade dos árbitros decidirem por equidade;
  • Seja ela administrada por uma instituição arbitral;
  • Requisitos para que uma pessoa seja nomeada árbitro;
    • Determinação pelos árbitros de medidas cautelares e coercitivas.

3.        O Direito do Consumidor e a Arbitragem

É de conhecimento dos operadores do direito que a arbitragem versa exclusivamente sobre direito disponível, matéria que não seja de ordem pública, haja vista que esta tutela é dada apenas ao Estado.

No direito consumerista, há uma “romantização” nas relações lá estabelecidas, no entanto, não deve se confundir a figura do hipossuficiente com a possibilidade de apenas tais relações serem discutidas no Judiciário. O fato do Código de Defesa do Consumidor prever proteção ao consumidor, bem como em seu artigo primeiro prever matéria “de ordem pública e interesse social”, não faz dele alguém sem capacidade de transigir, negociar ou mesmo fazer uso da arbitragem para solução de seus conflitos. Assim, jamais tal relação trata-se de direito indisponível.

Cabe ressaltar que não existe qualquer proibição em solucionar litígios consumeristas pela arbitragem. Aliás, o Código de Defesa do Consumidor diz o inverso, em seu artigo 4º, V, o texto encoraja a utilização de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;” (destacou-se).

No entanto, o problema de toda a discussão da possibilidade ou não da utilização da arbitragem no direito consumerista encontra-se no art. 51 d CDC, no referido artigo o legislador especificou um rol das chamadas cláusulas abusivas, dentre elas, em seu inciso VII, elenca as que “determinem a utilização compulsória da arbitragem”.

A professora Selma Lemos em atenção a este dispositivo, assim expressa: “Contudo, entendemos que a nova lei de arbitragem (Lei nº 9.307/96) revogou referido dispositivo, já que abordagem é nova e as premissas diferentes.[2]”

Restringir a possibilidade de arbitragem a este dispositivo é no mínimo não utilizar de uma interpretação sistemática e contextual do Código de Defesa do Consumidor. No que pese o levantado pela professora Selma sobre a revogação deste, é mister uma ótica sobre a abusividade desta cláusula, o que será discorrido posteriormente.

3.1. Arbitragem e o Contrato de Adesão

O contrato de adesão é aquele em que as partes assinam sem poder negociar suas cláusulas. Isso não quer dizer necessariamente que as obrigações são compulsórias, afinal há liberalidade para o consumidor em querer contratar ou não, nestes a lei de arbitragem outorgou-lhe tratamento peculiar, ao estabelecer que a iniciativa à arbitragem, nestas condições, deve partir do consumidor, não podendo ser imposta.

Existem, no entanto, alguns formalismos que devem ser observados, exemplo disto é a cláusula estar negritada, com visto especial ou em documento separado. São requisitos do de proteção ao consumidor e não se prestam a abusos, tais como, exigir que o consumidor assine o contrato com a cláusula inserida ou não esclarecer a ele o que significa, desta forma, a arbitragem só terá força vinculante para o proponente e não para o aderente, que poderá, se quiser, dirigir-se ao Judiciário.

3.2. A suposta abusividade de cláusulas e a arbitragem

Inicialmente, vale citar o ensinamento do professor Nelson Nery Júnior:

“Podemos tomar a expressão ‘cláusulas abusivas’ como sinônima de cláusulas opressivas, cláusulas vexatórias, cláusulas onerosas, ou ainda, cláusulas excessivas.

Nesse sentido, cláusula abusiva é aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor, aliás, por expressa definição do art. 4º., nº I do CDC.[3]

Diante deste preceito, pode concluir que a cláusula abusiva não é necessariamente aquela que é taxativa e sim uma que onere demasiadamente o consumidor, ou que, ainda, limite o seu regular exercício do direito. Deve levar em consideração o momento do contrato se foi levado em conta os princípios da boa-fé e equidade. Tal conceito é fundamental para discutir sobre a possibilidade de inserção de cláusula arbitral regidas pelo CDC.

4.        Conclusão

De um lado há a previsão legal prevista no CPC sobre os meios alternativos de resolução de conflito, por outro lado, há a no rol de cláusulas abusivas um item que traz a arbitragem “compulsória” vedada.

Conforme já trazido, a arbitragem é garantia de acesso à jurisdição de forma mais rápida e eficaz.

No entanto, conforme defendeu em seu mestrado o Prof. Tasso Duarte:

“O maior óbice apontado à instituição da arbitragem nas relações de consumo se encontra na natureza jurídica do Código de Defesa do Consumidor, definido em seu art. 1º como uma norma de ordem pública e interesse social, de um lado e, de outro, a Lei de arbitragem, no seu art. 2º, § 1º, a estabelecer que as partes podem livremente pactuar a instituição da arbitragem, escolhendo as regras de direito aplicáveis na solução do conflito, desde que não haja violação a norma de ordem pública.[4]

Assim, interpretando literalmente os dispositivos acima descritos, não haveria possibilidade da arbitragem ser utilizada como ferramenta para solução de litígios.

Porém, cumpre salientar que esses princípios, ao invés de se contradizerem, devem ser unificados. A arbitragem pode sim versar sobre o direito consumerista, no entanto ela SEMPRE deverá levar por base o CDC, assim, conforme ainda defende o Prof. Tasso: “a dúvida só encontra resposta quando, primeiro se admite a possibilidade de compatibilização dos dois sistemas e depois de questionar se desta compatibilização, resulta alguma limitação.”.

Vale ressaltar, conforme já descrito acima, no pensamento da Professora Selma Lemos, que a lei de arbitragem teria revogado o Código de Defesa do Consumidor, especificamente, o inciso VII do art. 51.

Nessa linha de pensamento, assim como o CDC não revogou o Código Civil, já que tratam de relações processuais com óticas diferentes, a Lei de Arbitragem vem somar à eficácia do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que não há prejuízo algum, muito pelo contrário, vem trazer celeridade e eficiência.

5.        Considerações Finais

Hoje, muitas empresas estão atentas à necessidade de bem atender os consumidores, através de ouvidorias, desde contato telefônico a virtual. Certamente, a resolução de conflito sempre é mais proveitosa quando feita extrajudicialmente.

Tem-se um entendimento equivocado sobre a arbitragem, aqui no Brasil, ao se falar sobre o assunto, de pronto vem à mente grandes escritórios com grandes empresas e contratos milionários. Muito se equivoca. A arbitragem vem para facilitar, e deve ser entendida como acesso a todos. Não há abusividade, há preconceito.

No artigo supracitado da Professora Selma, traz dados interessantes sobre esse receio:

“Em Portugal, os Centros de Resolução de Disputas Consumeristas são líderes da arbitragem registrando entre 2000/2001 a média de dez mil casos. A Argentina, cuja legislação de consumo também fomenta a arbitragem, regulamentou a instituição do Sistema Nacional de Consumo que, em 2022, registrou 2.698 sentenças arbitrais.”

Enfim, estamos diante de uma ferramenta eficaz, dinâmica e que pode trazer inúmeros benefícios ao consumidor, a arbitragem deve ser desmistificada e entendida como benefício a quem dela se utiliza e não como “um complô das empresas para predar os consumidores.”



[1] Artigo publicado no Jornal Valor Econômico em 01.08.03. Caderno Legislação & Tributos, p. E-2

[2] Artigo publicado no Jornal Valor Econômico em 12.08.03. Caderno Legislação & Tributos, p. E-2

[3] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos Autores do Anteprojeto, vários autores, 7ª edição, Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro/2001).

[4] Melo, Tasso Duarte de. A arbitragem e as relações contratuais de consumo. 2004. Biblio Mackenzie.